Já publiquei o ensaio original desses economistas neste mesmo espaço.
E um artigo aqui: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2014/09/a-decada-perdida-dos-companheiros-claro.html
Metodologia rigorosa, comparações pertinentes, para mostrar que, contrariamente à propaganda enganosa dos lulopetistas, o Brasil foi mal, em todo caso muito pior do que países comparáveis.
A década da "igualdade" dos companheiros foi, na verdade, uma década perdida, em todos os setores...
Paulo Roberto de Almeida
Nossa desgraça atual não é culpa do ajuste fiscal que não houve. É culpa da falta de construção de uma base sólida para o crescimento
Em 2009, Juan Pablo Nicolini, um dos maiores economistas
latino-americanos, nos perguntou: quanto do crescimento brasileiro
durante os anos Lula é explicado pelo boom de commodities e pela
facilidade de financiamento externo? Ficamos surpreendidos ao constatar
que economistas não alinhados com o governo não soubessem responder de
bate-pronto.
Anos depois escrevemos o artigo "A Década Perdida: 2003 – 2012". Nele, respondemos uma questão distinta mas parecida: o Brasil foi bem sob o comando do PT no governo federal? Quase todos dirão: claro! Crescemos mais do que na década anterior, e com inflação controlada. A pobreza e a desigualdade caíram e milhões foram incorporados ao mercado de consumo. Resposta simples para uma pergunta tola. Por que então dizemos que a década foi perdida? Porque a resposta simples é, na verdade, simplista.
Apesar de intuitiva, e por isso conveniente para as narrativas eleitorais, a comparação antes-e-depois é enganosa. Não seria se nada mudasse entre o antes e o depois. Mas muito mudou. Um exemplo cotidiano ajuda a entender. Imagine que o trânsito diminua no mês seguinte à adoção do rodízio de carros de passeio. A intervenção melhorou o trânsito? Sim, sugere o antes-e-depois. Mas e se o rodízio foi adotado no final de dezembro e, consequentemente, o mês de trânsito bom foi em um janeiro? As condições “externas” são diferentes: no mês de Natal as pessoas se movimentam mais pela cidade; em janeiro, mês de férias, muita gente viaja. Logo, a melhora em janeiro (depois) em relação a dezembro (antes) não pode ser exclusivamente atribuída ao rodízio.
Elimina-se a sazonalidade comparando janeiros, uma adaptação do método antes-e-depois. Imagine que o trânsito piorou em relação a janeiro do ano anterior. O tiro do rodízio saiu pela culatra? Não. A frota pode ter aumentado entre janeiros. Para que dois janeiros sejam comparáveis, é preciso que a frota de automóveis seja a mesma. E que sejam os mesmos o preço da gasolina, a quilometragem de metrô, e assim por diante. Necessitaríamos saber como teria sido o trânsito sem o rodízio, algo que não aconteceu. Temos que saber o contrafactual.
Os cientistas laboratoriais constroem contrafactuais usando experimentos aleatorizados. Aplicam um tratamento – e.g. remédio - em um grupo de pacientes, e um placebo no outro. Este, chamado de grupo de controle, faz o papel do contrafactual, o que ocorre sem o remédio. Para o trânsito, ou para governos, é difícil usar o método experimental. Sortearíamos quais cidades aplicarão rodízio de automóvel? Ou se o PT ou o PSDB ocupará o Palácio do Planalto?
Felizmente, os cientistas sociais bolaram métodos engenhosos para emular, ainda que imperfeitamente, desenhos experimentais e fazer comparações educadas. Usamos um deles: o método do controle sintético.
O nome é assustador mas a ideia é simples. Avaliamos o desempenho de um país comparando-o com países similares. O PIB brasileiro cresceu mais ou menos do que o resto da América Latina? A comparação faz sentido. Mas o incômodo persiste: qual a comparação correta? Com a média da América Latina? Ou melhor comparar só com a Argentina, parceira comercial importante? Ou com o Chile, também grande exportador de riquezas minerais? Ou com o México, industrializado como o Brasil? Por que não comparar com outros emergentes, como a Índia, economia tão fechada quanto a brasileira?
Em suma, a escolha não é óbvia. Parece fadada à arbitrariedade. Aí está a beleza do método do controle sintético: ele ata as mãos do pesquisador, diminuindo a arbitrariedade. Escolhe-se como grupo de comparação a combinação de países que melhor emule o Brasil antes de 2003. Em outras palavras: cria-se um país sintético que aproxime nossas características, o país “gêmeo” do Brasil. Os dados decidem, não o pesquisador. Sendo suficientemente parecido com o Brasil antes do “tratamento” – a chegada do PT ao poder – quaisquer diferenças que apareçam depois de 2002 são mais facilmente atribuíveis ao tratamento.
