O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

839) Abertura dos portos: revisitando a historia

No contexto dos 200 anos da chegada do príncipe regente, D. João, a Salvador, e do alvará régio que determinou a abertura dos portos brasileiros ao comércio com as nações amigas de Portugal, tenho o prazer de informar o lançamento, neste dia 28 de janeiro de 2008, em São Paulo, na Federação do Comércio (junto com uma exposição alusiva à data histórica) do livro:

A Abertura dos Portos
organizador por Luis Valente de Oliveira e Rubens Ricupero
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007, 352 p.; ISBN: 978-85-7359-651-9

no qual figura minha contribuição:
"A formação econômica brasileira a caminho da autonomia política: uma análise estrutural e conjuntural do período pré-Independência" (p. 256-283)

Paulo Roberto de Almeida

domingo, 27 de janeiro de 2008

838) O que fez voce mudar de ideia? e por que?

The Edge Annual Question — 2008

When thinking changes your mind, that's philosophy.
When God changes your mind, that's faith.
When facts change your mind, that's science.

WHAT HAVE YOU CHANGED YOUR MIND ABOUT? WHY?

Science is based on evidence. What happens when the data change? How have scientific findings or arguments changed your mind?"

165 contributors; 112,600 words

Printer version.

Veja todas as questões anuais, a partir de 1998, aqui.

837) Stephen Jay Gould: o triunfo da razao

The Triumph of Stephen Jay Gould
By Richard C. Lewontin
NEW YORK REVIEW OF BOOKS, Volume 55, Number 2 · February 14, 2008

One of the most interesting developments of the last sixty years in the popularization of intellectual concerns and higher culture has been the appearance of "public intellectuals." They are, for the most part, academics who use a variety of means of access to a wide audience to disseminate ideas that are sometimes an integral part of their expertise, and sometimes very far from their professional field. ...

When I was a boy The New York Times had one science reporter, Waldemar Kaempfert, who wrote an occasional column. It now has a staff that produces an entire ten-page Science Times every Tuesday. Of the twenty-two contributors to the 2007 Fall Books edition of The New York Review, nine were academics. The pages of that edition included twenty-six advertisements from university presses announcing 154 books. Nor are university presses the sole publishers of the work of professional thinkers. Really successful public intellectuals employ a literary agent who places his clients' work with major trade publishers or may even serve as the editor of a collection of articles of his clients, [3] which is then published by a major house.

There is a considerable variation in the degree to which academic public intellectuals stray from their own technical work in their public writings. Even those who begin with both feet planted firmly in their discipline find it hard to resist the seduction of generalizing, especially if they see some relevance of their knowledge to human history and social structure. E.O. Wilson, a great expert on the biology of ants and especially on ant behavior, devoted most of his famous book on sociobiology to the social behavior of "lower" animals, but his status as a public intellectual arose from his extension of those ideas and observations to claims about human nature and human social institutions. After all, Homo sapiens is an animal, so why should we not be able to understand human history as just another example of a general theory about animal behavior?

Some depart entirely from their expertise and build a public career with only the slimmest connection to their professional knowledge. It will not be obvious to the readers of Jared Diamond's Guns, Germs, and Steel that he is, in fact, a physiologist and an expert in tropical biogeography. Still others are public figures concerned with political questions quite separate from the content of their intellectual accomplishment. Noam Chomsky's politics have nothing to do with his theory of universal grammar, although he might gain attention for his political arguments because we already know that he is very smart. It is even possible to become a public intellectual in science with no institutional home in a technical discipline. Richard Dawkins, who was trained as a biologist and who obviously knows a great deal about genetics and evolution, is Professor of the Public Understanding of Science at Oxford.
___

[3] See, for example, What We Believe But Cannot Prove: Today's Leading Thinkers on Science in the Age of Certainty, edited by John Brockman (HarperPerennial, 2006).

836) Realidade do Mercosul: muitas reuniões, pouco resultado

Integração regional: realidade e fantasia
Thiago Marzagão
Instituto Millenium, 21 de Janeiro de 2008
Link

A página oficial do Mercosul – www.mercosur.int – e a da atual presidência do bloco (exercida pela Argentina) – www.mercosur.gov.ar – valem uma visita. Contêm farto e didático material sobre em que consiste, concretamente, isso que chamam de "processo de integração regional" e que, no atual governo, tornou-se o eixo de nossa política externa.
Chama atenção, à primeira vista, a multiplicidade de temas que são objeto de discussão entre os Estados-Partes do bloco. Debatem-se não apenas tarifas de importação e negociações comerciais, mas também questões atinentes a meio-ambiente, segurança, pobreza, saúde, justiça, educação, normas técnicas e infra-estrutura, além de temas relacionados a políticas macro e microeconômica. Para abrigar essas discussões, a estrutura institucional do Mercosul conta com nada menos que 257 fóruns, entre comitês, comissões, grupos de trabalho, foros especializados, órgãos de apoio técnico, etc.
Esses fóruns são, quase todos, compostos por representantes dos quatro Estados-Partes (cinco quando a Venezuela – cuja adesão ainda não foi ratificada pelos parlamentos brasileiro e paraguaio – envia observadores) e se reúnem com bastante freqüência. Apenas para este primeiro semestre de 2008 estão previstas ao todo 96 reuniões, a maior parte das quais a ser realizada em Buenos Aires (as reuniões são, via de regra, no Estado-Parte que esteja exercendo a presidência rotativa do bloco).
Verificando as atas disponíveis na página do Mercosul, descobre-se que para cada reunião o Brasil envia até 20 representantes e raramente menos de três. Tomando por base o salário inicial de um diplomata (R$ 7,7 mil), o tempo de duração de cada reunião (geralmente cerca de três dias, podendo chegar a uma semana) e as despesas com passagens (R$ 700,00 ida-e-volta entre Brasília e Buenos Aires, em classe econômica) e diárias (cada pernoite em Buenos Aires implica uma diária de aproximadamente US$ 250,00 por funcionário em deslocamento), tem-se que as 96 reuniões previstas para este semestre dificilmente custarão menos de R$ 1 milhão.
Um milhão de reais parece pouco, quase nada. Mas é muito em vista do retorno proporcionado por essa despesa. Esse "retorno" é praticamente nulo: a maior parte das discussões intrabloco, como sugerem as atas disponíveis, não produz qualquer resultado concreto além de onerar os cofres públicos. Veja-se, por exemplo, a ata da XVIII Reunião Especializada sobre a Mulher no Mercosul. Dentre as atividades aprovadas no plano de trabalho para 2008 destacam-se as seguintes: “Sensibilização para a prevenção da violência de gênero”; “Fortalecimento da perspectiva de gênero no Mercosul”; e “Promoção dos direitos trabalhistas das mulheres no Mercosul”. O primeiro e o terceiro objetivo, como é fácil perceber, apenas podem ser alcançados por meio de políticas domésticas, sendo portanto inócuo discuti-los no âmbito regional. O segundo objetivo é simplesmente irrelevante, por obscuro – em quê consistiria, afinal, fortalecer a perspectiva de gênero no Mercosul e qual seria o benefício esperado? Nos três casos, os objetivos propostos não se concretizarão.
Outro exemplo é a ata da XXIX Reunião de Ministros da Educação do Mercosul. Nela se descobre que os ministros presentes “[coincidiram] na concepção da educação como direito social e política de estado que garanta o acesso ao conhecimento de todas e todos como cidadãs e cidadãos”; “[reafirmaram] a necessidade de concretizar as metas de universalização do ensino básico e de avançar até a universalização do ensino médio em suas distintas modalidades”; “[reafirmaram] a importância que tem o protagonismo dos docentes no processo educacional, assim como a necessidade de gerar mecanismos de participação da sociedade civil na política educional”; e outras platitudes do gênero. No único ponto dotado de alguma concretude, os ministros presentes “[reafirmaram] no marco das negociações sobre serviços da Organização Mundial do Comércio a posição de que a educação é um bem público e um patrimônio coletivo de nossas nações” e “[sublinharam] a importância de garantir as competências do estado em matéria de regulamentação de suas políticas educacionais, as quais seriam severamente limitadas no caso de nossos governos assumirem compromissos de abertura comercial nesse setor”. Ou seja, quando as discussões no Mercosul fogem ao plano puramente retórico, é pior para nós.
Dá-se o mesmo em praticamente todos os demais duzentos e tantos fóruns do Mercosul: as discussões são imprestáveis e delas resultam apenas declarações vagas e ociosas. Nas reuniões de cúpula do bloco, essas discussões ocupam boa parte da agenda. Como resultado, sobra pouco tempo para a discussão dos temas realmente importantes: liberalização do comércio intrazona (tarefa até hoje incompleta), harmonização da tarifa externa comum (tarefa ainda menos completa que a liberalização do comércio intrazona) e a negociação de acordos comerciais com terceiros países e blocos (os acordos firmados até hoje são pouco abrangentes e/ou têm contrapartes pouco relevantes). Faz-se necessário, portanto, que o Mercosul sofra uma reformulação profunda, que compreenda um enxugamento drástico de sua estrutura institucional e permita a ênfase necessária aos assuntos centrais. Apenas depois de resolvidos esses assuntos e consolidada a união aduaneira é que se deveria pensar em expandir o espectro temático do bloco. Infelizmente, porém, o que se nota atualmente é o movimento inverso, com a estrutura institucional do Mercosul se expandindo de forma descontrolada.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

