Cenas de um “fiasco” anunciado: o caso de Itaipu
Por: Tomaz Espósito Neto (Professor Associado da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)).
No dia 07 de maio de 2024, o Ministro de Minas e Energia, Alexandre da Silveira, anunciou, durante uma viagem surpresa Assunção no Paraguai, o acordo brasileiro-paraguaio sobre a renegociação dos termos financeiros da energia produzida por Itaipu Binacional, em especial do Anexo C do Tratado de Itaipu (1973).
Passados alguns dias, as primeiras análises sugerem que o acordo é “terrível” e os termos “indecentes” para o Brasil. O presente artigo objetiva apresentar uma breve síntese das principais críticas ao acordo.
O sigilo das negociações e o timing do acordo. Itaipu é uma enorme represa binacional que gera uma enorme quantidade de energia limpa e renovável. Em 2023, produziu 83.879 GWh, o que corresponde à 8,6% do mercado elétrico brasileiro e 86,4% da energia consumida pela sociedade paraguaia. Ademais, essa barragem é uma obra complexa de engenharia e de arquitetura político-econômica feitas por Brasil e Paraguai. Ambos sócios equânimes da hidroelétrica, em que pese as suas assimetrias de poder.
A despeito de sua importância e de seus reflexos socioeconômicos para o Brasil e para a região, as negociações em torno desse acordo quase passaram incólume pelos noticiários brasileiros. Aliás, o anúncio fora feito em meio a comoção pela terrível tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul. Impediu, assim, uma análise dos termos do acordo e um necessário debate democrático dos stakeholders do mercado elétrico brasileiro.
Atores e as dinâmicas das negociações. Desde o início dos debates em torno de repactuação do Anexo C, o Itamaraty estava à frente das negociações. Ao Ministério de Minas e Energia (MME), à Assessoria para Assuntos Internacionais do Palácio do Planalto, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e à Itaipu Margem Esquerda (margem administrada pelo Brasil), caberia o papel de fornecer elementos e dados para os diplomatas brasileiros e, em última instância para o Presidente Lula, acertarem os termos da negociação.
No entanto, diversos grupos políticos, como Partido dos Trabalhadores, capitaneada pela Deputada Gleisi Hoffmann, e parte da base aliada do atual governo defendem um acordo com tarifas mais altas e flexível. Com isso, Itaipu poderia realizar investimentos fora da sua área de influência, como o investimento de R$ 1,3 bilhões em obras de infraestrutura em Belém no Pará. Ademais, os gastos de Itaipu possuem regras mais “flexíveis”. Os investimentos não passam pelas agências de controle estatal, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU), em virtude da sua natureza jurídica internacional. As discussões bilaterais sobre os padrões de governança corporativa da entidade binacional estão “paradas” em alguma gaveta em Brasília-DF e em Assunção. Aparentemente, não há vontade política de se fazê-lo.
Assim, a visita de surpresa do Ministro Alexandre da Silveira e a forma midiática do anúncio do acordo indicam duas coisas. O Ministro de Minas Energia, em busca de um protagonismo político individual, atropelou as instituições de Estado. Escancarou a fragilidade do Ministério de Relações Exteriores, o qual foi “atropelado” nas negociações. Teria o Presidente Lula dado anuência à essa ação espetaculosa à margem da Casa de Rio Branco? Não se sabe a resposta, mas é improvável o Palácio do Planalto não soubesse de tal ação.
Termos do Acordo. Outra consequência indesejável da ação espalhafatosa do Ministro Alexandre da Silveira é a perda da posição dominante que o Brasil possuía nas negociações. Afinal, o Anexo C de 1973 previa a comercialização pelo preço de custo da energia gerada por Itaipu. Segundo estudiosos, esse valor seria algo entre US$ 10 – 12 /kW mês (quilowatt-mês). Qualquer tribunal arbitral internacional daria razão ao pleito brasileiro.
