Eu gosto particularmente do Maquiavel de Lauro Escorel, um jovem secretário brasileiro, trabalhando na embaixada do Brasil em Roma, nos anos 1950, refletindo sobre o "segretario" do serviço diplomático da antiga Toscana, trabalhando em Firenze (ou Florença), mas tendo feito missões diplomáticas junto a vários reinos (os estados papais, outras repúblicas ou ducados italianos, reino da França, etc.) e, sobretudo, refletido sobre as paixões e loucuras dos homens políticos quando estão no poder, ou fora dele (como era o seu próprio caso, quando escreveu O Príncipe, em desgraça relativa).
Paulo Roberto de Almeida
Algumas recomendações de
leituras: lista seletiva
Paulo Roberto de Almeida
Sergio Florencio: Os Mexicanos (São Paulo: Contexto,
2014, 240 p.)
Você sabia que os mexicanos têm uma lista dos mais amados
(Benito Juarez e Pancho Villa, entre eles), mas também dos mais odiados
(Cortez, obviamente, e também Porfírio Díaz) personagens da sua história? Sabia
que somos parecidos com eles? Este livro, por quem foi embaixador no México,
apresenta uma história diferente do país que é apresentado como competidor do
Brasil; de fato é, mas não como esperado: buscam os dois a prosperidade, a
partir de bases sociais e comportamentos econômicos similares. Uma análise
exemplar, feita do ponto de vista de um brasileiro que é fino observador das
qualidades e idiossincrasias de um povo dotado de uma rica história de
realizações, mas também de frustrações. Os desafios parecem semelhantes; serão
também as soluções? Descubra um México diferente num livro em que o Brasil está
presente.
Paulo Estivallet de Mesquita: A Organização Mundial do Comércio (Brasília:
Funag, 2013, 105 p.)
Parece difícil resumir em menos de 100 pequenas páginas a
teoria do comércio internacional, a evolução prática do próprio, o
estabelecimento do sistema multilateral de comércio, desde o Gatt e seus
caminhos tortuosos, até chegar na OMC e todos os seus acordos e funcionamento.
Uma proeza realizada por este engenheiro agrônomo que se fez diplomata, e que
aplica o rigor da sua ciência de origem à análise dos problemas das relações
econômicas internacionais, com ênfase no comércio e nos seus conflitos. O
sistema parece uma bicicleta: é preciso avançar, pois qualquer parada pode
significar retrocesso, não estabilidade. A interrupção da Rodada Doha, o recuo
no protecionismo em alguns grandes países (alguns até próximos) são desafios
graves, mas os acordos de livre comércio não são a resposta ideal. Só faltou a
bibliografia para uma obra perfeita.
Lauro Escorel: Introdução ao Pensamento Político de
Maquiavel (3a. ed.; Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, FGV, 2014,
344 p.)
Escrito em 1956, publicado pela primeira vez em 1958,
novamente em 1979, este clássico da maquiavelística brasileira é agora
apresentado por um acadêmico e complementado por uma conferência de 1980 do
autor, que se tornou “maquiavélico” ao servir na capital italiana em meados dos
anos 1950. Para Escorel, “as observações de Maquiavel sobre a política externa
dos Estados continuam a apresentar... uma extraordinária atualidade”. O
florentino foi o primeiro grande teórico da política do poder. Mas no plano interno também, Escorel segue
Maquiavel em que a política é um “regime de precário equilíbrio entre as forças
do bem e as forças do mal, em que estas muitas vezes superam aquelas...”. Os
dois colocam o “problema cruciante das relações da política com a moral”, que
está no centro da obra do italiano.
Paulo Roberto de Almeida: Nunca Antes na Diplomacia...: a política
externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014, 289
p.)
Tudo o que você sempre quis saber sobre a diplomacia
companheira e nunca teve a quem perguntar? Agora talvez já tenha, sobre quase
tudo. Em todo caso, figura aqui uma avaliação do que representaram, para a
política externa, os anos do lulo-petismo, com a independência de um acadêmico
que também integra a diplomacia. Existem episódios que ainda vão requerer
pesquisa em arquivos para saber como foram exatamente decididos, e
provavelmente lacunas subsistirão, tendo em vista justamente as características
especiais de uma diplomacia que não partiu essencialmente de sua casa de
origem, mas andou combinada a outros estímulos, não arquivados. Parece que ela
foi ativa, altiva e soberana, como nunca antes tinha acontecido. Outros traços
emergirão num futuro balanço, ainda sem data. A História a absolverá? A ver...
Rogério de Souza Farias: A palavra do Brasil no sistema multilateral de comércio (1946-1994) (Brasília:
Funag, 2013, 885 p.)
