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terça-feira, 28 de maio de 2013

Pensando o futuro do Brasil - Rubens Barbosa

A FIESP é o futuro do Brasil?
Não creio, mas sempre se deve dar um crédito de confiança a quem faz propostas substantivas, coerentes e razoáveis, além de racionais, sobre o futuro do país.
Paulo Roberto de Almeida

Projeto de Futuro

28 de maio de 2013 | 2h 04
RUBENS BARBOSA *
A instabilidade econômica e a inflação galopante vivida pelos brasileiros até o Plano Real, em 1994, impediram que governo e setor privado pudessem pensar o planejamento do País e das empresas no médio e no longo prazos. Quase 20 anos depois, com a economia estabilizada e a inflação sob controle, não mais se justifica a ausência de políticas públicas com vista a esse futuro.
O rápido crescimento das últimas duas décadas transformou a escala dos problemas do País, que se acumularam e se multiplicaram. Tendo a dívida externa deixado de ser problema, surge forte a dívida social. A educação e a saúde têm tido seus recursos mal planejados e mal utilizados. A ausência, por mais de 20 anos, de investimentos em obras de infraestrutura tem feito surgir os gargalos que hoje existem nas cidades, nos portos, nos aeroportos e nas estradas.
No governo não há um pensamento estratégico nem um efetivo planejamento que antecipe os problemas do crescimento e equacione as dificuldades nas áreas de energia, meio ambiente, segurança, crescimento urbano, indústria, comércio exterior e mesmo de política externa. À magnitude dos problemas internos que governo e setor privado têm de enfrentar se somam as grandes transformações que ocorrem no mundo (revolução da energia, emergência da China, cadeias produtivas globais) e afetam a economia do País.
A sociedade brasileira está anestesiada. E a classe política não consegue encontrar um caminho que influa de forma positiva na construção de um País moderno. Embora as instituições sejam fortes, o sistema político é disfuncional e fraco, deixando de lado os verdadeiros interesses nacionais. Perdeu-se a noção de que a busca da utopia - como o fim da inflação e a eliminação da pobreza - é um dos motores do desenvolvimento e dos avanços sociais.
Em meio a esta situação de perplexidade, proposta elaborada pela Fiesp de uma estratégia para o crescimento da economia brasileira com um horizonte de 15 anos deveria merecer o exame do governo e do setor privado e ser debatido pelo Congresso e pela sociedade em geral. O propósito do trabalho é contribuir para o desenvolvimento sustentado do País, tendo como premissa a combinação do crescimento econômico com os avanços sociais. Na base das propostas apresentadas está a conjugação de uma série de políticas públicas que assegurem maior competitividade sistêmica, propiciando, em consequência, o fortalecimento de alguns setores mais dinâmicos e com perspectivas de investimentos expressivos. O projeto apresenta definição de metas e de estratégias e não está centrado apenas nos interesses da indústria, mas de toda a sociedade brasileira.
A meta da proposta é dobrar a renda per capita do País em 15 anos. De US$ 10.979 em 2014 para US$ 22 mil em 2029, medidos em paridade do poder de compra, e elevar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para o patamar de entrada das nações do Primeiro Mundo. Para a consecução desses objetivos será necessário que o PIB avance a uma taxa média de 5,3% ao ano.
Esse é um Projeto de Futuro viável. Seu êxito resultará da capacidade da sociedade brasileira de incrementar o investimento em capital físico, formar em maior escala recursos humanos qualificados e maximizar a produtividade total dos fatores. Os países bem-sucedidos em dobrar o PIB em períodos inferiores a 20 anos (Japão, Coreia do Sul, Malásia e Taiwan), partindo de patamar próximo ao do Brasil atual, definiram um conjunto de ações visando a apoiar a indústria de transformação. Com base nessa experiência histórica, o trabalho analisa as condicionantes macroeconômicas de aporte de capital em projetos produtivos. Os investimentos devem saltar dos atuais 17,7% para uma taxa média de 23,7% do PIB em 15 anos. O investimento público terá fundamental importância e será beneficiado pela redução dos gastos com juros da dívida pública e por um programa de controle da expansão do gasto corrente.
Os setores com potencial para atrair investimento seriam os da construção civil e infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias), do agronegócio (grãos, sucroalcooleiro, proteína animal e fertilizantes), do petróleo e gás e da indústria de transformação (naval, automobilística, química, siderúrgica e de bens de capital) e seus subsetores. O critério empregado foi o potencial de receber investimentos futuros e de gerar renda e demanda para as demais áreas, como os setores de varejo e de serviços, de maneira que estes também cresçam e contribuam para a expansão macroeconômica.
O trabalho apresenta ações para alavancar os investimentos em cada uma dessas áreas com repercussão sobre toda a economia nacional, de maneira a se chegar à meta agregada de aporte de recursos em atividades produtivas, que estabeleceriam um círculo virtuoso de desenvolvimento.
Dentre as recomendações de políticas públicas macroeconômicas e transversais, que afetam diversos setores, cabe ressaltar, na monetária, a desindexação dos preços administrados; no câmbio, uma posição ativa internacionalmente com o objetivo de reduzir os movimentos de valorização artificial; no sistema tributário, isonomia fiscal, eliminação da cumulatividade de impostos, unificação dos tributos sobre a renda, eliminação da acumulação de créditos tributários; incentivo a investimentos diretos pela ampliação de medidas tributárias de estímulo, redução do custo de capital, ampliação da oferta de crédito e melhora das condições de acesso; incentivo à inovação e à pesquisa; aperfeiçoamento das compras governamentais; incentivo à capacitação de pessoas; incentivo à exportação e à integração às cadeias produtivas globais e melhora da competitividade nos insumos críticos, como energia.
A Fiesp lança o debate. Resgatemos a utopia.
* PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP. 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O Brasil, o "Itamarichy" e a China - David Shambaugh


