Homenagem ao embaixador Alberto da Costa e Silva, traduzida e publicada em espanhol
Paulo Roberto de Almeida
4653. “Alberto da Costa e Silva: o maior africanista brasileiro (1931-2023)”, Brasília, 4 maio 2024, 4 p. Obituário solicitado por Santiago Cabrera Hanna, Editor da revista Procesos. Revista Ecuatoriana de Historia (santiago.cabrera@uasb.edu.ec). Serviu de base para a elaboração do trabalho n. 4681. Publicado como “Alberto da Costa e Silva: el mayor africanista brasileño (1931-2023)”, na revista Procesos. Revista Ecuatoriana de Historia (n. 60, julio-diciembre 2024, p. 199-202; ISSN: 1390-0099; e-ISSN: 2588-0780; link: https://revistas.uasb.edu.ec/index.php/procesos/article/view/5519). Relação de Publicados n. 1594. DOI: https://doi.org/10.29078/procesos.n60.2024.5519Texto original em português:
Em todas as áreas intelectuais nas quais Alberto da Costa e Silva mergulhou sua pluma, sua caneta, estendeu seu teclado, nas quais discorreu oralmente, em seminários nas academias, nos salões acarpetados dos palácios oficiais, nas pequenas tertúlias entre amigos, o poeta, ensaísta, memorialista, historiador e diplomata brilhou como poucos na República das Letras do Brasil, do mundo português, no universo africanista do tráfico escravo e das culturas africanas da sua costa ocidental, que ele conheceu muito. Ela foi a que mais forneceu escravos ao Brasil, tema do qual ele foi, provavelmente, o maior historiador e um grande divulgador no Brasil e no mundo luso-português, quiçá também em diversos outros países.
A exemplo de seu pai, o poeta Antonio Francisco da Costa e Silva, começou sua carreira literária como poeta, ao início dos anos 1950, quando publicou sua primeira coletânea de poemas, O parque e outros poemas (Rio de Janeiro, 1953). Logo em seguida, decidiu tornar-se diplomata, apenas, segundo confidenciou mais tarde, para poder se vingar do Barão do Rio Branco, que tinha recusado o ingresso do seu pai na carreira diplomática, por este ser “pavorosamente feio”, como relatou um outro colega diplomata:
Nos tempos do barão do Rio Branco não havia concurso para ingressar na carreira diplomática, e a seleção era feita pessoalmente por ele, que conversava com os candidatos, em geral pessoas de família conhecida, de preferência bonitos e que falassem línguas estrangeiras. Antônio Francisco da Costa e Silva, ilustre poeta, conversou com o barão sobre a possibilidade de ingresso na carreira, mas o chanceler foi taxativo: ‘Olha, o senhor é um homem inteligente, admiro-o como poeta, contudo não vou nomeá-lo porque o senhor é muito feio e não quero gente feia no Itamaraty. (Guilherme Luiz Leite Ribeiro: Os bastidores da diplomacia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 50).
No mesmo ano em que foi admitido no Itamaraty do Rio de Janeiro, em 1957, também publicou uma antologia: Lendas do índio brasileiro (Rio de Janeiro, 1957, reeditada diversas vezes: 1969, 1980 e 1992). Removido para o seu primeiro posto diplomático em Lisboa (1960-63), aproveitou para publicar outras duas antologias: A nova poesia brasileira e Poesia concreta (Lisboa, 1960 e 1962). No mesmo ano, inebriado como seu pai pela poesia, reincidiu no ofício paralelo, com O tecelão (Rio de Janeiro, 1962) e novamente com uma coletânea só sua: Alberto da Costa e Silva carda, fia, dobra e tece (Lisboa, 1962); quatro anos depois, volta a se dedicar ao vício de uma vida inteira: Livro de linhagem (Lisboa, 1966). Não contente em se deixar dominar por essa poderosa droga literária, entregou-se igualmente a um outro projeto ambicioso: dirigiu e foi o principal redator da parte brasileira da Enciclopédia Internacional Focus (Lisboa, 1963-1968). Nessa época, já estava removido para a embaixada em Caracas, seu segundo posto (1963-64), onde também serviu como cônsul durante três anos (1964-1967).