O desempenho de um país pode ser avaliado em várias dimensões. Comecemos com o PIB per capita. Encontramos um país “gêmeo” cuja renda antes de 2003 era parecida com o Brasil, tanto no nível quanto na trajetória, mostrando o êxito do método. O “gêmeo”, talvez contra-intuitivamente, tem pouco de América Latina. A Turquia aparece com grande peso. Por quê? Porque é um dos poucos países grandes e industrializados que tinha renda parecida com a brasileira antes de 2003.
Depois de 2002 o Brasil cresceu mais do que no período imediatamente anterior. Mas o país “gêmeo” também cresceu ainda mais. Tendo enfrentado condições externas menos favoráveis, cresceu 21% mais do que o Brasil entre 2003 e 2015. No “gêmeo”, a produtividade, medida pelo PIB por pessoa empregada, dobrou (até 2012); no Brasil, ficou parada.
O Brasil, em relação ao gêmeo, investiu menos, adicionou menos valor na indústria e teve inflação um pouco mais alta; perdeu competitividade, avançou menos em pesquisa e desenvolvimento, piorou sensivelmente a qualidade regulatória, e foi mal em quase todos os setores importantes. No social, a desigualdade de renda, a subnutrição e a pobreza caíram, mas em linha com o “gêmeo”. Educação e saúde andaram em linha, apesar de termos gasto mais; a segurança pública foi mal. No mercado de trabalho, o desempenho foi misto: o salário mínimo real aumentou tanto quanto; o salário médio real aumentou menos. A principal conquista foi no emprego: aumentou a massa salarial no PIB através da incorporação de mais pessoas na força de trabalho e da queda no desemprego. Ou seja, o crescimento veio de mais gente trabalhando, e não de maior produtividade.
Terminamos onde começamos, sem conseguir responder a pergunta do Nicolini. Mas aprendemos que, à luz dos nossos pares, crescemos pouco e assentamos bases frágeis para o futuro. Nesse sentido, desperdiçamos a década.
Por fim, um comentário sobre o período mais recente. O crescimento brasileiro perde fôlego a partir de 2011, ano da chegada de Dilma ao poder. De fato, em 2014 já houve queda no produto per capita medido em dólares constantes. Ou seja: não, André Singer! Nossa desgraça atual não é culpa do ajuste fiscal que não houve. É culpa da falta de construção de uma base sólida para o crescimento quando os tempos eram de bonança. Além de uma grande dose de irresponsabilidade nos anos recentes.
Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello são PhDs em economia pela Stanford University. São, respectivamente, professores no Departamento de Economia da PUC-Rio e no Insper.
Anos depois escrevemos o artigo "A Década Perdida: 2003 – 2012". Nele, respondemos uma questão distinta mas parecida: o Brasil foi bem sob o comando do PT no governo federal? Quase todos dirão: claro! Crescemos mais do que na década anterior, e com inflação controlada. A pobreza e a desigualdade caíram e milhões foram incorporados ao mercado de consumo. Resposta simples para uma pergunta tola. Por que então dizemos que a década foi perdida? Porque a resposta simples é, na verdade, simplista.
Apesar de intuitiva, e por isso conveniente para as narrativas eleitorais, a comparação antes-e-depois é enganosa. Não seria se nada mudasse entre o antes e o depois. Mas muito mudou. Um exemplo cotidiano ajuda a entender. Imagine que o trânsito diminua no mês seguinte à adoção do rodízio de carros de passeio. A intervenção melhorou o trânsito? Sim, sugere o antes-e-depois. Mas e se o rodízio foi adotado no final de dezembro e, consequentemente, o mês de trânsito bom foi em um janeiro? As condições “externas” são diferentes: no mês de Natal as pessoas se movimentam mais pela cidade; em janeiro, mês de férias, muita gente viaja. Logo, a melhora em janeiro (depois) em relação a dezembro (antes) não pode ser exclusivamente atribuída ao rodízio.
Elimina-se a sazonalidade comparando janeiros, uma adaptação do método antes-e-depois. Imagine que o trânsito piorou em relação a janeiro do ano anterior. O tiro do rodízio saiu pela culatra? Não. A frota pode ter aumentado entre janeiros. Para que dois janeiros sejam comparáveis, é preciso que a frota de automóveis seja a mesma. E que sejam os mesmos o preço da gasolina, a quilometragem de metrô, e assim por diante. Necessitaríamos saber como teria sido o trânsito sem o rodízio, algo que não aconteceu. Temos que saber o contrafactual.
