Antes de transcrever a última peça literária do nosso ministro das relações exteriores, vou tentar entender algumas coisas.
Certas coisas é preciso ler, reler, voltar a ler, para tentar saber se estamos entendendo errado, ou é o argumento que peca por total falta de lógica.
Vejamos esta frase, por exemplo:
"Desde 1989-1991, quando
desabou o “socialismo real”, o marxismo vem trabalhando para desenhar novos
instrumentos de construção do comunismo. O principal desses instrumentos é o
globalismo (termo que utilizo numa acepção algo distinta daquela mais corrente
que o define como a criação de uma governança mundial; para mim,
diferentemente, o globalismo é a captura da economia globalizada pelo aparato
ideológico marxista através do politicamente correto, da ideologia de gênero,
da obsessão climática, do antinacionalismo)."
Eu sinceramente gostaria de compreender, não na teoria do ministro, mas na prática da vida corrente, como é que o tal de "aparato ideológico marxista" – acho que ele leu Althusser demais – consegue capturar a "economia globalizada", para construir esse tal de globalismo.
Não existe nenhuma evidência nesse sentido, e por isso cabe dizer: argumento ôco...
Ou vejamos esta outra frase aqui:
"A principal fragilidade do
sistema liberal é a seguinte: o sistema liberal não pensa. Não trabalha no
mundo das ideias. Criou uma repulsa por tudo aquilo que chama de “ideológico”.
Curiosamente, o sistema liberal em geral – e no Brasil os isentões em
particular – aplicam a pecha de “ideológico” àqueles que procuram estudar o
marxismo contemporâneo e entender seu “horizonte comunista”."
Aqui eu compreendo, mas não consigo aceitar essa assertiva: talvez eu não me enquadre nessa condição, pois não apenas sou um liberal que pensa, como penso no marxismo, no socialismo, no comunismo, como está evidenciado nesta minha mais recente obra:
Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo: trajetória
de duas parábolas da era contemporânea (Brasília: Edição do Autor, 2019). Disponível livremente,
em 10/12/2019, nas plataformas Academia.edu (link: https://www.academia.edu/41255795/Marxismo_e_Socialismo_2019_) e Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/337874789_Marxismo_e_Socialismo_trajetoria_de_duas_parabolas_na_era_contemporanea_2019).
Pois bem, passemos ao mundo da imaginação imaginativa...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19/12/2019
Ministro das Relações Exteriores – Artigos
Criado: 18 de
Dezembro de 2019 - 12h04
Ernesto Araújo, Ministro das Relações
Exteriores.
Em artigo exclusivo, o ministro das Relações
Exteriores, Ernesto Araújo, traça um panorama da ameaça comunista nos países
latinos
O intelectual e ativista marxista boliviano
Álvaro García Linera, logo após ser eleito vice-Presidente da Bolívia na chapa
de Evo Morales, em 2005, declarou: “O horizonte geral da nossa era é o
comunismo.”
Não há dúvida de que a América Latina viveu
dentro de um horizonte comunista desde 2005, ou possivelmente desde um pouco
antes, desde a vitória de Lula em 2002, ou desde a vitória de Chávez em 1999.
Na verdade, esse horizonte começou a raiar com a criação do Foro de São Paulo,
em 1991.
Veja-se bem a expressão: dentro de um horizonte
comunista. Não em um sistema explicitamente comunista. Muitas pessoas
ridicularizam a discussão sobre a presença do comunismo na América Latina atual
dizendo que os partidos autoproclamados comunistas são fracos ou inexistentes e
que em nenhuma parte – exceto um pouco na Venezuela – cogita-se de instaurar um
sistema com propriedade coletiva dos meios de produção ou ditadura do
proletariado.
Em primeiro lugar, há que observar o seguinte: o
comunismo não é a propriedade coletiva dos meios de produção. O comunismo não é
a ditadura do proletariado. Propriedade coletiva e ditadura do proletariado – o
socialismo – são instrumentos para chegar ao comunismo, que é o estágio último
da sociedade humana concebido por Marx, o zero absoluto do ser humano, onde o
controle sobre o homem é tão completo que já prescinde do Estado (portanto
prescinde da ditadura do proletariado). Um controle sem sujeito, apenas objetos
imbecilizados, onde já não há propriedade coletiva nem individual porque já não
há diferença entre indivíduo e coletividade, um sistema que se autoperpetua
infinitamente, um buraco negro da humanidade, de cujo horizonte já nenhuma luz
escapa. O comunismo não é a abolição do capitalismo, o comunismo é (para tomar
emprestado um título de C.S.Lewis) a abolição do homem.
