Não, não faz nenhum sentido.
Não a pergunta do título, que está correta, mas o fato de o Chile, sob a atual direção socialista, pretender deixar de ser um típico país da OCDE, para voltar a ser um típico país latino-americano.
Uma pena voltar a um continente tão desastrado e recorrente no regressismo a políticas ultrapassadas, e que já fracassaram mais de uma vez.
Paulo Roberto de Almeida
Reformas de Bachelet colocam em risco modelo vitorioso chileno
Presidente reeleita quer fazer mudanças profundas no sistema educacional às custas da credibilidade que o país que governa levou décadas para construir
Luís Lima
Veja.com, 20/12/2014
Michelle Bachelet: reformas estruturais podem tirar do Chile as vitórias do passado (Luis Hidalgo/AP/VEJA)
Há pelo menos quatro décadas a economia chilena vem se beneficiando do modelo liberal que a tornou a mais competitiva da América Latina. As virtudes desse modelo pareciam ser consenso entre políticos de todos os matizes ideológicos, e a socialista Michelle Bachelet nada fez para alterá-lo quando ocupou a presidência do Chile pela primeira vez, entre 2006 e 2010. No entanto, reeleita para mais um mandato, Bachelet dá sinais de querer abandonar a receita vencedora. A socialista depara-se com um país próspero, porém, marcado por revoltas estudantis. Quer resolver o problema usando ferramentas pouco ortodoxas. A primeira delas foi elevar os impostos do setor empresarial para viabilizar o aumento da participação do Estado na educação, na saúde e no sistema previdenciário. A guinada, tudo indica, pode levar a um grande retrocesso.
O modelo de livre mercado adotado pela coalizão de partidos chilenos de centro-esquerda, popularmente conhecida como Concertación, tem rendido bons frutos ao vizinho latino-americano. O país ocupou a sétima posição no ranking de economias mais livres do mundo por três anos seguidos e detém o maior PIB per capita da América Latina, segundo dados do Banco Mundial. Por manter as políticas que davam resultado, Bachelet deixou o governo quatro anos atrás com um índice de aprovação de 84%. Contudo, ao se postular novamente ao cargo, decidiu apoiar-se numa plataforma estatizante, buscando os eleitores insatisfeitos com a gestão de Sebastián Piñera, seu antecessor. O governo de Piñera foi marcado por um período de prosperidade, em que o PIB do país avançou, em média, 5,5% ao ano. Mas também foi palco de grandes revoltas de jovens, cujas principais demandas eram a melhora do sistema educacional — e sua universalização.
Reforma fiscal — Ao retornar ao Palácio de La Moneda, Bachelet resolveu colocar em prática suas propostas de campanha de forma, digamos, violenta: em menos de seis meses, enviou ao Congresso projetos para uma profunda reforma fiscal, a modificação do sistema eleitoral, além de mudanças estruturais nos setores de energia, saúde e previdência. Contudo, a mais importante guinada se dá na área educacional. No Chile, a educação superior é essencialmente privada, o que faz com que muitos estudantes se endividem para conseguir arcar com os custos. A elevação dos impostos pagos pelas empresas, já aprovada no âmbito da reforma tributária, aumentará em 8 bilhões de dólares a arrecadação do governo. Com essa receita, a presidente quer bancar um novo sistema de ensino essencialmente público. Em troca, as empresas verão seus encargos aumentar de 20% para 25%. A reforma também estabelece o fim do Fundo de Utilidades Tributárias (FUT), que incentiva empresários a reinvestir o lucro dentro do país.
Educação — As mudanças propostas por Bachelet remontam ao modelo pensado por estadistas nos idos de 1950, quando achavam, providos de certa dose de inocência ou ignorância, que conseguiriam arcar com a educação de todos os cidadãos. A atual situação da Universidade de São Paulo (USP), cujas finanças foram defenestradas ao longo de décadas devido a elevados gastos e má gestão, poderia servir de exemplo para Bachelet. Mas não. A presidente chilena propõe um receituário que amplia o perigo: a extinção gradual da cobrança de mensalidades por parte de instituições do ensino fundamental e médio que recebem recursos do Estado; o fim dos processos seletivos para o ingresso nessas instituições; e o fim do caráter lucrativo das instituições subsidiadas.
Empresários de associações do setor educacional preveem que as mudanças acarretem no fechamento de 80% dos estabelecimentos de ensino subsidiados pelo Chile. "A ideia é debilitar o setor privado por razões ideológicas, a de que a escola deve ser estatal, eliminando ou dificultando enormemente a possibilidade de que aquelas instituições que perseguem o lucro participarem dessa atividade", afirma Francisco Klapp, pesquisador da Fundación Libertad y Desarrollo, cuja sede é em Santiago. Parece mais uma tentativa de trilhar o caminho da escola populista latino-americana, que tem entre seus membros mais ilustres a própria Dilma Rousseff, o herdeiro do chavismo Nicolas Maduro, e Cristina Kirchner, na Argentina. (Clique para continuar lendo)
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Uma forma de empreender uma reforma educacional capaz de atender às demandas dos estudantes seria manter os subsídios que fomentassem realmente o ensino superior, além de criar um sistema de bolsas que facilitasse o acesso dos que não podem custear a universidade privada. Trata-se de uma terceira via diferente da estatização, como sugere o pesquisador Francisco Sanchéz, da Fundación Para el Progreso (FPP). "A solução é manter um Estado capaz de dar subsídios a bons projetos de nível superior, num sistema em que coexista a educação particular e a oferta de bolsas e créditos que permitam o acesso de estudantes de baixa renda", afirma.
Mudanças desnecessárias — Outra mudança proposta por Bachelet é a criação de uma entidade estatal voltada à gestão de recursos da previdência social. Atualmente, o sistema de pensões chileno é considerado um dos mais eficientes do mundo: é composto por contas de capitalização em que os trabalhadores depositam 10% de seus salários, que são administrados por empresas privadas. Elas também temem um recuo em seus ganhos.
Por fim, a presidente quer enveredar-se no vespeiro da reforma política e promulgar uma nova Constituição, já que o texto atual é do ditador Augusto Pinochet. Os debates se acirraram em torno do tema e a população se dividiu numa polarização muito similar à que ocorreu no Brasil durante as últimas eleições presidenciais. "Há setores da sociedade que consideram necessária uma nova Constituição, via Assembleia Constituinte. O problema é que a presidente tem sido ambígua em suas propostas e sinaliza que promoverá as mudanças por meio de um 'processo participativo, legítimo e institucional', sem especificar as intenções", disse Maximiliano Ravest, advogado e pesquisador da Fundação Jaime Gúzman. "Não há um cenário de ruptura institucional que justifique uma nova Constituição", diz.
Diante das incertezas que se propagam na região, a economia chilena também começa a titubear, impactada principalmente pela desaceleração do setor privado. A perspectiva de crescimento para o Chile este ano é de 1,7%, a menor em cinco anos, segundo o banco central do país, prejudicada por resultados ruins nos terceiro e quatro trimestres. Para o ano que vem, a estimativa foi reduzida de um intervalo de entre 3% e 4% para uma faixa de entre 2,5% e 3,5%. Enquanto isso, a inflação acelera e deve encerrar este ano em 4,8% — acima da meta de 2% a 4%. Qualquer semelhança com os acontecimentos recentes no Brasil não é mera coincidência. Ao buscar inspiração em Dilma e em seus vizinhos populistas, Bachelet pode tirar de seu país o brasão de uma economia arrojada. O alento é que, no Chile, não há (ainda) reeleição.
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