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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Recomendacoes de leituras, para curiosos...


Algumas recomendações de leituras: lista seletiva

Paulo Roberto de Almeida

Sergio Florencio: Os Mexicanos (São Paulo: Contexto, 2014, 240 p.)
   
         Você sabia que os mexicanos têm uma lista dos mais amados (Benito Juarez e Pancho Villa, entre eles), mas também dos mais odiados (Cortez, obviamente, e também Porfírio Díaz) personagens da sua história? Sabia que somos parecidos com eles? Este livro, por quem foi embaixador no México, apresenta uma história diferente do país que é apresentado como competidor do Brasil; de fato é, mas não como esperado: buscam os dois a prosperidade, a partir de bases sociais e comportamentos econômicos similares. Uma análise exemplar, feita do ponto de vista de um brasileiro que é fino observador das qualidades e idiossincrasias de um povo dotado de uma rica história de realizações, mas também de frustrações. Os desafios parecem semelhantes; serão também as soluções? Descubra um México diferente num livro em que o Brasil está presente.


Paulo Estivallet de Mesquita: A Organização Mundial do Comércio (Brasília: Funag, 2013, 105 p.)
       
     Parece difícil resumir em menos de 100 pequenas páginas a teoria do comércio internacional, a evolução prática do próprio, o estabelecimento do sistema multilateral de comércio, desde o Gatt e seus caminhos tortuosos, até chegar na OMC e todos os seus acordos e funcionamento. Uma proeza realizada por este engenheiro agrônomo que se fez diplomata, e que aplica o rigor da sua ciência de origem à análise dos problemas das relações econômicas internacionais, com ênfase no comércio e nos seus conflitos. O sistema parece uma bicicleta: é preciso avançar, pois qualquer parada pode significar retrocesso, não estabilidade. A interrupção da Rodada Doha, o recuo no protecionismo em alguns grandes países (alguns até próximos) são desafios graves, mas os acordos de livre comércio não são a resposta ideal. Só faltou a bibliografia para uma obra perfeita.


Lauro Escorel: Introdução ao Pensamento Político de Maquiavel (3a. ed.; Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, FGV, 2014, 344 p.)
          
  Escrito em 1956, publicado pela primeira vez em 1958, novamente em 1979, este clássico da maquiavelística brasileira é agora apresentado por um acadêmico e complementado por uma conferência de 1980 do autor, que se tornou “maquiavélico” ao servir na capital italiana em meados dos anos 1950. Para Escorel, “as observações de Maquiavel sobre a política externa dos Estados continuam a apresentar... uma extraordinária atualidade”. O florentino foi o primeiro grande teórico da política do poder.  Mas no plano interno também, Escorel segue Maquiavel em que a política é um “regime de precário equilíbrio entre as forças do bem e as forças do mal, em que estas muitas vezes superam aquelas...”. Os dois colocam o “problema cruciante das relações da política com a moral”, que está no centro da obra do italiano.


Paulo Roberto de Almeida: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014, 289 p.)
          
  Tudo o que você sempre quis saber sobre a diplomacia companheira e nunca teve a quem perguntar? Agora talvez já tenha, sobre quase tudo. Em todo caso, figura aqui uma avaliação do que representaram, para a política externa, os anos do lulo-petismo, com a independência de um acadêmico que também integra a diplomacia. Existem episódios que ainda vão requerer pesquisa em arquivos para saber como foram exatamente decididos, e provavelmente lacunas subsistirão, tendo em vista justamente as características especiais de uma diplomacia que não partiu essencialmente de sua casa de origem, mas andou combinada a outros estímulos, não arquivados. Parece que ela foi ativa, altiva e soberana, como nunca antes tinha acontecido. Outros traços emergirão num futuro balanço, ainda sem data. A História a absolverá? A ver...


Rogério de Souza Farias: A palavra do Brasil no sistema multilateral de comércio (1946-1994) (Brasília: Funag, 2013, 885 p.)
Uma coletânea, de alta qualidade, dos mais importantes pronunciamentos feitos por representantes brasileiros desde as negociações que precederam a constituição do Gatt (1946-47), passando pela Unctad (1964), até a criação da OMC (1994). O livro representa um repositório de grande relevância para todos os pesquisadores da história econômica brasileira, uma vez que compila documentos originais e outros materiais de referência (fotos, resumos biográficos dos negociadores brasileiros, etc.), mas constitui, igualmente, um instrumento de trabalho para os negociadores diplomáticos de nossos livros. O livro vem acompanhado por informações e fotos dos representantes e de notas de rodapé explicativas de cada contexto negociador. O denso prefácio e a longa introdução merecem leitura atenta; os temas abordados em cada capítulo constituem matéria prima indispensável para conhecer a história econômica e diplomática brasileira no plano do comércio internacional. Parece que pouco mudou...

