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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Ucrânia: entre a guerra e a desonra -Vitelio Brustolin CNN Forum

Ucrânia: entre a guerra e a desonra

Vitelio Brustolin

CNN Forum, 20 fevereiro 2025


https://www.cnnbrasil.com.br/forum-opiniao/analise-ucrania-entre-a-guerra-e-a-desonra/


        “Você teve escolha entre a guerra e a desonra. Você escolheu a desonra e terá guerra.” Essa foi a declaração de Winston Churchill quando Neville Chamberlain retornou com a assinatura de Hitler no Pacto de Munique.

        Isso foi em 1938. Hitler recebeu os Sudetos da Tchecoslováquia. Meses depois, invadiu a porção ocidental da Tchecoslováquia. Inglaterra e França apenas protestaram. Meses depois, dividiu a Polônia com Stálin e começou a Segunda Guerra Mundial. A história pode se repetir, não como farsa, mas como nova tragédia. A humanidade parece não aprender e estar fadada a repetir seus erros.

Putin ambicionava ter um governo ucraniano obediente, como o da Chechênia ou o de Belarus. Em 2010, um presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovych, foi eleito na Ucrânia. Ele assinou um acordo que permitia a presença das tropas russas na região da Crimeia, além de autorizar o treinamento de militares na península de Kerch. 

        Ainda assim, em setembro de 2013, a Rússia advertiu que se a Ucrânia avançasse com um acordo de livre comércio com a União Europeia, “enfrentaria uma catástrofe financeira” e “possivelmente o colapso do Estado”. Diante disso, Yanukovych recuou e se recusou a assinar o acordo com a União Europeia, refutando uma negociação que estava sendo feita há anos e que ele mesmo havia aprovado anteriormente. 

        Essa decisão do então presidente ucraniano de suspender a assinatura do acordo entre União Europeia e Ucrânia, escolhendo, em vez disso, estreitar laços com a Rússia e a com União Econômica Eurasiática, levou multidões às ruas da Ucrânia para protestar no evento que foi inicialmente chamado de “Euromaidan”. Os protestos duraram três meses, de 21 de novembro de 2013 a 23 de fevereiro de 2014 e culminaram no impeachment de Yanukovych, enquanto ele fugia para a Rússia. 

        Na sequência, a Rússia enviou soldados sem identificação para a Ucrânia, ocupando, sobretudo, a região da Crimeia, mas também ocupando parte da região de Donbas. A ocupação foi concluída em 18 de março de 2014. Atualmente a Ucrânia considera que a Crimeia está ocupada pelos militares russos, mas não reconhece a perda do território.

        A Ucrânia não era inimiga da Rússia. A Ucrânia entregou à Rússia as suas armas nucleares em 1994, por meio do Memorando de Budapeste, um acordo garantido por três potências nucleares: Rússia, Estados Unidos e Reino Unido. China e França mais tarde também aderiram; ou seja, todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. 

        O convite para a Ucrânia ingressar na Otan estava engavetado desde a guerra da Geórgia, em 2008. Após 2014, esse ingresso se tornou inviável pelas regras da própria Otan, já que a Ucrânia se tornou território de conflito com a anexação da Crimeia e a guerra civil no Donbas.

        Para resumir: a Ucrânia era um país neutro, como a Rússia queria, desde que obteve a independência em 1991, mas mudou de rumo após Putin promover a anexação da península da Crimeia, em 2014. O Parlamento ucraniano aprovou por larga maioria uma alteração na Constituição e tornou a adesão à União Europeia e à Otan objetivos nacionais. A alteração foi concluída em 2019, três meses antes da eleição de Zelensky. 

        Os grupos extremistas da Ucrânia foram criados em 2014, motivados pela agressão russa – dentre eles, o famigerado Batalhão Azov. Já naquela época existiam grupos extremistas na própria Rússia, como o Russkii Obraz, um grupo neo-nazista que se tornou uma grande força no cenário nacionalista radical da Rússia e que foi apoiado por Putin. Além disso, em 2014 também foi criado o Grupo Wagner, formado por mercenários que atuaram em diversos conflitos ao redor do mundo e que tinha integrantes assumidamente neo-nazistas. O grupo, acusado de cometer crimes de guerra, como saques, estupros, massacres de civis, tortura e execução sumária de prisioneiros de guerra, foi fundado pelo oligarca Yevgeny Prigozhin, antigo amigo Putin que se voltou contra ele em 2023 e, meses depois, morreu em um acidente aéreo suspeito.