835) Conferência da International Law Association, no Rio de Janeiro, em agosto de 2008

73a. Conferência da ILA - international Law Association
17 a 21 de agosto, Rio de Janeiro.
Site: http://www.ilabrasil.org.br/hotsite/pages/programacao.php?lang=pt

Programação
Internacional Law on Natural Resources and Sustainable Development

International Law on Biotechnology
The Biodiversity Convention, Regional and National Instruments, and Access to Bio-Resources
Biodiversity: The Concept of Traditional Knowledge and Unfair Competition
Intellectual Property Rights upon Live Organism Products: Different Approaches
International Law on Sustainable Development
The Shared Management of Natural Resources
Revisiting Sovereignty over Natural Resources: the Latin American intellectual legacy and the taking of new directions
The Kyoto Protocol and the International Capital Markets
Outer Continental Shelf
Access of Non-Party States to the International Commission on the Outer Limits of the Continental Shelf
The Human Person in International Law

International Family Law
Rights of Children: International Cooperation in the Fields of Maintenance, Adoption, Custody and Abduction
New Models of Family Units: Same-Sex Marriages and Unwed Relationships
International Human Rights Law
The Mis(use) of the Human Right Argument and Preemptive Intervention in the Contemporary International Arena
Violence as a Denial of Human Rights
Implementation of International Systems of Human Rights Protection into National Legal Systems
Rights of Indigenous Peoples
Indigenous Rights on Land and Natural Resources
Indigenous Rights in International Law and Domestic law: Conflicting Approaches
Compensation for Victims of War
Justice for Victims of War
International Criminal Law
National, International and Universal Criminal Jurisdiction: Aspects of Antagonism and Complementarity
The Rights of Victims in International Criminal Jurisdiction
International Law on Business and Trade

Consumer Law
The Protection of Consumers in a Globalization Era
Relations between International Law and Consumer Law
Electronic Law
Cyber Criminality: National and International Rules
Contracts over the Internet: the Interplay Between National Laws and International Law
The Role of Civil Society in the International Regulation Process: ICANN as a Case Study

International Law on Foreign Investment
Bilateral Investment Protection Treaties: Recent Development
The ICSID Convention and the Settlement of Disputes in Economic Emergencies
International Securities Regulation
Mergers and Acquisitions in the Global Market and Compliance with National Law and Regulations
Regulation and Regulatory Accountability in an Era of MegaFunds and MegaMarkets
International Trade Law
Coherence Between Human Rights and International Economic Law?
How to Promote a Human Rights Culture in International Economic Institutions?
International Commercial Law
Soft Law Instruments in the Harmonization of International Contract Law: Achievements and Difficulties
The CISG and the Expansion of World Trade
International Private Dispute Resolution

International Commercial Arbitration
International Arbitration: Autonomy v. Territorialism
Public Policy and Mandatory Rules: Influence on the Applicable Law
The Influence of Cultural Factors on the Choice of the Arbitrator
Distortions in Contemporary Arbitration: The Problems of Becoming Popular
International Civil Litigation
Towards World Cooperation Standards: Prospects for the Hague Convention
The Realities of Regional Judicial Cooperation: Existing Experiences
Law on International Security

Nuclear Weapons, Non-Proliferation and Contemporary International Law
The International Regulation of Nuclear Technology and National Development Aspirations: Conflicting Views
Space Law
Outer Space as a Theater of War: Possible Global Effects
Space traffic Management: The Quest for Improvement of International Cooperation and Security
UN Reform
Where can the Security Council Modify States Human Rights Obligations in International Law?
Proposed Changes and the Security Councils New Challenges
Use of Force
Regional Developments on the Fight on Terrorism: Different Approaches
Armed Conflict of Non-International Character

Domingo, 17 de Agosto: 10h - 14h - Visita à cidade do Rio de Janeiro, incluindo o estádio do Maracanã, Sambódromo e visita panorâmica ao centro da cidade

834) Curso de Inverno de Direito Internacional - 2008

Curso de Pós-Graduação em Direito Internacional - 2008
ÚLTIMOS DIAS PARA A INSCRIÇÃO

As inscrições para a pós-graduação lato sensu em Direito Internacional - CEDIN e Faculdades Milton Campos - se encerram dia 8 de fevereiro. As aulas terão início no dia 15 do mesmo mês. Os interessados devem conferir os detalhes no site do CEDIN, ou entrar em contato por telefone, no número (31) 3223-3058.

Curso de Inverno de Direito Internacional-2008
O Centro de Direito Internacional (CEDIN) realizou na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, nos anos de 2005, 2006 e 2007, o Curso de Inverno de Direito Internacional. O evento é uma referência em Direito Internacional e conta com a participação de renomados professores oriundos das principais Universidades da Europa e América. Grandes nomes já estão confirmados, para a edição de 2008 do Curso. Confira:
Martti Koskenniemi - Professor da Academy of Finland e da University of Helsinki, e Diretor do Erik Castrén Institute of International Law and Human Rights
Tema: a definir
Roy Lee - Professor da Columbia University e da Yale University, e Secratário Executivo na Conferência das Nações Unidas para Estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, em Roma
Tema: Law of the United Nations: Non-use of force; Peacekeeping; settlement of disputes
Jorge Cardona Llorens - Professor da Universitat Jaume I, na Espanha, Diretor dos Cursos Euromediterráneos Bancaja de Derecho Internacional, e presidente do Instituto Mediterráneo de Estudios Europeos
Tema: La administración de territorios por entes distintos del Estado titular de la soberanía
Fausto Pocar - Professor da Universidade de Milão, na Itália, e juiz do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia
Tema: a definir
Geneviève Bastid Burdeau - Secretária-geral da Academia de Direito Internacional da Haia e Professora da Université de Paris I - Panthéon-Sorbonne
Tema: Maritime security : current issues and new challenges
Mathias Forteau - Professor da Lille II, na França
Tema: La contribution de la jurisprudence arbitrale transnationale au développement du droit international général

73ª Conferência Bienal da ILA
O Ramo Brasileiro da International Law Association (ILA-Brasil) tem o prazer de informar que estão abertas as inscrições para a 73ª Conferência Bienal da ILA, no site www.ilabrasil.org.br.
A temática central da conferência será "Direito para o Futuro", com o foco em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, Direito da Pessoa Humana, Solução de Conflitos Privados Internacionais, Direito dos Negócios e do Comércio Internacional, e Segurança Internacional.
O evento ocorrerá no Hotel Continental, no Rio de Janeiro, entre os dias 17 e 21 de agosto de 2008. Confira a programação no site.