Como sinal de boa vontade, o governo Lula aceitou pagar uma tarifa provisória de US$ 17,66/kW mês (quilowatt-mês), isto é, acima dos custos previstos no Tratado e dos valores do mercado livre de energia. Assim não é verdade que a tarifa acordada de US$ 19,28 até 2026 seja benéfica ao consumidor brasileiro.
Ademais, o Ministro de Minas e Energia anunciou que o governo federal subsidiará a eletricidade e não repassará o aumento para os clientes finais. Esse subsídio fere, de maneira evidente, as normas internacionais de comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC). Com isso, todo o setor industrial brasileiro poderá ser questionado no Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC. Com isso, o país poderá ser alvo sanções econômico-comerciais e de medidas protecionistas.
Na ocasião, o Ministro Alexandre da Silveira anunciou a promessa paraguaia de que , a partir de 2027, a tarifa será de até US$ 12,00/kW mês (quilowatt-mês). Essa energia seria vendida, diretamente, ao mercado livre de energia do Brasil.
Contudo, existem alguns problemas. A energia fornecida por Itaipu está acima do valor médio praticado pelo mercado livre de energia. Ao permitir a venda, a operação será uma importação de energia, a qual incidem tributos como Imposto de Importação (II) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Portanto, a energia chegará ao mercado livre muito acima dos valores prometidos. Ademais, a história demonstrou que o Paraguai nunca cumpriu as promessas relativas às tarifas. Ao se acompanhar os debates na imprensa paraguaia, representantes das mais diversas matizes ideológicos defendem a não ratificação do acordo do valor da energia em torno US$ 12,00/kW mês (quilowatt-mês). Não foram aparentadas as garantias paraguaias do cumprimento do acordado. As autoridades brasileiras continuaram a crer na “La Garantia Soy Yo”. A questão certamente voltará a baila em 2027. Não obstante, o Paraguai estará na posição privilegiada nos debates.
Obras complementares. Em paralelo às discussões de Itaipu, ganhou força o debate da construção de um gasoduto de Vaca Muerta na Argentina até o Mato Grosso do Sul, o qual passaria por território paraguaio. Esse projeto possui algumas questões a serem clarificadas.
Essa opção visa privilegiar o Paraguai, o qual seria intermediário da venda do gás da Argentina ao Brasil. O Estado brasileiro daria todas as garantias de mercado e o financiamento do empreendimento.
No entanto, existem opções mercadológicas mais viáveis, tais como a interconexão do gasoduto de Vaca Muerta no Rio Grande do Sul, sem passar pelo território paraguaio. Outra opção é a utilização comercial do gás da Bacia de Santos em São Paulo Por fim, fazer cumprir o acordo do gasoduto Brasil – Bolívia. O governo boliviano, a despeito de receber o valor integral da venda do gás, não entrega o acordado. Ademais, estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do MME indicam a possibilidade de ampliação da produção de Itaipu pelo uso de novas tecnologias e materiais, as quais ampliariam a eficácia energética, aumentariam a oferta e reduziriam os valores da energia da represa binacional.
Não se resolveu também a questão de obras previstas no Tratado de 1973, tais como as eclusas em Itaipu, as quais permitiram a interconexão entre a hidrovia Tiête-Paraná com o restante da Bacia do Rio da Prata. Esse tema certamente voltará à baila futuramente.
O que fazer então? Cabe ao Parlamento, em especial ao Senado brasileiro, e ao Supremo Tribunal Federal (STF) colocarem freios aos arroubos do Executivo, em especial do Ministro Alexandre da Silveira. Os impactos de um mal acordo terá efeitos negativos duradouros para toda sociedade brasileira. É necessário não ratificar e rediscutir os termos do pacto. Ademais, deve-se construir uma agenda bilateral positiva. Afinal, o Acordo de Itaipu deve ser benéfico para ambas as partes, e não apenas ao Paraguai.
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