Brasil tem que "acordar" para desafio chinês, diz especialista
MARCELO NINIO DE PEQUIM
Folha de S.Paulo, 16/05/2013

Autor critica falta de estrutura para estudos sobre gigante da Ásia

Nas mais de 400 páginas do livro "China Goes Global" (a China se lança no mundo, em tradução livre), de David Shambaugh, um dos únicos pontos de exclamação é usado quando ele descreve o choque provocado pelo despreparo da diplomacia brasileira em lidar com a China.
"Quando visitei o Ministério das Relações Exteriores, em 2008, me foi dito que não havia sequer uma pessoa fluente em chinês ou um grupo de especialistas em China em todo o serviço diplomático!", espanta-se ele, um dos mais renomados especialistas em política externa chinesa.
O Itamaraty (que Shambaugh grafa como "Itamarichy") agora tenta recuperar o atraso, com um grupo de jovens diplomatas em Pequim exclusivamente dedicados a aprender o idioma chinês.
Shambaugh teve outra surpresa ao questionar os governos do Brasil e de outros países da América do Sul sobre qual era a estratégia em relação à China. A resposta geralmente foi um silêncio constrangedor, conta Shambaugh.
A falta de uma estrutura acadêmica de estudos sobre o maior parceiro comercial do Brasil também impressionou o autor. "É chocante, mas não há um programa de estudos chineses em todo o Brasil", escreveu.
O despreparo é explorado pelos chineses em sua expansão silenciosa no continente, afirma o autor. A maioria dos diplomatas chineses na região fala português ou espanhol com fluência.
E, apesar de negarem, têm uma estratégia definida, baseada na abertura de mercados e na obtenção de recursos naturais.
O desequilíbrio nas relações deveria ser motivo de preocupação, afirma Shambaugh. Segundo um estudo recente da Universidade Columbia (EUA), o Brasil exporta para a China 7,6% de produtos de alta tecnologia, enquanto importa 41,4% de itens desse tipo.
"Sim, o Brasil deveria ver a China com preocupação exatamente por isso.", disse ele à Folha, por e-mail.
Outros países da América Latina e da África já começam a ter dificuldades no comércio com a China devido a essa atitude, chamada de neo-colonialista, diz ele.
"Todos esses países precisam acordar para o tipo de desafio que a China impõe, ser mais duros e deixar a ingenuidade de lado", diz.

