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sábado, 11 de janeiro de 2025

Análise: diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela - Vitelio Brustolin e Arthur Ambrogi (CNN)

 Vitelio Brustolin e Arthur Ambrogi escrevem sobre o caso de afinidade pouco eletiva do Brasil com a ditadura venezuelana:


Análise: diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela

Segue artigo sobre a Venezuela que escrevi com o colega Arthur Ambrogi e que acaba de ser publicado pela CNN Brasil. O enfoque foi no Direito Internacional e nos princípios da diplomacia brasileira para o reconhecimento de governos. Eles seriam aplicáveis ao governo Maduro? Segue um trecho e o link para leitura na íntegra: 

“Pelo Direito Internacional, o reconhecimento de um governo pode ocorrer por meio de duas formas: expressa ou tácita. A forma expressa se dá por escrito – publicando uma declaração ou nota diplomática. A forma tácita se dá pelo relacionamento com esse governo. Na prática, só muda o formalismo, os efeitos são os mesmos. 

Conforme resume Hildebrando Accioly, em seu “Manual de Direito Internacional Público”, os Estados Unidos sustentam, desde a sua independência, que se deve reconhecer como legítimo o governo oriundo da vontade nacional, claramente manifestada.

A esse princípio foi adicionado, posteriormente, o da intenção e capacidade do governo de cumprir as obrigações internacionais do estado. A doutrina brasileira se aproxima muito dessa formulação, no entanto, historicamente o Brasil leva em conta, também, as seguintes circunstâncias:

- Primeiro, a existência real de governo aceito e obedecido pelo povo;

- Segundo, a estabilidade desse governo;

- Terceiro, a aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo estado. (…)” 

Leia o artigo na íntegra aqui: https://www.cnnbrasil.com.br/forum-opiniao/analise-diplomacia-brasileira-criou-uma-armadilha-para-si-e-caiu-nela-na-venezuela/


quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Guia simples para entender como fica a diplomacia brasileira com Donald Trump na Casa Branca - Felipe Frazão (Estadão)

Estadão

Internacional

Guia simples para entender como fica a diplomacia brasileira com Donald Trump na Casa Branca

Relação com bolsonarismo e regimes de esquerda, aversão a clima e multilateralismo e presença da China estão entre fatores que vão influenciar

Por Felipe Frazão

O Estado de S. Paulo, 25/12/2024

 

BRASÍLIA - A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos impôs um desafio imediato para a política externa brasileira. Como recalcular objetivos e prioridades diante da mudança de ventos políticos na Casa Branca e o retorno de um ator global incontornável, cujas prioridades divergem frontalmente da pauta de Luiz Inácio Lula da Silva. As expectativas do Palácio do Planalto são negativas.

O primeiro obstáculo será a relação direta entre ambos. Sem contato prévio e com portas fechadas, Lula e Trump terão de criar canais de contato, apesar do histórico recente hostil, marcado por desavenças, provocações e declaração de voto, de ambos os lados, aos respectivos adversários políticos domésticos no Brasil (Jair Bolsonaro) e nos Estados Unidos (Kamala Harris/Joe Biden).

O governo brasileiro tenta estabelecer uma relação pragmática entre Lula e Trump, mesmo ciente que o País não deve ser parte das prioridades do Departamento de Estado. No entanto, os sinais enviados pelo governo de transição vão em sentido contrário, como ameaças de impor tarifas sobre exportações brasileiras e a nomeação de uma equipe mais ideológica na diplomacia americana. Aqui vão alguns pontos-chave que podem nortear os próximos meses.

 

Quem são as figuras-chave na equipe de Trump?

Do lado americano, Donald Trump indicou como futuro secretário de Estado, cargo de chefe da diplomacia, o senador republicano Marco Rubio (Flórida) de origem cubana e que tem um olhar crítico ao governo brasileiro e aos regimes de esquerda latinos. Embora suas raízes e conhecimento da região sejam vistos como algo positivo, as relações políticas de Rubio o aproximam da oposição a Lula e do discurso bolsonarista. Como senador, ele vocalizou preocupação com a liberdade de expressão no País, ao acusar o governo de censura quando o X (antigo Twitter) foi banido pelo Supremo, e reagiu criticamente ao aval de Lula para a passagem de navios de guerra iranianos, no porto do Rio.

O conselheiro de Segurança Nacional será Mike Waltz, deputado republicano da Flórida, veterano de guerra e anti-China. O secretário de Comércio será Howard Lutnick, vindo do mercado financeiro, atual CEO da Cantor Fitzgerald. O presidente vai nomear novamente como assessor para comércio e indústria o antigo aliado Peter Navarro, que passou quatro meses preso por ignorar uma intimação do comitê que investigou a invasão do Capitólio.

É dado como certo que governo Trump vai trocar de pronto o comando da embaixada dos Estados Unidos em Brasília, já que a atual embaixadora, Elizabeth Bagley, enviada por Joe Biden, tem um histórico de serviços prestados e financiamento ao Partido Democrata. No governo passado, Trump enviou a Brasília o diplomata de carreira Todd Chapman.

Trump já anunciou os nomes de alguns futuros embaixadores na América Latina, como México e Colômbia, mas não quem assumirá no Brasil.

 

Quem são as figuras-chave no governo Lula?