        Um dos objetivos declarados por Putin com a guerra na Ucrânia era “restringir a expansão da Otan”. Conforme exposto acima, era impossível o ingresso da Ucrânia nessa organização, pois o país estava em guerra. No entanto, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a Otan de fato se expandiu. O ingresso da Finlândia, após ter sido neutra desde 1945, e da Suécia, que era neutra desde 1814, tiveram o efeito contrário ao que Putin aventava.

        Esses países se aproximaram da Otan para se protegerem da Rússia. Assim como aconteceu com outros países do Leste Europeu, incluindo ex-repúblicas soviéticas. 

Putin alega que, em 1990, o então presidente dos EUA George Bush prometeu ao líder russo Mikhail Gorbachev que a Otan não “se moveria nem uma polegada para o leste” além da Alemanha, se esse país fosse unificado. O próprio Gorbachev, no entanto, afirmou que essa promessa nunca foi feita e que o acordo era apenas sobre a Alemanha, conforme pode ser verificado aqui:  https://www.brookings.edu/articles/did-nato-promise-not-to-enlarge-gorbachev-says-no

        Mas qual é então o real objetivo de Putin com a guerra na Ucrânia? Carl von Clausewitz ensina que a guerra é “uma continuação da política por outros meios”. Quando não se consegue o que se quer pela via diplomática, os Estados podem tentar obtê-lo pelo uso da força. A guerra tem, portanto, um objetivo político: a alteração ou manutenção de um determinado status quo; ou seja: a obtenção de “uma paz mais favorável”.

        O objetivo é o seguinte: Putin não reconhece o direito de a Ucrânia existir como país, conforme escreveu em um ensaio publicado em julho de 2021, no site do Kremlin. A ironia disso, é que os ucranianos não querem fazer parte da Rússia, caso contrário, não estariam lutando há três anos contra a segunda maior potência militar do mundo, com a qual fazem fronteira terrestre. 

        Para se ter uma ideia, a Ucrânia é do tamanho do Estado de Minas Gerais e tem uma população três vezes menor que a da Rússia. É notável que o país esteja conseguido resistir por tanto tempo, mas também é evidente que só vem resistindo com armamentos e auxílios de aliados.

        E é justamente aqui que chegamos ao momento presente: desde o início da guerra, países europeus ajudaram a Ucrânia com o equivalente a US$ 137 bilhões, enquanto os Estados Unidos forneceram o equivalente a US$ 118 bilhões. A Ucrânia pode continuar resistindo sem o apoio dos Estados Unidos? O ex-presidente Joe Biden prometeu por diversas vezes que os EUA apoiariam “pelo tempo que for necessário”. Donald Trump, porém, tem outras ideias.

        Em 1938, Hitler convenceu a Grã-Bretanha e a França de que a Tchecoslováquia, e não a Alemanha nazista, seria a causa do conflito na Europa. O pacto ficou conhecido como um exemplo de “política do apaziguamento”, pois Reino Unido e França tentaram evitar uma guerra cedendo às exigências de Hitler. A Tchecoslováquia não foi sequer ouvida.

        Também não foram ouvidos os países que foram divididos em zonas de ocupação e influência na Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945. Stálin, da União Soviética; Roosevelt, dos Estados Unidos; e Churchill, do Reino Unido, “decidiram” por todos os demais. E foi assim que começou a Guerra Fria.

        De novo: Putin não reconhece o direito de a Ucrânia existir como país. Qualquer acordo sobre a Ucrânia que não envolva garantias de segurança levará a outra guerra. Afinal, quando ocupou a Crimeia em 2014, Putin não alegou que estava fazendo isso pela “expansão da Otan”. A invasão de 2022 foi só uma continuação da guerra iniciada oito anos antes. 

        Pior que isso: com o afastamento dos Estados Unidos e seu eventual consentimento de uma nova ocupação russa em territórios ucranianos, ninguém na Europa acredita que a Rússia irá parar na Ucrânia. 

