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sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Mercosul: revisão da TEC, redução unilateral pelo Brasil, prós e contras - Mailson da Nobrega, Paulo Nogueira Batista Jr.

Não vou me pronunciar agora, pelo menos não em detalhe. Sou a favor, primeiro de uma proposta brasileira, para uma revisão baixista da TEC conjuntamente. Se não houver acordo, o Brasil deveria propor uma resolução do Conselho do Mercosul, autorizando os países a negociarem livremente com terceiras partes acordos de livre comércio, preservando a cláusula MFN para dentro.
Se não for possível, o Brasil pode, então, denunciar o Mercosul, mas isso só será efetivo em dois ou três anos.
Só em último caso, proceder a uma revisão unilateral, com ou sem autorização do Mercosul.
Em todas essas etapas, progressivas e graduais, nunca imediatas, o Brasil deve proceder a uma REVISÃO interna de sua estrutura tributária, no sentido de reduzir TODOS os gravamos incidindo sobre a produção interna e sobretudo sobre a exportação. Acho que isso vai ser o mais difícil, mas é IMPRESCINDÍVEL, pois o Estado brasileiro é o principal criminoso em toda essa empreitada.
Claro, quando falo de Estado, estou falando de todos nós: os três poderes, perdulários e gastadores, os industriais, e os consumidores carneiros, que concedem pagar caro para alimentar os ogros famélicos descritos mais acima.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 1/11/2019

Por Maílson da Nóbrega
Blog do Mailson na Revista Veja, 12 mar 2018, 08h23








É preciso abrir a economia. E de forma unilateral

A abertura objetiva expor a indústria à competição internacional, aumentando a eficiência e a produtividade


No meu último post, mostrei como o longo período de protecionismo tornou a nossa economia uma das mais fechadas do mundo. A abertura levada a efeito na segunda metade dos anos 1980 e na primeira dos anos 1990 começou a ser revertidas no governo de FHC. A situação piorou nos governos do PT, particularmente no período de Dilma Rousseff.
Vários estudos mostram que uma economia aberta expõe sua indústria a pressões competitivas que contribuem para a inovação e para a busca de eficiência. Os decorrentes aumentos de produtividade tornam a indústria mais competitiva e mais capaz de exportar e de competir com produtos estrangeiros.
Não à toa, os países desenvolvidos têm tarifas de importação inferiores a 5%. Nos Estados Unidos, andam por volta de 2,5%. A brasileira está perto de 20%.
Semana passada, o governo americano adotou na uma ação protecionista. Impôs 25% de impostos sobre as importações de aço e de 10% sobre as de alumínio, erro grave que pode gerar retaliações. Essa não é a prática usual naquele país.  É provável que cedo ou tarde o erro será reparado.
Voltando ao Brasil, estudo recente do Banco Mundial mostrou que seis milhões de brasileiros poderiam sair da linha de pobreza se o país abrisse mais sua economia. Em consequência dos ganhos de produtividade, o potencial de crescimento poderia aumentar em um ponto percentual. Cerca de 400 mil empregos poderiam ser criados.
A abertura livraria o Brasil do equívoco de buscar produzir todos os elos das cadeias produtivas, numa tentativa pouco justificada de tudo fabricar no território nacional. Isso provoca má alocação de recursos, aumenta a ineficiência e inibe os ganhos de produtividade. O resultado é a perda de competividade.
Há um equívoco comum quando se discute a abertura da economia. Muitos dos que concordam com a medida enveredam por outro erro, qual seja o de defender que a abertura deverá ser precedida de negociações com nossos parceiros comerciais.
A abertura deve ser necessariamente unilateral. Ela não é uma medida de comércio exterior. Seu objetivo é criar incentivos ao aumento da produtividade, contribuindo para aumentar a capacidade de crescer, gerar emprego e ampliar a renda dos trabalhadores. Não pode depender de negociações com outros países.
As negociações seriam complexas e demoradas. Em muitos casos não resultariam na reciprocidade imaginada pelos defensores da negociação. Suponha, por exemplo, que o Japão não aceitasse reduzir suas tarifas em atendimento a pedido do governo brasileiro. A abertura seria abortada? Claro que não.
    A abertura da economia, além de seus efeitos benéficos para a indústria e para o país, pode fornecer ao Brasil a base para demandar reciprocidade. É o inverso do que se pensa.