Revista Eletrônica de Direito Internacional - Volume II
O CEDIN anuncia que a próxima edição da Revista Eletrônica de Direito Internacional será publicada em fevereiro de 2008. Os artigos já estão sendo avaliados e o resultado da seleção será divulgado ainda no final deste mês. Confira o primeiro volume da revista.

CEDIN
Centro de Direito Internacional
Rua Fernandes Tourinho, 470
Salas 711/712 Savassi
30112-000 Belo Horizonte MG
Telefax: 55 (31) 3223-3058
De 9 às 12 e de 14 às 18 horas.
www.cedin.com.br

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

833) Nova debilidade vestibular: desta vez a UnB descamba para a burrice...

Depois do besteirol da UFRGS (vejam post 830, abaixo, neste link), a UnB também tem todo o direito de cometer o seu atentado à inteligência.
Apenas me limito a transcrever um post do Blog do Reinaldo Azevedo, 24.01.2008, substituindo as cores do seu blog pela indicação clara de quem escreve: UnB ou RA.

Esquerdopatia e burrice no vestibular na UnB

A Universidade de Brasília vai merecer, um dia, um estudo de caso. Em nenhuma outra instituição de ensino a esquerdização bocó foi tão longe. Basta lembrar que é o território de uma estrovenga chamada "O Direito Achado na Rua". Quem não sabe o que é deve procurar no arquivo do blog. Em síntese, é uma corrente de pensamento do direito que, na prática, manda a lei às favas em nome daquilo que os valentes consideram ser o justo e o legítimo.

A UnB fez vestibular. Trata-se de uma prova toda moderninha — e, com efeito, nada mais velho do que aquilo. Do candidato é cobrado o esforço supremo de dizer se as proposições estão certas (e, então, ele marca "C") ou erradas ("E").

Na página 12, o aluno é convidado a ler um texto. Em seguida, há oito questões (da 100 à 107) de interpretação. Acompanhem. A prova segue em vermelho (UnB), interrompida por observações minhas, em azul (RA).

UnB: O ano de 1979 pode ser tomado como marco da construção de uma nova ordem econômica mundial. Na seqüência, os governos de Thatcher e Reagan adotaram (linha 4) políticas neoliberais — privatização, desregulamentação e desmantelamento das conquistas sociais que estiveram na base do crescimento econômico com distribuição de (linha 7) renda que caracterizou os países do centro nos primeiros trinta anos do pós-guerra. E, com o fim do mundo socialista, elas tenderam a adquirir um âmbito (linha 10) efetivamente mundial. As políticas neoliberais abriram espaço para mudanças muito importantes que deram início a uma nova etapa de internacionalização do (linha 13) sistema capitalista, a fase do capitalismo mundializado.
Brasilio Salloum Jr. In: A condição periférica: o Brasil nos quadros do capitalismo mundial (1945-2000). Carlos Guilherme Mota (org.), op. cit., p.423-24 (com adaptações).

UnB: Julgue os itens que se seguem, tendo o texto acima como referência inicial.

UnB: 100 Na linha 9, o pronome "elas" retoma a idéia de "políticas neoliberais" (R.4).
RA: O aluno deve marcar C se quiser provar que não é um débil mental ou analfabeto. Não há ideologia nesse caso, só estupidez.

UnB: 101 Depreende-se do texto que a "nova ordem econômica mundial", que, como referido, teve no ano de 1979 seu marco inicial, reforçou as bases do Estado de bem-estar social surgido no pós-Segunda Guerra, ampliando-as de maneira global.
RA: O texto não é explícito, mas arreganhado, na afirmação de que a "tal nova ordem" desmantelou as conquistas sociais. O coitado do aluno deve marcar "E". De novo, é um teste de leitura ginasiano, ainda que o candidato ignore o assunto. O mais estupidamente divertido é a afirmação de que as políticas neoliberais só se expandiram com "o fim do mundo socialista" — logo, o mundo capitalista anterior, que o autor parecia até apreciar (aquele do "crescimento e da distribuição de renda") eram também, vejam só, conquistas indiretas do... socialismo!!!

UnB: 102 A China representa uma exceção ao "fim do mundo socialista" ao manter, ainda, seu regime de governo e sua economia alheia à possibilidade de investimentos externos.
RA: Deve ser "E", né, leitor amigo?, já que, como sabemos, a China é chegadita num investimento externo. E aqui surge um outro aspecto problemático da prova. Observem que a questão anterior busca verificar se o aluno entendeu o sentido do que está escrito. Feito isso, ele é conduzido, então, a uma espécie de armadilha, já que o texto de Salloum, por inepto, ignora a realidade chinesa.

UnB: 103 A fase do denominado "capitalismo mundializado", referido no texto, tem, entre seus fatores de expansão, o desenvolvimento da tecnologia da informação, que
propicia, por exemplo, o aumento na circulação de capitais.

RA: É Cêêêêêêê. Adoraria que a UnB definisse num livrinho o que entende, por exemplo, por "circulação de capitais". A tecnologia da informação não nos trouxe nada além dessa facilidade conferida aos capitalistas cúpidos e desalmados?

UnB: 104 No âmbito das mudanças decorrentes do que foi referido no texto como "nova etapa de internacionalização do sistema capitalista", observa-se a diminuição das disparidades socioeconômicas entre os países.
RA: É a mais dolosa de todas as questões. O aluno tem de responder "E" — ou seja, tem de asseverar que a afirmação está errada quando ela, de fato, está CERTA. A disparidade entre os países diminuiu brutalmente. A China saiu da fome para se tornar uma das maiores economias do mundo, aquela que mais cresce hoje. A Coréia do Sul se tornou uma potência econômica e exemplo de eficiência em educação e saúde. A Índia é uma das estrelas do mercado global. Só aí já estamos falando de um terço da humanidade.

UnB: 105 No Brasil, o governo Collor deu início às reformas neoliberais, concluídas nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso com as privatizações da Vale do Rio Doce e da Petrobras.
RA: Pegadinha vagabunda. De fato, essa gente acha que Collor e FHC tocaram o projeto neoliberal no Brasil. Isso está em tudo o que é livro didático; isso é afirmado nos cursinhos de maneira obsessiva. Há dias, assistimos a uma campanha dos esquerdopatas para reestatizar a Vale do Rio Doce. Onde está o truque? A Petrobras não foi privatizada. E só por isso o examinador cobra que o aluno marque "E", embora torça para ele marcar "C"...

Unb: 106 Antecipando-se em cerca de uma década ao denominado socialismo do século XXI, do venezuelano Hugo Chávez, os governos de Menem (Argentina) e de Fujimori (Peru) adotaram ideais bolivarianos e teses socialistas.
RA: Está errado, claro! O aluno, aqui, tem de saber que Menem e Fujimori são dois porcos reacionários de direita, que nada têm a ver com o "grande" Hugo Chávez e seus "ideais bolivarianos e teses socialistas". A propósito: o que essa questão tem a ver com o texto?