De volta ao Rio de Janeiro, serviu como Auxiliar do Secretário-Geral de Política Exterior (1967-69), seguindo logo em seguida para a Embaixada em Washington (1969), de onde foi trazido logo em seguida, em 1970, para ser Oficial de Gabinete e Assessor de Coordenação do Ministro das Relações Exteriores, no ano em que o Itamaraty foi transferido do Rio para Brasília, dez anos depois de inaugurada a terceira e definitiva capital do Brasil. Serviu todo o período (1970-74), como o ministro Mario Gibson Barboza, e o acompanhou-o na primeira visita de um chanceler brasileiro à África, em 1972. Esse foi um momento importante da ação diplomática daquele período, quando o Itamaraty foi obrigado a enfrentar e contornar a rígida posição colonialista de Portugal, que insistia em transformar o governo brasileiro no avalista dessa promissória colonial que Lisboa se recusava a resgatar. (Cf. Flávio de Almeida Salles, Preto no Branco, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2001, p. 15-16)
Foi provavelmente nessa memorável viagem, preparada com esmero pelo jovem diplomata (mas já designado conselheiro e coordenador da missão), que nasceu em Costa e Silva a afeição pelo continente africano, como relata o mesmo jornalista:
... na missão programada pelo Itamaraty iriam enfrentar rotas, aeroportos, infraestruturas aeroportuárias e espaços aéreos desconhecidos. Passariam por situações em que as alternativas de ajuda de terra seriam precárias, sem contar que, desta vez ... [havia] uma carga preciosa a bordo: a primeira comitiva oficial da diplomacia brasileira, chefiada pelo próprio Chanceler, a visitar o continente africano. (idem, p. 22-23)
O coordenador da viagem, escolhido diretamente pelo chanceler, aos oito países enfim escolhidos – Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire, Camarões, Nigéria e Senegal, nessa ordem, todos da costa atlântica, do dia 25 de outubro a 21 de novembro de 1972 – foi assim descrito pelo jornalista Flávio de Almeida Salles:
Magro, cabelos prematuramente embranquecidos, tinha uma barba rala, que lhe cobria parte do rosto; a cada momento, penteava essa barba, caprichando no pequeno cavanhaque. Inteligente, era considerado um excelente diplomata, interessado em temas políticos e culturais e defensor da tese sobre a natural aproximação entre o Brasil e as nações do continente negro. (idem, p. 50-51)
Foi na Costa do Marfim que Costa e Silva descobriu que o frevo brasileiro provinha daquele país, como relatou, anos mais tarde num dos capítulos de O Vício da África e outros Vícios (Lisboa: João Sá da Costa, 1989, p. 95-96; apud Salles, op. cit., p. 185). Ele deve ter aprendido muito mais coisas nesse périplo de mais de três semanas pelos principais países – à exceção de Angola, obviamente – que mais forneceram escravos para as plantações de açúcar do Nordeste e de café do Sudeste, para as muitas minas brasileiras e para todos os demais trabalhos “alocados” aos africanos. Foi o começo de “caso único de amor”, entre um poeta por vocação, improvisado historiador, e todo um continente, que se materializaria, anos mais tarde, em todos os livros que trataram o imenso continente, não como o simples fornecedor de mão de obra forçada para as Américas, mas como uma civilização original, uma cultura riquíssima, nações vibrantes, como revelado nas obras que o distinguiram como o mais conhecido dos africanistas brasileiros, um dos mais importantes em língua portuguesa, uma referência na literatura historiográfica nessa área. Enquanto estive lotado na embaixada em Washington, fui várias vezes solicitado por ele para enviar, pela mala diplomática, exemplares do Journal of African History, editado pela Cambridge University Press, assim como outros materiais de estudos africanos.
Depois de servir como ministro-conselheiro nas embaixadas em Madri (1974-1976) e em Roma (1977-1979), Costa e Silva foi naturalmente designado como embaixador em Lagos (1979-1983), então capital da Nigéria (antes da mudança para a cidade interior de Abuja), cumulativamente com o Benim (Cotonu), seguindo depois para Lisboa, onde representou o Brasil de 1986 a 1990. No final dessa década, ele publicou o já referido O vício da África e outros vícios (1989), uma coleção de ensaios tendo o continente como fio unificador. Foi ainda embaixador em Bogotá (1990-1993) e em Assunção (1993-1995).
O primeiro livro do ciclo africano, tão volumoso quanto o segundo, foi A Enxada e a Lança, cujo subtítulo é totalmente elucidativo: A África antes dos Portugueses (Rio de Janeiro, 1992, com reedições em 1996 e em 2006), a que se seguiu, dez anos depois, a obra que dá continuidade ao detalhado estudo das culturas africanas dessa parte da costa atlântica tão bem conhecida e visitada por ele: A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700 (Rio de Janeiro, 2002 e 2004). Esta segunda obra foi contemplada com o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Biblioteca Nacional e com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 2003. No intervalo entre uma e outra, ele publicou As Relações entre o Brasil e a África Negra, de 1822 à 1a Guerra Mundial (Luanda, 1996) e, logo em seguida ao segundo grande monumento historiográfico, um livro que simboliza as relações brasileiras com “nossos vizinhos” do outro lado do oceano: Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África (Rio de Janeiro, 2003 e 2005).