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04:11:39 | 01/11/2019 | Economia | Revista Carta Capital | Paulo Nogueira Batista Jr | BR
    Brasil, Argentina, Mercosul

    Paulo Nogueira Batista Jr.

    Uma diminuição apressada de tarifas de importação pode destruir empresas, empregos e até setores inteiros da indústria
    Rei na considerável tumulto nas relações entre o Brasil e a Argentina. Falou-se até em saída do Brasil do Mercosul ou em exclusão da Argentina. Não chegaremos a esses extremos, mas o quadro é, sem dúvida, preocupante. Deixando de lado ruídos políticos e declarações espalhafatosas, a questão central para o Mercosul é a intenção brasileira de promover abertura radical da economia. O Ministério da Economia planeja aparentemente uma redução rápida das tarifas de importação. Como o Mercosul é uma união aduaneira e não apenas uma área de livre-comércio, o plano precisa passar pelos outros integrantes do bloco.
    Em outras palavras, é necessário negociar reduções na tarifa externa comum (TEC) do Mercosul. Embora o Mercosul seja uma união aduaneira incompleta, pois diversos produtos têm regimes próprios ou fazem parte de listas de exceções, a maior parte das importações está na TEC, com eventuais alterações exigindo entendimentos entre os membros do bloco.
    Vazou recentemente para o jornal Valor Econômico um plano de abertura, apresentado pelo Ministério da Economia e o Itamaraty aos outros três sócios do Mercosul. O ponto central do plano é uma acentuada redução das tarifas no setor industrial em apenas quatro anos. Para alguns segmentos importantes, a queda seria drástica. Por exemplo, para automóveis, têxteis e vestuário as tarifas cairiam de 35% para 12%. Sobre ônibus, de 35% para 4%. Sobre calçados, de 31,8% para 12%. Sobre máquinas, materiais e aparelhos e elétricos, de 12% para 4,2%. São apenas alguns exemplos de uma extensa relação de segmentos industriais que seriam afetados pela queda das tarifas.
    Diante das reações negativas, integrantes da equipe econômica apressaram-se a explicar que o documento vazado era "uma hipótese metodológica" e "um exercício acadêmico". Estranha explicação, pois não é usual que participantes de reuniões oficiais internacionais se debrucem sobre elucubrações acadêmicas. Seja como for, com a vitória de Fernández na Argentina, os planos de abertura radical tornaram-se mais difíceis. O governo Macri simpatizava com essa abordagem. O futuro governo Fernández indicou discordâncias.
    Aí é que mora o perigo para o Mercosul. Se o governo Bolsonaro insistir com idéias desse tipo e o novo governo argentino resistir, haverá risco de erosão do bloco. O governo brasileiro pode ser levado a propor a transformação da união aduaneira em área de livre-comércio, com supressão da TEC. Já apareceram defensores dessa ideia no Brasil. Cada um dos quatro países ficaria então livre para aplicar as tarifas que quisesse, obedecidos outros compromissos internacionais.
    Vale a pena? Não acredito. Poderíamos perder preferências tarifárias de que desfrutamos no mercado argentino e no resto do Mercosul, o que tem importância considerável para a indústria brasileira. Não se deve perder de vista que a
    Argentina é um dos principais mercados para as exportações industriais brasileiras, especialmente para as de maior valor agregado. Além disso, e talvez mais importante, não interessa ao Brasil, em especial à já combalida indústria brasileira, embarcarem planos ambiciosos de abertura. Idéias desse tipo são perigosas e têm grande potencial destrutivo.
    A revisão das tarifas de importação deve pautar-se pela moderação e obedecer a alguns princípios. Primeiro, qualquer diminuição de tarifas deve ser gradual para que os produtores nacionais tenham tempo de se adaptar. Uma diminuição apressada pode destruir empresas, empregos e até setores inteiros da indústria.
    Segundo, a abertura deve ser negociada e não unilateral. Como obter mais acesso para as exportações brasileiras em outros mercados se entregarmos o nosso de mão beijada, sem contrapartidas?
    Terceiro, é preciso lembrar que as tarifas de importação relativamente altas praticadas pelo Mercosul constituem uma compensação - e apenas parcial para desvantagens competitivas sistêmicas que enfrentam as empresas do bloco. E o que os brasileiros chamam de custo Brasil - as deficiências de infraestrutura e logística, as elevadas taxas de juro e as dificuldades de acesso a crédito de longo prazo, os períodos prolongados de sobrevalorização cambial, o peso e a complexidade dos tributos, entre outros fatores.
    Sem enfrentar essas desvantagens sistêmicas, que dificilmente serão superadas em prazo curto, um plano de abertura radical poderá ter impacto tenebroso sobre muitos setores importantes da economia, acelerando o processo de desindustrialização e obstruindo o desenvolvimento do País. paulonbjr@hotmail.com