UnB: 107 A dificuldade material de acompanhar os EUA com seu milionário projeto Guerra nas Estrelas, lançado por Reagan, foi fator significativo para a explicitação da
crise que levou ao desmantelamento da União Soviética.

RA: Que vontade de chorar ou de pegar o chicote! O aluno tem de marcar C, tem de dizer que essa porcaria está certa, embora seja uma mentira tosca, bisonha.
a - o projeto de Reagan não era milionário — pode-se dizer que era, sim, trilionário;
b – nunca existiu nada parecido com "Guerra nas Estrelas". Isso foi um termo criado pela imprensa anti-Reagan para dar um caráter delirante a um projeto de defesa;
c – de fato, o projeto original, bastante ambicioso, nunca saiu do papel;
d – o regime soviético já estava em crise, tanto que deu início à abertura, com Gorbatchev, e isso nada teve a ver com o tal Guerra nas Estrelas.

Por que o Brasil dá vexame em tudo o que é prova internacional? A resposta está no que vai acima. É a Universidade de Brasília, a mais petista das universidades brasileiras.

Por Reinaldo Azevedo, 16:01

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

832) Investindo em acoes da Apple...

Eu sou um macmaníaco fiel desde o começo -- só tive Macs em toda a minha vida informática, e posso dizer, não sei se com alguma ponta de orgulho, que NUNCA comprei um PC, DOS ou Windows based durante todo esse itinerário -- mas NUNCA investi em uma ação da Apple.
Talvez esteja ainda em tempo de fazê-lo, de acordo com os resultados abaixo:

"Announcing financial results for its fiscal 2008 first quarter, which ended December 29, 2007, Apple today posted revenue of $9.6 billion and net quarterly profit of $1.58 billion, or $1.76 per diluted share. These results compare to revenue of $7.1 billion and net quarterly profit of $1 billion, or $1.14 per diluted share, in the year-ago quarter. In attaining its highest revenue and earnings in company history, Apple shipped 2,319,000 Macs, a 44% unit growth and 47% revenue growth over the year ago quarter; sold 22,121,000 iPods, representing five percent unit growth and 17 percent revenue growth over the year-ago quarter; and sold 2,315,000 iPhones in the quarter."

831) Concurso do Itamaraty 2008: Correio Braziliense

Transcrevo abaixo matéria publicada nesta quarta-feira, 23 de janeiro de 2008, no jornal de Brasília, Correio Braziliense:

Diplomacia
Itamaraty espera recorde de inscritos em concurso

Correio Braziliense, 23 de janeiro de 2008, seção "Mundo".

Instituto Rio Branco anuncia novidades na prova de admissão para a carreira e prevê que mais de 8,6 mil candidatos façam o exame
Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio

Política de democratização do acesso ao Palácio do Itamaraty recebe críticas de diplomatas

O lançamento do edital do Concurso de Admissão da Carreira Diplomática (CACD) de 2008, na semana passada, reanimou a polêmica sobre o peso ideológico na formação dos novos quadros do Itamaraty. Diplomatas e acadêmicos consultados pelo Correio divergem sobre o caminho escolhido pelo chanceler Celso Amorim para “democratizar” o acesso a uma das carreiras mais elitistas do serviço público brasileiro. Nunca se ofereceram tantas vagas (115), e a cúpula ministerial espera bater o recorde de candidatos, superando os de 2007, quando 13.137 se cadastraram e 8.657 confirmaram a inscrição. Diplomatas estão sendo enviados a 20 capitais onde as provas serão aplicadas, para divulgar o concurso. Com a inscrição a R$ 120, a expectativa é que o Instituto Rio Branco (IRBr) arrecade R$ 1 milhão.

A surpresa também está no formato e no conteúdo das provas. Trata-se da sexta vez que o IRBr propõe mudanças no concurso. Começou com o fim do teste de francês, que voltou após protestos. Em 2005, a prova de inglês deixou de ser eliminatória. Todas as etapas apresentam novidade, como a redução da nota de corte da terceira fase: de 60% para 50%. Há quem diga que baixar a média nivela “por baixo” os candidatos. Outra alteração está no teste de segunda língua estrangeira, no qual o candidato poderá escolher entre sete idiomas.

Se no ano passado foram cobrados apenas francês e espanhol, agora sairá na frente quem tiver conhecimentos de alemão, árabe, chinês (mandarim), japonês ou russo — num esforço para cobrir o déficit de diplomatas com domínio dessas línguas. A primeira fase, ou Teste de Pré-Seleção (TPS), por exemplo, comporta sete matérias, em vez das quatro do ano passado. Recupera, dessa maneira, um perfil de provas aplicado na década de 1990. Na terceira, provas discursivas de história do Brasil, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e direito internacional público, e noções de economia. O candidato poderá ser aprovado com aproveitamento menor em uma disciplina, desde que o rendimento seja compensado em outra.

“As mudanças evitam surpreender os candidatos com exigências que não sejam compatíveis com a própria natureza do certame”, esclarece o diretor do IRBr, embaixador Fernando Guimarães Reis (leia entrevista). A orientação de Amorim é para evitar os “concurseiros de plantão”. “A idéia é afastar quem não conhece a carreira a fundo ou não tem interesse”, avalia o diplomata Fábio Simão Alves, que entrou para o Rio Branco no concurso de 2007. Ele concorda com a democratização da carreira. “O Itamaraty está selecionando pessoas de diferentes origens sociais e de fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília.”

Internet
Simão criou o blog dialogodiplomatico.blogspot.com, com dicas para candidatos. Na internet, os futuros diplomatas têm ferramentas para estreitar experiências. No Orkut, a comunidade “Coisas da Diplomacia” reúne 8,7 mil membros. O principal tópico é o Guia de Estudos, divulgado na segunda-feira pelo Rio Branco. Todos concordam que houve mudanças na bibliografia, algumas para evitar acusações de anti-americanismo ou ideologização contra o ministério. Um exemplo foi a retirada do livro Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula, de Paulo Vizentini. A obra era considerada “petista”.

“Celso Furtado, por exemplo, é uma referência metodológica, mas não serve para fundamentar uma história econômica”, disse à reportagem um diplomata. Doutor em história e professor do curso preparatório Clio, João Daniel Lima de Almeida não vê componente ideológico na escolha dos livros, mas acha que há títulos superados. “Os livros de Edgar Carone sobre história estão ultrapassados, têm mais de 30 anos e já foram revistos por outros historiadores”, avalia. Lima de Almeida considera infundadas as críticas sobre ideologização e cita a presença de autores considerados de direita, como José Murilo de Carvalho.

Entrevista - Fernando Guimarães Reis
Mudanças favorecem aposta na inteligência


Diretor do Instituto Rio Branco, o embaixador Fernando Guimarães Reis tem sido responsável por executar as polêmicas diretrizes emanadas pela cúpula do Itamaraty para a carreira diplomática. Em entrevista ao Correio, ele rebate as críticas às constantes mudanças no concurso de admissão. “O objetivo é tornar o processo mais isonômico, abrangente e democrático”, argumenta. Para Reis, a diplomacia brasileira precisa de “talento e conhecimento”.

O que há de novidade no concurso deste ano?
Ele mantém os traços fundamentais dos concursos anteriores, mas incorpora modificações que visam a torná-lo mais equilibrado e eqüitativo. Incorporaram-se à primeira fase todas as disciplinas cobradas na segunda (português) e na terceira (história do Brasil, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e direito internacional público e noções de economia). As notas dessas provas passaram, a partir de 2005, a ser contabilizadas de forma conjunta. Isso favorece candidatos com formação mais ampla, permite que eventuais debilidades em alguma matéria sejam compensadas por desempenho acima da média em outras. Na terceira fase, houve redução do número de questões, do tempo de duração e da média para aprovação (de 60% para 50%). A prova da segunda língua estrangeira virou uma quarta fase, classificatória. Busca-se estimular e valorizar o domínio de diferentes línguas, sem enfraquecer o critério da isonomia.