Em meio a todas essas obras únicas, altamente situadas no mesmo nível do estado da arte dos melhores estudos africanistas nas universidades de ponta, ele foi contemplado com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 2000, tendo sido acolhido pelo acadêmico Marcos Villaça. Menos de dois anos depois já se desempenhava como presidente da ABL, tendo sido ainda distinguido com o título de “Intelectual do Ano” em 2004, Prêmio “Juca Pato”, da União Brasileira de Escritores. No mesmo ano, publicou uma biografia sobre o mercador de escravos da costa do Benim, Francisco Félix de Sousa (Rio de Janeiro, 2004), nascido em Salvador da Bahia em meados do século XVIII, e que se transformou, a partir de sua instalação na “costa dos escravos”, no início dos 1800s, num dos mais famosos e mais ricos traficantes do golfo da Guiné. Curiosamente, quando estudei na Bélgica, nos anos 1970, fui colega, na Universidade de Bruxelas, de uma togolesa chamada Leonardina de Sousa, mas que não falava uma só palavra em português; notava-se que pertencia à elite de seu país.
Sua produção ensaística e memorialista é múltipla e a obra poética é nada menos do que copiosa, sendo que duas coletâneas, a partir de seus muito livros de poesia, foram reunidos, respectivamente, em Poemas Reunidos (Rio de Janeiro, 2000; Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro) e por André Seffrin, nos Melhores poemas de Alberto da Costa e Silva (São Paulo, 2007). Ele terminou sua carreira diplomática como Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores (1995-98), mas nem por isso deixou de colaborar com a elevação da inteligência no Itamaraty: depois de ter sido presidente da banca examinadora do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (1983-1985), a instância institucional e quase acadêmica que afere a qualidade do trabalho intelectual dos conselheiros aspirando à promoção a ministros de segunda classe, ele foi vice-presidente da mesma banca, de 1995 a 2000.
Alberto da Costa e Silva: o maior africanista brasileiro (1931-2023)
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Em todas as áreas intelectuais nas quais Alberto da Costa e Silva mergulhou sua pluma, sua caneta, estendeu seu teclado, nas quais discorreu oralmente, em seminários nas academias, nos salões acarpetados dos palácios oficiais, nas pequenas tertúlias entre amigos, o poeta, ensaísta, memorialista, historiador e diplomata brilhou como poucos na República das Letras do Brasil, do mundo português, no universo africanista do tráfico escravo e das culturas africanas da sua costa ocidental, que ele conheceu muito. Ela foi a que mais forneceu escravos ao Brasil, tema do qual ele foi, provavelmente, o maior historiador e um grande divulgador no Brasil e no mundo luso-português, quiçá também em diversos outros países.
A exemplo de seu pai, o poeta Antonio Francisco da Costa e Silva, começou sua carreira literária como poeta, ao início dos anos 1950, quando publicou sua primeira coletânea de poemas, O parque e outros poemas (Rio de Janeiro, 1953). Logo em seguida, decidiu tornar-se diplomata, apenas, segundo confidenciou mais tarde, para poder se vingar do Barão do Rio Branco, que tinha recusado o ingresso do seu pai na carreira diplomática, por este ser “pavorosamente feio”, como relatou um outro colega diplomata:
Nos tempos do barão do Rio Branco não havia concurso para ingressar na carreira diplomática, e a seleção era feita pessoalmente por ele, que conversava com os candidatos, em geral pessoas de família conhecida, de preferência bonitos e que falassem línguas estrangeiras. Antônio Francisco da Costa e Silva, ilustre poeta, conversou com o barão sobre a possibilidade de ingresso na carreira, mas o chanceler foi taxativo: ‘Olha, o senhor é um homem inteligente, admiro-o como poeta, contudo não vou nomeá-lo porque o senhor é muito feio e não quero gente feia no Itamaraty. (Guilherme Luiz Leite Ribeiro: Os bastidores da diplomacia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 50).