    segunda-feira, 21 de outubro de 2019

    Liberalização cambial no Brasil, prós e contras - Paulo Nogueira Batista Jr., Gustavo Franco

    Folha de S. Paulo – O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio? NÃO / Artigo / Paulo Nogueira Batista Júnior

    19/10

    Paulo Nogueira Batista Júnior
    Economista, lançou recentemente o livro ‘O Brasil não cabe no quintal de ninguém’ (ed. LeYa)

    Um passo ambicioso para as condições da economia brasileira

    Paulo Nogueira Batista Júnior

    O projeto de liberalização cambial apresentado ao Congresso é muito ambicioso e chega a ser irrealista, pois não condiz com o estágio de desenvolvimento e a situação da economia do país. O que se propõe é instituir a livre movimentação de capitais, aumentar a conversibilidade do real e facilitar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.

    Valendo-se de um artifício costumeiro, o Banco Central mistura essas questões macroeconômicas altamente controvertidas com objetivos válidos como a modernização e a desburocratização do mercado de câmbio. O desafio, entretanto, é alcançar esses objetivos meritórios sem fragilizar a posição internacional brasileira. Não é o que se vê no projeto do governo federal, que conduzirá, se aprovado, ao aumento da vulnerabilidade externa e ao risco de dolarização da economia.

    As propostas são apresentadas com o argumento ingênuo de que representam “alinhamento aos melhores padrões internacionais”, tais como os códigos de liberalização de capitais da OCDE. Ignora-se o fato elementar de que regras de política que convêm a países altamente desenvolvidos, como são em sua grande maioria os membros da OCDE, nem sempre são as que convêm a países em desenvolvimento como o Brasil. Ignora-se, também, que as economias emergentes bem-sucedidas são as que disciplinam o movimento de capitais —China, Índia e outras asiáticas. E que muitos países da América Latina, ao se aventurarem prematuramente pelo caminho da liberalização dos movimentos de capital, sofreram episódios de instabilidade econômica que terminaram por abortar o seu desenvolvimento.

    As condições da economia brasileira estão longe de permitir passos tão ambiciosos. A situação fiscal é sabidamente problemática, ainda que não seja catastrófica, como frequentemente se afirma.

    A dívida pública tem crescido como proporção do PIB, e grande parte da dívida interna é de prazo curto. Mesmo as contas externas, invocadas para argumentar que a liberalização não ofereceria riscos, não são tão invulneráveis quanto se imagina. O déficit do balanço de pagamento em conta corrente é relativamente baixo, mas tenderá a aumentar quando a economia se recuperar.

    As reservas internacionais são altas, mas o Brasil não dispõe de um grande volume de reservas excedentes. Em termos de M2, agregado monetário usado como proxy para fuga potencial de capitais, as reservas brasileiras são baixas quando comparadas às de outros países emergentes.

    Vale notar que o discurso das autoridades econômicas tem sido espantosamente incongruente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive repetindo que o Estado brasileiro “quebrou”, “entrou em colapso”, “está insolvente”. Ao mesmo tempo, o presidente do Banco Central propõe medidas ambiciosas de liberalização cambial e chega a afirmar que gostaria de ver a conversibilidade implementada em um prazo de dois a três anos.