Do lado brasileiro, Lula permanece com a equipe diplomática que montou no início do governo: o assessor especial Celso Amorim, ex-chanceler, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Em Washington, tem a embaixadora Maria Luiza Viotti, diplomata de carreira com longo histórico de serviço no país e nas Nações Unidas, e que neste ano acompanhou pessoalmente as convenções e centraliza a operação de viabilizar canais com os Republicanos e a nova administração em montagem.

Com Lula avaliando uma virtual reforma ministerial do início do ano que vem, circulam avaliações, entre analistas e diplomatas, se seria ou não conveniente trocar o comando do Itamaraty. Especialmente por alguém político. Republicanos emitiram sinais a interlocutores brasileiros de que não há canais com a dupla atual na chefia da diplomacia: Amorim e Vieira são vistos como mais alinhados ao PT e, sobretudo o primeiro, como um representante do sentimento antiamericano no governo.

Mas a percepção prevalente é que a mudança não ocorrerá. Há quem aposte em empresários e parlamentares para eventual aproximação e ainda no fomento de laços com entes subnacionais, os governadores de Estado norte-americanos.

 

Como serão as relações entre Lula e Trump?

Trump e Lula não possuem relação pessoal prévia. Jamais se falaram, embora tenham se alfinetado em declarações públicas. A ideia de costurar um telefonema entre eles, após a eleição de Trump, ainda não se concretizou. Lula fez um gesto político de abertura quando escreveu rapidamente nas redes sociais seu reconhecimento de vitória e disse que o “mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto”.

Antes, ele criticara Trump em diversas ocasiões, relacionando-o a fascistas e extremistas, mas também solidarizara-se com o republicando quando disse que o atentado a tiros contra ele era “inaceitável” e merecia repúdio veemente. Tudo vai depender das posturas de Trump nos primeiros meses no retorno à Casa Branca. E de como o governo vai conter o sentimento hostil de parte da esquerda. A última foi o xingamento da primeira-dama Janja da Silva ao bilionário Elon Musk, indicado para compor o time de Trump. O empresário tem negócios no Brasil no setor de telecomunicações e interesses no setor espacial.

A relação diplomática tende a ser reduzida a algo discreto e marcada por algumas tensões comerciais.

 

Pragmatismo ou ideologia?

Integrantes do governo Lula avaliam que Trump pode agir de forma pragmática em relação ao Brasil, mas não veem sinais positivos no futuro relacionamento entre os presidentes. Lembram que ele foi capaz de visitar Kim Jong-un, na Coreia do Norte, um dos países do “eixo do mal”. E dizem que alguns sinais serão dados quando anunciar sua política em relação ao regime do ditador Nicolás Maduro, da Venezuela.

Um conselheiro direto de Lula confidencia, porém, que não dá para esperar que o futuro embaixador de Trump repita o ex-embaixador Todd Chapman e ofereça churrasco e recepções para Bolsonaro e seus filhos na residência oficial em Brasília.

O comportamento de Trump em relação à oposição no Brasil é um fator preocupante, porque ele é visto como referência e como líder capaz de energizar a oposição a Lula, sobretudo na direita radical.

Parlamentares da extrema direita viajaram aos EUA e contam com suporte da bancada republicana para demandar pressão total e agora represálias de Trump contra o governo Lula e autoridades brasileiras, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, por causa de investigações sobre golpe e desinformação. Esse relacionamento próximo entre figuras do trumpismo e do bolsonarismo é a principal diferença no cenário quando o Planalto tenta traçar um paralelo com a relação entre Lula e o também republicano ex-presidente George W. Bush, que foi bastante fluída. Na ocasião, porém, não havia uma oposição mais estridente organizada no Brasil que cultivasse laços com Bush.

Em 2026, a eleição presidencial no Brasil e o relacionamento de Trump com a oposição pode ser um fator definidor do futuro, caso Lula ou um apadrinhado petista vençam.

 

Fator Milei e a direita regional

Observadores externos também avaliam que o relacionamento de Trump com presidentes de direita pode eclipsar o protagonismo de Lula. Os planos de campanha republicanos e do entorno de Trump, como o “Projeto 2025″, pregavam a articulação de uma coalização conservadora na América Latina. A lista seria encabeçada pelo libertário Javier Milei, da Argentina, mas também teria no mesmo campo o caso de Nayib Bukele, de El Salvador.

Há sinais de que os republicanos vão priorizar de início uma parceria ideológica com Milei, na América do Sul. A ideia de que, a partir de Buenos Aires, outras capitais latino-americanas, possa fortalecer um campo contra governos de esquerda, que se aliam a atores extra regionais hostis como China, Rússia e Irã.

Rival político direto e rompido com Lula, Milei tem feito uma série de gestos de aproximação com Trump, viajou ao encontro dele nos Estados Unidos e trabalhou com uma agenda conservadora e contrária aos interesses políticos do Brasil no G-20, no Mercosul e na OEA.

Choque no Clima e Multilateralismo

Trump tem dois mantras de campanha que ajudam a resumir seu perfil negacionista climático e isolacionista - Drill, baby, Drill e o America First. Ele promete aprofundar a exploração de combustíveis fósseis e colocar o que considera interesses dos EUA sempre em primeiro lugar.

