Pensamento Econômico no Brasil
Primeira Parte: Colônia,
Independência até à Proclamação da República
Ralph Miguel Zerkowski
Economista (In
memoriam)
Revista Aeronáutica,
n. 304, 2019, pp. 16-17 (ISSN: 0486-6274; www.caer.org.br)
Há poucas ideias econômicas na Idade Antiga e na
Idade Média. Na primeira, o primado do Direito e, na segunda, as ideias
religiosas. Na Antiga, os filósofos Platão e Aristóteles. O primeiro falando do
meio rural e, o segundo, do político embrião da economia. Já na Média, a
questão da ética religiosa e dos juros com Tomás de Aquino, dentre outros.
A partir dos séculos XVI, XVII e XVIII é que as
ideias econômicas florescem impulsionadas pelos movimentos de Reforma e do
Renascimento, bem como pelas necessidades administrativas dos governos,
sobretudo pela operação da colonização.
Neste período, é muito importante a estruturação
do governo, que resultaria no século XIX na formação do Estado-Nação. É nele
também que florescem as primeiras ideias puramente econômicas, que vão se
desvinculando das ideias filosóficas e religiosas, ao menos parcialmente.
Aparecem os Fisiocratas, pioneiros do
Liberalismo Econômico, com ênfase na Agricultura e na produção dela derivada.
Seguem-se os Mercantilistas, mais realistas, introduzindo o padrão ouro e
vinculados ao Patrimonialismo, à doutrina da intervenção estatal no domínio
econômico e ao protecionismo, que anos mais tarde teriam uma enorme importância
na agenda dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
De uma maneira geral, Adam Smith, com seu livro Riqueza das Nações (1723-1790), é
considerado o Pai da Ciência Econômica e é, até hoje, o mais homenageado, e a
ele sempre se retorna, pois discursou sobre todos os temas: divisão do
trabalho, preços, custos, salários, comércio internacional, desenvolvimento econômico,
História econômica e social. Teve ampla repercussão na Europa e nos Estados
Unidos.
E Portugal nisto tudo, como se apresenta? Sendo
um país periférico, ora influenciado pela França, ora economicamente dependente
da Inglaterra, oscila, mas a balança pende para o Mercantilismo e para o
Intervencionismo; pouca racionalidade econômica anglo-saxônica. Isto é objeto
de discussão de Raimundo Faoro em sua obra Donos
do Poder, que terá importantes desdobramentos conforme veremos a seguir.
Entretanto existem segmentos liberais mesmo em
Portugal. Existem contradições; afinal o Colbertismo mercantilista-protecionista
é francês, da mesma forma que a Fisiocracia é mais liberal. Portugal, como mais
tarde no Brasil, pela influência inglesa, chegaria com um certo atraso.
O pensamento básico na colônia brasileira é
influenciado logicamente por Portugal, por definição. À medida que se penetra
no século XIX, a influência inglesa é percebida, sobretudo pela vinda de
comerciantes ingleses vinculados ao comércio internacional. Há quem fale em modernização
econômica, que mais tarde no século XX seria exercida pelos Estados Unidos. 1
Um episódio marcante tanto para a Economia como
para o pensamento econômico da época é a vinda do rei de Portugal, D. João VI,
para o Brasil: abertura dos portos, criação do Banco do Brasil, além de outros
polos de desenvolvimento econômico. A importância destes fatos só pôde ser
avaliada recentemente por estudos e pela aplicação de análise econômica
moderna.
E os intelectuais da época? O que pensavam? Os
Bonifácio Andrada encaravam o problema econômico como parte de um problema
maior: o da reafirmação do Brasil como nação, sobretudo considerando os problemas
administrativos decorrentes da Independência. A grande exceção é o Visconde de
Cairú, uma espécie de Adam Smith tropical. Sua obra principal de nosso
interesse é Princípios de Economia
Política, de 1804. Elaboraria mais tarde um Código de Comércio (1809). Além de tudo foi o inspirador da
tradução da obra de Smith para o português, em 1812. Recebeu influências
importantes dos autores do Iluminismo escocês, dentre os quais destacamos David
Hume e Edmund Burke.
