Um país de coitados
Lançado em 1967, este impressionante libelo contra o retrocesso
demonstra que o nosso subdesenvolvimento se configura dentro de um
modelo que concilia estatismo e sistema eleitoral, com as diversas
ideias arquetípicas de bondades expressas na ideologia do coitadismo,
pano de fundo das bondades eleitoreiras e dos déficits financeiros
astronômicos.
Emil FARHAT viveu inicialmente como jornalista político no RJ, onde
trabalhou durante 8 anos para ‘O Jornal e Diário da Noite’, mais tarde
tornou-se publicitário, até aposentar-se e voltar ao jornalismo em São
Paulo. Teve passagens pela literatura escrevendo 2 novelas e se
transformou em um analista social por força das convicções e da
responsabilidade perante os destinos do país na conturbada segunda
metade do século XX. No final dos anos 40, foi um dos introdutores do
célebre ‘Repórter Esso’ no Brasil. Descendente de libaneses que se
estabeleceram na zona da mata mineira, escreveu a saga desses imigrantes
espalhados pelo Brasil como caixeiros-viajantes no livro ‘Dinheiro na
Estrada’. Formado em Direito, nunca advogou, subindo às instâncias
hierárquicas da McCann-Ericsson até se tornar presidente da filial
brasileira. Foi articulista e chefe do escritório paulista do jornal ‘O
Globo’ durante os últimos 11 anos de carreira. Convidado por Roberto
Marinho a assumir a TV Globo no Rio, recusou o cargo por discordar do
governador Brizola. Em suas memórias fala dos anos de estudante de
Direito no Rio, durante a ditadura do Estado Novo, e como jornalista de
‘O Jornal e Diário de Notícias’, ambos de Assis Chateaubriand. Para quem
estuda essa época, os nomes da intelectualidade carioca e da política
nacional estão todos em seu livro ‘Memória Ouvidas e Vividas’ (FARHAT,
1999, 300 p., Scrinium Ed.).
Sua breve militância política ocorreu na redação de um jornal de
oposição, quando participou do movimento chamado Esquerda Democrática,
que pretendia eleger José Américo de Almeida para a presidência da
República em 1938, sendo ele um dos oradores do famoso comício de
Niterói, poucos dias antes do golpe de 10 de novembro de 1937. No
prefácio do seu livro ‘País dos Coitadinhos’ (FARHAT, 1968, Cia. Editora
Nacional, p.2) conta que:
“Longos e intensos anos de estudos, nas colunas impressas e no
‘underground’, e uma constante convivência com a liderança intelectual,
política e empresarial do país, foram colocando nas mãos de um
interessado analista social uma variegada e fervilhante colheita de
observações e conhecimentos – a qual seria mais do que imperdoável
deixar de transmitir a todos que se preocupam com os destinos do
Brasil”.
O ‘País dos Coitadinhos’ representa assim uma visão de Brasil que não
serve para os políticos, estatistas, nacionalistas, sindicalistas,
comunistas e aqueles empresários que se revezam na sucção do inebriante
dinheiro do empreendedorismo de cartas marcadas que cerca as instâncias
governamentais. Enfim, um livro maldito, daí seu completo obscurecimento
nos círculos acadêmicos. Lendo suas páginas, somos tocados
imediatamente pela linguagem rebuscada, pelas metáforas brilhantes, pela
utilização recorrente de todo o campo semântico de uma ideia, recurso
ademais comum no campo publicitário, mas extremamente raro em nossos
intelectuais independentes, salvo nosso barroco-mor: Euclides da Cunha.
“Por cinco anos a fio, o autor dessas páginas foi fazendo uma paciente
decantação do que supunha seria material para um livro. E há quatro
anos, quando as nuvens enegreceram dantescamente, armando todo o
prelúdio do que se imaginava seria outra ‘tragédia espanhola’ — uma
guerra civil prolongada e sem quartel — pusemo-nos a elaborar este
trabalho. E o fazíamos, às vezes, com sofreguidão e a emoção de quem
temia que talvez isto viesse a ser, mais tarde, apenas um dos muitos
documentos retrospectivos e retardatários, encontrados sob os escombros
do que fora durante tantas décadas o prometido ‘país do futuro’ “
(FARHAT, 1968, p. 2).
As novas gerações — que não conheceram os dilemas dos anos 60, pouco ou
nada sabem dos fatos pitorescos dessa época relacionados não apenas ao
sistema político que descambou no golpe de 64, mas sobretudo ao que se
passava no tecido social brasileiro. Se um jovem se perguntar em 2010,
por que razão não temos trens como na Europa, por que cargas d’água não
se pode colocar um carro em um navio no Porto de Santos e desembarcar
motorizado em Salvador ou Florianópolis, certamente vai encontrar as
respostas em ‘O País dos Coitadinhos’. E mais: não são respostas
triviais, não se trata de análise panfletária ou denuncista. Ledo
engano. FARHAT trata de articular todas as informações recolhidas em um
apanhado da grande tragédia nacional: o sindicalismo direcionado para a
política, o estatismo garantidor de privilégios, a progressão de
déficits e, por fim, o sucateamento de rodovias e portos estatizados
para delírio dos empregados e maldição do povo e da nação.