Desde 2003, nenhum concurso foi igual ao anterior. Qual o objetivo dessas constantes mudanças?
As mudanças evitam surpreender os candidatos com exigências que não sejam compatíveis com a própria natureza do certame. Assim, pode-se afirmar que o concurso atual mantém alto grau de previsibilidade e, há décadas, concentra-se essencialmente no mesmo núcleo de disciplinas, que não diferem muito das que foram estabelecidas ainda no tempo do Império, no primeiro exame público para ingresso na carreira (1852). Por outro lado, a preocupação em conservar os traços básicos do concurso não deve redundar em imobilismo. As mudanças recentes têm o objetivo de tornar o processo mais isonômico, abrangente e democrático.

O concurso está mais difícil ou mais fácil?
O nível de exigência continua o mesmo. O que se tem buscado é uma sintonia fina na avaliação dos candidatos, de modo a torná-la cada vez mais adequada ao nível acadêmico do Curso de Formação do instituto e às futuras atribuições profissionais do diplomata. Para além da quantidade e da qualidade das informações cobradas nas provas, a avaliação privilegia a capacidade de raciocínio e argumentação dos candidatos, seu espírito crítico e sua maturidade intelectual. Não é por acaso que vem aumentando paulatinamente o número de candidatos com pós-graduação.

Na prática, o que significa “democratizar” a carreira?
A idéia foi a de ampliar o acesso para todos aqueles que tenham talento e conhecimento — é do que precisa a diplomacia brasileira. Exemplo: a ampliação de opções para a segunda língua estrangeira demonstra a importância dessas outras línguas nas atividades diplomáticas, seja como línguas de trabalho das Nações Unidas (árabe, chinês, russo), seja como línguas de importantes parceiros do Brasil no panorama internacional (japonês, alemão). No exame, o candidato deve demonstrar, sobretudo, que é capaz de pensar, isto é, de juntar idéias, que é o sentido etimológico da palavra inteligência. (CDS)

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

830) Vestibular da UFRGS: debilidade mental galopante?

Vejam a questão 24 da prova de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, versao 2008 (mas poderia ser qualquer ano a partir da Alca):

"24. Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo, na ordem em que aparecem.

A América Latina ocupa posição periférica na economia mundial. Os países da região ora adotam políticas que reforçam esta sua posição, ora defendem propostas alternativas em relação às economias centrais.
Uma das políticas das economias centrais para manter a posição periférica dos demais países é a ...........; e um projeto internacional destinado a inibir as iniciativas de autonomia e integração dos países latino-americanos é .......

Aí a questão oferece as seguintes alternativas:

(A) neoliberal - o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA)
(B) liberal - a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)
(C) populista - o Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL)
(D) socialista - a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC)
(E) nacionalista - a Organização dos Estados Americanos (OEA)
"


O candidato, é claro, deve assinalar a alternativa "A" se quiser "acertar".
Dispenso-me de comentar a debilidade implícita e explícita desta questão. Acho que a universidade brasileira não está caminhando para a decadência. Ela já está decadente há muito tempo, apenas não percebemos isto...

829) Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...) 3. De vuelta a la patria chica, malgré moi...

Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
3) De vuelta a la patria chica, malgré moi...


Paulo Roberto de Almeida
Punta del Este, Uruguai, 12 de janeiro de 2008

Sem que eu pretendesse, ou desejasse realmente fazê-lo, tive de render-me às evidências mais fortes da economia política argentina: fui mais uma vez “expulso” do país, em função das incertezas geradas por uma política absolutamente esquizofrênica de abastecimento e de organização de determinados mercados, tal como em vigor atualmente na pátria dos dois Kirchner.
A mesma política em vigor anteriormente sob o marido, de controle de preços e de “retenciones” – isto é, de impedimentos à exportação –, continua a ser operada agora pela esposa, que se faz chamar de “presidenta”. Essa política já provocou falta de produtos, mercados paralelos, aumentos preventivos de preços, desinvestimentos setoriais em atividades produtivas, mas tudo isso não deveria normalmente interessar um simples turista acidental, como eu, cabendo aos economistas argentinos fazer esse tipo de análise macroeconômica. Minha intenção inicial era apenas a de viajar de carro até o Chile, um país que não visito há cerca de 16 anos e que me parecia o mais “normal”, em termos de política econômica que possa existir numa América Latina que insiste em fazer experimentos já fracassados no passado.
Pois bem, parafraseando (mal) Pablo Neruda, confieso que he desistido...
Em lugar de atravessar o país a caminho da cordilheira, em um ou dois dias de viagem, desde Buenos Aires até Mendoza, de onde pretendia atravessa para o Chile, tive miseravelmente de fazer marche arrière, a caminho do Uruguai, país que conheço bem, por ter nele vivido no início dos anos 1990. Não pretendia voltar a ele agora, mas o destino nos prega peças inesperadas.
A razão, como todos podem adivinhar, foi falta de gasolina, não absoluta, mas potencial. Ainda na noite do dia 10 eu pretendia viajar direto a Mendoza, mas um relato de “terror turístico” me fez desistir. Um turista brasileiro, viajando de carro como eu, relatou as desventuras de um colega, retido durante três dias num vilarejo miserável qualquer bem no meio desse trajeto, impedido de seguir viagem por falta de gasolina (e, onde havia, não tinha eletricidade para impulsionar a bomba). Isso sem falar do desconforto da falta de paradas decentes – e de banheiros limpos, como já relatei em outra crônica – que tornam qualquer viagem de lazer um calvário federal (a expressão se aplica, neste país federalista).
Foi assim que decidi comprar uma passagem de primeira (não tenho certeza se o carro também “pagou” primeira), no chamado Buquebus, e atravessei o Rio de la Plata, em direção a Colonia del Sacramento, uma simpática cidadezinha fundada pelos portugueses no século XVII e várias vezes trocada de mãos, até ficar com os também simpáticos orientales. Dormimos lá mesmo, visitamos os museus e a cidade velha esta manhã, e viajamos a Punta del Este, depois de uma parada rememorativa em Montevidéu, visitando meu antigo edificio, a escuela Grecia, onde estudou meu filho (e que fez questão de se fazer fotografar frente a ela quase duas décadas depois).
Perto da Argentina, o Uruguai é um país assustadoramente “normal”. Enquanto escrevo, mais de 3hs da manha do domingo 13 de janeiro, está “todo mundo” passeando na Gorlero, a rua principal de Punta del Este, onde fica o meu hotel, um pequeno e despretensioso hotel médio em pleno centro da cidade (foi o que consegui achar, depois de peregrinar em dois ou três). A cidade tem muitos hotéis, dezenas de restaurantes, e quase nenhum parking ou estacionamento. Foi um sufoco achar lugar para o carro, concorrendo com centenas de veículos argentinos e brasileiros de todas as marcas e tamanhos (geralmente maiores e melhores do que o meu).
Para mim, está mais do que “normal”. Em qual outra cidade, eu disporia de livrarias abertas as 23hs? Comprei quatro livros, em questão de meia hora, antes de ir jantar no Garibaldi, um belo risotto ai frutti di mare. Não posso reclamar da decisão de entrar no que chamo, sem qualquer demérito, de “pátria pequena”, pois é isto o que o Uruguai representa, perto de um elefante e um cavalo, sem outros deméritos... Um pequeno país, mas bem organizado e preparado para o turismo, que constitui a sua segunda fonte de receitas, depois das vacas, ovelhas, cabras e outros animais de criação (inclusive os de passagem).
De um ponto de vista estritamente turístico, faz sentido este recuo, pois a “patria grande”, a Argentina, não me parece hoje um lugar muito saudável, ou normal. Lamento não ter chegado ao Chile, mas vou fazê-lo de avião, na primeira oportunidade, sem os inconvenientes de combustível, carnes, tangos démodés, e outros inconvenientes de um país que trata mal os seus próprios cidadãos. Eles talvez não tenham balas perdidas na Argentina, mas existem políticas “perdidas”, que por vezes causam tanto mal quanto...
Rio Grande, aqui me tens de regresso...
Punta del Este, 12-13 de janeiro de 2008.