O socialismo, dentro da loucura marxista, é
apenas um instrumento para chegar ao comunismo, mas isso não significa que não
haja outros. Desde 1989-1991, quando desabou o “socialismo real”, o marxismo
vem trabalhando para desenhar novos instrumentos de construção do comunismo. O
principal desses instrumentos é o globalismo (termo que utilizo numa acepção
algo distinta daquela mais corrente que o define como a criação de uma
governança mundial; para mim, diferentemente, o globalismo é a captura da
economia globalizada pelo aparato ideológico marxista através do politicamente
correto, da ideologia de gênero, da obsessão climática, do antinacionalismo).
Assim, tudo o que os marxistas desde 1989 fazem
e pensam é manter aberto o horizonte comunista. Sabem que já não podem pregar
abertamente o comunismo porque o mainstream (ainda) o rejeita, mas podem ir-se
aproximando, avançando aqui e ali, ganhando terreno e ocupando espaços.
Horizonte por definição é um lugar aonde nunca se chega, mas que
necessariamente orienta e referencia nossa localização espacial. O objetivo
ficou talvez mais distante do que era no tempo da União Soviética, mas continua
presente. Talvez tenha ficado mais próximo É isso o que querem dizer com o
“horizonte comunista”.
Essa expressão, aliás, serve de título a um
livro da marxista Jodi Dean, publicado em 2012, The Communist Horizon um de
tantos trabalhos surgidos desde o final dos anos 90 discutindo justamente as
formas de preservar a “utopia” comunista e reinseri-la na realidade política e
social concreta de um mundo aparentemente avesso ao comunismo. Na mesma linha
vão os três volumes intitulados The Idea of Communism, coleção de ensaios de
dezenas de autores marxistas, coordenados pelos dois principais pensadores
dessa horripilante corrente na atualidade, Alain Badiou e Slavoj Zizek. O
“horizonte comunista”, a “ideia do comunismo” são a mesma coisa: mil maneiras
de manter viva a ideologia comunista, tantas vezes derrotada pela realidade.
Dizia Mao Tse Tung: “De derrota em derrota, até a vitória final.” Esse é o
programa. Aproveitar as aparentes derrotas para fortalecer-se e seguir
avançando. Pode-se argumentar que neste Século XXI o projeto comunista está
mais forte do que nos anos 80, justamente porque ninguém o vê e pode operar à
sombra da sociedade de consumo. Em lugar de combater o capitalismo em nome de
uma alternativa socialista claramente fracassada, infiltrar-se de maneira sutil
dentro do capitalismo.
Vão já, portanto, quase trinta anos – mas os
últimos 20 são especialmente significativos – em que o marxismo está cavando
túneis por baixo da superfície aparentemente segura e tranquila da sociedade
liberal. Os marxistas nunca se renderam a essa sociedade. Reúnem-se, pensam,
programam, aplicam diferentes estratégias que vão solapando o mundo
liberal-democrático, de diferentes modos, com diversas geometrias, explorando
de forma inteligente e perversa as fragilidades do sistema liberal.
A principal fragilidade do sistema liberal é a
seguinte: o sistema liberal não pensa. Não trabalha no mundo das ideias. Criou
uma repulsa por tudo aquilo que chama de “ideológico”. Curiosamente, o sistema
liberal em geral – e no Brasil os isentões em particular – aplicam a pecha de
“ideológico” àqueles que procuram estudar o marxismo contemporâneo e entender
seu “horizonte comunista”. Ou seja, os ideólogos que se esforçam dia e noite
por criar os novos instrumentos do comunismo (e que publicam suas ideias em
livros amplamente disponíveis) são ignorados e deixados trabalhar em paz, sob
uma espécie de indiferença benigna por parte do establishment. Já os amantes da
liberdade que lêem esses trabalhos marxistas para entender o novo projeto
comunista e assim poder combatê-lo são chamados de “ideológicos”. O mundo
isentão lida apenas com a figura fictícia de um certo comunismo “derrotado em
1989” e recusa-se terminantemente a reconhecer – muito menos a enfrentar – o
projeto comunista real que atua hoje por toda parte.
O isentismo é antes de mais nada uma forma de
preguiça intelectual.
Também é uma forma de acomodação. O isentismo
não enfrenta o comunismo. Não chega nem perto. Não quer enfrentar. Não quer
reconhecer que ele existe porque, se reconhecer, vai ter de fazer alguma coisa.
Assim, o isentismo se inscreve confortavelmente dentro do horizonte comunista
e, no dia em que o comunismo chegar e roubar-lhe a liberdade que ele acredita
possuir de graça sem precisar lutar por ela, o isentão não vai nem perceber,
pois sua cegueira ideológica – ou seja, sua cegueira para a ideologia que
penetra na sua mente – já lhe terá consumido todas as faculdades e sentimentos
de resistência.