        Há tropas russas ocupando territórios na Georgia, na Abecásia e Ossétia do Sul; além da Moldávia, na Transnístria. A Rússia interferiu recentemente nas eleições presidenciais na Romênia, que, por conta disso, foram anuladas. Os países bálticos, Estônia, Letônia e Lituânia, se preparam abertamente para uma guerra, reforçando seus exércitos e construindo muros nas fronteiras (sim, retornamos aos muros que marcaram a Guerra Fria). A Polônia – que foi dominada por quatro anos pelos nazistas e por cinco décadas pelos soviéticos – investe quase 5% do PIB em defesa, pois não quer ser escravizada novamente. Esses são apenas alguns exemplos, já que desde a ocupação da Crimeia, em 2014, a Europa aumentou em 50% as despesas com defesa. O gasto total dos 27 estados-membros da União Europeia em 2024 foi de € 320 bilhões, contrastando com os € 200 bilhões de 2021, antes de a Rússia lançar seu ataque contra a Ucrânia. 

        A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, está propondo uma cláusula de emergência que permite aos governos que as despesas militares não sejam contabilizadas em seus limites de déficit orçamentário. É uma cláusula semelhante à que foi usada para a área de saúde, durante a pandemia de Covid-19. O objetivo é fortalecer a Ucrânia e chegar a um investimento de € 500 bilhões em defesa. 

        Enquanto isso, o gasto militar da Rússia em 2024 foi estimado pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, o SIPRI, em US$ 140 bilhões, o que representa quase 40% de todo o orçamento anual do país. Não se trata só de empregar recursos, é preciso fortalecer as bases industriais de defesa da Europa, já que a Rússia produz armamentos e munições com rapidez e custos comparativamente reduzidos, além de contar com o apoio direto do Irã, Belarus e da Coreia do Norte.             Além disso, a Europa precisará agir coordenadamente, após ter deixado a sua segurança a cargo dos Estados Unidos nos últimos 80 anos. 

        Nas guerras de Inverno e da Continuação, entre 1939 e 1945, a Finlândia perdeu 11% do seu território para a União Soviética de Stálin, contudo, saiu dessas guerras soberana. Passou 80 anos se armando e hoje tem um dos mais bem equipados exércitos da Europa. Entrou para a União Europeia junto com a Suécia em 1995 e em 2023 ingressou na Otan. O destino da Ucrânia pode ser semelhante, mas apenas se contar com o apoio de aliados.

        “Você teve escolha entre a guerra e a desonra”, disse Churchill. É a mesma escolha imposta hoje à Europa. O preço da desonra pode ser alto demais.

 

Vitelio Brustolin

PhD em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento

É professor de Relações Internacionais na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador da Harvard Law School e do Harvard Department of the History of Science. Pós-doutorado na Harvard University.

 


sábado, 11 de janeiro de 2025

Diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela - Vitelio Brustolin, Arthur Ambrogi (CNN)

Comentário inicial de Paulo Roberto de Almeida:

A politica externa brasileira apresentou certa consistência conceitual com a diplomacia profissional desde o segundo governo da ditadura militar até o segundo governo FHC, uma diplomacia presidencial mas fortemente amparada na metodologia prática do Itamaraty. Essa coerência foi rompida desde o primeiro governo Lula, quando são introduzudos os primeiros elementos de uma diplomacia partidária de um partido sectário e anacronicamente antiamericano e de uma diplomacia presidencial extremamente personalista. Um apparatchik a serviço dos interesses cubanos passou a desviar algumas vertentes da politica externa oficial para objetivos partidários inconsistentes com os interesses nacionais e em desconformidade com as práticas do Itamaraty (contatos clandestinos conduzidos mais pelos “mestres” cubanos que influenciaram as pressões partidários).

A incoerência foi exacerbada sob o bolsolavismo diplomático, quando o Itamaraty foi dominado por ignorantes submissos a um dirigente incompetente fascinado pelo personalismo trumpista. Nunca o Itamaraty foi tão humilhado quanto nesse periodo de isolamento internacional.

Lula 3 representa o retorno confuso a uma diplomacia partidária que é também um exagero no presidencialismo personalista, tornando a politica externa ainda mais incoerente e inconsistente.

O artigo abaixo reflete um dos aspectos dessa politica externa incoerente e inconsistente com os valores e princípios da diplomacia brasileira tradicional, aliás valores e principios que já estão consolidados constitucionalmente e que são desprezados pelos dirigentes despreparados que ocupam o poder no Brasil atualmente. Mais um período de submissão do Itamaraty a desígnios contraditórios com os interesses nacionais.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 11/02/2025

Análise: Diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela

Vitelio Brustolin, colaboração de Arthur Ambrogi

CNN, 10/01/2025


O governo brasileiro está reconhecendo Nicolás Maduro como o chefe de Estado da Venezuela. No entanto, já que o governo brasileiro não vai validar o resultado das eleições venezuelanas de 2024, está implícito que o Brasil reconhece Maduro como ditador daquele país. Em outras palavras: Maduro não venceu, mas ganhou.

