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quinta-feira, 23 de maio de 2024

30 anos do Real, o plano em que ninguém acreditou - Edmar Bacha, Pedro Malan e Gustavo Franco (Brazil Journal)

Dica de leitura (grato a Maurício David)

30 anos do Real, o plano em que ninguém acreditou

Edmar Bacha, Pedro Malan e Gustavo Franco

Brazil Journal, 23 Maio 2024 

“Foram poucas as vozes de apoio, e mesmo de reconhecimento de que valia o esforço de brigar para acabar com a inflação,” diz o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos pais Real, o plano que deu fim ao inflacionismo brasileiro.  Essas recordações estão no livro 30 anos do Real – Crônicas no calor do momento, organização Gustavo Franco (História Real; 224 páginas), que será lançado em 10 de junho. 

O volume reúne textos de Edmar Bacha, Pedro Malan e do próprio Franco, que foi o organizador da coletânea em celebração às três décadas do programa de estabilização monetária. Hoje a preocupação dos economistas é se a inflação brasileira vai ficar acima da meta oficial de 3% ao ano. Os mais jovens, entretanto, não podem imaginar o que foi viver num país em que os preços subiram em média 16% ao mês nos 15 anos que antecederam o Real. No pico da hiperinflação, ela atingiu 82% em março de 1990.   Nos trechos abaixo, retirados do livro e antecipados ao Brazil Journal, Bacha fala dos desafios pós-estabilização e Franco rememora o ambiente inóspito quando o Real foi lançado. 

O plano recebeu torpedos de todos os lados. “Nem Lula nem Bolsonaro apoiaram esse projeto quando jovens, e não estavam sozinhos,” escreve Franco. Mas a nova moeda colou – e é a mais longeva da República.  ***  

Gustavo Franco: “A construção do Real partiu de condições iniciais muito difíceis. Não foi exatamente o resultado de um consenso ou pacto facilmente construído pelo triunfo da razão, ressalvados apoios nem sempre muito convictos que obtivemos no Congresso Nacional. Os interesses associados ao inflacionismo se mostraram fortes e vocais, além de bem dissimulados, pois jamais faziam uma defesa aberta da inflação. Eram apenas, como se dizia, a crítica (democrática) ao modelo de combate à inflação, dito ortodoxo e recessivo. As circunstâncias foram sempre difíceis, dentro e fora do País. O enfrentamento e a polêmica, bem como a paciência e a consistência, foram marcas inequívocas desse trajeto. 

Nem Lula nem Bolsonaro apoiaram esse projeto quando jovens, e não estavam sozinhos. Muitos políticos, inclusive alguns amigos, diziam que as soluções que propúnhamos eram de quem não conhecia Brasília nem nada sobre as vontades do povo.  Foram poucas as vozes de apoio, e mesmo de reconhecimento de que valia o esforço de brigar para acabar com a inflação. Arnaldo Jabor era uma delas. Em 28 de junho de 1994, três dias antes da conclusão da reforma monetária que introduziu o Real, diante da quantidade e variedade de reparos à estabilização vindos de todos os lados, Jabor publicou uma crônica inesquecível, intitulada ‘País não merece vitória do Plano Real’.  A passagem mais comovente, ao menos para mim, ia ao coração do problema: ‘Não há solidão mais terrível do que ser da equipe econômica do governo.’ E a razão era simples, segundo dizia: ‘Ninguém ajudou.’ Congresso, economistas, Igreja, burguesia, artistas, intelectuais, Judiciário, conforme ele explicava em cores vivas, estavam consumidos pela descrença ou pelo torpor. Complexa a chamada ‘economia política’ da inflação. Mas o Plano avançou, transitando por duros debates e negociações. Seus resultados superaram as melhores expectativas, desarmaram as objeções e o País se encantou com a vida sem inflação. Tudo indica que fizemos uma opção para todo o sempre em 1994.”  (…)  