As posturas de Trump tendem a prejudicar os esforços do Brasil para alavancar compromissos mais ambiciosos da comunidade internacional contra a mudança climática, a proteção ambiental e a discussão sobre quem paga a conta. A eleição dele e as nomeações em andamento foram um baque e motivaram previsões catastróficas entre negociadores climáticos à frente dos preparativos para a COP-30, em Belém. A cúpula climática das Nações Unidas será o ponto alto da inserção internacional do Brasil.

Não há qualquer garantia de que Trump cumprirá a promessa de Biden de enviar US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia.

No passado, Trump rompeu com o Acordo de Paris, principal tratado climático mundial para conter a emissões de gases estufa, deixou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Unesco, bloqueou o funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC), ameaçou abandonar e cortar verbas da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e suspender financiamento às Nações Unidas. O assunto causa temor, já que os EUA são os principais contribuintes das agências multilaterais.

Embora tenha se engajado em Cúpulas do G-20 e do G-7, Trump faz campanha aberta com o fortalecimento do Brics.

 

Interesse em minerais críticos e invesimentos

Um ponto de interseção de interesses levantado por membros do governo brasileiro é a parceria em energia, para exploração de minerais críticos, como lítio, terras raras, níquel, cobalto, grafite e nióbio.

Esses minerais são essenciais para produção de baterias de carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, também no foco de interesse direto tecnológico da China.

Os governos retomaram, em setembro, o Diálogo Estratégico Brasil-EUA sobre Minerais Críticos, em nível técnico e diplomático, com objetivo de “construir cadeias de suprimento seguras e sustentáveis”.

O Brasil deseja ver não só a extração, mas o processamento industrial dos minerais no País, enquanto os americanos preferem realizar lá.

Os Estados Unidos são o maior investidor externo no Brasil e o segundo maior parceiro comercial. No ano passado, o estoque de investimentos vindo dos EUA alcançou US$ 357,8 bilhões, segundo dados do Banco Central. Isso representa 34% do total investido no País.

Neste ano, o fluxo de investimentos vindos dos EUA para o Brasil chegou a US$ 4,94 bilhões. E, na via contrária, os investimentos com origem brasileira nos Estados Unidos foram de US$ 2,37 bilhões, o que também coloca o país como principal destino, com 36% do total.

Já a corrente de comércio bilateral foi de US$ 74,8 bilhões, com déficit de US$ 1 bilhão para o Brasil, em 2023. Apesar disso, a pauta bilateral é extensa. Há cooperação em diversos setores, do alto fluxo bilateral no turismo às parcerias entre as Forças Armadas, intercâmbio acadêmico amplo e influência cultural extensa. Apesar disso, a pauta bilateral é extensa.

 

Qual o risco de Trump impor tarifas sobre o Brasil?

O governo Lula acompanha com atenção o que considera, até agora, “bravatas” de Trump no campo comercial. Em duas manifestações após eleito, Trump ameaçou um tarifaço que poderia recair sobre produtos brasileiros exportados para os EUA.

Conselheiros de Lula, no entanto, desconfiam que o republicano não vá de fato executar a medida. Observadores apontam uma série de condicionantes, como setores e países alcançados, que precisariam de avaliação criteriosa, em vez de uma imposição unilateral.

Primeiro, Trump foi às redes sociais - um comportamento reiterado - para contestar a desdolarização planejada pelo Brics. “Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”, escreveu o presidente eleito.

A ideia de fomentar alternativas ao dólar ganhou espaço no Brics a partir das sanções contra a Rússia pela guerra na Ucrânia. Mas foi alavancada politicamente por Lula no ano passado. De complexa e longa execução, o desenvolvimento de uma divisa para transações comerciais tem grande interesse do maior rival dos EUA, a China, e de países igualmente hostis aos EUA que estão sancionados, como a Rússia, o Irã e até Cuba.

Semanas depois, Trump citou nominalmente o Brasil como um dos países emergentes que impunham muitas tarifas alfandegárias aos produtos americanos e exigiu reciprocidade. “Nós vamos tratar as pessoas de forma muito justa, mas a palavra ‘recíproco’ é importante. A Índia cobra muito, o Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa”, afirmou.

Em 2019, durante o governo do “aliado” Bolsonaro, Trump chegou a anunciar pelo Twitter (atual X) a imposição imediata de tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros, por causa da desvalorização do real frente ao dólar. Os EUA são o maior mercado do aço brasileiro exportado. O republicano abriu uma crise que demandou esforço diplomático até do então presidente para demovê-lo. A promessa nunca se cumpriu.

Em setembro, empresas dos EUA solicitaram a cobrança de tarifas como medida antidumping contra o aço do Brasil e outros nove países.

 

Imigração. Brasileiros estão na mira de deportação?

Trump promete linha dura contra imigrantes, um tema central de sua plataforma política. Ameaça apertar os controles e promover deportação em massa de imigrantes ilegais assim que assumir. Historicamente a população brasileira não é o foco das autoridades americanas. No entanto, dados do Pew Research Center mostram uma quantidade crescente de imigrantes irregulares, de nacionalidade brasileira, vivendo nos EUA: 230 mil, em 2022.