    A proposta de ampliar a possibilidade —hoje restrita a segmentos específicos— de pessoas físicas e jurídicas abrirem contas em moedas estrangeiras dentro do país é outra ideia infeliz. Sempre houve resistência no Brasil a seguir esse caminho, que desembocou em elevada dolarização dos sistemas financeiros na América Latina e em outras regiões do mundo.

    O que o Banco Central pretende com o projeto de lei é obter carta branca para aumentar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil, prometendo conduzir o processo de forma “gradual e prudente”. A promessa deve ser recebida com cautela pelos parlamentares. Não é recomendável que um assunto dessa importância seja decidido em circuito fechado por um grupo de tecnocratas e financistas alojados na direção do Banco Central e no Conselho Monetário Nacional.


    Gustavo Franco

    Ex-presidente do Banco Central (1997-99) e um dos formuladores do Plano Real, é doutor em economia pela Universidade Harvard e fundador da Rio Bravo Investimentos

    Ideias mudaram após 25 anos de reservas e de moeda estável

    Gustavo Franco
    Tudo o que o Banco Central almeja com a iniciativa é correto e meritório, como se lê em seu website: “favorecer o ambiente de negócios, particularmente o comércio exterior e a atratividade dos investimentos estrangeiros, maior desenvolvimento aos mercados financeiro e de capitais”.

    Quem é contra essa pauta, é ruim da cabeça ou doente do pé. Acho, todavia, que a maior parte do trabalho de liberalização cambial já estava praticamente completo em 2006 (lei 11.371, assinada pela trinca neoliberal Lula-Mantega-Meirelles) quando foi alterada uma lei de 1933 que obrigava os exportadores a internalizarem as divisas que produziam.

    Logo antes tinha havido a unificação dos mercados de câmbio (comercial e flutuante, e isso não precisou de lei), e na ocasião os dirigentes do Banco Central circulavam com uma apresentação power point que, no slide 18, dizia “tudo é permitido (desde que haja identificação)”. Tempos heroicos.

    O histórico detalhado desse percurso está nos capítulos 3 e 4 do meu livro, “A Moeda e a Lei” (ed. Zahar). Hoje em dia, a televisão não dá mais a cotação do paralelo, mas até na novela tem merchandising —ou impulsionamento de conceitos. Pois, então, temos aqui uma pequena recomendação de leitura.

    Bem, desde os anos 1990 vínhamos enfrentando um problema estético: as disposições legais sobre moeda estrangeira estavam dispersas em muitas leis, de várias safras, algumas bem antigas. Nada que prejudicasse a vigência de uma regulamentação cambial consistente com a globalização, que se fazia no nível “infralegal”, como dizem os advogados.

    Era um problema de estética legislativa, não de segurança jurídica. Lembrem-se que existem medidas provisórias, e que tudo que for revogado agora poderá voltar de um dia para outro em uma canetada. Pois bem, um projeto de consolidação já tramitava no Congresso desde meados dos anos 1990, ao menos, mas não era a única ideia circulando sobre esse tema.

    Lembro bem do ex-senador Mauro Benevides (CE), pai do atual deputado de mesmo nome e assessor econômico de Ciro Gomes durante a campanha de 2017. Ele, o pai, tinha um projeto cujo título era “o estatuto do capital estrangeiro”. O objetivo era a reforma da lei 4.131/62 (que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas para o exterior), mas numa direção imensamente mais restritiva, o contrário do que pretendíamos.

    O Banco Central nunca quis apoiar o projeto do simpático senador Benevides, nem nada parecido, ou sobre o mesmo tema, e a razão era explicada por uma fala bem-humorada do próprio senador, sempre lembrada no BC: “Se vocês não gostarem do meu projeto, mandem o de vocês. O relator serei eu mesmo, a gente combina o produto final”, dizia Benevides.

    Na nossa percepção, a intersecção entre as ambições liberalizantes do BC, que continuam as mesmas, e as do senador, eram inexistentes.