Pelo Direito Internacional, o reconhecimento de um governo pode ocorrer por meio de duas formas: expressa ou tácita. A forma expressa se dá por escrito – publicando uma declaração ou nota diplomática. A forma tácita se dá pelo relacionamento com esse governo. Na prática, só muda o formalismo, os efeitos são os mesmos.

Conforme resume Hildebrando Accioly, em seu “Manual de Direito Internacional Público”, os Estados Unidos sustentam, desde a sua independência, que se deve reconhecer como legítimo o governo oriundo da vontade nacional, claramente manifestada.

A esse princípio foi adicionado, posteriormente, o da intenção e capacidade do governo de cumprir as obrigações internacionais do estado. A doutrina brasileira se aproxima muito dessa formulação, no entanto, historicamente o Brasil leva em conta, também, as seguintes circunstâncias:

  • Primeiro, a existência real de governo aceito e obedecido pelo povo;
  • Segundo, a estabilidade desse governo;
  • Terceiro, a aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo estado.

É bastante questionável que o governo de Maduro seja “aceito pelo povo”, já que seu poder é imposto com punho de ferro, por meio da opressão. Maduro seguiu os passos de Hugo Chávez, cooptando as Forças Armadas da Venezuela.

O país é um dos que têm maior proporção de generais no mundo: são mais de 2 mil. Para fins de comparação, o Brasil tem cerca de 300 generais, embora a quantidade de militares nos dois países seja praticamente a mesma: 360 mil.

Promoções, benesses e salários comparativamente elevados para as maiores patentes tornam os militares parte fundamental do regime. A isso soma-se o temor de responderem pelos crimes contra a população.

Relatórios produzidos por uma missão criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) elencam os seguintes crimes cometidos há anos pelo aparato opressivo: tortura, espancamento, asfixia, violência sexual, prisões arbitrárias, censura, repressão e violações de direitos humanos.

Também é questionável que o governo seja estável, já que as pessoas que fogem do país denunciam os abusos do regime para se perpetuar no poder.

Segundo a Agência da ONU para as Migrações, em agosto de 2023, havia mais de 7,7 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos em todo o mundo. A maioria deles vive em países da América Latina.

Desde 2017, mais de 800 mil venezuelanos entraram no Brasil, quase todos a partir de Roraima, que faz fronteira com aquele país. São 7,7 milhões de pessoas que fugiram de um país cuja população é de 28 milhões.

A estabilidade também não é percebida nas eleições. As últimas a que se pode creditar alguma legitimidade foram em 2015, quando a coalizão oposicionista conquistou 99 dos 167 assentos da Assembleia Nacional.

Essa oposição passou a levar questões contra o governo para o Supremo Tribunal de Justiça (TSJ). Maduro então iniciou um processo de aposentadoria dos juízes do TSJ e a substituição deles por correligionários seus. As eleições seguintes passaram a ser boicotadas pela oposição, que não encontrava condições justas para concorrer.

Por fim, é questionável que o governo Maduro aceite cumprir as “obrigações internacionais” da Venezuela. A dívida da Venezuela com o Brasil ultrapassa R$ 15 bilhões, na cotação de hoje.

Em dólares, são US$ 1,5 bilhão via BNDES, mais cerca de US$ 1 bilhão em exportações de produtos brasileiros ao país. Hoje não há qualquer expectativa de que o Brasil venha a receber esses valores. A Venezuela também não cumpre as resoluções da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em agosto, os países-membros aprovaram por consenso a cobrança da publicação das atas das eleições presidenciais de 2024.

Maduro não publicou e não irá publicar as atas. Não fará isso, porque perdeu as eleições, conforme demonstra o Centro Carter, que foi um dos poucos observadores internacionais autorizados pela Venezuela para as eleições de 28 de julho de 2023.

Em outubro, o Centro Carter apresentou cópias feitas por conta própria das atas à OEA, explicitando que Edmundo González obteve mais de 67% dos votos e Nicolás Maduro conseguiu 31%.

A oposição tinha conseguido fotografar 80% das atas, que já demonstravam a vitória de González. O Centro Carter, no entanto, conseguiu registrar todas as atas, incluindo seus códigos QR. Trata-se de uma prova incontestável da vitória de González no pleito.