A comunidade brasileira nos Estados Unidos é a maior do mundo, com 2,085 milhões de pessoas, conforme levantamento do Itamaraty, referente a 2023. Em diferentes governos, o Brasil tem recebido voos de deportação praticamente semanais. As operações aéreas são conduzidas pelo Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos EUA, o US Immigration and Customs Enforcement - daí o apelido ICE flights, que se destinam principalmente ao Aeroporto de Confins, em Minas Gerais. Essa prática deve continuar.

Dados da autoridade de fronteira compilados pelo Estadão mostram que, desde 2018, os EUA removeram por esses voos de deportação 11.851 brasileiros. Ainda o ICE promoveu voos para remover dos EUA 1.779 brasileiros expulsos dentro da política Título 42, regra aplicada inicialmente por Trump para remover automaticamente imigrantes sem documentação que tentassem entrar no país, durante da pandemia da covid-19.

Segundo a Fox Business, o ICE tem ordem de deportação contra 38.677 brasileiros, num universo de 1,4 milhão de ilegais que ainda permanecem nos Estados Unidos, aguardando remoção.

 

Relação com a China

O Brasil tem buscado manter uma navegação autônoma, não alinhada a nenhum dos polos de poder na disputa entre China e Estados Unidos, na perspectiva de explorar oportunidades no relacionamento com as duas maiores economias do planeta. Apesar disso, não há equidistância. O governo petista não esconde a simpatia por Xi Jinping e a antipatia por Trump ou ainda ecos de antiamericanismo, na esquerda, mesmo durante o governo Joe Biden. Ficou evidente nas primeiras missões internacionais de Lula o quão mais robusta foi a visita de Estado a Pequim do que a Washington, quando figuras do governo falavam na relação preferencial com os chineses para os projetos de reindustrialização brasileira e busca de tecnologia. E mais recentemente na deferência da visita de Estado de Xi Jinping a Brasília.

A diplomacia brasileira costuma atuar para frear gestos que podem ser vistos como um alinhamento com Pequim.

Embora não tenha sido determinado pelo fator Trump, o Brasil elaborou um plano de participação alternativo e deixou de aderir integralmente à nova Rota da Seda, como é chamada a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt And Road Initiative), o principal mecanismo de inserção bilateral de Pequim no mundo e sua ponta de lança para a América Latina. Mais de 150 países fazem parte do acordo, que mobilizou US$ 2 trilhões em contratos para a construção de portos, rodovias e ferrovias.

A expectativa de analistas é que Trump possa se voltar um pouco mais a questões latino-americanas e ao Brasil, para não deixar terreno aberto para a China. O maior país latino-americano é um ator crucial para a China expandir sua influência econômica e geopolítica na América Latina. A relação com o Brasil vem sendo ampliada e aprofundada em setores estratégicos, como energia, defesa, telecomunicações, entre outros. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, há quinze anos, e um dos principais investidores externo. Em 2023, a corrente de comércio atingiu recorde de US$ 157,5 bilhões, com exportações totalizando US$ 104,3 bilhões e superávit brasileiro de US$ 51,1 bilhões.

Já os investimentos chineses no Brasil atingiram US$ 73,3 bilhões, entre 2007 e 2023. O setor de eletricidade recebeu 45% do valor total, seguido por petróleo, com 30%, conforme estudo anual do Conselho Empresarial Brasil China.

 

Venezuela, Cuba e Nicarágua

Aqui reside um dos grandes sinais observados pelo governo Lula para entender a política externa do governo Trump 2.0: a postura com os governos ditatoriais de esquerda da América Latina.

Até agora, o Planalto vê indícios de muita agressividade por parte da Casa Branca com o que foi batizado no governo passado de Trump como a “troika da tirania” - expressão cunhada pelo ex-conselheiro da Casa Branca para Segurança Nacional, John Bolton, para se referir a Venezuela, Cuba e Nicarágua. Lula, por sua vez, tem laços históricos de proximidade com todos os regimes. Mas colheu dissabores recentes com dois - exceto Cuba, que Lula visitou no ano passado e não teve embates.

O petista congelou relações com Daniel Ortega, após expulsão mútua de embaixadores, e agora promete manter “frieza” com Maduro - sem falar diretamente com ele, embora descarte romper diplomaticamente.

A chave é a Venezuela e o interesse na exploração do petróleo por companhias norte americanas, o combate ao crime organizado, com narcotráfico e imigração ilegal, e a reimposição das sanções contra o regime, rejeitadas pelo Brasil.

Nas palavras de um assessor presidencial, Trump vê a política externa como “grande balcão de negócios” e não se pode descartar uma acomodação por causa do interesse em petróleo e na política de deportação de imigrantes. Se no passado Trump tentou atrair o governo Jair Bolsonaro a apoiar um golpe contra Maduro, agora já sabe que qualquer ameaça de intervenção aramada será prontamente rechaçada, pelas relações políticas entre Lula e o chavismo - a despeito de não reconhecê-lo como legalmente reeleito. Conselheiros do petista afirma que não convém ao Brasil qualquer instabilidade nas suas fronteiras diretas.