Os cientistas laboratoriais constroem contrafactuais usando experimentos aleatorizados. Aplicam um tratamento – e.g. remédio - em um grupo de pacientes, e um placebo no outro. Este, chamado de grupo de controle, faz o papel do contrafactual, o que ocorre sem o remédio. Para o trânsito, ou para governos, é difícil usar o método experimental. Sortearíamos quais cidades aplicarão rodízio de automóvel? Ou se o PT ou o PSDB ocupará o Palácio do Planalto?
Felizmente, os cientistas sociais bolaram métodos engenhosos para emular, ainda que imperfeitamente, desenhos experimentais e fazer comparações educadas. Usamos um deles: o método do controle sintético.
O nome é assustador mas a ideia é simples. Avaliamos o desempenho de um país comparando-o com países similares. O PIB brasileiro cresceu mais ou menos do que o resto da América Latina? A comparação faz sentido. Mas o incômodo persiste: qual a comparação correta? Com a média da América Latina? Ou melhor comparar só com a Argentina, parceira comercial importante? Ou com o Chile, também grande exportador de riquezas minerais? Ou com o México, industrializado como o Brasil? Por que não comparar com outros emergentes, como a Índia, economia tão fechada quanto a brasileira?
Em suma, a escolha não é óbvia. Parece fadada à arbitrariedade. Aí está a beleza do método do controle sintético: ele ata as mãos do pesquisador, diminuindo a arbitrariedade. Escolhe-se como grupo de comparação a combinação de países que melhor emule o Brasil antes de 2003. Em outras palavras: cria-se um país sintético que aproxime nossas características, o país “gêmeo” do Brasil. Os dados decidem, não o pesquisador. Sendo suficientemente parecido com o Brasil antes do “tratamento” – a chegada do PT ao poder – quaisquer diferenças que apareçam depois de 2002 são mais facilmente atribuíveis ao tratamento.
O desempenho de um país pode ser avaliado em várias dimensões. Comecemos com o PIB per capita. Encontramos um país “gêmeo” cuja renda antes de 2003 era parecida com o Brasil, tanto no nível quanto na trajetória, mostrando o êxito do método. O “gêmeo”, talvez contra-intuitivamente, tem pouco de América Latina. A Turquia aparece com grande peso. Por quê? Porque é um dos poucos países grandes e industrializados que tinha renda parecida com a brasileira antes de 2003.
Depois de 2002 o Brasil cresceu mais do que no período imediatamente anterior. Mas o país “gêmeo” também cresceu ainda mais. Tendo enfrentado condições externas menos favoráveis, cresceu 21% mais do que o Brasil entre 2003 e 2015. No “gêmeo”, a produtividade, medida pelo PIB por pessoa empregada, dobrou (até 2012); no Brasil, ficou parada.
O Brasil, em relação ao gêmeo, investiu menos, adicionou menos valor na indústria e teve inflação um pouco mais alta; perdeu competitividade, avançou menos em pesquisa e desenvolvimento, piorou sensivelmente a qualidade regulatória, e foi mal em quase todos os setores importantes. No social, a desigualdade de renda, a subnutrição e a pobreza caíram, mas em linha com o “gêmeo”. Educação e saúde andaram em linha, apesar de termos gasto mais; a segurança pública foi mal. No mercado de trabalho, o desempenho foi misto: o salário mínimo real aumentou tanto quanto; o salário médio real aumentou menos. A principal conquista foi no emprego: aumentou a massa salarial no PIB através da incorporação de mais pessoas na força de trabalho e da queda no desemprego. Ou seja, o crescimento veio de mais gente trabalhando, e não de maior produtividade.
Terminamos onde começamos, sem conseguir responder a pergunta do Nicolini. Mas aprendemos que, à luz dos nossos pares, crescemos pouco e assentamos bases frágeis para o futuro. Nesse sentido, desperdiçamos a década.
Por fim, um comentário sobre o período mais recente. O crescimento brasileiro perde fôlego a partir de 2011, ano da chegada de Dilma ao poder. De fato, em 2014 já houve queda no produto per capita medido em dólares constantes. Ou seja: não, André Singer! Nossa desgraça atual não é culpa do ajuste fiscal que não houve. É culpa da falta de construção de uma base sólida para o crescimento quando os tempos eram de bonança. Além de uma grande dose de irresponsabilidade nos anos recentes.
Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello são PhDs em economia pela Stanford University. São, respectivamente, professores no Departamento de Economia da PUC-Rio e no Insper.
Os artigos publicados no NEXO Ensaio são de
autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias
ou opiniões do NEXO.
O NEXO Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade
do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e
internacional.
Para participar, entre em contato por email: ensaio@nexojornal.com.br.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.