Eugênio Vargas Garcia: Conselho de Segurança das Nações Unidas (Brasília: FUNAG, 2013, 133 p.)
         
   Tudo o que você sempre quis saber a respeito do CSNU e nunca teve a quem perguntar, ou onde ler. Agora já tem: neste pequeno grande livro de um historiador diplomata que já escreveu sobre o itinerário frustrado do Brasil na Liga das Nações e sobre as tentativas novamente frustradas para ser admitido no inner sanctum da sua sucessora. Mais que isso: a obra refaz não apenas a trajetória histórica desse órgão central da ONU, como percorre a geopolítica de sua atuação e funcionamento político (com algumas tinturas jurídicas), sempre focado nas reais alavancas de poder, isto é, o monopólio dos cinco membros permanentes (mas a China só ingressou em 1971). Uma síntese bem sucedida, uma bibliografia atualizada e uma reflexão sobre as realidades do poder atual, que reflete a posição brasileira em importantes questões da agenda da ONU e do seu desejado CS.



Carlos Márcio B. Cozendey: Instituições de Bretton Woods (Brasília: FUNAG, 2013, 181 p.)
       
     Cada linha da obra está impregnada de um triplo conhecimento: histórico, teórico e prático, sobre as origens, o desenvolvimento, nas décadas seguintes, e sobre o funcionamento atual dos dois irmãos de Bretton Woods, o Banco e o Fundo, que foram criados em 1944 na pequena cidade do New Hampshire para presidir à ordem econômica do pós-guerra. O autor é o secretário de Assuntos Internacionais da Fazenda, e como tal segue, no G20 e em outras instâncias, as negociações para a reforma do sistema monetário, que já passou por fases melhores do que a atual. Depois das paridades cambiais estáveis, o regime de flutuação não ajuda a manter a estabilidade mundial, mas o maior perigo advém dos desequilíbrios fiscais nacionais, um tema que todavia foge do escopo deste livro.



Harvey J. Kaye: The Fight for the Four Freedoms: What Made FDR and the Greatest Generation Truly Great (New York: Simon & Schuster, 2014, 292 p.).
O livro foi feito a partir dos papeis deixados por Franklin Delano Roosevelt em seus arquivos de Hyde Park: o eixo central é dado pelas quatro liberdades que Roosevelt proclamou no State of the Union de janeiro de 1941, logo após conquistar o seu terceiro mandato, antes, portanto, que os Estados Unidos fossem atacados e entrassem na guerra. Roosevelt, que já vinha procurando superar as resistências isolacionistas do Congresso, para converter os EUA no “Arsenal da Democracia”, insistiu na tecla de que seria ilusório tentar esconder-se atrás de muralhas defensivas. Os quatro grandes conceitos, em torno dos quais os americanos deveria estar unidos, não apenas para si mesmos, mas para todo o mundo, foram os seguintes: liberdade de expressão, de religião, da penúria e do medo. Esses princípios seriam inscritos na Carta do Atlântico, que Roosevelt assinou com Winston Churchill, em agosto de 1941, nas costas do Canadá, e foram consagrados no ano seguinte na Carta das Nações Unidas, uma espécie de “New Deal for the world”, que seria a base da Carta da ONU, assinada em San Francisco, em 1944.