Diretor do Programa de Política da China da Universidade George Washington, Shambaugh falará hoje no Instituto Fernando Henrique, em São Paulo.
China é uma potência parcial, diz especialista
folha.com/no1279328

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O inimigo do exercito, ou do pais - Editorial Estadao



 Ops, quero dizer: o inimigo da racionalidade no plano estratégico e no contexto das contas públicas.
Enfim, cada um escolhe os seus inimigos: os meus, por exemplo, são a irracionalidade, a ignorância deliberada e a desonestidade manifesta.
Paulo Roberto de Almeida  
O verdadeiro inimigo
Editorial O Estado de S.Paulo, 10/08/2012

O ministro da Defesa, Celso Amorim, voltou a pedir a ampliação dos gastos com as Forças Armadas, em recente evento da Associação de Estudos da Defesa, como noticiou o Estado (7/8). No entanto, sua justificativa para pedir mais recursos na área militar foi constrangedora: o ministro acredita na possibilidade de agressão não de algum vizinho, tampouco de narcoguerrilhas ou grupos terroristas, mas de "grandes potências e alianças militares" - que só podem ser Estados Unidos e Otan.
Amorim avalia que há hoje um "forte sentimento de insegurança no sistema internacional" em razão de ações militares unilaterais, referindo-se às guerras no Iraque e no Afeganistão, deflagradas pelos americanos, e à intervenção da Otan na Líbia sem que houvesse claro mandato da ONU para isso.
Como sugere a fala do ministro, casos como esses mostram que o Brasil deve se precaver. "Temos um patrimônio que nos transforma num dos territórios mais ricos do planeta", disse ele, enfatizando também a "nova estatura internacional do Brasil ao redor do mundo" (sic !). E arrematou: "O Brasil deve construir capacidade dissuasória crível, que torne extremamente custosa a perspectiva de agressão externa a nosso país". Os estrategistas militares de Washington devem ter perdido o sono depois disso.
O discurso de Amorim se aproxima perigosamente da delirante retórica bolivariana, que enxerga nos Estados Unidos uma ameaça militar permanente, como se uma invasão dos "ianques" fosse acontecer a qualquer momento na América do Sul. Foi com essa desculpa grotesca que o caudilho venezuelano, Hugo Chávez, armou-se até os dentes com equipamento bélico russo - muito mais para atemorizar a oposição interna, graças à militarização das chamadas "milícias bolivarianas", do que para enfrentar uma improvável intervenção americana. Essa coincidência entre a posição de Amorim e as bandeiras do bolivarianismo não deveria causar espanto, a julgar por sua trajetória na Chancelaria do governo Lula.
Nada disso significa que não haja necessidade de qualificar os investimentos nas Forças Armadas, sobretudo diante do estado de penúria em que elas se encontram. Um estudo produzido pelo Ministério da Defesa mostra que metade dos equipamentos militares do Brasil simplesmente não tem condições de uso. Há casos críticos, como o da Marinha, responsável por patrulhar a área que guarda uma das principais riquezas a que aludiu Amorim - isto é, o petróleo do pré-sal. Os números mais recentes, compilados no ano passado, mostram que somente 2 dos 23 jatos A-4 da Marinha estavam em condições de voar. Além disso, apenas 53 das 100 embarcações e 2 dos 5 submarinos podiam navegar. Na Aeronáutica, nem metade dos aviões saía do chão, e a maior parte da envelhecida frota superou os 15 anos de uso. Como se sabe, porém, essa renovação, prometida ainda no governo Lula, está emperrada.
O Brasil gasta 1,5% do PIB com defesa, e Amorim quer algo em torno de 2%, equiparando-se à China, Rússia e Índia. É difícil imaginar, no entanto, que o Brasil tenha necessidades militares semelhantes às desses países, a não ser como expressão de megalomania. Ademais, já estamos entre os 15 países do mundo que mais gastam na área militar - na Lei Orçamentária Anual para este ano, a dotação do Ministério da Defesa foi de R$ 64,795 bilhões. O problema é que, desse valor, R$ 45,298 bilhões estavam destinados ao pagamento de pessoal e de encargos sociais, enquanto R$ 9,128 bilhões foram destacados para investimentos. Ainda assim, a verba para modernizar a área militar vem crescendo constantemente desde 2007, quando somou R$ 5 bilhões.
Mais econômico, portanto, seria investir numa equação em que as Forças Armadas gastassem melhor os recursos disponíveis e priorizassem a proteção das fronteiras, sem ter de, recorrentemente, fazer o papel que cabe à polícia.
Não resta dúvida de que é imperativo manter uma força militar capaz de enfrentar os desafios da defesa nacional, mas é preciso estabelecer prioridades claras, lastreadas em ameaças reais, e não na imaginação fértil de um punhado de ideólogos.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Reflexões ao léu, 7: A Pequena Estratégia do Brasil