 

Instituições regionais - eleição da OEA

Ronda a diplomacia brasileira e o Palácio do Planalto o temor de que Trump possa voltar a “instrumentalizar” organismos regionais, quebrando acordos, para colocar pressão sobre governos e regimes de esquerda da região e articular uma coalização da direita e da extrema-direita regional. O foco de tensão imediato é o comando da Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja liderança vem sendo contestada nos últimos anos por governos como Bolívia, Venezuela e Nicarágua, entre outros. Mesmo o governo Lula já expressou, reiteradas vezes, a perda de credibilidade da OEA na região, por causa de seu papel na crise na Bolívia, em 2019.

No ano que vem, será eleito o novo secretário-geral em substituição ao uruguaio Luis Almagro. Há dois candidatos em campanha: o chanceler do Paraguai, Ruben Ramírez Lezcano, que vem fazendo acenos a Trump com gestos em favor de Israel e no enfrentamento com a China (Assunção reconhece Taiwan e não Pequim); e o chanceler do Suriname, Albert Ramdin, apoiado pela Comunidade do Caribe, a Caricom.

O ex-presidente colombiano Iván Duque poderia se apresentar, assim como a ex-embaixadora equatoriana Ivonne Baki. Ambos são simpáticos a Trump. Lula ainda não tomou lado.

No passado, Trump atropelou costuras como a da eleição para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), enterrando articulações do Brasil para emplacar seu ex-assessor de segurança nacional e militante anti-Cuba Mauricio Claver-Carone. Trump interferiu no BID, rompeu a tradição diplomática de equilíbrio no comando de instituições financeiras multilaterais: no caso do BID, a sede fica em Washington e a presidência sempre era exercida pelo indicado de algum país latino-americano.

 

 

terça-feira, 22 de outubro de 2024

De la belle époque à la mauvaise époque? - Paulo Roberto de Almeida

De la belle époque à la mauvaise époque?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a volta dos imponderáveis históricos que marcaram a trajetória do mundo na primeira metade do século XX, vindo da belle époque pacífica para décadas de conflagrações mundiais, o que parece evidente na atual fratura geopolítica.

 

O que ficou conhecido, na historiografia contemporânea, como belle époque foram as três ou quatro décadas que precederam o início da Grande Guerra, em 1914, grosso modo a combinação de progressos econômicos e sociais com relativa paz, na Europa, assim como a época áurea da dominação europeia sobre o resto do mundo, ou quase todo ele. Depois das guerras napoleônicas e do Congresso de Viena, ocorreram diversas revoluções na Europa – notadamente a de 1830, na França, e diversas outras em 1848 – e algumas poucas guerras: a primeira guerra da Crimeia (1853-55), já opondo o expansionismo do Império russo ao então decadente Império otomano, ajudado. no caso, pelo Reino Unido e pela França, e algumas guerras de unificação nacional: a do Império Alemão contra a França de Napoleão III (1870) e as dos nacionalistas italianos contra o Império austríaco, pela sua unificação, assim como contra os territórios papais na própria Itália (a partir dos anos 1860).

Depois disso foram três ou quatro décadas de relativa paz, com os imensos progressos materiais da segunda revolução industrial – a da química, do motor à explosão, da eletricidade e das comunicações telegráficas e logo telefônicas, precedendo o rádio e as primeiras aeronaves – e com a constituição das primeiras multinacionais da área industrial e de comunicações. A Grande Guerra, resultado das alianças bélicas supostamente defensivas, e dos erros de cálculos de dirigentes mais vinculados a concepções medievais do que aos valores e princípios da burguesia industrial e financeira, veio destruir tudo isso e mudar irremediavelmente a face do mundo, abrindo espaço para dois processos que se estenderiam pelo resto do século XX: a preeminência econômica dos Estados Unidos, sobre todos os demais poderes existentes, inclusive os velhos colonialismos europeus sobre metade do mundo, e a contestação bolchevique da economia de mercado capitalista e das democracias burguesas nos seguintes 70 anos após 1918.

No meio de todas essas rupturas tecnológicas, políticas e geopolíticas (desaparecimento dos impérios centrais e aparecimento de outros), progressos sociais também foram feitos, fruto das lutas operárias e sindicais e dos avanços da medicina e do saneamento urbano básico, o que diminuiu a mortalidade e aumentou a natalidade em várias partes do mundo. Atualmente continuamos a ter imensos progressos materiais, em meio à quarta ou quinta revoluções industriais, e alguns progressos sociais, notadamente a redução da miséria abjeta e redução da pobreza extrema nos cantos mais recuados e populosos do planeta, graças à disseminação dos progressos da ciência e dos avanços da tecnologia.

Mas, de forma cada vez mais clara, passamos a ouvir, a ler, assistir a declarações preocupantes sobre uma possível nova conflagração global, de forma como não tivemos desde a primeira metade do século XX, com a particularidade ainda mais horrífica de que as ameaças agora envolvem o uso de armas nucleares, que não existiam até 1945, quando foram usadas pela primeira e única vez na fase final da guerra no teatro do Pacífico.

A Grande Guerra resultou de cálculos errados feitos por dirigentes arrogantes, dotados do espírito medieval das guerras de conquista e dominação com as "tecnologias" dos exércitos montados a cavalo, quando ela foi a primeira guerra industrial da era moderna. A Segunda Guerra Mundial foi inteiramente mecanizada, muito pouco em trincheiras, como na Grande Guerra, e mais com base em blindados, encouraçados e aviação, com base em petróleo. A guerra moderna já é baseada em tecnologia de ponta, baseada na eletrônica avançada, em indústrias sofisticadas e comunicações sem fio, satelitárias. Isso já é de uso corrente, mas o que assusta mesmo é o que sobrou da Segunda Guerra Mundial, o domínio das armas nucleares, agora com vetores de longo alcance, praticamente em escala planetária.