Quais eram os temas econômicos mais tratados
nessa época? Se a atividade econômica era, sobretudo, associada ao comércio
internacional, à exportação e à importação, por via de consequência, o câmbio,
ou melhor, a taxa cambial é que era objeto das atenções, já que influenciavam
de modo decisivo a expansão e a distribuição da Renda Nacional. Assim é que, se
a taxa melhorava, aumentava a renda
nacional, a das pessoas e a do governo. Se ao contrário, ela se contraía, isto
redundava em problemas internos para a produção, ou seja, se o dinheiro
circulava ou não, afetava outros setores, principalmente o comércio.
Naturalmente a gestão das finanças públicas era
de crucial importância, não somente para o governo central como para as
províncias. Eles eram pressionados a resolver a insuficiência de meios que
havia numa nação recentemente emancipada, com um aparelho estatal deficiente e
com encargos de toda a natureza. Por exemplo, certas nações, sobretudo as de
colonização inglesa, conforme foi visto mais tarde, herdariam máquinas administrativas
mais eficientes, muito embora em alguns casos terminassem também por se
desestruturarem.
Outro objeto de preocupação, decorrente em parte
dos déficits públicos, era a gestão da moeda. A cobertura destes buracos ora se
fazia por emissões de moeda, ora por empréstimos que redundavam em
desvalorizações, e só não provocavam maiores estragos porque o país era formado
por um conjunto de ilhas econômicas não integradas, de modo que o impacto sobre
os preços de certa forma se diluía. Mais tarde, já na República, sobretudo a
partir dos anos 30 do século passado, esta atenuante viria a cair.
Claro que estes fenômenos despertariam a
curiosidade de certa elite pensante, resultando em explicações mais ou menos
condizentes com o nível de conhecimento de Economia à época. Nestas arengas
entravam médicos, engenheiros, e, naturalmente, advogados, juristas, além de
letrados de uma maneira geral. Em boa parte do Império os estudos eram feitos
em Portugal, Coimbra principalmente.
Aumentando um pouco o espectro visual, diferente
era a situação no tocante às ideias econômicas nos Estados Unidos, aonde,
principalmente após a Guerra da Secessão aos 60 do século XIX, a demanda por
Economia se fazia necessária, sofrendo influências da Inglaterra e, também, da
Alemanha. Naturalmente isto também está relacionado ao desenvolvimento das universidades
de uma maneira geral.
Infelizmente não pudemos pesquisar o ensino de
Economia nas faculdades de Direito do Recife, da Bahia, de São Paulo e do Rio
de Janeiro, já na segunda metade do século XIX, quando o ensino de Economia se
concentrava em termos mais sistemáticos. Isto ficaria mais claro no século XX.
É lícito supor que a influência seria a francesa, já que a intelectualidade
também assim o era. 2
No Reino Unido, à medida que Smith, Malthus,
David Ricardo e Stuart Mill iam produzindo os seus livros, os famosos clássicos
da Ciência Econômica, seu conteúdo era discutido no Parlamento inglês. No
Brasil, os fatos econômicos eram também discutidos no Parlamento e, talvez,
tenha sido o local mais importante aonde se podem aquilatar melhor o teor das
ideias que então circulavam. 3
Como vimos, o quadro brevemente traçado é
relativamente pobre. As pressões, sobretudo as urbanas, só se fariam sentir ao
longo do século XX, ou seja, na República. Há que assinalar as repercussões das
duas grandes guerras mundiais, que foram decisivas, e, no plano externo e no
interno, a Revolução de 1930.
Notas:
1 Importante assinalar uma importante diferença
entre Brasil e Estados Unidos. Neste, a influência da corrente migratória
denominada Mayflower (1609-1622) se transferiu para os Estados Unidos em
virtude das perseguições religiosas, que afetariam profundamente a vida
cultural do país. Foi uma das fontes de inspiração weberiana para descrever a
ética protestante e explicar o atraso relativo em países católicos.
2 Na Filosofia, a Escola de Tobias Barreto seria
famosa.
3 A Editora da Câmara dos Deputados tem uma
coleção de discursos avultando Bonifácio de Andrada, José de Alencar e José
Antonio Saraiva, chegando a Santiago Dantas.
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