Reflexões ao léu, 7: A Pequena Estratégia do Brasil

Paulo Roberto de Almeida

Andava com saudades de minhas “reflexões ao léu”, e com razão. De janeiro a março de 2011, como se pode constatar pela lista imediatamente a seguir, eu elaborei uma série de reflexões pouco refletidas, seis ao todo, que se destinavam apenas a impedir que ideias esparsas, que de vez em quando “pousam” na minha cabeça, ou “passam” pelo meu cérebro, se perdessem na imensidão conectiva dos neurônios não utilizados ou na vastidão dos espaços em branco do meu cérebro. Geralmente são frases, ou matérias inteiras, que eu leio na internet, que anoto eventualmente em um dos meus Moleskines de algibeira, mas que depois não servem para mais nada, a não ser, justamente, para esses pequenos textos que insistem em pulular na minha frente, mesmo quando tenho milhares de outras coisas para fazer, a começar pela leitura de coisas mais sérias, e pela escrita de ensaios idem. Em todo caso, esses foram, com seus respectivos links para leitura, os seis “exemplares” precedentes desta série, que ficou incompleta, desde mais de um ano:

2235. “Reflexões ao léu, 1: Fukuyama, ‘marxista’, detestado pelos ‘marxistas’”, Uberlândia, 6 de janeiro de 2011, 2 p. Primeiro de uma série, sobre temas diversos, classificando os “marxistas” que detestam Fukuyama de ingratos. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/01/reflexoes-ao-leu-1-fukuyama-marxista.html).
2246. “Reflexões ao léu, 2: sobre as revoltas nos países islâmicos”, Brasília, 20 fevereiro 2011, 4 p. Reflexões sobre as mudanças em curso. Postado no Blog Diplomatizzando  (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/reflexoes-ao-leu-2-sobre-as-revoltas.html ).
2248. “Reflexões ao léu, 3: Diplomacia comercial brasileira”, Brasília, 24 Fevereiro 2011, 2 p. Com a implosão da Alca, evitou-se a “destruição” da indústria brasileira, para vê-la ameaçada pela concorrência chinesa. Postado no Blog Diplomatizzando  (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/reflexoes-ao-leu-3-diplomacia-comercial.html).
2249. “Reflexões ao léu, 4: o Brasil a caminho de novo desastre econômico”, Brasília, 27 Fevereiro 2011, 2 p. Sobre o crescimento da dívida pública patrocinada pelo governo. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/brasil-caminho-de-novo-desastre.html).
2252. “Reflexões ao Léu, 5: Livros e leituras...”, Brasília, 8 Março 2011, 2 p. Quantos livros poderei ler em minha vida: cerca de 5 a 6 mil, no máximo. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-5-livros-e-leituras.html).
2253. “Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil”, Brasília, 9 Março 2011, 2 p. Uma estratégia aparente, mas que não vem sendo implementada nos últimos tempos. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-6-grande-estrategia-do.html).

