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quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Brasil: antecipando a derrocada - Paulo Roberto de Almeida e Cora Ronai

Cora Ronai, filha do grande, do enorme, do gigantesco intelectual que foi Paulo Ronai — salvo de uma morte quase certa na Hungria fascista por um diplomata brasileiro, Ribeiro Couto, outro grande intelectual —, Cora Ronai, eu dizia, nos leva de volta ao passado, ali pertinho, três anos atrás, 2016, para nos provar que a nossa vida, em especial a dos cidadãos cariocas e fluminenses, pode, sim, piorar, e bastante.
Pois eu, que não sou astrólogo, nem guru, como certo Rasputin de subúrbio, aquele subsofista da Virgínia, ouso prever que em menos de três anos, ou seja aí pelo início de 2022 — por acaso o ano de nosso Bicentenário da independência —, nossa vida, a minha, a de vocês, a de todos nós, terá piorado muito mais, em aspectos que vcs nem ousam imaginar. Esqueçam a mediocridade do crescimento - que é garantido -, esqueçam as reformas mal feitas, obra de um parlamento de assaltantes a céu aberto, esqueçam a desmoralização trazida pelos novos aristocratas do Antigo Regime, que são os membros do judiciário (com jota bem menor do que o rest), esqueçam os capitalistas promíscuos, que continuarão existindo graças a esses últimos, esqueçam as corporações sanguessugas que continuarão mamando nas tetas cada vez mais exauridas do Estado, esqueçam tudo isso. Nossas vidas ficarão culturalmente e moralmente mais degradadas porque estamos entregues a um bando de bárbaros ignorantes — uma redundância, eu sei — que são estúpidos ao ponto de cavar sua própria sepultura, que é também a nossa.
Não quero ser profeta do apocalipse, mas ouso predizer que o Brasil está afundando na decadência e na mediocridade, ambas encomendadas por elites ineptas e corruptas.
Sorry meus poucos leitores...
Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 9/10/2019

O bicho pega, o bispo come
Cora Ronai
O Globo, Segundo Caderno, 6.10.2016

Tenho uma certa inveja dos paulistas, que resolveram as eleições no primeiro turno e agora podem voltar a cuidar da vida. Conheço gente que gosta do Dória e gente que odeia o Dória; o grosso dos meus amigos, porém, votou nulo ou sequer saiu de casa para votar. Alguns desistiram do Haddad na última hora, quando ele convocou Lula para o seu palanque. Entendo eles. Entendo quem ficou em casa nessas eleições, entendo quem resolveu não compactuar com o jogo político.

Em circunstâncias normais, eu também não teria saído de casa dessa vez. Mas saí. A única coisa mais deprimente do que votar sem entusiasmo, escolhendo um candidato apenas para que outros não se elejam, é ver esses outros eleitos. 

Sim, o resultado poderia ter sido pior. Poderia ter dado Jandira e Bolsonaro, por exemplo. Ou Crivella e Jandira. Ou Bolsonaro e Crivella. Ou aquele cujo nome esqueci, o “Vote 16 contra burguês!”, e qualquer um desses.

Crivella e Freixo. Freixo e Crivella.

Não há perspectiva pela qual eu olhe para este resultado e ele me pareça sequer minimamente bom. Tenho alguma simpatia pelo Freixo como pessoa: acho que está equivocado politicamente, mas acho também que erra mais por tentar se colocar no lugar dos outros do que por má fé deliberada, coisa que não posso dizer do seu adversário. Detesto o seu partido, raivoso, arrogante, autoproclamado detentor de todas as virtudes. Detesto a sua militância patrulheira, que cada vez mais me confirma as razões para este sentimento e que me faz ter vontade de votar nulo até quebrar a urna. 

Ainda por cima ele tem o apoio da Jandira e do Lindbergh.

Mas não consigo me imaginar votando em Crivella nem no pior pesadelo: um demagogo cínico de fala macia que nunca teve o menor remorso em explorar as camadas mais fragilizadas da população, um homem que faz qualquer coisa para se dar bem. Aceitou ser ministro da pesca (!) da Dilma -- ministro da Dilma, gente, não esqueçam -- e, com a maior desfaçatez, votou pelo impeachment. Lealdade zero. Traz a família Garotinho de volta ao poder, junto com as forças mais obscurantistas e retrógradas do país.

Não é fácil escolher entre Jandira, Lindbergh e Garotinho. Não é fácil escolher entre as igrejas de Freixo e de Crivella. Mas ainda prefiro uma igreja desmoralizada, como a do Freixo, que vai ter que dialogar com quem pensa diferente se quiser se eleger e governar, a uma igreja em franca ascensão, como a do Crivella, que se basta a si mesma e não precisa de mais ninguém. Prefiro uma igreja que será no máximo uma questão local e dificilmente vai se expandir, do que dar púlpito a uma igreja que cresce a olhos vistos e já tem raízes fortes espalhadas pelo país.

Eu consigo olhar para a cara do Marcelo Freixo e ter uma conversa; eu não consigo olhar para a cara do Marcelo Crivella.

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Mas, como não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar, mal o resultado foi divulgado, piorou: o discurso de Freixo na Cinelândia foi perfeito… para afastar os votos de que ele precisa. A militância achou lindo.

“A cidade é nossa!”

Não, migxs, lamento informar, mas a cidade não é vossa. Vossa é a Zona Sul, e ainda assim com ressalvas. A cidade, o todo da cidade, aquelas grandes áreas da cidade em nome das quais vocês pretendem falar, é do bispo, o real candidato dos pobres. Ele tem votos que vocês nunca vão conseguir ganhar, porque ali nos cafundós, ali onde não chegam nem luz nem água nem candidatos a cargos políticos, ali, onde a ausência do estado é absoluta, ali, naqueles cafundós, há uma igreja, e há um pastor, e esse pastor não vota no Freixo.

“Abaixo o golpe!”

Bravo, migxs. Com três míseras palavras vocês conseguiram alienar e ofender todo mundo que não acha que o impeachment foi golpe — e que, acreditem, é um bocado de gente. E, surprise!, um bocado de gente que tem, justamente, os votos de que vocês precisam. 

“Fora Temer!" 

Isso, migxs, isso. Só que o Temer, esse do “Fora!”, é, por acaso, presidente do Brasil, país no qual se localiza a nossa Muy Leal e Heróica. Que vai precisar de verbas federais, aquela coisa que não está sobrando. Temer, esse do “Fora!”, leva formalidades a sério, gosta que lhe deem importância e guarda mágoas. Tudo isso estava explicito na famosa carta em que se queixava de ser um vice decorativo, lembram? Pois lembrem-se, façam um esforço. Ninguém precisa amar Temer ou fazer-lhe juras de amor — na verdade, acho que só a Marcela ama o Temer — mas convém a quem quer governar uma cidade, ainda mais falida feito a nossa, não hostilizá-lo como primeiro ato público de campanha. Porque quando um presidente cisma com uma cidade, ele pode fazer muita coisa para atrapalhar. Nós sabemos bem disso aqui no Rio. Sofremos muito com prefeitos e governadores que antagonizaram presidentes, e só saímos (um pouco) da rua da amargura quando o PT e o PMDB fluminense foram para a cama, mas hoje ninguém quer mais lembrar disso, que tempos aqueles. 

Sei lá, é só uma opinião, mas Freixo, ó, por caridade, começa a falar para quem não votou em você, quem não gosta do Psol e quem não te acha o rei da cocada preta, ou o Crivella ganha.

Não com um, mas com os dois pés nas costas. 

(O Globo, Segundo Caderno, 6.10.2016)

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