A ONU já havia atestado que as atas apresentadas pela oposição eram verídicas, com base em um relatório produzido por um painel de seus especialistas que observaram as eleições na Venezuela. Tanto os funcionários da ONU quanto os do Centro Carter tiveram que sair do país após as eleições.

Em 2023, Lula posicionou o Brasil como observador dos Acordos de Barbados. Os Acordos garantiriam que as sanções impostas à Venezuela pelos Estados Unidos, União Europeia e outros países fossem retiradas. Em troca disso, seriam promovidas eleições justas.

Maduro sempre criticou as sanções como principal motivo de empobrecimento do país, a despeito dos 300 bilhões de barris de petróleo confirmados – a maior reserva do mundo.

Apesar desse discurso, as sanções da União Europeia são apenas um embargo às armas e ao equipamento que o regime usa para repressão interna.

Foi imposta a proibição de viajar e o congelamento de bens de 54 funcionários responsáveis por violações de direitos humanos e por minar a democracia e o Estado de direito na Venezuela.

Por sua vez, os Estados Unidos impuseram sanções de bloqueio de bens a 11 indivíduos e 25 empresas que possuem ligações com o governo Maduro, designando-os como narcotraficantes.

Seja como for, é evidente que a retirada das sanções nunca foi uma prioridade para Maduro, pois bastaria que tivesse promovido eleições justas para que elas fossem eliminadas.

Ocorre que após as denúncias da oposição sobre a fraude nas eleições de 2024, bem como a apresentação de fotos das atas, não restou opção ao governo brasileiro, a não ser exigir a apresentação das atas eleitorais por parte de Maduro.


Isso, a despeito do partido de Lula, o PT, ter reconhecido a suposta vitória de Maduro, além de enviar representantes para sua posse, juntamente com o MST.

A opressão ditatorial de Maduro que se seguiu à eleição, com a prisão de mais de 2 mil opositores, sepultou qualquer avanço na reaproximação com a Venezuela, que vinha sendo operacionalizada pelo assessor Celso Amorim.

A relação entre Lula e Maduro continuou esfriando. Maduro acusou “a diplomacia brasileira” de ter vetado o ingresso da Venezuela no BRICs+. Também insinuou que Lula deveria “tomar um chá de camomila” para se acalmar, entre outras farpas lançadas publicamente.

Nesse contexto, e diante do rompimento das relações diplomáticas de vários países com a Venezuela, dentre os quais, Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai, o governo brasileiro deixou claro que não desejaria seguir pelo mesmo caminho.

Há cerca de 20 mil brasileiros na Venezuela e romper relações seria potencialmente prejudicial a eles. Além disso, em julho de 2024, o Brasil assumiu a Embaixada da Argentina na capital venezuelana.

O precedente do chefe da representação brasileira na Nicarágua, Breno Souza da Costa, em agosto, já havia deixado o Itamaraty em alerta. Ao não comparecer ao evento de aniversário da Revolução Sandinista, comemorado no dia 19 de julho, o diplomata brasileiro foi expulso pelo ditador Daniel Ortega.

Antes que o Brasil adotasse o princípio de reciprocidade e expulsasse a embaixadora da Nicarágua, Fulvia Castro, ela foi chamada de volta para Manágua.

O envio da embaixadora brasileira em Caracas, Glivânia de Oliveira, para a posse de Nicolás Maduro constitui um reconhecimento tácito do governo Maduro. A diplomacia ‘presidencial’ brasileira avançou demais e criou uma armadilha para si.

Historicamente, Lula foi um apoiador dos governos Chávez e Maduro. Receber este com honrarias de chefe de Estado em Brasília, em 2023, no entanto, foi um erro.

Também foi um erro ter relativizado o conceito de democracia. Já naquela época eram públicos os relatórios sobre as violações de direitos humanos, crimes generalizados e a opressão do ditador venezuelano.

Também era notório o fluxo de refugiados venezuelanos para o Brasil. Alguns poderiam acusar o governo brasileiro de ingenuidade, porém Lula seguiu apenas o modus operandi que sempre teve com os governos do país vizinho.

Fórum CNN

Os artigos publicados pelo Fórum CNN buscam estimular o debate, a reflexão e dar luz a visões sobre os principais desafios, problemas e soluções enfrentados pelo Brasil e por outros países do mundo.

Os textos publicados no Fórum CNN não refletem, necessariamente, a opinião da CNN.