Edmar Bacha: “Em 1974, escrevi uma fábula sobre o reino de Belíndia, mistura de Bélgica com Índia, um País em que o crescimento econômico beneficiava somente a parcela mais rica da população. Era uma alegoria sobre a natureza do crescimento do PIB brasileiro durante a ditadura militar. Em 1984, quando da transição para a democracia, imaginei em nova fábula uma reunião de economistas no Sambódromo para discutir como dar fim à inflação no país dos contrários, em que tudo funcionava de trás para a frente, inclusive o próprio nome do país, Lisarb, e seu próximo presidente, Seven. Após a redemocratização, Mario Henrique Simonsen cunhou o termo Banglabânia, mistura de Bangladesh com Albânia, para expressar sua preocupação com o risco de empobrecimento do país como consequência das tendências autárquicas e estatizantes da Constituição de 1988. Em 1994, quando fui para o governo, Delfim Netto apresentou sua réplica à Belíndia, concebendo a Ingana, mistura de Inglaterra com Gana, para criticar o governo, que aumentava os impostos como se estivesse num país europeu enquanto oferecia serviços públicos de terceiro mundo. As manifestações de rua de 2013 trouxeram à tona outra caracterização, que denominei de Rumala, triste combinação de Rússia com Guatemala: uma elite corrupta associada a uma alta taxa de criminalidade. Como se não bastasse, ao promover a devastação da Amazônia e a ocupação pelo garimpo ilegal dos territórios indígenas, o governo de Bolsonaro me sugeriu criar Brasa, um país em chamas, completando essa peculiar lista. Esses países imaginários designam males múltiplos presentes na atualidade brasileira: desigualdade, preços surreais, pobreza, introversão, estagnação, impostos sem contrapartida de serviços, corrupção e violência, ataques ao meio ambiente e aos povos originários. Sombrios como parecem ser os tempos atuais, é preciso manter o senso de perspectiva. Em 2019, comemoramos 130 anos de República. Na transição do Império para a República, na última década do século XIX, o Brasil tinha apenas 14 milhões de habitantes, dos quais 82% eram ágrafos e apenas 10% viviam em áreas urbanas. A renda por habitante era pouco maior do que US$ 1 mil em preços de hoje. Atualmente, o Brasil tem 203 milhões de habitantes, com o analfabetismo reduzido a 6% da população adulta: uma população em sua imensa maioria urbana (85%), dispondo de uma renda anual por habitante da ordem de US$ 15 mil. São avanços inegáveis, mas que empalidecem quando comparados aos níveis mais altos de bem-estar dos países ricos. Entre 1920 e 1980, o Brasil seguiu uma trajetória de alto crescimento e parecia destinado a se incorporar ao conjunto dos países mais avançados. Essa trajetória, entretanto, estancou-se na crise da dívida externa do início dos anos 1980, a qual gestou um processo de alta inflação de que só nos livramos com o Plano Real, em 1994. Avaliando o Plano Real em 1997, três anos após sua implantação, celebrei o fato de ele ter sido bem-sucedido em baixar as taxas de inflação e mantê-las baixas. Mas observei que ainda era preciso produzir uma tendência econômica na qual o controle inflacionário se conjugasse com crescimento econômico sustentado e equilíbrio das contas externas. O equilíbrio das contas externas pôde ser alcançado a partir da introdução, em 1999, do chamado tripé da política econômica: superávit primário no Orçamento do governo, câmbio flutuante e metas de inflação. Com a manutenção do tripé pelos governos do PT, a partir de 2003, e a ajuda do auge das commodities na primeira década do século XXI, o país conseguiu superar as crises de balanço de pagamentos da década de 1980. Isso ficou demonstrado no enfrentamento da crise financeira internacional de 2008, quando o governo pôde praticar uma política expansionista sem temer uma parada súbita na entrada de capitais externos. O Plano Real permitiu, assim, abolir dois males históricos da economia brasileira: a alta inflação e as crises de balanço de pagamentos, que ainda hoje tanto atormentam a Argentina. No entanto, afora curtos espasmos determinados pelo ciclo das commodities, o Brasil continuou a crescer a taxas muito baixas. Não se trata de fenômeno incomum. É conhecido como a armadilha da renda média na literatura internacional. Uma coisa é transitar da renda baixa para a renda média. Outra coisa é sair da renda média para alcançar o nível de renda dos países ricos.”


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