Matérias da imprensa nesta quarta-feira, 31/10/2018:
Em
junho deste ano escrevi nesse espaço artigo intitulado “Reservas, para
que te quero”. Tratava do volume de nossas reservas internacionais e de
propostas sobre como utilizá-las caso houvesse julgamento de que estavam
em patamar além do considerado “adequado”. O FMI tem uma metodologia
para calcular o nível adequado de reservas para cada país, levando em
conta diversas variáveis, inclusive os juros internacionais e o ambiente
para os mercados emergentes. De acordo com as contas mais recentes,
aponta o Fundo que o nível das reservas brasileiras está cerca de 1,6
vez mais elevado do que o patamar que o FMI consideraria adequado. Isso
significa que já podemos começar a usar os US$ 140 bilhões para alcançar
algum objetivo?
Na
época em que escrevi o artigo supracitado, argumentei que as reservas
poderiam ser usadas para recomprar uma parte da dívida brasileira, o que
ajudaria a reduzir seu custo de carregamento. Contudo, alertei que tal
medida não poderia ser feita de forma isolada: importante seria pensar
no uso das reservas para esse propósito como um dos elementos de uma
agenda mais ampla de ajustes que incluísse as medidas fiscais cabíveis
para reduzir o déficit público e as reformas que não podem mais esperar,
como a da Previdência. Evidentemente, sair vendendo reservas antes de
consertar os graves problemas fiscais que tem o Brasil seria medida
absolutamente inconsequente, sobretudo tendo em vista o ambiente externo
menos favorável para mercados emergentes e a crise que se abateu sobre a
vizinha Argentina.
Por
que se fala em um nível adequado de reservas? A razão é que há um
cálculo de custo-benefício para mantê-las: de um lado, volumes maiores
de reservas servem como um seguro contra crises externas e episódios de
extrema turbulência nos mercados internacionais. De outro, quanto mais
reservas tem um país, maior o custo de carregá-las – isso porque, para
que sirvam como um seguro em momentos de fortes oscilações externas, é
preciso investi-las em ativos de alta liquidez, que naturalmente têm
taxas de rendimentos menores. A alternativa seria investir esses
recursos em ativos com taxas de retorno mais elevadas, porém abrindo mão
da possibilidade de usálos em qualquer momento, isto é, da liquidez.
Há
diversos estudos interessantes sobre o nível adequado das reservas
internacionais. Em um deles (Kim e Lee, 2017, Asymmetric Stabilizing
Impact of International Reserves), os autores mostram como muda o nível
adequado em função do ambiente interno e externo.
Durante
períodos de calmaria, o patamar adequado poderia ser menor, pois
predomina o impacto do custo de carregar reservas sobre o benefício de
tê-las. Em momentos de turbulência, seja externa ou interna, predomina o
efeito do benefício – o seguro – sobre o custo potencial de carregar
mais reservas. O Brasil não enfrenta calmaria alguma, por mais que
tenham reagido bem os mercados à eleição de Jair Bolsonaro. Ainda temos
um ambiente de instabilidade política interna, um presidente eleito que
pouca clareza deu aos seus planos econômicos, e uma equipe econômica que
não parece ainda estar falando com uma só voz.
Desde
domingo, por exemplo, proliferaram informações contraditórias sobre o
posicionamento de diferentes membros do círculo íntimo de Bolsonaro
sobre a reforma da Previdência. Além disso, o ambiente externo exige
cautela, não apenas por causa das dúvidas sobre os efeitos da guerra
comercial
Surgem as consequências de uma campanha sem qualquer discussão sobre a agenda de medidas e reformas
entre
China e Estados Unidos, como também em razão da maior desconfiança de
investidores estrangeiros em relação aos países emergentes, haja vista a
situação da Argentina e da Turquia. Some-se a isso o quadro de elevação
das taxas de juros nos EUA e a falta de clareza sobre o ajuste fiscal
brasileiro e o que temos é um ambiente em que qualquer discussão sobre o
uso das reservas deveria estar, no mínimo, postergada.
Contudo,
noticiou o jornal Valor Econômico que Paulo Guedes e sua equipe flertam
abertamente com a ideia de usar as reservas para reduzir os juros da
dívida sem que exista qualquer condição de fazer isso agora. Estão aí as
primeiras consequências de termos passado por campanha inteira sem
nenhuma discussão sobre a agenda de medidas e reformas econômicas para o
País. O resultado disso é muito ruído e pouco sinal em uma economia que
exige clareza para se reerguer, evitar uma crise mais profunda, e dar
algum consolo aos cerca de 13 milhões de desempregados.
ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
Por Cristiane Agostine | Do Rio
Futuro
ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PSL), o economista Paulo Guedes
disse ontem que o governo poderia vender hipoteticamente US$ 100
bilhões das reservas internacionais, aproveitando para, com isso,
reduzir a dívida interna. "Se [o dólar] chegar a R$ 4,20, R$ 4,30, R$ 5,
vai ser muito interessante, porque vamos vender US$ 100 bilhões de
reservas, que são R$ 500 bilhões", afirmou o economista, ressaltando a
importância de um "regime fiscal robusto" para se adotar essa
estratégia. Isso permitiria ao país ter um volume menor de reservas -
hoje, elas estão na casa de US$ 380 bilhões, e têm um custo fiscal
elevado.
"Se
houver especulação e jogarem o dólar para cima, não tem problema
nenhum, não temos receio nenhum", reiterou Guedes, por diversas vezes,
em entrevista ontem no Rio. "Pode vir, pode especular contra, não tem
problema nenhum", repetiu. "Se tiver crise e botarem o dólar lá em cima,
a R$ 4, R$ 5, será ótimo. Quem quiser dólar nós vamos vender e depois
vamos reduzir a dívida interna."
Guedes
deu essas declarações ao comentar a manchete do Valor de ontem, que
relata que ele havia proposto a redução das reservas em discussões
internas com a equipe que elabora o plano econômico de Bolsonaro. O
futuro ministro da Economia disse que o tema surgiu quando o dólar bateu
em R$ 4,10, há cerca de um mês, e acrescentou a informação de que falou
num valor de US$ 100 bilhões.
Em
entrevista a jornalistas, Guedes deu ontem mais detalhes sobre o
assunto. "Eu comentei com o time [que elabora as propostas econômicas
para Bolsonaro]: É interessante como faz falta o ajuste fiscal. Quando
existe um regime fisal robusto, não existe essa necessidade de carregar
tantas reservas, porque isso é um seguro muito caro", afirmou ele.
"Quando entra dinheiro de fora, você acumula reservas e emite reais.
Depois você emite dívida interna para esterilizar esse dinheiro que
entrou de fora." O volume elevado de reservas e o baixo déficit em conta
corrente são fatores que reduzem a vulnerabilidade da economia
brasileira, num momento em que a situação das contas públicas é
delicada.
Segundo
Guedes, a venda de reservas seria feita apenas em um cenário de crise.
"O dólar está a R$ 3,60. Para que vou vender dólar? Para derrubar
exportação? Para empurrar para baixo?", disse ele, ao chegar à casa do
empresário Paulo Marinho, no Rio. De acordo com ele, não haverá meta
para câmbio.
"Se
houver uma crise especulativa, não tem problema nenhum. Isso vai
acelerar o ajuste fiscal", disse Guedes. Ele enfatizou que, se o dólar
chegar a R$ 5 e forem vendidos US$ 100 bilhões das reservas, isso
equivale a R$ 500 bilhões, que seriam usados para abater a dívida
interna. "Eu vendo as reservas, reduzo a dívida de R$ 3,5 trilhões para
R$ 3 trilhões e depois sigo a vida. Isso já é um ajuste fiscal em si.
Isso já me economiza", afirmou Guedes, que tem como um de seus objetivos
principais reduzir o endividamento público e, com isso, diminuir os
gastos com juros.
"Qualquer
economista bem preparado conhece o que nós chamamos de política de
esterilização. Há um ataque cambial, você reduz um pouco as reservas e
esteriliza esse efeito recomprando a dívida interna", disse Guedes aos
jornalistas.
O
futuro ministro afirmou ainda que o próximo governo vai aprovar um
projeto que garanta autonomia ao Banco Central, com mandatos não
coincidentes com o de presidente da República. De acordo com ele, a
permanência de Ilan Goldfajn no BC seria natural. No entanto, disse que
ainda não conversou com o atual presidente do BC. Guedes ressaltou que
não quer falar com alguém que não tenha o desejo de ficar. "A motivação é
fundamental." Guedes citou ainda que Ilan assumiu o cargo "por
acidente".