Pois bem, e por que retomo agora a produção seriada, depois de mais de um ano de interrupção? Apenas porque acabo de concluir uma apresentação que devo fazer na Maison de l’Amérique Latine, terça-feira próxima, 22 de maio, aqui em Paris, para um público que ainda desconheço quem seja – mas certamente será uma audiência rarefeita – a convite de seu diretor, Alain Rouquié, ex-embaixador da França em Brasília, grande conhecedor de nossa história política, do Brasil e da região, que ele já teve a imaginação de chamar de “Occident Extrême”, o que não deixa de ser uma bonne trouvaille...
O tema que ele sugeriu foi este: Rio Branco et la diplomatie brésilienne, d’hier et d’aujourd'hui”, que eu preparei sob forma de apresentação em 25 slides (disponíveis no DropBox: http://dl.dropbox.com/u/4764310/2393RioBrancoMaisAmerLat.pptx). Ao preparar essa palestra, fui naturalmente levado a tratar da estratégia do Barão, em sua época, e a refletir sobre o que ele faria atualmente, se vivo fosse, e encarregado, como se esperaria, das relações exteriores do Brasil. Negligenciando o fato de que ele, quando vivo, já era quase um santo protetor da diplomacia brasileira, uma personalidade incontrastável, incontestável, o “dono” da política internacional do Brasil, além e acima de qualquer presidente, pode-se imaginar que ele atuaria segundo as instruções do presidente de turno, mas com certa latitude de ação, em vista de sua reconhecida competência para certos temas. Mas, vamos imaginar que ele apenas atuaria como um chanceler qualquer, em face dos mesmos desafios ou agendas, que se colocariam a um chanceler, hoje, nas circunstâncias atuais do Brasil, país que deixou de ser simplesmente em desenvolvimento, e um instável crônico na América Latina, para se tornar um “emergente”, um país dotado de pretensões a ter uma influência regional e global. Pois bem, com base nessas premissas, vamos à estratégia do Brasil que eu chamei de pequena.

A primeira estratégia pequena do Brasil, na verdade mesquinha, seria a de ter exibido, durante os oito anos da doutrina do “nunca antes neste país”, uma orientação de política externa não exatamente nacional, mas mais propriamente partidária, para não dizer sectária. Quando o Barão foi convidado para ser chanceler, cargo que ele ensaiou recusar, seja por motivos de saúde, de dinheiro ou qualquer outro, a primeira coisa que ele adiantou era a de que não vinha servir a qualquer partido, a qualquer causa política, mas ao Brasil, em benefício da nação e de seu prestígio na região e no mundo.
Cem anos depois, parece que tivemos não apenas uma diplomacia estreitamente partidária, mas até um chanceler que, talvez insatisfeito por ser “apenas” diplomata, resolveu se inscrever num partido, ou melhor, no partido do poder, o que aparentemente nunca lhe foi exigido como chanceler ou como funcionário de Estado. Mas, como defensor de um governo partidário, ele resolveu se filiar a esse partido. Como todo militante desse partido, como naquelas agrupações religiosas que exigem o dízimo, tem de contribuir com sua cota de boa vontade financeira, o mesmo chanceler escolheu ser conselheiro de algumas coisas, para arredondar o salário, já que o Brasil é hoje um país caro (talvez em função de algumas políticas de pequena estratégia que o mesmo partido aplica). O Barão, provavelmente, desprezaria gestos como esse.

A segunda estratégia pequena que o Barão lamentaria, se hoje contemplasse a diplomacia dos oito anos do “nunca antes”, seria justamente essa tal de “diplomacia Sul-Sul”. O Barão nunca compreenderia, e nunca admitiria, como se consegue ser tão reducionista, tão simplista, tão estreito geograficamente nas escolhas de relacionamento internacional, ele que sempre se bateu para equilibrar as relações do Brasil entre a velha Europa, os EUA emergentes, e a América do Sul, todos tão presentes em nossas relações imediatas. A despeito dessa “aliança não escrita” com os EUA, de que falam alguns acadêmicos, o Barão, na verdade, nunca se deixou prender, ou enredar, numa relação exclusiva, ou privilegiada, com qualquer sócio maior, mas procurava sempre manter equidistância dos grandes centros de poder, das velhas potências coloniais – mas ainda agressivamente imperialistas – e da nova potência que despontava no hemisfério – e já agressivamente imperialista, precisamente. Menos ainda ele compreenderia que o Brasil só tivesse olhos para o seu entorno imediato – claro, porque a África não “existia”, dominada que era pela Europa, e que a Ásia também se debatia na colonização direta e indireta das mesmas potências – e descurasse por completo das relações com aqueles que eram nossos principais mercados e fornecedores de capitais. Ele sorriria com certa complacência antes essas propostas de “nova geografia comercial internacional”, sabedor que, em matéria de comércio, toda e qualquer geografia é boa, desde que se consiga realizar todos os intercâmbios, nos dois sentidos, que interessariam ao Brasil.