    O problema hoje não é o projeto do BC —que é bom e se parece com minutas que eu vi circular nos anos 1990—, mas com o substitutivo do relator, que vamos conhecer em meses. Se tudo der certo, não haverá retrocesso.

    Depois de um quarto de século de moeda estável e de muitas reservas cambiais, as ideias sobre câmbio progrediram. Muitos preconceitos arraigados sobre assuntos cambiais se tornaram obsoletos. Ou não. Tomara que sim, mas temo que não.

    Acharia mais prudente deixar que o tempo continuasse a operar a sua mágica e não correria tantos riscos por conta da introdução de contas em dólares para pessoas físicas. Na época da inflação era assunto explosivo e desestabilizador. Hoje, me parece assunto velho e inútil, como o limite de US$ 500 para quem viaja, que está parado há muitos anos (não confundir com compras free shop, outro assunto velho).

    sábado, 26 de dezembro de 2015

    O Brasil no FMI: aumento de cotas - Paulo Nogueira Batista Jr.


    O Globo, 25/12/2015  
    A confirmação da reforma do Fundo, nos Estados Unidos, fortalece o país
    Paulo Nogueira Batista Jr. 

    O Congresso dos EUA finalmente ratificou a reforma do FMI, concluída em 2010. Fiquei contente. Trabalhei muito na montagem desse acordo e a demora dos EUA em ratificá-lo já me fazia temer que ele nunca seria implementado. A reforma do FMI terminaria assim por ter a mesma sorte que a Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio.
    Demorou mas saiu. O esforço não foi em vão. O Brasil é, depois da China, o maior beneficiário da reforma em termos de aumento de quota e poder de voto.
    Quando cheguei ao FMI, em 2007, o Brasil tinha uma quota de 1,4% e era o 18º maior quotista. A reforma de 2008 levou a nossa quota para 1,8% do total e o Brasil subiu para 14º no ranking. Com a entrada em vigor da reforma de 2010, a nossa quota sobe para 2,3% e o Brasil, para 10º no ranking. O aumento acumulado em termos de poder de voto com as reformas de 2008 e 2010 foi o maior obtido pelo Brasil em toda a história do FMI.
    A chave para esses resultados foi o diálogo com Dominique Strauss Kahn, na época diretor-gerente do FMI, que compreendia a necessidade de abrir mais espaço para os países de economia emergente. Uma característica importante de Strauss Kahn é que ele cumpria os acordos que fazia. Essa foi a minha experiência, pelo menos.
    Em 2007, quando Strauss Kahn era candidato ao cargo de diretor-gerente, combinei que o Brasil votaria nele em troca do compromisso de aumentar a quota brasileira para 1,8% na reforma que seria concluída em 2008. (O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, aliás, teve que conter integrantes do governo propensos a anunciar precocemente apoio à candidatura de Strauss Kahn.)
    Quando da negociação do passo seguinte — a reforma de 2010 — mostrei a Strauss Kahn que Brasil, EUA, China, Índia e Rússia eram os únicos países que figuravam na lista dos dez maiores tanto em termos de PIB, como de território e população. Ele logo se deu conta de que a reforma teria que ter como um objetivo central colocar as dez maiores economias do mundo — os EUA, o Japão, os quatro grandes europeus, e os quatro Bric — como os dez maiores quotistas do FMI. Para tal, o Brasil precisaria dar novo salto e passar de 14º para 10º. Em fins de 2010, o acordo foi fechado com esse resultado.
    A entrada em vigor das quotas negociadas em 2010 é um passo significativo, mas não resolve os problemas de legitimidade do FMI. A transferência de poder de voto dos países avançados para os países em desenvolvimento é modesta, apenas 2,6 pontos percentuais (que se somam à transferência de 2,7 pontos obtidos na reforma de 2008). Os países desenvolvidos ainda contam com ampla maioria e continuarão controlando a instituição. A distribuição de poder decisório no FMI não reflete as mudanças que vêm ocorrendo na economia mundial.
    Os próximos passos estão previstos no próprio acordo de 2010. Primeiro: a revisão da fórmula que calcula as quotas para melhor refletir o peso econômico dos países. Segundo: um novo realinhamento de quotas, que permita aumentar a representação dos países em desenvolvimento. O primeiro passo era para ter sido concluído até janeiro de 2013; o segundo, até janeiro de 2014. Ficou tudo atrasado com a demora dos EUA em ratificar a reforma.
    Agora é correr atrás do prejuízo.
    Paulo Nogueira Batista Jr. é vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal

    domingo, 23 de dezembro de 2012

    Brics: coordenacao perfeita na visao de um true believer - Paulo Nogueira Batista Jr.