Isso na melhor das hipóteses. Em outra hipótese,
o isentão sabe conscientemente que seu isentismo se insere dentro do horizonte
comunista e está muito feliz com isso. Faz parte voluntariamente do projeto.
Não se acha comunista, mas compartilha com o projeto comunista todo o
essencial: o materialismo e o ódio ao espírito, a sede insaciável de poder e de
controle absoluto. A pressa com que hoje, no Brasil, os isentos correm para os
braços da extrema esquerda e vice-versa, formando uma estranha
“isentoesquerda”, é o sinal abjeto dessas afinidades profundas.
Então, temos em todo o mundo, a partir da virada
do século, a progressiva construção de uma sociedade que é liberal apenas na
suferfície, na aparência de uma economia capitalista com instituições
democráticas e direitos humanos bem bonitinhos, mas que na sua subestrutura não
é nada disso. Debaixo do liberalismo, no porão, os engenheiros do “ideal
comunista” manejam suas alavancas. No porão grassa a corrupção, o conluio com o
crime organizado, a tolerância para com a violência mais brutal, as drogas (seu
tráfico e seu uso), o capitalismo distorcido pelo controle estatal, a repressão
ao pensamento e à livre expressão, o anticristianismo e o antiespiritualismo, o
furioso moralismo materialista, a manipulação da ciência.
E os isentões, onde estão? Estão jogando pedra
justamente naqueles líderes que, no Brasil e no resto do mundo, querem descer
ao porão para lutar contra todas essas mazelas. O isentão, quando você aperta,
ele não quer uma economia livre, ele não quer uma internet livre, não quer um
idioma livre capaz de expressar a complexidade e beleza do espírito humano em
sua aventura multidimensional. Quer uma economia direcionada pelo conchavo
político, quer o controle social da comunicação pelo monopólio da grande mídia,
quer uma novilíngua continuamente empobrecida pela ditadura do politicamente
correto que substitui a ditadura do proletariado como instrumento preferencial
de construção do comunismo. Sim, o isentão está enclausurado no horizonte
comunista.
No Brasil estamos rompendo o horizonte comunista
e reenquadrando o liberalismo no horizonte da liberdade. O horizonte comunista
está sendo rompido igualmente em outros lugares, certamente nos EUA, também no
Reino Unido, na Hungria e na Polônia, penso que está sendo rompido na África,
onde os últimos laivos da associação espúria entre comunismo e libertação, que
vigorou por décadas desde as lutas anticoloniais, parecem estar-se dissipando.
A Igreja Católica, em parte, se havia inscrito também dentro do horizonte
comunista, a partir dos anos 60 e 70, mas ali a verdadeira fé parece estar
resistindo e repelindo o avanço marxista sobre a sua doutrina bimilenar.
O horizonte comunista está sendo rompido na
própria Bolívia, onde o povo deu um basta a Evo Morales e García Linera, que
queriam continuar arrastando os bolivianos para o abismo à custa da fraude
eleitoral.
Porém o horizonte comunista quer voltar a
estrangular-nos. Quer regressar na Bolívia (Evo Morales foi acolhido pelo novo
governo e está ali, a poucos quilômetros da fronteira, à espreita). Quer voltar
no Chile, no Equador e na Colômbia, quer voltar no Brasil. Quer “iluminar” com
suas trevas essas grandes nações que são a Venezuela, o México e a Argentina.
Precisamos olhar para além desse horizonte
comunista, que não é um horizonte onde há árvores e campos mas sim as paredes
de uma cela, esse horizonte que não é onde a terra encontra o céu mas onde a
terra encontra o inferno. Tudo o que temos para combater o avanço dessas
paredes e a aproximação desse abismo é o apego à liberdade. A liberdade que,
insisto, não é uma ideologia, mas o eixo central do ser humano.
Para começar, precisamos estudar o comunismo a
partir do que dizem e fazem os comunistas, em lugar de sair aos gritos de
“ideológico, ideológico” condenando quem o estuda e quem o enfrenta.
Um comentário:
Uma coisa curiosa é que o Chanceler e o Assessor Internacional do Presidente sequer concordam sobre a definição do que seria o tal "globalismo". Enquanto o assessor busca uma definição com pretensões acadêmicas, recorrendo a teóricos das relações internacionais e filósofos, para tentar desenhar uma definição mais conceitual, o Ministro é mais descarado e define globalismo como qualquer coisa de que ele não gosta.
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