POLÍTICA
Com orçamento reduzido no governo Dilma em comparação com
Lula e novas regras para ascensão na carreira, Ministério de Relações
Exteriores perde quadros e recebe mais pedidos de transferência para postos no
exterior ou para outros órgãos federais
JAMIL
CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA
A queda de prestígio da diplomacia no governo Dilma Rousseff
e a perspectiva de poucas mudanças na política externa pelo próximo mandato está
levando jovens funcionários do Itamaraty a buscarem alternativas para suas
carreiras. Diante da mudanças no sistema de promoção e de restrições
orçamentárias, os novatos estão preferindo pedir licenças temporárias, remoções
ao exterior ou mesmo transferência para outros órgãos federais, a ficarem na
sede da chancelaria.
Desde que assumiu o Palácio do Planalto, a presidente Dilma
Rousseff nunca fez questão de esconder a pouca deferência à política externa,
bem diferente da postura do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, com mais
apreço e vocação para "vender" o Brasil. Essa mudança se fez sentir
nos números: enquanto nos dez primeiros meses de 2014 o Ministério das Relações
Exteriores se comprometeu a gastar R$ 1,9 bilhão, o empenho no mesmo período de
2010 foi de R$ 2,3 bilhões - o valor foi atualizado a preços de outubro de
2014. A redução de gastos levou o Itamaraty a dever mensalidades para órgãos da
ONU e a cortar o número de missões diplomáticas: de mais de 180 em 2013, o
volume caiu para 50 em 2014.
Completa o cenário a indefinição sobre o futuro do
ministério. A permanência de Luiz Alberto Figueiredo é improvável, e as opções
seriam um retorno de Celso Amorim, titular da pasta com Lula, ou a escolha do
hoje embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Mauro Vieira, que seria
substituído pelo atual chanceler.
Mas a insatisfação vai além do dinheiro. Sem um plano de
carreira e, segundo o sindicato dos funcionários, "desprezados pelo
Palácio do Planalto", a Casa de Rio Branco vive um mal-estar generalizado.
Historicamente, o Itamaraty prefere a discrição e o isolamento mesmo em tempos
de maior transparência da gestão pública. Por isso, sinais de que as coisas não
vão bem são percebidos em casos emblemáticos como o de Edson Zuza, secretário
que há poucos meses decidiu dar baixa na Divisão de Pessoal do Itamaraty para
montar uma clínica particular de dermatologia.
O Estado procurou o
secretário para que pudesse comentar a informação, em mensagens enviadas nos
dias 15 e 16 de dezembro por redes sociais. Ele não as respondeu. Nesta
segunda-feira, após a publicação da reportagem, ele procurou o Estado para
dizer que pretende "apenas tirar uma licença para tratar interesses
particulares". As informações sobre sua saída haviam sido passadas à
reportagem pelo sindicato. Hoje, Zuza indicou que "as informações não
foram obtidas diretamente com o diplomatas" e que não existe uma clínica
ligada a ele.
Os pedidos de remoção para serviços fora do País também
cresceram. Neste semestre, 68 terceiros-secretários - posto inicial na
diplomacia - somaram-se a outros 19 diplomatas mais graduados na disputa por
vagas espalhadas pelo mundo - aumento de 70% em relação a 2013. No dia 18, 32
postos foram almejados. Essa competição reduz as chances dos menos graduados, o
que aumenta a insatisfação. Além das portas fechadas aos terceiros-secretários,
a cúpula abriu outra crise ao ignorar candidaturas de dois chefes de divisões,
chefes de gabinete e outros diplomatas mais graduados.
Pela Ordem. "Estamos vivendo um momento dramático",
disse Eduardo Saboia, diplomata que retirou da Bolívia o senador oposicionista
Roger Pinto, em 2013. Depois de ser alvo de uma sindicância na chancelaria que
jamais resultou em uma definição sobre sua carreira, ele está hoje no
Departamento Financeiro do Itamaraty em Brasília. Mas confessa que está
estudando para a prova da OAB. "Já passei na primeira fase. Não posso
descartar outras possibilidades", justificou.
A queixa nos corredores do Itamaraty é de que as promoções
dão prioridade ao tempo de serviço dos beneficiados, e não aos méritos
propriamente ditos. Há ainda queixas dos que, ao chegar a postos mais altos,
descobrem que não há verba ou estratégia traçada para promover a política
externa.
"Reparamos que tem havido relativa frequência de
servidores das carreiras de oficial e de assistente de chancelaria pedindo
vacância, para assumir outro cargo publico, ou para aposentadoria
voluntária", disse a presidente do Sinditamaraty, Sandra Malta dos Santos.
Em 2013, ao assumir o ministério, Figueiredo anunciou que as
promoções seguiriam critérios de tempo de permanência no órgão: 30 anos de
carreira é pré-requisito para um ministro de segunda classe ser promovido a
embaixador; 18 anos para um conselheiro ascender a ministro, e 15 anos para um
primeiro-secretário aspirar a conselheiro. O resultado prático disso é a
desmotivação de jovens diplomatas, em especial entre os quase 400 recrutados
pelo governo Lula para dar maior projeção externa ao Brasil.
Figueiredo também deixou de adotar uma lei aprovada na
gestão do antecessor, Antonio Patriota, que permitiria um fluxo maior na
carreira diplomática. Uma série de embaixadores já ultrapassaram a idade-limite
de 65 anos, em postos na Europa, Ásia e América do Norte, mas não têm aceitado
abandonar seus postos, o que permitiria uma maior renovação dos quadros e
amenizaria a insatisfação entre os novatos."As perspectivas para os jovens
diplomatas atualmente não são as mais promissoras", disse Sandra.
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