    Os BRICS no FMI e no G-20¹

    Paulo Nogueira Batista


    Carta Maior, 19/12/2012

    Os BRICS têm altos e baixos, momentos de maior proximidade e de maior distância, mas uma coisa é certa: essa tem sido para o Brasil a principal aliança desde 2008, pelo menos no que se refere a G-20 e FMI. Como mecanismo de articulação, os BRICS se tornaram muito mais relevantes do que o G-11, o tradicional agrupamento das 11 cadeiras da Diretoria Executiva comandadas por países em desenvolvimento.


    Há controvérsias sobre o real significado e a importância prática dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os críticos e céticos sustentam que o agrupamento é artificial, mais emblema ou marca do que realidade política. Apontam para as enormes diferenças – históricas, culturais, políticas e econômicas – entre os integrantes. Duvidam de que os cinco países possam, de fato, atuar de forma coordenada.

    É inegável que as dificuldades de coordenação dos BRICS são consideráveis. Mas também é inegável que os BRICS vêm marcando presença no campo internacional.

    Tenho vivenciado esse processo de coordenação com seus avanços e suas dificuldades, desde 2008, no âmbito da diretoria do FMI e das reuniões do G-20. Quando cheguei a Washington, em abril de 2007, os BRICS não existiam como aliança e realidade política. Na época, tratava-se realmente de uma mera sigla – inventada, como se sabe, por um economista do banco de investimentos Goldman Sachs, Jim O’Neill.

    Na diretoria do FMI e no G-20, a atuação conjunta dos quatro países (a África do Sul só se juntou ao grupo em 2011) começou em 2008, por iniciativa da Rússia. A primeira cúpula dos líderes dos BRICS realizou-se em Yekaterinburgo, na Rússia, em 2009.

    Os BRICS têm altos e baixos, momentos de maior proximidade e de maior distância, mas uma coisa é certa: essa tem sido para o Brasil a principal aliança desde 2008, pelo menos no que se refere a G-20 e FMI. Ressalto: os BRICS muito mais do que outros países latino-americanos, mesmo os de maior porte. Por motivos que variam de país para país, os latino-americanos não têm tido papel tão relevante como aliados do Brasil no terreno financeiro internacional.

    O diretor executivo da Rússia no FMI, Aleksei Mozhin, que está na instituição há 20 anos, disse em seminário recente na Brookings Institution, em Washington, que o surgimento dos BRICS foi a maior mudança na governança do Fundo desde a sua chegada à diretoria do FMI. Posso confirmar que, nos últimos cinco anos, a nossa atuação conjunta tem sido uma alavanca importante em vários temas estratégicos. A afinidade de pontos de vista é particularmente nítida entre as cadeiras brasileira, russa e indiana.

    Os cinco diretores executivos dos BRICS no FMI se reúnem com muita freqüência para coordenar posições sobre temas na pauta da diretoria ou iniciativas nossas. Cada passo do grupo demanda muita preparação e articulação. No caso de alguns países, notadamente a China, o processo de tomada de decisão é lento e complexo e inclui consultas a várias instâncias em Pequim. O esforço de articulação é trabalhoso, às vezes penoso, mas produz seus frutos. Em matéria de reformas de quotas e da governança do FMI, por exemplo, os BRICS atuam freqüentemente de forma coordenada, inclusive preparando statements conjuntos para reuniões da Diretoria.

    A principal dificuldade de coordenação interna dos BRICS é o peso desproporcional da China quando comparado ao dos demais países. Os chineses têm porte e recursos para, em alguns casos, enxergarem vantagens em negociar separadamente com os EUA e os europeus. Por esse motivo, entendimentos entre Brasil, Rússia e Índia funcionam às vezes como contrapeso à inclinação da China de atuar em faixa própria.