Estamos falando da eliminação da vida humana, material e natural, sobre vastas porções do planeta, reduzindo os agentes bélicos a escombros contaminados e o resto do planeta enviado de volta a uma pobreza ancestral. A época atual poderia ter sido bela novamente, com os progressos da tecnologia, a redução da pobreza em imensas porções da terra e dos avanços da democracia e dos direitos humanos em quase todas as partes do planeta, a partir de um itinerário pacífico da terceira onda de globalização, nos anos 1990. Mas, a partir dos anos 2000, ela parece ter se convertido numa "mauvaise époque", uma época feia pelo aumento dos poderes autoritários, pelo reforço dos espíritos expansionistas, agressivos em relação aos progressos visíveis da democracia depois da implosão da União Soviética e da conversão da China comunista às virtudes da economia de mercados livres.

Depois da divisão bipolar do planeta durante a Guerra Fria, de 1947 a 1991, temos aparentemente uma nova fratura entre as grandes potências, a preeminência da ordem ocidental construída nos estertores da Segunda Guerra sendo atualmente contestada pelo novo poderio econômico e militar de potências adversárias dessa ordem, sobretudo sua recusa da democracia e dos direitos humanos, no conceito ocidental do termo, que acreditávamos que poderia ser universal. A divisão parece ter se convertido numa segunda Guerra Fria, que ameaça converter em guerra quente – talvez uma conflagração direta – pela agressividade das duas potências autocráticas, claramente opostas à ordem ocidental. Não pretendo ser um analista das relações internacionais no plano geopolítico, mas sou um observador atento do itinerário da política externa e da diplomacia do Brasil no último meio século e o que vejo me deixa extremamente preocupado, ao constatar que o atual governo, o de Lula 3, parece já ter escolhido o seu campo, o dos "promotores" da "nova ordem global multipolar" (sic), o que está em clara ruptura com os padrões tradicionais da diplomacia brasileira, de afirmada autonomia em relação às políticas das grandes potências e de neutralidade em face dos conflitos interimperiais.

Não parece mais ser o caso atualmente, e isso pode ser prejudicial ao Brasil, não apenas no domínio dos seus objetivos e interesses nacionais, de crescimento econômico e desenvolvimento social, mas também no campo dos valores e princípios democráticos e humanistas que sempre esposamos. Estamos numa "época feia" para o Brasil também?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4766, 22 outubro 2024, 3 p.


 


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Mistérios imponderáveis da natureza humana - Paulo Roberto de Almeida

 São também mistérios da razão burocrática. 

Ou seriam atinentes a algum fator ideológico?

A atual diplomacia brasileira publicou dezenas de notas lamentando os ataques israelenses a alvos civis na Faixa de Gaza. 

Ela não foi capaz de elaborar qualquer nota a respeito dos bombardeios russos contra alvos civis na Ucrânia. 

Deve haver algum motivo para essa brutal diferença de tratamento para duas guerras em curso. 

Ainda temos de descobrir por que isso!

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 13/08/2024

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Estado, governo, partidos e Itamaraty: quão juntos ou quão separados? - Paulo Roberto de Almeida

Estado, governo, partidos e Itamaraty: juntos, separados, divididos?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a “osmose” entre o serviço diplomático e o governo e seus partidos de apoio, distinguindo a intromissão do PT e do bolsonarismo na política externa, de maneira ideológica e personalista.

Brasília, 1 de agosto de 2024

 

Dá para separar o governo do seu partido suporte e ambos da política do Itamaraty? Com base em minha experiência de 44 anos de diplomacia, desde a ditadura até Bolsonaro, posso afirmar que sob o lulopetismo isso é impossível, como também o foi no bolsolavismo diplomático. Segui de dentro as nuances e matizes da diplomacia em cada governo e já escrevi muito sobre isso, a mais recente neste livro: Apogeu e Demolição da Política Externa (2021).Transcrevo, in fine, o índice desse livro, que contém vários capítulos que podem demonstrar amplamente a contaminação da política externa e da própria diplomacia por governos ideológicos e sectários, como o foram Lula 1 e 2, Dilma (mas parcialmente, por total incompetência dela em assuntos externos), Bolsonaro (mais Ernesto Araujo do que Carlos França) e agora Lula 3. Mas tratarei de algumas questões de como isso se faz.