Justamente, mesmo se ele tivesse de administrar uma “estratégia Sul-Sul” para o Brasil – fatalidade lamentável que ele certamente se escusaria por completo de iniciar – ele jamais se permitiria ser complacente, leniente, inconsequente ou descuidado em relação aos direitos do Brasil. Ele jamais permitiria, por exemplo, que tripudiassem injustamente sobre nossas exportações – como infelizmente ocorre muito frequentemente com certo vizinho arrogante – ou que, ao arrepio de tratados bilaterais e de contratos internacionais, outros vizinhos inconsequentes invadissem nossas propriedades legítimas para esbulhar-nos de nossos direitos, rasgando unilateralmente compromissos que tinham sido solenemente contraídos anteriormente. Por muito menos ele fez deslocar tropas para proteger nacionais ameaçados de maus tratos; ainda que não fosse o caso de fazê-lo em todas as circunstâncias, o Barão certamente teria sido bem mais vigoroso na reação a certos atos de expropriação ilegal. Por exemplo: ainda que confrontado a uma declaração inevitável de expropriação de bens nacionais, ele JAMAIS assinaria uma nota na qual se reconhecia o direito soberano de outro país de, sem a cortesia de sequer um alerta preliminar, expropriar sem negociações ou consulta prévia propriedades nacionais, em total desrespeito às normas do direito internacional e à letra de tratados que constituíam obrigações para as duas partes. Ele certamente consideraria certas atitudes registradas nesses tempos caóticos de diplomacia confusa não só como marcas de uma pequena estratégia, mas como uma demonstração cabal de uma estratégia vergonhosa.

A mais forte razão, o Barão se guardaria escrupulosamente, e faria com que o seu presidente também observasse esse tipo de recato, de jamais interferir nos assuntos políticos internos de outros países, seja demonstrando apoios eleitorais indevidos, seja adiantando preferências ideológicas ou ainda rompendo normas e costumes de direito internacional e de relações diplomáticas. A melhor forma de manter boas relações com quaisquer vizinhos – mesmo os mais turbulentos – e com todo e qualquer país da comunidade internacional é manter reserva total quanto aos assuntos internos desses outros países, mesmo quando se possa, em privado, manter preferência por um outro personagem da vida política que possa ter influência nas relações com o Brasil. Expressar publicamente interesse nesse tipo de assunto é a mais pequena estratégia que o Barão poderia conceber, e isso ele deixou registrado em vários escritos públicos.

Finalmente, o Barão tampouco consentiria em dividir o processo de tomada de decisão em múltiplas cabeças, em fracionar o comando da diplomacia em diversos centros independentes de formulação e de execução de uma política nacional, como deve ser a política internacional de um país. Consciente, provavelmente, de que a política externa é uma espécie de política interna por outros meios, e sabedor de que a diplomacia, como a arte da guerra, exige unidade de formulação, de decisão e de implementação das ações requeridas, ele obstaria por completo a qualquer fragmentação da atuação diplomática do Brasil em unidades separadas de atuação. Já ao assumir a chefia do Ministério, e confrontando-se com a provecta figura de Cabo Frio, ele apressou-se em inaugurar um busto em homenagem a essa magnífica figura do Império, como forma de afastá-lo dos assuntos correntes, encaminhando-o a uma merecida aposentadoria que ainda tardou a acontecer. Independentemente desses dissabores, ele jamais consentiria, por exemplo, que dirigentes partidários, representantes de interesses especiais, neófitos palacianos ou quaisquer outros aprendizes de diplomatas lhe viessem sugerir esta ou aquela política em matérias que fossem de sua competência exclusiva. Como “general” da diplomacia, ele sabia que comando não se divide: ou se assume, ou se assiste a confusão predominar em temas que têm a ver com a segurança nacional.

Enfim, falamos da “pequena estratégia” que o Barão não teria, e não poderia ter, para as relações internacionais do Brasil, cem anos depois de sua morte, se por acaso voltasse ao nosso convívio; faltou falar, positivamente, da grande estratégia que ele poderia exibir na atualidade. Mas isso fica para uma outra ocasião...

Paris, 2394: 18 Maio 2012