    As dificuldades de coordenação entre os BRICS são naturais e inevitáveis. Refletem as diferenças de interesse, de dimensão econômica e de caráter político ou cultural. Apesar dessa diversidade, permanece o fato de que os cinco países têm demonstrado interesse consistente em atuar de maneira coordenada em muitos temas da agenda internacional.

    Não se deve tampouco exagerar o significado dessas dificuldades de coordenação. Afinal, mesmo agrupamentos mais homogêneos e mais antigos, como o bloco europeu, se debatem com agudas divergências.

    No FMI, a aliança entre os BRICS já é reconhecida como parte da paisagem.
    Como mecanismo de articulação, os BRICS se tornaram muito mais relevantes do que o G-11, o tradicional agrupamento das 11 cadeiras da Diretoria Executiva comandadas por países em desenvolvimento³. Apenas as cadeiras europeias têm coordenação mais estreita. A administração da instituição e os diretores executivos dos países avançados fazem o que podem para detectar e explorar diferenças de posições entre os BRICS.

    Entre as capitais, a coordenação é dificultada pela distância geográfica. Mesmo assim, os ministros de Finanças e presidentes de Banco Central dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média, nos anos recents. E se falam com freqüência, apesar das diferenças de fuso horário.

    Os chefes de Estado e governo se encontram nas cúpulas anuais – foram quatro desde 2009, a última delas na Índia, em março de 2012. A próxima será na África do Sul, em março de 2013. A de 2014 será no Brasil. Os líderes dos BRICS também se reúnem por ocasião das cúpulas do G-20. Por exemplo, em Cannes, em novembro de 2011, e em Los Cabos, em junho de 2012. No espaço de oito meses, os líderes dos BRICS se reuniram nada menos do que três vezes.

    O que os BRICS têm em comum? Para além de todas as diferenças, fundamentalmente o seguinte: são países de grande dimensão econômica, geográfica e populacional. Brasil, Rússia, Índia e China fazem parte dos dez maiores países do mundo em termos de PIB, área e população. Por isso mesmo, todos eles têm capacidade de atuar com autonomia em relação às potências ocidentais – os Estados Unidos e a Europa. Isso vale, sobretudo, para os quatro integrantes originais do grupo mas, creio, que crescentemente também para a África do Sul.

    Esse é o aspecto crucial: a capacidade de decidir de forma independente. A grande maioria dos demais países emergentes e em desenvolvimento – mesmo os que têm certo porte – não possui essa capacidade, pelo menos não na mesma medida. Em muitos casos, o que ainda se vê é uma relação de estreita dependência e alinhamento mais ou menos automático aos Estados Unidos ou aos principais países da Europa.

    Essa atuação independente reflete, evidentemente, a posição econômico-financeira dos BRICS. Nenhum deles depende de capitais externos europeus ou norte-americanos ou da assistência financeira do FMI ou de outros organismos ainda controladas pelas potências tradicionais. Isso reflete inter alia a sua solidez fiscal, de balanço de pagamentos e de reservas internacionais. Nos anos recentes, os BRICS tornaram-se inclusive credores líquidos do FMI, participando com grandes somas dos empréstimos levantados pela instituição para fazer face à crise iniciada nos países avançados em 2008.

    Um dos acontecimentos mais significativos da cúpula do G20 em Los Cabos, no México, em junho, foi a reunião prévia dos líderes dos BRICS. A reunião foi antecedida de muita discussão entre os cinco países e tratou principalmente de dois temas – um deles totalmente novo.

    O primeiro tema foi a decisão de confirmar o anúncio de novas contribuições ao financiamento do FMI. A China anunciou a intenção de contribuir com US$ 43 bilhões adicionais; o Brasil, a Rússia e a Índia anunciaram US$ 10 bilhões cada; África do Sul entrará com US$ 2 bilhões.