domingo, 13 de janeiro de 2008

828) Concurso do Itamaraty, 2008

Concursos
O caminho do Itamaraty
Instituto Rio Branco abre inscrições de concurso para diplomatas
Zero Hora, Porto Alegre, 13 de janeiro de 2008

Dedicação, muita leitura, preparo psicológico para suportar uma rotina estressante de estudos e persistir mesmo após mais de uma reprovação, até ter sucesso. São essas algumas das prerrogativas para quem vai tentar a disputada carreira diplomática, começando como terceiro secretário no Instituto Rio Branco (IRBr), instituição de ensino ligada ao Ministério das Relações Exteriores.

Com inscrições abertas na próxima segunda-feira, a seleção já foi vencida por gaúchos como Rita de Curtis, 26 anos. Formada em direito e jornalismo há três anos e acostumada a estudar simultaneamente para dois cursos superiores, em 2005 decidiu que iria tentar a carreira diplomática. Pela imprensa, descobriu com um mês de antecedência que haveria seleção para o Rio Branco naquele ano e começou a se preparar para a prova de 2006. Em Brasília, fez curso preparatório. Reprovada na primeira fase do concurso, Rita voltou para Porto Alegre, onde ficou três meses, e seguiu estudando:

- Consegui bolsa de estudos em um curso no Rio de Janeiro. O curso preparatório é importante. É como um técnico para um atleta. Você se preocupa apenas em estudar, e alguém vai te orientando, dando dicas, passando os livros que são necessários ler.

Ela conta que chegou a estudar 14 horas por dia na preparação para algumas provas e aniquilou a vida social durante certo tempo para se dedicar à seleção. Foi aprovada em 2007. Muitos, porém, tentam meia dúzia de vezes até conseguir ou desistem pelo caminho.

Não menos sacrifícios fez Maurício Costa, 31 anos, formado em Letras, outro gaúcho aprovado na seleção do ano passado, na qual 8,6 mil pessoas concorreram a apenas 105 vagas - uma disputa de 82,5 candidatos por vaga. A aprovação veio depois de três tentativas. O horário de estudo disputava espaço com o trabalho e o mestrado.

- Meus cabelos branquearam naquela época. Não é fácil, mas é possível para quem se dedica. Eu sou de família humilde e sempre estudei em escolas públicas de periferia - diz Costa.

Hoje, além das atividades no IRBr, Costa dá aulas em um curso preparatório, em Brasília. Com dois amigos, criou um blog (dialogodiplomatico.blogspot.com) para ajudar quem quer seguir o caminho do Itamaraty:

- É para ajudar estudantes que estão fora dos grandes centros. Infelizmente, os cursos preparatórios específicos estão em Brasília, São Paulo e Rio.

Aberta a candidatos com graduação superior em qualquer curso, a seleção tem quatro etapas. A primeira será uma prova objetiva, em 27 de fevereiro, com temas como português, história, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e economia.

- No conjunto das provas, procuramos avaliar muito mais a capacidade de articulação das idéias, verificar a maturidade intelectual do candidato do que fazer com que ele reproduza um conhecimento memorizado, inclusive na prova objetiva - diz o coordenador do concurso, Geraldo Tupynambá, do IRBr.
THIAGO COPETTI

O concurso
Prazo: 14 de janeiro a 14 de fevereiro
Cargo e vagas: terceiro secretário/diplomata (115)
Inscrições: pelo site www.cespe.unb.br/concursos
Taxa de inscrição: R$ 20
Informações: www.irbr.mre.gov.br
Carreira: o aprovado cursará o mestrado profissionalizante em diplomacia do IRBr e começará com salário inicial de R$ 7.751,97. Ao longo da carreira, fará cursos obrigatórios de aperfeiçoamento, podendo chegar ao cargo de ministro de primeira classe (embaixador).

As dicas de quem chegou lá
Não se limite a estudar uma ou outra matéria. É preciso ser bom em tudo.
Leia muito. De prioridade à bibliografia recomendada. Em três anos, até ser aprovado em 2007, Maurício Costa leu 87 livros, alguns mais de uma vez.
Esteja preparado para muito sacrifício. A resistência psicológica é tão importante como o estudo. Para reduzir o estresse, Rita de Curtis opta por não estudar nada na véspera.

Jornais e revistas são fundamentais para conhecer atualidades.
É preciso escrever bem e sobre tudo. Leia bons livros. Para quem está em Porto Alegre, Costa recomenda a biblioteca do Centro Universitário Metodista/Ipa (Cel. Joaquim Pedro Salgado, 80), que fica aberta 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados. Outra dica é utilizar as bibliotecas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quando fez as provas, Costa encontrou toda a bibliografia nas bibliotecas da universidade.
No dia 21 de janeiro, o IRBr divulgará no site www.irbr.mre.gov.br um guia de estudos com orientação para as provas.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

827) Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...), 2

Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
2) Contrapunteo argentino del tango y de la carne...”


