segunda-feira, 6 de outubro de 2025
A neutralidade que não é imparcialidade - Palmari H. de Lucena (Mais PB); comentário de Paulo Roberto de Almeida
Um artigo num jornal da Paraíba que argumenta sobre um dos traços mais identificadores, a despeito dos desacordos gerais em outras matérias, entre Bolsonaro e Lula, no que respeito temas de política externa, especificamente no que concerne a guerra de agressão da Rússia contra um Estado soberano, a Ucrânia: a postura objetivamente favorável a Putin e à guerra cruel e unilateral do neoczarismo russo contra o país da Europa oriental, antigamente dominado pela União Soviética.
Como já tinha argumentado Rui Barbosa desde 1916 (a propósito da agressão do antigo Império alemão contra a Bélgica neutra, na Grande Guerra, neutralidade NÃO É imparcialidade, infelizmente. PRA
A neutralidade que não é imparcialidade
Palmari H. de Lucena
Mais PB, 05/10/2025
O Brasil gosta de repetir que sua tradição diplomática é a da neutralidade. Mas a guerra da Ucrânia deixou claro: neutralidade não é sinônimo de imparcialidade. Nos gestos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, a política externa brasileira acabou beneficiando mais a Rússia de Vladimir Putin do que a paz que diz buscar.
Bolsonaro, em fevereiro de 2022, sentou-se ao lado de Putin na antessala da invasão, declarando solidariedade e reforçando laços comerciais. Justificou a posição brasileira pelo pragmatismo dos fertilizantes, como se a dependência agrícola bastasse para relativizar a violação da soberania ucraniana. A neutralidade, nesse caso, serviu de biombo para uma aproximação cúmplice.
Lula, por sua vez, herdou o conflito e procurou se vestir de mediador global. Propôs um “clube da paz”, equiparou responsabilidades de Kiev e Moscou e acusou o Ocidente de estimular a guerra. Sua retórica sofisticada, porém, esbarrou no mesmo problema: transformar agredido e agressor em equivalentes morais. Ao tentar exibir imparcialidade, acabou favorecendo Putin, ao reduzir a pressão internacional contra a Rússia e diluir a clareza de quem iniciou o conflito.
A contradição torna-se ainda mais evidente quando se compara a atitude brasileira na guerra da Ucrânia com sua postura diante de Gaza e da Cisjordânia. No Oriente Médio, o governo não hesitou em condenar Israel, responsabilizá-lo por excessos e assumir posição frontal em defesa dos palestinos. Já em relação à Ucrânia, a diplomacia prefere relativizar, apelar à equidistância e suavizar a responsabilidade russa. O contraste expõe que a neutralidade, no caso europeu, é menos princípio universal e mais cálculo de conveniência.
O Itamaraty costuma invocar o princípio da não intervenção e da solução pacífica de controvérsias. Mas imparcialidade verdadeira não é fechar os olhos ao desequilíbrio das ações. Não há simetria entre quem invade e quem resiste. Ao se abster de julgamentos claros ou ao tratar Moscou e Kiev como lados igualmente responsáveis, o Brasil compromete não apenas sua credibilidade moral, mas também sua capacidade de liderar qualquer processo de mediação legítima.
No fundo, a diferença entre Bolsonaro e Lula é mais de estilo do que de substância. Um se abraçou a Putin em nome dos fertilizantes; o outro o recebe como parceiro estratégico, falando em paz enquanto relativiza responsabilidades. Ambos, porém, praticaram uma neutralidade que não é imparcialidade, mas silêncio cúmplice. Ao evitar nomear com clareza o agressor, o Brasil não apenas enfraquece sua voz moral no mundo: ajuda, ainda que de forma disfarçada, a prolongar a guerra iniciada pelo Kremlin.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
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