No mesmo ano em que foi admitido no Itamaraty do Rio de Janeiro, em 1957, também publicou uma antologia: Lendas do índio brasileiro (Rio de Janeiro, 1957, reeditada diversas vezes: 1969, 1980 e 1992). Removido para o seu primeiro posto diplomático em Lisboa (1960-63), aproveitou para publicar outras duas antologias: A nova poesia brasileira e Poesia concreta (Lisboa, 1960 e 1962). No mesmo ano, inebriado como seu pai pela poesia, reincidiu no ofício paralelo, com O tecelão (Rio de Janeiro, 1962) e novamente com uma coletânea só sua: Alberto da Costa e Silva carda, fia, dobra e tece (Lisboa, 1962); quatro anos depois, volta a se dedicar ao vício de uma vida inteira: Livro de linhagem (Lisboa, 1966). Não contente em se deixar dominar por essa poderosa droga literária, entregou-se igualmente a um outro projeto ambicioso: dirigiu e foi o principal redator da parte brasileira da Enciclopédia Internacional Focus (Lisboa, 1963-1968). Nessa época, já estava removido para a embaixada em Caracas, seu segundo posto (1963-64), onde também serviu como cônsul durante três anos (1964-1967).
De volta ao Rio de Janeiro, serviu como Auxiliar do Secretário-Geral de Política Exterior (1967-69), seguindo logo em seguida para a Embaixada em Washington (1969), de onde foi trazido logo em seguida, em 1970, para ser Oficial de Gabinete e Assessor de Coordenação do Ministro das Relações Exteriores, no ano em que o Itamaraty foi transferido do Rio para Brasília, dez anos depois de inaugurada a terceira e definitiva capital do Brasil. Serviu todo o período (1970-74), como o ministro Mario Gibson Barboza, e o acompanhou-o na primeira visita de um chanceler brasileiro à África, em 1972. Esse foi um momento importante da ação diplomática daquele período, quando o Itamaraty foi obrigado a enfrentar e contornar a rígida posição colonialista de Portugal, que insistia em transformar o governo brasileiro no avalista dessa promissória colonial que Lisboa se recusava a resgatar. (Cf. Flávio de Almeida Salles, Preto no Branco, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2001, p. 15-16)
Foi provavelmente nessa memorável viagem, preparada com esmero pelo jovem diplomata (mas já designado conselheiro e coordenador da missão), que nasceu em Costa e Silva a afeição pelo continente africano, como relata o mesmo jornalista:
... na missão programada pelo Itamaraty iriam enfrentar rotas, aeroportos, infraestruturas aeroportuárias e espaços aéreos desconhecidos. Passariam por situações em que as alternativas de ajuda de terra seriam precárias, sem contar que, desta vez ... [havia] uma carga preciosa a bordo: a primeira comitiva oficial da diplomacia brasileira, chefiada pelo próprio Chanceler, a visitar o continente africano. (idem, p. 22-23)
O coordenador da viagem, escolhido diretamente pelo chanceler, aos oito países enfim escolhidos – Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire, Camarões, Nigéria e Senegal, nessa ordem, todos da costa atlântica, do dia 25 de outubro a 21 de novembro de 1972 – foi assim descrito pelo jornalista Flávio de Almeida Salles:
Magro, cabelos prematuramente embranquecidos, tinha uma barba rala, que lhe cobria parte do rosto; a cada momento, penteava essa barba, caprichando no pequeno cavanhaque. Inteligente, era considerado um excelente diplomata, interessado em temas políticos e culturais e defensor da tese sobre a natural aproximação entre o Brasil e as nações do continente negro. (idem, p. 50-51)
Foi na Costa do Marfim que Costa e Silva descobriu que o frevo brasileiro provinha daquele país, como relatou, anos mais tarde num dos capítulos de O Vício da África e outros Vícios (Lisboa: João Sá da Costa, 1989, p. 95-96; apud Salles, op. cit., p. 185). Ele deve ter aprendido muito mais coisas nesse périplo de mais de três semanas pelos principais países – à exceção de Angola, obviamente – que mais forneceram escravos para as plantações de açúcar do Nordeste e de café do Sudeste, para as muitas minas brasileiras e para todos os demais trabalhos “alocados” aos africanos. Foi o começo de “caso único de amor”, entre um poeta por vocação, improvisado historiador, e todo um continente, que se materializaria, anos mais tarde, em todos os livros que trataram o imenso continente, não como o simples fornecedor de mão de obra forçada para as Américas, mas como uma civilização original, uma cultura riquíssima, nações vibrantes, como revelado nas obras que o distinguiram como o mais conhecido dos africanistas brasileiros, um dos mais importantes em língua portuguesa, uma referência na literatura historiográfica nessa área. Enquanto estive lotado na embaixada em Washington, fui várias vezes solicitado por ele para enviar, pela mala diplomática, exemplares do Journal of African History, editado pela Cambridge University Press, assim como outros materiais de estudos africanos.