"Ilan
ficou dois anos com Temer. O desenvolvimento natural qual seria? Eu
defendo há 30 anos um BC independente. O Ilan tem uma proposta de BC
independente. O que seria a coisa mais natural do mundo? Eu dar um
abraço no Ilan e falar que defendo há 30 anos BC independente. Ele
falaria que tem um projeto de BC independente. A gente vai junto, aprova
o projeto, você ficou dois anos e ficaria mais dois anos", afirmou ele.
De acordo com Guedes, essa eventual permanência do presidente do BC
teria que ser combinada com a equipe de Bolsonaro e com Ilan.
Guedes
destacou a relevância do projeto de independência do BC para eliminar
as incertezas em relação à autoridade monetária em época de eleição. Com
mandatos não coincidentes para a diretoria do BC, essa fonte de
indefinição seria eliminada.
Ao
comentar a ideia de vender reservas para abater a dívida pública, o
diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe
Salto, diz que qualquer mudança a respeito precisa ser feita com muito
cuidado. "Teoricamente faz sentido, mas é necessário avaliar o risco
macroeconômico", afirma Salto, ressaltando a importância de o governo se
concentrar em medidas para melhorar o resultado primário (que não
inclui gastos com juros), com prioridade para o controle das despesas. É
preciso avaliar com muita cautela o impacto que a medida teria sobre o
câmbio, diz ele. A venda de um volume muito expressivo de reservas pode
causar uma valorização muito rápida do real, ao colocar "uma montanha de
dólares na economia", diz Salto.
Há
um ganho fiscal, que se daria com a redução das operações
compromissadas, pelas quais o BC vende no mercado títulos do Tesouro com
o compromisso de recomprá-los depois de um prazo determinado, afirma
Salto. Elas fazem parte da dívida bruta, tendo um prazo médio inferior a
30 dias. O fundamental, segundo ele, é avançar na melhora estrutural
das contas públicas. Uma eventual venda das reservas para reduzir a
dívida deve ser muito cuidadosa, sendo "precedida ou acompanhada" por
mudanças no gasto primário, diz Salto. (Colaborou Sergio Lamucci, de São
Paulo)
Por Cristiane Agostine, Estevão Taiar, Lucinda Pinto, Lucas Hirata, Silvia Rosa e Ribamar Oliveira | Do Rio
A
ideia do governo Jair Bolsonaro de vender parte das reservas
internacionais para reduzir a dívida pública, antecipada ontem pelo
Valor, provocou discussões no mercado financeiro. O futuro ministro da
Economia, Paulo Guedes, explicou que a venda de reservas, hoje em US$
380 bilhões, será feita apenas em um cenário de crise especulativa sobre
o câmbio no país. "Se botarem o dólar lá em cima, a R$ 4 ou R$ 5, será
ótimo. Vamos reduzir dramaticamente a dívida interna". Segundo ele,
seria possível vender US$ 100 bilhões com o dólar a R$ 5, o que
reduziria a dívida interna em R$ 500 bilhões.
Cândido
Bracher, presidente do Itaú, disse que a ideia é interessante, porque
teria impacto fiscal positivo. Mas sugeriu que a venda teria de ser
gradual. Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, tem a mesma
opinião, com a ressalva de que antes de vender reservas é preciso
aprovar as reformas e "mostrar uma trajetória de sustentabilidade
fiscal". Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, lembrou que essa discussão
não é muito relevante no momento, porque as reservas representam "um
seguro" para o país, cujo custo diminuiu em função da redução da
diferença entre o juro brasileiro e o americano. Para Luis Costa, do
Citi em Londres, o ideal seria reduzir reservas apenas depois de o Banco
Central zerar o estoque de swaps cambiais, hoje em US$ 68,8 bilhões.
Há
no mercado relativo consenso sobre o excesso de reservas no momento, em
razão do custo fiscal que elas impõem. Mas entende-se que sua redução
seria arriscada, porque poderia piorar a percepção de risco do
investidor em relação ao país. Argumenta-se, também, que vender reservas
num momento de ataque especulativo, com o dólar em disparada, seria o
mesmo que "discutir o seguro quando a casa estiver pegando fogo".
As
explicações de Guedes também deixaram duas perguntas no ar: haverá no
novo governo um teto para o câmbio? Qual seria essa cotação?