Uma nova intervenção na América Latina?
No momento em que o Secretário estadunidense da “Guerra” — de Truman até Trump era de Defesa — anuncia uma Operação “Lança do Sul”, dirigida especificamente à América Latina (que também tem uma parte na América do Norte e Central), tomei o cuidado de consultar o n. 2 da revista Política Externa Independente, criada e dirigida pelo historiador José Honório Rodrigues, mas que sobreviveu apenas por três únicos números, de 1965 a 1966.
Esse número 2, de agosto de 1965, é dedicado quase inteiramente à “Invasão da República Dominicana”, país do Caribe então acusado, pelo presidente Lyndon Johnson de colocar em risco “as vidas de norte-americanos e outros estrangeiros ali residentes”, depois para “evitar o risco de um novo regime comunista no continente”.
Esse número especial — artigos, debates, entrevistas, documentos — foi organizado pelo embaixador Jayme Azevedo Rodrigues, que tinha sido aposentado compulsoriamente pelo regime militar logo na primeira leva de cassações da ditadura, em 1964, por ter se recusado a servir “um governo de gorilas”.
Todo o número parece anunciar certo trumpismo avant la lettre, feito de unilateralismo, de arrogância imperial e de desrespeito ao princípio da não interferência nos assuntos internos dos países, consagrado no Direito Internacional e precisamente na Carta da OEA, que aprovou rapidamente a criação (solicitada pela diplomacia profissional brasileira) de uma Força Interamericana de Paz, para dar uma mínima aparência multilateral a um empreendimento imperial (do qual as FFAA brasileiras participaram, um pouco para agradecer o apoio dado no golpe, numa espécie de pagamento de um imposto atrasado).
Vale a pena consultar esse número 2 (de 3), da revista Política Externa Independente, apenas para constatar se alguma coisa mudou no diktat imperial hemisférico. Parece que não. O Brasil mudou, mas de uma forma bizarra: a diplomacia que denuncia a intervenção unilateral imperialista na América Latina tem sido até aqui incapaz de denunciar a intervenção unilateral imperialista no coração da Europa, duplicada por uma guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia que a diplomacia presidencial personalista jamais foi capaz de condenar de forma explícita.
Então, alguma coisa, enfim, mudou: parafraseando Orwell, todas as intervenções unilaterais imperiais são iguais, mas algumas são mais iguais do que as outras.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14/11/2025
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.