Já em 2006, portanto ainda na vigência do primeiro governo Lula – e eu estive afastado, por razões políticas, de qualquer cargo na Secretaria de Estado, durante os TREZE ANOS E MEIO dos governos petistas –, eu já me permiti fazer uma primeira reflexão sobre a questão chave desta nota: como separar, ou quão juntos estão, os papeis respectivos do corpo profissional da diplomacia das injunções, pressões, determinações do governo de ocasião, que acaba sendo o decisor máximo, em nome do Estado, pelas posturas assumidas pela diplomacia profissional no plano internacional (em alguns casos até deformando posições tradicionais de Estado), sem deixar de lado eventuais pressões partidárias sobre essas políticas, e que foram muito mais intensas sob o lulopetismo. O bolsonarismo (que ainda não existia quando escrevi essa reflexão) não tinha partido, só amadores incultos e despreparados para assuntos internacionais, inclusive o seu guru principal, Olavo de Carvalho. Este é o trabalho feito naquela ocasião: 

1693. “Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo (que também pode ser lida como uma declaração de princípios)”, Brasília, 2 dezembro 2006, 3 p. Sobre os dilemas do funcionário público em face de governos partidários. Publicado no Via Política (Porto Alegre, 3.12.06). Remanejado sob o título “O Estado, o Governo e o burocrata: alguns dilemas do serviço público” e publicado no site do Instituto Millenium (26.12.2006). Postado no blog Diplomatizzando (28/05/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/uma-reflexao-pessoal-sobre-as-relacoes.html). Incorporado ao volume Via Política (uma coletânea de artigos nesse blog político, publicado em formato Kindle em 2017). Relação de Publicados ns. 724 e 735.

 (...)


Ler a íntegra nest link: 

https://www.academia.edu/122508445/4715_Estado_governo_partidos_e_Itamaraty_juntos_separados_divididos_2024_



terça-feira, 21 de maio de 2024

A destruição maciça perpetrada por Putin em sua guerra de agressão contra a Ucrânia - CDS

Não sei se Lula, seu governo, ou a diplomacia brasileira tomam conhecimento ou se interessam por esse tipo de destruição gratuita, assassina, terrorista: 

Humanitarian+general:

  • According to information provided by the Situation Center of the Ministry of Defense of Ukraine, Russian forces shelled 13 regions of Ukraine over the past day. A total of 115 towns and villages and 150 infrastructure objects were attacked with various types of weapons. The number of casualties is being updated/clarified.

  • On the night of May 21, Russian forces attacked Ukraine with 29 attack UAVs of the "Shahed-131/136" type, 28 of them were shot down.

  • During the night of May 20-21 in Kharkiv, the occupiers attacked one of the favorite leisure spots of local residents. Four people were injured.

  • The enemy struck Kharkiv throughout the night. Debris from enemy "Shahed" drones was found at four locations. According to the State Emergency Service, 5 people were injured as a result of the Russian "Shahed" attack. At 7:05 AM, the Russians launched a missile strike on a transport infrastructure facility, injuring a 53-year-old civilian man. As a result of the shelling, 25 trucks and buses and 3 cars were damaged.

  • On May 21, Russian forces launched drone strikes on a police vehicle evacuating people from the Vovchansk community. The law enforcement officer suffered a concussion.

  • On Tuesday, May 21 Russian forces dropped explosives from a drone on the village of Antonivka in Kherson Oblast, resulting in injuries to three women.

  • On May 21, Russian forces targeted the Shumenskyi neighborhood in Kherson. An apartment building was hit, injuring three people, including a 15-year-old boy.

  • Russian forces launched a missile strike on Konotop in Sumy Oblast, damaging industrial infrastructure. The consequences of the Russian attack are being clarified.

  • The Russian occupation authorities have declared thousands of apartments and houses in the occupied territories of Ukraine as "ownerless property" and intend to confiscate them for the benefit of the state. According to calculations by "Novaia Gazeta Europa," over three years, the occupation administrations have identified 13.3 thousand "ownerless" real estate objects, half of which were identified in less than the full year of 2024.

  • According to Petro Andryushchenko, an advisor to the Mayor of Mariupol, up to 80,000 Russians have arrived and are currently residing in Mariupol, which is temporarily occupied by the Russian army. Russia's aggression has led to one of the largest humanitarian catastrophes in Mariupol. The city is nearly 90% destroyed due to shelling. The occupiers are also demolishing damaged buildings to conceal the evidence of their crimes. During the blockade and occupation, Russian forces destroyed 50% of the city's high-rise buildings—934 buildings in total, of which 465 have already been demolished. Over 52,000 apartments of Mariupol residents have been destroyed.

Centre for Defence Strategies (CDS) is a Ukrainian security think tank. We operate since 2020.


segunda-feira, 22 de abril de 2024

Política externa e diplomacia brasileira na redemocratização, 1985-2010 (2023) - Paulo Roberto de Almeida

Política externa e diplomacia brasileira na redemocratização, 1985-2010

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

  

Sumário: 

1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo

2. A restauração constitucional e os erros econômicos

3. Os anos turbulentos das revisões radicais do momento neoliberal

4. Estabilização macroeconômica e nova presença internacional

5. A primeira era do Nunca Antes: a diplomacia personalista de Lula

Bibliografia e referências

 

 

1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo 

O ano de 1985 é o ponto de partida de um período marcado pela reconstrução constitucional do país, depois de mais de duas décadas de regime autoritário militar. Ele foi seguido pelos anos turbulentos de reformas econômicas e sociais, com a chamada ruptura do “neoliberalismo” – um termo profundamente equivocado, mas que pode contentar os mais estatizantes, ao risco de descontentar os verdadeiramente liberais. O período de constitucionalização foi marcado por algumas importantes mudanças conceituais e práticas nas relações internacionais do Brasil. 