Uma coletânea, de alta
qualidade, dos mais importantes pronunciamentos feitos por representantes
brasileiros desde as negociações que precederam a constituição do Gatt
(1946-47), passando pela Unctad (1964), até a criação da OMC (1994). O livro
representa um repositório de grande relevância para todos os pesquisadores da
história econômica brasileira, uma vez que compila documentos originais e
outros materiais de referência (fotos, resumos biográficos dos negociadores
brasileiros, etc.), mas constitui, igualmente, um instrumento de trabalho
para os negociadores diplomáticos de nossos tempos. O livro vem
acompanhado por informações e fotos dos representantes e de notas de rodapé
explicativas de cada contexto negociador. O denso prefácio e a longa introdução
merecem leitura atenta; os temas abordados em cada capítulo constituem matéria
prima indispensável para conhecer a história econômica e diplomática brasileira
no plano do comércio internacional. Parece que pouco mudou...
Eugênio Vargas Garcia: Conselho de Segurança das Nações Unidas (Brasília:
FUNAG, 2013, 133 p.)
Tudo o que você sempre quis saber a respeito do
CSNU e nunca teve a quem perguntar, ou onde ler. Agora já tem: neste pequeno
grande livro de um historiador diplomata que já escreveu sobre o itinerário
frustrado do Brasil na Liga das Nações e sobre as tentativas novamente
frustradas para ser admitido no inner
sanctum da sua sucessora. Mais que isso: a obra refaz não apenas a
trajetória histórica desse órgão central da ONU, como percorre a geopolítica de
sua atuação e funcionamento político (com algumas tinturas jurídicas), sempre
focado nas reais alavancas de poder, isto é, o monopólio dos cinco membros
permanentes (mas a China só ingressou em 1971). Uma síntese bem sucedida, uma
bibliografia atualizada e uma reflexão sobre as realidades do poder atual, que
reflete a posição brasileira em importantes questões da agenda da ONU e do seu
desejado CS.
Carlos Márcio B. Cozendey: Instituições de Bretton Woods (Brasília: FUNAG, 2013, 181 p.)
Cada linha da obra está impregnada de um triplo
conhecimento: histórico, teórico e prático, sobre as origens, o
desenvolvimento, nas décadas seguintes, e sobre o funcionamento atual dos dois
irmãos de Bretton Woods, o Banco e o Fundo, que foram criados em 1944 na pequena
cidade do New Hampshire para presidir à ordem econômica do pós-guerra. O autor
é o secretário de Assuntos Internacionais da Fazenda, e como tal segue, no G20
e em outras instâncias, as negociações para a reforma do sistema monetário, que
já passou por fases melhores do que a atual. Depois das paridades cambiais
estáveis, o regime de flutuação não ajuda a manter a estabilidade mundial, mas
o maior perigo advém dos desequilíbrios fiscais nacionais, um tema que todavia
foge do escopo deste livro.
Harvey
J. Kaye: The Fight for the Four Freedoms:
What Made FDR and the Greatest Generation Truly Great (New York: Simon
& Schuster, 2014, 292 p.).
O livro foi
feito a partir dos papeis deixados por Franklin Delano Roosevelt em seus
arquivos de Hyde Park: o eixo central é dado pelas quatro liberdades que
Roosevelt proclamou no State of the Union
de janeiro de 1941, logo após conquistar o seu terceiro mandato, antes,
portanto, que os Estados Unidos fossem atacados e entrassem na guerra. Roosevelt,
que já vinha procurando superar as resistências isolacionistas do Congresso,
para converter os EUA no “Arsenal da Democracia”, insistiu na tecla de que
seria ilusório tentar esconder-se atrás de muralhas defensivas. Os quatro
grandes conceitos, em torno dos quais os americanos deveria estar unidos, não
apenas para si mesmos, mas para todo o mundo, foram os seguintes: liberdade de
expressão, de religião, da penúria e do medo. Esses princípios seriam inscritos
na Carta do Atlântico, que Roosevelt assinou com Winston Churchill, em agosto
de 1941, nas costas do Canadá, e foram consagrados no ano seguinte na Carta das
Nações Unidas, uma espécie de “New Deal for the world”, que seria a base da
Carta da ONU, assinada em San Francisco, em 1944.
Neill
Lochery: Brazil: The Fortunes of War,
World War II and the Making of Modern Brazil (New York: Basic Books, 2014,
314 p.)