Paulo Roberto de Almeida
Buenos Aires, 9 de janeiro de 2008

Desfrutando de quatro dias em Buenos Aires, onde consegui chegar malgrado temores quanto à falta de gasolina – mas carecemos de banheiros limpos e de paradas decentes – dediquei-me a freqüentar as duas melhores coisas que esta capital federal (ooops) tem a oferecer: restaurantes e, sobretudo, livrarias. Volto ao turismo livresco-gastronômico depois, agora tenho de explicar a razão do meu ooops.
A expressão se aplica porque, segundo aprendi lendo o livro de Felix Luna – Breve Historia de los Argentinos – a Argentina padece de uma fatalidade geográfica que a condena ao centralismo de sua capital, porta obrigatória de entrada e de saída de praticamente tudo, o que pode ser uma maldição para o resto do país. Quem controla Buenos Aires, controla o país, e isso pode não ser bom para as províncias e seus caudilhos locais. O tirano Rosas, a despeito de teoricamente federalista e em luta contra os salvajes unitarios, acabou se rendendo às facilidades do centralismo de Buenos Aires e terminou escorraçado da capital federal pelas tropas do caudilho concorrente Urquiza, with a little help from his Brazilian friends. Felix Luna lamenta que a tentativa de se levar a capital federal para outro local, novo ou existente, tenha sido tão mal conduzida pelo presidente da redemocratização, Raul Alfonsin. Não sei se teria sido uma boa solução: eu estive lá alguns anos atrás e o local escolhido, Viedma (uns 400kms ao sul, na costa), não era nenhuma “Brasilia”: um frio de gelar os ossos, o vento cortante do mar penetrando até a alma. Teria sido uma Vladivostock sem qualquer charme...
Minhas incursões em livrarias tem sido moderadamente frustrantes. Num sebo velhíssimo no centro da cidade – La Libreria de Avila, calle Alsina y Bolivar, casa fundada em 1830, diz a propaganda – não encontrei quase nada de interesse para mim (história econômica, economia internacional, história regional etc.). Nas lojas modernas tampouco fiz a festa: comprei dois livros de história econômica mundial e a edição espanhola de Colossus, um ensaio histórico sobre o império americano, do historiador britânico Neill Ferguson (de quem já estou lendo, simultaneamente, Empire, sobre o império britânico, e The War of the World, sobre as mortandades do século XX). O Colosso também o era no preço: 89 pesos, ou seja, em torno de 25 dólares, quando eu o poderia ter comprado por apenas 4 ou 5 no maior sebo eletrônico do mundo (www.abebooks.com) e mesmo acrescentado 10 ou 12 de frete, ainda sairia mais barato.
As incursões gastronômicas tampouco representaram um prazer insuperável, se ouso arriscar o termo. Já não se fazem mais bifes de chorizo como antigamente, na Argentina, o que comprovei ainda agora à noite numa boa casa de tango tradicional (aliás, por um preço bem salgado). Fui à famosa “esquina Homero Manzi” – Av. San Juan, 3601, tel.: 4957-8488; www.esquinahomeromanzi.com.ar – do nome do famoso autor e compositor, que escreveu o belíssimo tango inspirado nesse local, chamado “Sur” (fui ouvindo no meu iPod, a caminho do local, na bela voz de Nelly Omar, que capturei na trilogia em CDs, The Complete Anthology of the Tango). Bem, o show era bonito, mas o meu bife de chorizo não valia, realmente, nem 10% dos 260 pesos pagos, individualmente, pelo espetáculo.
Lendo o La Nación do mesmo dia pode-se descobrir porque. O governo está empenhado em restringir as exportações de carne, para atender ao mercado local, que continua com preços controlados, ou pelo menos vigiados. “Doloroso adiós a las vacas” trazia a chamada de primeira página do jornal, com direito a matéria principal no caderno de economia. Segundo a matéria, “la crisis de la ganaderia por la intervención del gobierno y el boom de la soja siguen impulsando a los productores a cambiar de rubro. En Buchardo (sur de Cordoba), Benito Sánchez, que en 2003 ganó el Premio La Nación al Mejor Invernador, dejará de producir casi 2000 novillos por ano. Su campo será 100% soja y otros cultivos”.
De fato, a intervenção do governo, aqui na Argentina, como na Venezuela, está expulsando os produtores de suas atividades tradicionais, e eles simplesmente se refugiam em atividades (ainda) não controladas, ou se tornam rentistas, como acontece nesses países que praticam mais a cultura do déficit público do que a dos alimentos. A Argentina que já a maior exportadora mundial de carne e de processados de carne, nesse ritmo deve começar a importar carne do Brasil: a situação dos dois países nos mercados de processados conheceu uma exata inversão nos último anos, de 70 a 20% das exportações mundiais, num sentido e noutro. O mesmo pode estar se passando com outros setores, segundo leio.
Aliás, a inflação oficial, fechada em 8%, parece ser menos da metade da taxa real, segundo economistas. Não sei se foi por causa desse anúncio que encontrei hoje, ao ir a uma livraria, um pelotão de policiais em frente ao Instituto Nacional de Estadísticas y Censo, que parece ter sido obrigado a maquiar alguns de seus índices. O mesmo tipo de prática que parece estar vitimando o setor da carne se estende em outras áreas. O governo diz que não controla preços, apenas faz o seu seguimento. O mesmo jornal trazia a foto de um secretário fazendo a “visita” de postos de gasolina: o governo pretende que os distribuidores “retornem”, voluntariamente se entende, aos preços de outubro último, quando eles atualmente já estão 15 ou 20% mais altos.
Tenho a leve impressão de que vou novamente ficar sem gasolina para viajar, assim como os consumidores de eletricidade e de gás já começam a ficar sem o seu abastecimento habitual. A um calor de 40 graus, normal que alguns queiram ligar seus ventiladores ou o ar condicionado, o que provavelmente não será fácil. O inverno de 2007 em Bariloche foi, literalmente, sob a neve, na temperatura pertinente...
Acho que estamos, de novo, assistindo a um tango na política econômica, com a desvantagem dele ser bem menos vistoso do que aquele a que assisti esta noite, no chamado Boedo. Não posso reclamar das qualidades dos cantores e dos dançarinos, que eram realmente excelente, mas tudo me pareceu tradicional demais, como se a Argentina tivesse parado no tempo. As moças com seus reluzentes vestidos de paetês, com algo mais a mostra do que no passado, talvez, mas os rapazes com aquele ar de filme preto e branco, cabelos gomalinados, bigodinhos finos recortados, sapatos de verniz e ternos ridiculamente antiquados...
O poeta-escritor inspirador do local onde fui ver ao show, Homero Manzi, é homenageado por uma bela frase sob sua foto, na parede: “Tuve que eligir entre ser hombre de letras y escribir letras para los hombres”. Ele escolheu bem, pois deixou tangos inesquecíveis.
Meu problema atual é que não posso escolher deixar de comer carne – que está aquém da qualidade dos tempos de Manzi – para me abastecer de gasolina: uma e outra estão submetidas à tradicional política econômica esquizofrênica de um governo que se pretende reformista e nacionalista.
Acho que minhas férias vão continuar kirkegaardianas, isto é, angustiantes. Por falar nisso, o sucesso do momento nas livrarias locais é o “repeteco” de um exercício de psicanálise dos argentinos, por Marcos Aguinis: El atroz encanto de ser argentinos, 2 (acho que vamos ter muitos volumes mais...)

Buenos Aires, 9-10 de janeiro de 2008

domingo, 6 de janeiro de 2008

826) Cronicas de uma viagem ordinaria (ou quase...), 1

Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
1) “Expulso” (or like) da Argentina