Depois de servir como ministro-conselheiro nas embaixadas em Madri (1974-1976) e em Roma (1977-1979), Costa e Silva foi naturalmente designado como embaixador em Lagos (1979-1983), então capital da Nigéria (antes da mudança para a cidade interior de Abuja), cumulativamente com o Benim (Cotonu), seguindo depois para Lisboa, onde representou o Brasil de 1986 a 1990. No final dessa década, ele publicou o já referido O vício da África e outros vícios (1989), uma coleção de ensaios tendo o continente como fio unificador. Foi ainda embaixador em Bogotá (1990-1993) e em Assunção (1993-1995).
O primeiro livro do ciclo africano, tão volumoso quanto o segundo, foi A Enxada e a Lança, cujo subtítulo é totalmente elucidativo: A África antes dos Portugueses (Rio de Janeiro, 1992, com reedições em 1996 e em 2006), a que se seguiu, dez anos depois, a obra que dá continuidade ao detalhado estudo das culturas africanas dessa parte da costa atlântica tão bem conhecida e visitada por ele: A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700 (Rio de Janeiro, 2002 e 2004). Esta segunda obra foi contemplada com o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Biblioteca Nacional e com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 2003. No intervalo entre uma e outra, ele publicou As Relações entre o Brasil e a África Negra, de 1822 à 1a Guerra Mundial (Luanda, 1996) e, logo em seguida ao segundo grande monumento historiográfico, um livro que simboliza as relações brasileiras com “nossos vizinhos” do outro lado do oceano: Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África (Rio de Janeiro, 2003 e 2005).
Em meio a todas essas obras únicas, altamente situadas no mesmo nível do estado da arte dos melhores estudos africanistas nas universidades de ponta, ele foi contemplado com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 2000, tendo sido acolhido pelo acadêmico Marcos Villaça. Menos de dois anos depois já se desempenhava como presidente da ABL, tendo sido ainda distinguido com o título de “Intelectual do Ano” em 2004, Prêmio “Juca Pato”, da União Brasileira de Escritores. No mesmo ano, publicou uma biografia sobre o mercador de escravos da costa do Benim, Francisco Félix de Sousa (Rio de Janeiro, 2004), nascido em Salvador da Bahia em meados do século XVIII, e que se transformou, a partir de sua instalação na “costa dos escravos”, no início dos 1800s, num dos mais famosos e mais ricos traficantes do golfo da Guiné. Curiosamente, quando estudei na Bélgica, nos anos 1970, fui colega, na Universidade de Bruxelas, de uma togolesa chamada Leonardina de Sousa, mas que não falava uma só palavra em português; notava-se que pertencia à elite de seu país.
Sua produção ensaística e memorialista é múltipla e a obra poética é nada menos do que copiosa, sendo que duas coletâneas, a partir de seus muito livros de poesia, foram reunidos, respectivamente, em Poemas Reunidos (Rio de Janeiro, 2000; Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro) e por André Seffrin, nos Melhores poemas de Alberto da Costa e Silva (São Paulo, 2007). Ele terminou sua carreira diplomática como Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores (1995-98), mas nem por isso deixou de colaborar com a elevação da inteligência no Itamaraty: depois de ter sido presidente da banca examinadora do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (1983-1985), a instância institucional e quase acadêmica que afere a qualidade do trabalho intelectual dos conselheiros aspirando à promoção a ministros de segunda classe, ele foi vice-presidente da mesma banca, de 1995 a 2000.
Eu tive o privilégio de ter sido interrogado por ele, em 1997, quando defendi minha “tese” sobre a formação da diplomacia econômica no Brasil imperial, sendo que depois ele fez questão de assinar um prefácio, quando da publicação completa dessa minha pesquisa historiográfica, cobrando-me a continuidade do trabalho no século XX (continuo devendo).
Pela imensidão de sua obra intelectual, Alberto da Costa e Silva ainda foi distinguido com o Prêmio Camões de 2014, ademais de vários doutorados honoris causae e de uma série enorme de medalhas e comendas dos mais diversos países, uma honra acumulada que pode ter vingado plenamente o seu pai, recusado pelo Barão do Rio Branco por não ser um branco dolicocéfalo, das preferências estéticas do patrono da diplomacia brasileira um século antes.
Pela imensidão de sua obra intelectual, Alberto da Costa e Silva ainda foi distinguido com o Prêmio Camões de 2014, ademais de vários doutorados honoris causae e de uma série enorme de medalhas e comendas dos mais diversos países, uma honra acumulada que pode ter vingado plenamente o seu pai, recusado pelo Barão do Rio Branco por não ser um branco dolicocéfalo, das preferências estéticas do patrono da diplomacia brasileira um século antes.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4653, 4 maio 2024, 4 p.; 1797 palavras.


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