Neill Lochery: Brazil: The Fortunes of War, World War II and the Making of Modern Brazil (New York: Basic Books, 2014, 314 p.)
O autor é um historiador britânico, professor de Mediterranean and Middle Eastern Studies do College University of London, e seu livro está dedicado ao envolvimento do Brasil na guerra, o que é feito de maneira minuciosa e competente. A introdução da obra já começa destacando o famoso documento-guia que Oswaldo Aranha preparou para as conversas de Vargas com Roosevelt, no encontro que ambos tiveram no Rio Grande do Norte, em janeiro de 1943, uma lista de objetivos de guerra que o Brasil declarava aos EUA, mas que também podem ser vistos como uma espécie de planejamento estratégico feito pelo grande chanceler para assegurar uma posição de realce para o Brasil na ordem internacional que estaria sendo desenhada pouco mais à frente para assegurar a paz e reconstruir o mundo. Oswaldo Aranha acreditava, pragmaticamente, que a política tradicional do Brasil, de apoiar os Estados Unidos no mundo, em troca do seu apoio na América do Sul, deveria ser mantida “até a vitória das armas americanas na guerra e até a vitória e a consolidação dos ideais americanos na paz.” Os Estados Unidos iriam liderar o mundo quando a paz fosse restaurada e seria um grave erro se o Brasil não estivesse do seu lado. Ambas nações eram “cósmicas e universais”, com características continentais e globais. Ele tinha plena consciência de que o Brasil era uma “nação economicamente e militarmente fraca”, mas o seu crescimento natural, ou as migrações do pós-guerra, lhe dariam o capital e a população que o fariam tornar-se, “inevitavelmente um dos grandes poderes políticos do mundo”. Pena que Oswaldo Aranha não se tornou presidente do Brasil.

Henry Kissinger: World Order (New York: Penguin Press, 2014, 433 p.)
Trata-se, provavelmente, do último livro, de tipo conceitual, de um dos mais destacados intelectuais americanos (de origem germânica), acadêmico de longa carreira, que também se destacou em atividades executivas, primeiro como conselheiro de segurança nacional, depois como Secretário de Estado, ator de primeiro plano das relações exteriores dos Estados Unidos e das próprias relações internacionais, consultor de quase todos os presidentes americanos desde os anos 1950 e de alguns governos estrangeiros também. Frustrante para os leitores de nossa região, o livro não devota nem mesmo um capítulo, sequer uma mísera seção, à América Latina ou ao Brasil, nas dez grandes unidades da obra, todas elas dedicadas aos grandes atores ou aos problemas percebidos como relevantes para o estabelecimento ou a preservação de uma ordem que de fato não existe. Após uma introdução de tratamento conceitual da questão título, ele dedica dois capítulos à ordem europeia surgida com a paz de Westfália e o sistema de balanço de poder daí resultante, um ao mundo islâmico e às desordens do Oriente Próximo, outro voltado exclusivamente para as relações entre os Estados Unidos e o Irã, dois outros sobre a Ásia (sua multiplicidade e a emergência de uma ordem “asiática”), dois capítulos inteiros sobre a diplomacia dos Estados Unidos (a ideia de uma ordem internacional na tradição wilsoniana e o seu papel atual como “superpotência ambivalente”) e, finalmente, dois capítulos finais voltados para questões tecnológicas e de informação e de proliferação, e sobre a evolução provável de uma ordem mundial ainda largamente indefinida. Para ser mais preciso, a América Latina não aparece sequer no índice remissivo do livro, embora nele exista a entrada western hemisphere. O Brasil só é mencionado duas vezes, ambas en passant e de maneira irrelevante: a primeira para falar sobre o impacto mundial das revoluções europeias de 1848, a segunda na companhia da Índia (que recebe tratamento mais amplo nos capítulos asiáticos da obra) como exemplo de nações emergentes. Fora isso, um grande livro.

Francis Fukuyama: The Origins of Political Order: From Prehuman Times to the French Revolution (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011, 620 p.) e Political Order and Political Decay: From the Industrial Revolution to the Globalization of Democracy (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2014, 660 p.)
  
          Dois volumes que resumem o pensamento de um dos mais influentes cientistas políticos dos EUA, que retoma o trabalho seminal que tinha sido conduzido por um de seus mestres, o finado autor do “conflito de civilizações” (não um de seus melhores livros), Samuel Huntington, em seu clássico Political Order in Changing Societies (New Haven: Yale University Press, 1968), que tinha sido traduzido no Brasil por Heitor Ferreira Lima, um dos assessores do “guru” do regime militar no Brasil, Golbery do Couto e Silva em seus esforços de distensão e de transição política para uma ordem pós-autoritária durante a presidência Geisel. Os dois livros valem por um tratado de política, mas que praticamente confirmam um tese pré-concebida: o “fim da história”, se existir, se parece muito com o modelo político americano, que é a culminação das possibilidades democráticas nas sociedades liberais e avançadas de mercado. Mas o próprio Fukuyama reconhece que a democracia americana está sendo gradualmente conduzida a impasses institucionais pela rigidez do sistema bipartidário polarizado atualmente existente.


Bom proveito.
Paulo Roberto de Almeida 

Hartford, 2782: 16 dezembro 2014

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