Paulo Roberto de Almeida
Uruguaiana, RS, 5 de janeiro de 2008

O historiador Caio Prado Júnior dizia que viajar pelo Brasil representava um passeio por cinco séculos de história econômica. Pois eu acho que viajar pela América Latina pode representar um passeio por várias escolas de políticas econômicas, como explico logo adiante.
Comecei estas crônicas de uma viagem que deveria ser “ordinária” – no sentido de anódina, isto é, mais uma dentre dezenas, ou centenas de viagens de carro que já fiz em vários continentes, como a melhor forma de se conhecer lugares, pessoas, problemas – na praça central de Uruguaiana, RS, dominada por uma grande estátua do nosso “santo protetor”, o Barão do Rio Branco, ao canto da qual eu degusto uma belo filé acebolado, embalado por músicas pretensamente românticas e certamente cafonas, do estilo: “Meu amor, não jogue fora/Um amor que lhe adora...”, ou então, “No olhar de uma pedra falsa/eu pensei que era uma jóia rara/e era só uma bijoteria [sic]”...
Mas como é que, tendo partido para uma longa viagem pela Argentina e pelo Chile, eu me reencontro de volta ao extremo oeste do Rio Grande do Sul? Se ouso dizer, fui “expulso” pela política econômica, ou algo assim. Explico.
Pouco antes de partir de Brasília, tendo adquirido alguns meses antes um veículo dotado de motor Flex – mas utilizando única e exclusivamente álcool até há pouco, obviamente pelo diferencial de preços –, minha preocupação imediata era a de saber que tipo de gasolina eu deveria colocar no tanque do meu Flex, se normal ou super. Eu não estava preparado, contudo, para não usar nenhuma gasolina, ou melhor, nenhum tipo de combustível, um pouco como naquela história do cavalo inglês, cujo dono o estava ensinando a viver sem comer, mas que, quase acostumado, veio infelizmente a falecer...
Pois foi o que me aconteceu, nem bem entrado na Argentina, via Puerto Iguazu, ao ser confrontado, logo mais adiante (a partir de Posadas, supostamente a terra natal do Ché Guevara), com a falta total de gasolina nos postos da cidade e da estrada. Fui confrontado, em toda a província de Misiones, com uma discriminação tão odiosa quanto ilegal, pois que o único posto que dispunha de gasolina, na Ruta 14, a caminho de Buenos Aires, estava recusando-se a vender para “carros de placa estrangeira” (eufemismo para placas brasileiras). Não adiantou eu alegar que já tinha entrado na Argentina desde a fronteira do Nordeste e que planejava viajar até Buenos Aires, não contrabandear “nafta” para revender a preços mais altos do lado brasileiro, fui colocado no grupo dos “aproveitadores”, o que nos deixa sonhadores sobre a tão prioritária política de integração no Mercosul, entusiasticamente sustentada pelo governo brasileiro.
Tendo planejado seguir a Ruta 14 até Zamora, e daí seguir para Buenos Aires, com alguma parada pelo caminho – talvez na terra daqueles “terroristas” argentinos anti-uruguaios de Gualeguaychu, que vivem bloqueando a ponte com o pobre Uruguai depois que este país decidiu receber uma fábrica estrangeira de celulose, nas margens do rio Uruguai – fui obrigado, assim, a retroceder para o território brasileiro, pelo simples fato de poder ficar na incômoda situação do “cavalo inglês”. Comecei a refletir sobre a natureza das políticas econômicas dos nossos países latino-americanos, pois isso me lembrou outras carências de mercadorias, no plano nacional, ou o recorrente vai-e-vem que ocorre nas nossas fronteiras comuns por causa de políticas cambiais contraditórias, quando não insustentáveis, que deslocam o comércio “formiga” – às vezes nem tão formiga assim – alternativamente de um lado a outro da fronteira, segundo os preços relativos nos produtos essenciais.
Aprofundei a reflexão ao dar carona a um guarda patrulheiro argentino, na saída de Posadas, ao parar num posto da Gendarmeria para pedir informações sobre como conseguir gasolina naquela situação. Não tive nenhum conforto daquele lado, mas o simpático policial, que devia alcançar, por seus próprios meios, seu posto de plantão 40kms mais adiante, me aconselhou a retornar ao Brasil, o que fiz pela fronteira de Santo Tomé-São Borja, atravessando a “flamante” ponte da “integração”, sobre o rio Uruguai, no que seria, supostamente um centro de controle integrado do Mercosul (não vi absolutamente nada de integrado, apenas um soldado argentino, que anotou meu passaporte).
Terminou assim, não tão melancolicamente, meu quarto dia de viagem, desde a saída de Brasília, no dia 2 de janeiro de 2008, fazendo um primeiro trajeto até Marília, no interior de São Paulo. Dali até Foz de Iguaçu correu tudo bem, a despeito das tarifas extorsivas do pedágio paranaense, para estradas medíocres com muitos poucos trechos duplicados, o que, no entanto, não me coloca do lado do MST, que tem promovido ocupações violentas dos postos de pedágio daquele estado, para protestar contra esse tipo de “extorsão” (apenas constato como os nossos estados andam falidos, e como o governo federal não cumpre suas obrigações, a despeito de contarem, um e outro, com o Ipva e com a Cide, respectivamente). Foz do Iguaçu foi uma excelente estada, com um bom hotel, bela visita às cataratas e à represa de Itaipu, o que prometia uma excelente continuação do lado argentino.
Qual não foi a minha decepção: estrada razoável, do lado argentino, mas paradas medíocres, para não dizer lamentáveis. Simplesmente não encontrei um único posto decente em toda a extensão: sem falar da falta de gasolina, banheiros sujos, quando existentes, ausência completa de algum café decente, ou simples snacks, no que constitui o “Nordeste” argentino, que talvez não esteja muito distante de um outro Nordeste. Minha constatação é que a Argentina simplesmente não avança, como, por exemplo, o Brasil se moderniza, a despeito de tantas desigualdades sociais. Ela continua a recuar, a decair, a afundar na mesmice. Constatei isso pelo hotel de Posadas onde me hospedei, supostamente o melhor da cidade, segundo o meu guia: coisas da época do Ché Guevara, literalmente... para preços não de todo moderados.
A despeito da decadência, a Argentina ainda tem uma população bem mais educada do que a do Brasil. Constatei isso a conversar com o nosso simpático policial caroneiro, durante os 40 kms que percorremos a partir de Posadas. A despeito de sua condição modesta (sueldo de 1.500 pesos, segundo ele, para uma família de três filhos), ele tinha um espanhol perfeito e uma razoável compreensão do país e do mundo, como pude verificar pela nossa conversa em torno das dificuldades atuais do seu país. Não faltou o inefável Chávez na nossa conversa, que aparentemente está levando “toda nuestra buena leche” (em troca da compra de títulos da nova dívida argentina, eu lembrei-lhe), além de outros problemas típicos da “economia política chavista”: falta de produtos, inflação e coisas do gênero.
Será que nossos países sul-americanos são capazes de repetir os mesmos erros do passado? Aparentemente sim, pois governantes irresponsáveis insistem em fazer apelo às mesmas medidas de controle de preços que já foram provadas ineficientes em outras épocas, mas que rendem ]dividendos eleitorais durante algum tempo. Patético – para não dizer trágico – esse recurso a políticas absolutamente erradas no plano macroeconômico e esse desestímulo geral, no plano microeconômico, à atividade empresarial e de investimento produtivo.
Digo isto porque o que me “expulsou” da Argentina – aliás para um Brasil que me pareceu bem melhor do que julgamos, quando estamos apenas aqui dentro – não foi a discriminação de um ou outro dono de “gasolinera”, ainda que isso de fato ocorreu (mas tendo a “compreender” os reclamos argentinos): o que me “devolveu” ao Brasil foi uma política irracional de preços do setor (e um pouco em todas as demais áreas, também), e de desestímulo aos investimentos produtivos, por parte de um governo que pretende estar recuperando a Argentina dos sombrios tempos de crise cambial e de derrocada completa de seu sistema econômico.
Na praça central de Uruguaiana, onde terminei de degustar o meu bom bife brasileiro, comecei a refletir sobre o ciclo do “eterno retorno” de nossas políticas econômicas, essa sensação de “déjà vu” no plano dos abusos contra a racionalidade mais elementar. O Brasil, aparentemente, está a salvo, embora eu não esteja muito seguro disso, das formas mais extremadas de aventureirismo econômico e de irresponsabilidade política, embora nossos políticos não pareçam ser muito diferentes dos colegas argentinos (nisso o Mercosul caminha para a integração). Espero não ter novos motivos para outras “crônicas da penúria” como esta (coisas que conheci no velho socialismo real, e no Brasil de outros tempos).
Aliás, não contei que desisti de um passeio às ruínas jesuíticas de San Ignácio justamente por causa desse prosaico problema “naftalino”. Até cogitei, em certo momento, de atravessar o rio Paraná e dirigir-me ao Paraguai, não para visitar outras missões jesuíticas, mas simplesmente para comprar gasolina, mas conclui que seria inútil: provavelmente, metade da população de Posadas estaria fazendo o mesmo naquele momento, o que só me atrasaria na viagem.
Voltei pois ao Brasil, depois de já ter guardado cartões, dinheiro e talão de cheques. Não foi mau, mas não pretendia esta mudança no meu roteiro de viagem. Amanhã volto à Argentina, com o carro devidamente abastecido no Brasil – a preços de mercado, diga-se de passagem – e espero chegar ao meu destino.
Vou continuar a refletir sobre nossa história econômica, ao logo das próximas três semanas. A América Latina continua pródiga em experiências de todo tipo...

Uruguaiana, 5 de janeiro de 2008
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Paulo Roberto de Almeida