Essa fase da era contemporâneo na história do Brasil foi especialmente conturbada em todas as frentes das políticas públicas, mas ela desembocou no processo de estabilização macroeconômica comandada por FHC – primeiro como ministro econômico, depois em dois mandatos como presidente –, ela mesma profundamente perturbada pelas crises financeiras dos anos 1994 a 2002, com todos os ajustes adicionais que o país teve de fazer para superar essas conjunturas difíceis nos contextos econômicos nacional e internacional. A partir de 2003, o país entrou numa fase bem diferente das precedentes, e que se prolongou com a sucessão de seu promotor e patrono, com políticas na área externa bastante distintas daquelas seguidas nos períodos anteriores da era lulopetista, mas que serão examinadas na segunda fase da Nova República, a do declínio e crise dos governos do PT.

Pode-se distinguir, metodologicamente, várias fases da vida política e econômica nacional, desde o final do regime militar, às quais não caberia, por enquanto, atribuir qualquer novo rótulo simplista, o que aliás denotaria uma falsa identidade entre, de um lado, os processos em curso nos terrenos da política e da economia, na frente doméstica e no plano internacional, e, de outro lado, nas relações internacionais do país, uma área que por vezes apresenta um comportamento de certa forma autônomo em relação aos desdobramentos que ocorrem no cenário interno no período contemporâneo imediato. 

Essa relativa autonomia das relações exteriores do país, em relação às duras realidades da conjuntura interna, pode ser vista como algo relativamente natural, considerando-se as distintas modalidades de tomada de decisões em cada frente, ou os procedimentos adotados na condução das relações exteriores, mais autocentrados, em face, por exemplo, das intensas pressões que se exercem em qualquer área das políticas públicas na frente interna. Ela também depende da personalidade e do engajamento do presidente, que dispõe de ampla margem de manobra nessa área, mas que também pode escolher para liderá-la um aliado político ou um profissional da própria diplomacia, casos nos quais se apresentam agendas e resultados eventualmente diferentes, em função das próprias personalidades e suas perspectivas políticas. Não se pode tampouco negligenciar os influxos ou demandas externas, já que a agenda internacional se faz, ou se constrói, a partir de outras forças e outras dinâmicas, às quais o país nem sempre consegue influenciar ou se adaptar de modo adequado, sem falar de crises externas, ou de desequilíbrios internos que se transformam em crises de transações correntes ou em outros desafios do gênero. 

Em qualquer hipótese, uma característica distingue profundamente as três primeiras fases deste exercício de periodização – Sarney, Collor e FHC – de uma das fases mais emblemáticas, a que se desenvolveu entre 2003 e 2010, enfeixada sob um rótulo puramente figurativo, o de “lulopetismo”. Nos três primeiros períodos – chamemo-los, simplificadamente de “redemocratização”, de “ruptura neoliberal” e de “reformas globalizadoras” – as relações exteriores do Brasil, no plano estritamente diplomático, estiveram enfeixadas, talvez dominadas, pelo staff diplomático, ou seja, o próprio corpo de profissionais do Itamaraty, que forneceu alguns ministros, conselheiros presidenciais e, mais importante, determinou grande parte da agenda externa, senão toda ela; ocorreu, também, o fato relativamente inédito, desde a ditadura do Estado Novo, de uma grande estabilidade na condução da política econômica sob o governo Fernando Henrique Cardoso, com um único ministro da Fazenda a permanecer durante dois mandatos presidenciais no comando da pasta. O período do “lulopetismo”, por sua vez, foi caracterizado por muitos observadores como sendo o de uma diplomacia partidária, o que parece evidente em muitas opções de política externa, com claro distanciamento em relação às linhas tradicionais de ação do Itamaraty, e também pelo fato de que o conselheiro presidencial era um funcionário do partido, bem menos identificado com as posturas relativamente neutras do corpo diplomático em diversas matérias da política internacional e regional (Almeida, 2014). 

Cabe agora examinar, na sequência, os padrões e as características das relações internacionais do Brasil no período em questão, ou seja, na fase da redemocratização estrito senso, na fase da ruptura “neoliberal” e dos ajustes reformistas, ambos dos anos 1990, e, finalmente, na fase da diplomacia partidária iniciada com o “lulopetismo”, em seus dois primeiros mandatos. Serão igualmente sugeridos alguns elementos interpretativos sobre as grandes tendências da diplomacia brasileira em cada uma dessas fases, com considerações finais sobre as características do desenvolvimento brasileiro e seus desafios mais importantes. Uma recomendação factual e interpretativa essencial para acompanhar, em detalhe, as diferentes configurações da política externa e da diplomacia brasileira no período de cinco presidentes, em sete mandatos sucessivos no período de 1985 a 2010, é a obra em dois volumes de Fernando Paulo de Melo Barreto Filho: A Política Externa Após a Redemocratização; tomo 1: 1985-2002; tomo 2: 2003-2010 (2012), que se encontra inteiramente disponível na Biblioteca Digital da Funag.

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Ler a íntegra nestes links: 

Disponibilizado em Research Gate (3/11/2023); link: https://www.researchgate.net/publication/375236186_Politica_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratizacao_1985-2010 

na plataforma Academia.edu (22/04/2024); link: https://www.academia.edu/117850764/4503_Política_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratização_1985_2010_2023_