Ernesto Araújo sobre o presidente eleito Alberto Fernández, da Argentina
Introdução por Paulo Roberto de Almeida
O chanceler acidental se expressa por twites. Nada contra, se pelo menos eles fossem minimamente coerentes com certa deontologia diplomática, que recomenda nunca ofender os vizinhos, mesmo que você, pessoalmente, possa discordar da filosofia política, da religião, das opções econômicas ou do modo de vestir de seus contrapartes. Representando um país, seria recomendável manter certo recato, discrição, cortesia, gentileza, boa-vontade e predisposição para o diálogo respeitoso e aberto à cooperação, em benefício de milhões de concidadãos que podem não partilhar de sua ideologia ou crenças políticas, e que tiram muito do seu sustento nas trocas comerciais e vários outros tipos de intercâmbios com esses vizinhos.
Ofender vizinhos logo de partida não constitui apenas o mais deplorável comportamento antidiplomático, mas uma simples demonstração de grosseria gratuita, sem qualquer benefício que possa ser alcançado em seu próprio proveito. Trata-se de uma perfeita demonstração de uma daquelas atitudes que o historiador italiano Carlo Maria Cipolla analisou em seu magnífico panfleto sobre As Leis Elementares da Estupidez Humana, ou seja, causar mal aos outros, sem retirar nenhum benefício para si próprio.
Por falar em mal, a referência a “forças do mal” remete a um tipo de discurso teológico ou religioso, que se acomoda muito mal, ou praticamente nada, a uma postura diplomática isenta de vieses ideológicos ou apenas cordata, como soem ser a quase totalidade dos diplomatas profissionais.
Outro registro curioso a ser observado nos twites do chanceler é o seu profetismo apressado, antecipando de imediato — ou seja, sem sequer aguardar alguma declaração formal do presidente recém eleito — que as políticas do futuro governo serão essas descritas: fechamento comercial, economia retrógrada e apoio a ditaduras. Mesmo que os twitaços não tivessem sido feitos em meio a uma tournée diplomática por algumas das ditaduras mais vistosas do mundo, esse profetismo totalmente subjetivo já seria uma terrível ofensa, não apenas aos novos governantes do país vizinho, como à própria inteligência da diplomacia brasileira, que jamais tinha se deixado arrastar a grau tão extremo de descortesia antidiplomática.
O chanceler acidental faria bem se deixasse todas essas grosserias ao próprio presidente, que já se arvorou em juiz universal dos bons comportamentos eleitorais, ao dizer que o povo argentino “escolheu mal”, o que é uma nova agressão gratuita a um povo consciente de sua plena soberania política e sua liberdade de escolha.
O presidente — notoriamente inepto em política externa, senão em todas as demais vertentes das políticas públicas — e o seu chanceler acidental estão cavando um fosso nas relações bilaterais e no âmbito do Mercosul com o nosso mais importante vizinho, depois de já terem isolado o Brasil de uma lista enorme de outros grandes parceiros tradicionais, para não relembrar que ambos já expuseram a diplomacia brasileira ao ridículo universal, com suas atitudes histriônicas e francamente inadequadas, segundo padrões consagrados em nossa história ou num simples manual de boas maneiras, não apenas as diplomáticas.
Os quatro twites do chanceler acidental reproduzidos abaixo constituem, em minha opinião, exemplos execráveis de tudo o que não poderia ocorrer nos anais da diplomacia brasileira, agregando aos muitos registros deploráveis já acumulados no curto espaço de menos de um ano, este que já pode ser classificado de anus horribilis da diplomacia brasileira. Espero que esse espetáculo de horror tenha um fim o mais breve possível.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 28/10/2019
Twites de Ernesto Araújo em 28/10/2019:
1/Não há muita ilusão de que o fernandez-kirchnerismo possa ser diferente do kirchnerismo clássico. Os sinais são os piores possíveis. Fechamento comercial, modelo econômico retrógrado e apoio às ditaduras parece ser o que vem por aí.
2/As forças do mal estão celebrando. As forças da democracia estão lamentando pela Argentina, pelo Mercosul e por toda a América do Sul. Mas o Brasil continuará inteiramente do lado da liberdade e da integração aberta.
3/A esquerda é totalmente ideológica no apoio aos regimes tirânicos da região. Mas, quando se relaciona com as democracias (das quais depende), a esquerda pede “pragmatismo”. Curioso. “Pragmatismo” significa sempre a direita se acomodar aos interesses da esquerda.
4/Seremos pragmáticos na defesa dos princípios e interesses do Brasil: um Mercosul sem barreiras internas e aberto ao mundo, uma América do Sul sem ditaduras.
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