**Texto em colaboração com Arthur Ambrogi – Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie.


Análise: diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela - Vitelio Brustolin e Arthur Ambrogi (CNN)

 Vitelio Brustolin e Arthur Ambrogi escrevem sobre o caso de afinidade pouco eletiva do Brasil com a ditadura venezuelana:


Análise: diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela

Segue artigo sobre a Venezuela que escrevi com o colega Arthur Ambrogi e que acaba de ser publicado pela CNN Brasil. O enfoque foi no Direito Internacional e nos princípios da diplomacia brasileira para o reconhecimento de governos. Eles seriam aplicáveis ao governo Maduro? Segue um trecho e o link para leitura na íntegra: 

“Pelo Direito Internacional, o reconhecimento de um governo pode ocorrer por meio de duas formas: expressa ou tácita. A forma expressa se dá por escrito – publicando uma declaração ou nota diplomática. A forma tácita se dá pelo relacionamento com esse governo. Na prática, só muda o formalismo, os efeitos são os mesmos. 

Conforme resume Hildebrando Accioly, em seu “Manual de Direito Internacional Público”, os Estados Unidos sustentam, desde a sua independência, que se deve reconhecer como legítimo o governo oriundo da vontade nacional, claramente manifestada.

A esse princípio foi adicionado, posteriormente, o da intenção e capacidade do governo de cumprir as obrigações internacionais do estado. A doutrina brasileira se aproxima muito dessa formulação, no entanto, historicamente o Brasil leva em conta, também, as seguintes circunstâncias:

- Primeiro, a existência real de governo aceito e obedecido pelo povo;

- Segundo, a estabilidade desse governo;

- Terceiro, a aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo estado. (…)” 

Leia o artigo na íntegra aqui: https://www.cnnbrasil.com.br/forum-opiniao/analise-diplomacia-brasileira-criou-uma-armadilha-para-si-e-caiu-nela-na-venezuela/


quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Há um divórcio entre a diplomacia brasileira e a política de defesa do Brasil, diz Vitelio Brustolin (WW, CNN)

Há um divórcio entre a diplomacia brasileira e a política de defesa do Brasil, diz especialista à CNN

Vitelio Brustolin destaca alinhamento diplomático com Rússia e China, enquanto política de defesa mantém laços com países da OTAN

Da CNN , 

Um especialista em relações internacionais apontou uma significativa discrepância entre a política externa e a política de defesa do Brasil, levantando questões sobre a coerência estratégica do país no cenário global.

Vitelio Brustolin, pesquisador de Harvard e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou em entrevista ao WW o que ele chama de “divórcio” entre estas duas esferas cruciais da política brasileira.

Alinhamento Contraditório

Segundo Brustolin, enquanto a diplomacia brasileira busca um alinhamento com potências como Rússia e China, a política de defesa do país continua fortemente ligada aos países da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

“O Brasil, em 2021, estava fazendo exercícios com países da OTAN no Mar Negro, que hoje é teatro de operações da guerra da Rússia contra a Ucrânia”, exemplificou o especialista.

O professor ressaltou que o Brasil adquire equipamentos militares de países da OTAN desde a Segunda Guerra Mundial. Ele citou exemplos como veículos do exército da Itália, equipamentos navais da França, caças Gripen da Suécia e colaboração com os Estados Unidos no programa espacial brasileiro.

Desafios Práticos

Brustolin argumenta que esta divergência cria desafios práticos para o Brasil. “O Brasil não tem nem munição para projetar poder para ajudar a China a invadir Taiwan”, afirmou, ilustrando a inviabilidade de um alinhamento militar efetivo com potências como China e Rússia no curto prazo.

O especialista enfatiza que, para um alinhamento coerente com Rússia e China, o Brasil precisaria primeiro alinhar sua política de defesa, incluindo a produção de equipamentos compatíveis e treinamento conjunto de tropas, um processo que levaria décadas.

“Não adianta a gente ir para um lado com a política externa e para o outro com a política de defesa, as duas têm que andar juntas”, concluiu Brustolin, ressaltando a necessidade de uma estratégia mais coesa e de longo prazo para a posição do Brasil no cenário internacional.

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William Waack

Uma avaliação dos nossos riscos

Opinião

|Sob Lula, Brasil perdeu projeção internacional

Apelos do presidente por “justiça” ou “inclusão” dos países pobres em instâncias que deveriam ser de governança global são apelos morais feitos por quem abandonou a moralidade.