O autor é um historiador
britânico, professor de Mediterranean and Middle Eastern Studies do College
University of London, e seu livro está dedicado ao envolvimento do Brasil na
guerra, o que é feito de maneira minuciosa e competente. A introdução da obra
já começa destacando o famoso documento-guia que Oswaldo Aranha preparou para
as conversas de Vargas com Roosevelt, no encontro que ambos tiveram no Rio Grande
do Norte, em janeiro de 1943, uma lista de objetivos de guerra que o Brasil
declarava aos EUA, mas que também podem ser vistos como uma espécie de
planejamento estratégico feito pelo grande chanceler para assegurar uma posição
de realce para o Brasil na ordem internacional que estaria sendo desenhada
pouco mais à frente para assegurar a paz e reconstruir o mundo. Oswaldo Aranha
acreditava, pragmaticamente, que a política tradicional do Brasil, de apoiar os
Estados Unidos no mundo, em troca do seu apoio na América do Sul, deveria ser mantida “até a vitória das armas
americanas na guerra e até a vitória e a consolidação dos ideais americanos na
paz.” Os Estados Unidos iriam liderar o mundo quando a paz fosse restaurada e
seria um grave erro se o Brasil não estivesse do seu lado. Ambas nações eram
“cósmicas e universais”, com características continentais e globais. Ele tinha
plena consciência de que o Brasil era uma “nação economicamente e militarmente
fraca”, mas o seu crescimento natural, ou as migrações do pós-guerra, lhe
dariam o capital e a população que o fariam tornar-se, “inevitavelmente um dos
grandes poderes políticos do mundo”. Pena que Oswaldo Aranha não se tornou
presidente do Brasil.
Henry
Kissinger: World Order (New York:
Penguin Press, 2014, 433 p.)
Trata-se, provavelmente, do
último livro, de tipo conceitual, de um dos mais destacados intelectuais americanos
(de origem germânica), acadêmico de longa carreira, que também se destacou em
atividades executivas, primeiro como conselheiro de segurança nacional, depois
como Secretário de Estado, ator de primeiro plano das relações exteriores dos
Estados Unidos e das próprias relações internacionais, consultor de quase todos
os presidentes americanos desde os anos 1950 e de alguns governos estrangeiros
também. Frustrante para os leitores de nossa região, o livro não devota nem
mesmo um capítulo, sequer uma mísera seção, à América Latina ou ao Brasil, nas
dez grandes unidades da obra, todas elas dedicadas aos grandes atores ou aos
problemas percebidos como relevantes para o estabelecimento ou a preservação de
uma ordem que de fato não existe. Após uma introdução de tratamento conceitual
da questão título, ele dedica dois capítulos à ordem europeia surgida com a paz
de Westfália e o sistema de balanço de poder daí resultante, um ao mundo
islâmico e às desordens do Oriente Próximo, outro voltado exclusivamente para
as relações entre os Estados Unidos e o Irã, dois outros sobre a Ásia (sua
multiplicidade e a emergência de uma ordem “asiática”), dois capítulos inteiros
sobre a diplomacia dos Estados Unidos (a ideia de uma ordem internacional na
tradição wilsoniana e o seu papel atual como “superpotência ambivalente”) e,
finalmente, dois capítulos finais voltados para questões tecnológicas e de
informação e de proliferação, e sobre a evolução provável de uma ordem mundial
ainda largamente indefinida. Para ser mais preciso, a América Latina não
aparece sequer no índice remissivo do livro, embora nele exista a entrada western hemisphere. O Brasil só é mencionado
duas vezes, ambas en passant e de
maneira irrelevante: a primeira para falar sobre o impacto mundial das
revoluções europeias de 1848, a segunda na companhia da Índia (que recebe
tratamento mais amplo nos capítulos asiáticos da obra) como exemplo de nações
emergentes. Fora isso, um grande livro.
Francis
Fukuyama: The Origins of Political Order:
From Prehuman Times to the French Revolution (New York: Farrar, Straus and
Giroux, 2011, 620 p.) e Political Order
and Political Decay: From the Industrial Revolution to the Globalization of
Democracy (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2014, 660 p.)
Dois volumes que resumem o pensamento de um dos mais
influentes cientistas políticos dos EUA, que retoma o trabalho seminal que
tinha sido conduzido por um de seus mestres, o finado autor do “conflito de
civilizações” (não um de seus melhores livros), Samuel Huntington, em seu
clássico Political
Order in Changing Societies (New Haven:
Yale University Press, 1968), que tinha sido traduzido no Brasil por Heitor
Ferreira Lima, um dos assessores do “guru” do regime militar no Brasil, Golbery
do Couto e Silva em seus esforços de distensão e de transição política para uma
ordem pós-autoritária durante a presidência Geisel. Os dois livros valem por um
tratado de política, mas que praticamente confirmam um tese pré-concebida: o
“fim da história”, se existir, se parece muito com o modelo político americano,
que é a culminação das possibilidades democráticas nas sociedades liberais e
avançadas de mercado. Mas o próprio Fukuyama reconhece que a democracia
americana está sendo gradualmente conduzida a impasses institucionais pela
rigidez do sistema bipartidário polarizado atualmente existente.
Hartford, 2782: 16 dezembro 2014
Divulgado, com reprodução das capas dos livros, no
blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/12/recomendacoes-de-leituras-para-curiosos.html).
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