    Na rodada anterior de levantamento de empréstimos para o FMI em 2009, os BRIC entraram com o equivalente a US$ 92 bilhões – a China com US$ 50 bilhões, Brasil, Rússia e Índia com US$ 14 bilhões cada.

    O total de US$ 75 bilhões anunciado em Los Cabos ficou condicionado ao entendimento de que o FMI só lançará mão desses novos recursos depois que os fundos existentes na instituição tenham sido substancialmente utilizados. Esse ponto é importante para promover uma adequada distribuição do ônus entre os diferentes credores do FMI, como mencionou o comunicado emitido após a reunião dos BRICS.

    O comunicado dos BRICS observou, também, que as contribuições foram anunciadas com base no entendimento de que as reformas do FMI serão plenamente implementadas, conforme acordo a que se chegou no G20 em 2010. Isso inclui, como se sabe, uma revisão abrangente do poder de voto e das quotas.

    Essa observação reflete a insatisfação dos BRICS com o ritmo de implementação das reformas do FMI, que expressaram em mais de uma ocasião. Há muita inércia institucional e apego ao status quo no Fundo. Em razão disso, aumentou a disposição dos BRICS de considerar iniciativas na área monetária internacional fora do âmbito do FMI.

    A grande novidade em Los Cabos foi exatamente o lançamento de um fundo ou pool de reservas dos BRICS. A iniciativa foi pacientemente costurada em entendimentos ao longo de maio e junho. Na cúpula dos BRICS, formalizou-se a decisão de iniciar a discussão de um fundo de reservas comum dos BRICS. Os líderes dos BRICS pediram a seus ministros de Finanças e presidentes de Banco Central que trabalhem conjuntamente nesse tema e tragam os resultados para a próxima Cúpula dos Líderes dos BRICS, na África do Sul, em março de 2013. Posteriormente, foi criado um grupo de trabalho com representantes dos cinco países, sob coordenação brasileira.

    Um fundo de reservas dos BRICS teria natureza preventiva e representaria a criação de um mecanismo de solidariedade financeira entre os cinco países, a ser acionado em momentos de dificuldade. As reservas somadas dos cinco países alcançam aproximadamente US$ 4,3 trilhões – uma base mais do que suficiente para respaldar a iniciativa.

    O fundo comum de reservas poderia ser acionado por qualquer país que eventualmente precisasse de apoio, de acordo com regras e procedimentos que estão sendo negociados. O fundo pode ser “virtual”, isto é, as reservas continuariam nos bancos centrais de cada um dos BRICS só sendo desembolsadas se algum dos cinco países necessitar de acesso aos recursos do fundo.

    Ainda que não venha a ser utilizado com freqüência, dado que a posição dos BRICS é sólida, a existência do fundo proporciona importante reforço adicional de confiança. A disposição de formalizar o início de uma discussão conjunta revela o estreitamento dos laços entre os BRICS e a sua disposição de enfrentar em conjunto os desafios do quadro internacional.

    ***

    O ministro Antonio Patriota acertou, no meu entender, quando comparou a coordenação entre os BRICS à nossa aproximação com os EUA no início do século XX, época do Barão de Rio Branco [4] . Um grande legado do Barão, disse Patriota, é a capacidade de apreensão das mudanças. Na época em que o dinamismo econômico e o eixo de poder mudavam da Europa para os Estados Unidos, ele teve a capacidade de estabelecer uma boa relação com os EUA. Transferindo para hoje, o movimento equivalente é a coordenação com os BRICS.

    NOTAS

    [1] Versão ampliada e revista de texto que serviu de base a apresentação em mesa-redonda organizada pela Fundação Alexandre Gusmão e pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, em 31 de julho de 2012.

    [2] Diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países (Cabo Verde, Equador, Guiana, Haiti, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Suriname, Timor Leste e Trinidad e Tobago). As opiniões expressas neste texto não devem ser atribuídas ao FMI nem aos governos que o autor representa na diretoria da instituição.

    [3] O G-11 inclui as cadeiras comandadas por Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Egito, México/Venezuela, Índia, Irã, as duas cadeiras da África Sul-Saariana e a do Sudeste Asiático.

    [4] Em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada em 10 de fevereiro de 2012.