OCDE: MENOS IDEOLOGIA E MAIS PRAGMATISMO
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 14/05/2024
Um dos objetivos declarados da política externa do atual governo, é o presidente Lula ser visto como uma ponte entre o chamado Sul Global e os países desenvolvidos. Sem entrar no mérito dessa visão governamental - se é factível ou de interesse do Brasil - o governo brasileiro tem uma oportunidade de tentar implementar essa política, nos próximos dois anos, com a realização no Brasil das reuniões do G20, da COP 30 e da reunião do BRICS.
Com esse pano de fundo, o governo brasileiro poderia reforçar sua posição como um canal confiável de comunicação e de influência na definição de políticas que poderiam interessar a todos no Sul Global e entre os países desenvolvidos. O governo brasileiro poderia considerar objetivamente as vantagens que poderia obter na hipótese de levar adiante as negociações com o ingresso na OCDE, tornando-se o primeiro membro simultaneamente da OCDE e do BRICS.
Iniciadas na década de 90, as relações com a OCDE foram intensificadas gradualmente nos governos Cardoso, Lula e Rousseff. Em 2015, o então Chanceler Mauro Vieira assinou acordo de cooperação com a Organização. Em 2017 o Brasil submeteu pedido de adesão à OCDE, mas o seu processo de acessão foi iniciado em 2022 juntamente com Bulgária, Croácia, Romênia, Peru e Argentina. O atual governo, no entanto, decidiu congelar as negociações. A OCDE é parte integrante do G20, e subsidia os países membros com dados e elementos de análise para as discussões. Mas, neste ano, pela primeira vez na história do G20, o governo brasileiro resolveu rebaixar a OCDE como uma das organizações centrais na preparação para a Cúpula do Rio de Janeiro e inclui-la apenas como “convidada” em vários nos trabalhos do Grupo.
Quais as vantagens que o Brasil poderia obter se avançasse nas negociações com a Organização integrada por países desenvolvidos e em desenvolvimento?
Em primeiro lugar, o Brasil estaria participando e influindo na definição de políticas econômicas, comerciais, sociais e ambientais que são discutidas e aprovadas no âmbito da OCDE e que são aplicadas internacionalmente, mesmo por países fora da OCDE. O Brasil poderia participar plenamente dessas discussões e ser uma das principais pontes com os países do Sul Global, que têm interesse em influenciá-las. Poucos países têm os requisitos e atributos para cumprir com esse papel de modo efetivo e em favor da reforma da governança econômica internacional, especialmente em conjuntura marcada por tensões econômicas internacionais.
A perda de influência relativa que o Brasil vai sofrer com a ampliação do BRICS poderia ser compensada com o aumento da influência na formulação de políticas no âmbito da OCDE. As prioridades que o governo brasileiro elegeu para as discussões no G20 – transição energética, combate a fome e a pobreza e nova governança global - poderiam ganhar o apoio da OCDE.
A OCDE deixou de ser o “clube dos ricos”. Busca ser mais inclusiva, com espaço para maior influência dos países do Sul. Não há condicionalidades, como retirar-se do G77 ou de outros grupos. O ingresso à OCDE não implica que suas diretrizes e recomendações sejam aplicadas de imediato aos países membros, podendo cada um a seu modo demonstrar a consistência de suas legislações e práticas com essas regras, podendo, inclusive, solicitar reservas, exceções e outros termos negociados ao longo da acessão. Já são membros plenos da OCDE o México, Chile, Colômbia (os três com governos de esquerda), Costa Rica e Turquia. Pediram para serem considerados a Indonésia e a Argentina, que, por ora, preferiram a OCDE ao BRICS. Recentemente, a Tailândia, outro membro da ASEAN, solicitou ingresso na OCDE. Não fosse pela defesa de seus respectivos interesses, esses países se retirariam ou não pediriam para associar-se à OCDE. A entrada da Argentina poderia ser muito negativa para o Brasil, caso seja mantida a política brasileira de não adesão a OCDE, pela vantagem competitiva que Buenos Aires teria em relação a Brasília, entre outros aspectos, na atração de investimentos do exterior.
Por todas essas razões, a volta do Brasil a mesa de negociação com a OCDE beneficiaria o país, o atual governo e o setor privado, do ponto de vista do interesse nacional. Pragmaticamente, ajudaria a tirar do governo atual a marca de uma defesa intransigente de questões partidárias e ideológicas, que surgem das manifestações oficiais de alto nível sobre a guerra na Ucrânia, sobre a reação de Israel em Gaza, sobre a atitude em relação a regimes autocráticos na América Latina (Venezuela, Cuba, Nicarágua) e outros países (Irã, Rússia), sem falar sobre questões de política econômica interna.
O ministro Mauro Vieira participou recentemente de reunião ministerial da OCDE, e se reuniu com o Secretário-Diretor Geral da Organização. Segundo se informou, teria sido discutido o atual estágio da negociação sobre a acessão do Brasil como membro pleno, mas não ficou claro se as restrições políticas da presidência da República teriam sido superadas.
Como todos os países estão fazendo hoje - atuando na defesa de seus próprios interesses - a questão da entrada do Brasil na OCDE tem de ser tratada como estratégia de Estado, com menos ideologia e mais pragmatismo.
Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e Londres e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE).
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