Assim FARHAT tece uma crônica dos fatos, analisa um banco de dados para
ir dali extraindo os ensinamentos que o sistema vai apresentando dessa
realidade imarcescível que é o subdesenvolvimento programado.
“Quem folhear o ‘Diário do Congresso’ verá, estarrecido, a corrida em
que deputados dos mais variados matizes se acotovelam na oferta das mais
mirabolantes vantagens, concessões, direitos, privilégios, ‘defesas’ e
‘arranjos’ para grupos, classes ou grupelhos ‘especializados’ de
‘trabalhadores’ ou ‘funcionários’. A disputa para ver quem é mais
‘generoso’, à custa do resto da Nação, chegou a tal ponto que ficou
humorística a reivindicação de paternidade do ‘13º salário’: — segundo
um cronista parlamentar, nada menos do que 15 deputados e senadores se
disseram ‘pai da ideia’, não respeitando nem mesmo a hegemonia exercida
pelo latifúndio político, ‘por direito de herança’, pelo próprio Sr.
João Goulart...
Deputados querem ser senadores... senadores que querem ser ministros...
ministros que querem ser presidentes, ou governadores ... dirigentes de
institutos ou de bancos oficiais que querem ser deputados... vão
distribuindo à mão-cheia privilégios, concessões, ‘vantagens’,
reivindicações, cargos e sinecuras, porque tudo isto cairá nas costas de
um imenso, vago e indefinido burro-de-carga que é o povo.
Certo tipo de juízes, agindo em função do bom-mocismo ou do terror
intelectual habilmente lançado pelos comunistas, assume, através de
sentenças sistemáticas, a posição ‘filosófica’ de que a legislação
trabalhista tem como finalidade única proteger o ‘coitadinho’: o
‘coitadinho’ do incapaz, o ‘coitadinho’ do desleixado, o ‘coitadinho’ do
empregado desleal com a empresa que lhe dá trabalho, e o ‘coitadinho’
que fez apenas pequenas e tímidas desonestidades....” (FARHAT, 1968, p.
11-12).
E cita alguns exemplos desse festival de besteiras da justiça
trabalhista como, por exemplo, o magistrado que sentenciou
favoravelmente o empregado relapso que “tendo seus atrasos tolerados
ingenuamente pela empresa, exigiu que aquele fosse considerado o ‘seu’
especial horário de chegada...” (p.13), em contraposição aos demais
empregados pontuais.
Essa série sucessiva de acintes contra o bom-senso e contra a
coletividade daria para escrever um livro por ano somente garimpando os
processos que tramitam nas varas sebentas da Justiça do Trabalho. E
continua FARHAT:
“O que é preciso é que as novas gerações entendam e compreendam que
jamais nação alguma cresceu pelas mãos dos ‘estadistas’ do jeito, e dos
governantes que não tomam decisões mas contornam com manobras,
preocupados que sempre vivem com os índices de sua popularidade e com
sua cotação eleitoral. Uma grande nação se governa muito mais com ‘NÃOS’
solenes, duros e corajosos, do que com ‘SIMS’ hábeis, frouxos,
melífluos, espertos e sobretudo irresponsáveis.
Guardem os moços o seu coração para amar o Brasil COM TODOS OS DEVERES
QUE ISTO NOS IMPLICA, e não pelos direitos que isso nos possa assegurar.
E, sobretudo, é preciso que nos previnamos contra o bom-mocismo nas
funções públicas.
Não devem merecer senão repulsa e repugnância aqueles ‘líderes’ que
fazem do patrimônio nacional e do bem-estar do povo o almoxarifado das
‘suas’ concessões e dos ‘seus’ presentes às castas amigas e aos
correligionários.
Na verdade, esses não são líderes, nem comandantes; são os ‘garçons’ da
República, dispostos a ‘servir’ a Pátria em bandejas às suas vorazes
clientelas eleitorais, as mesmas que fabricam ‘déficits’ astronômicos,
mas, às vezes, levam ao poder... “ (p. 13).
“O Brasil não é para ser dado a ninguém, nem de FORA, nem de DENTRO. O
fato de ter sido nascido nesta terra não confere a ninguém o direito de
parasitar seu povo, seja desfrutando a moleza IMPATRIÓTICA das sinecuras
improdutivas ou dos cargos indevidamente super-remunerados, seja
usurpando favores e ‘direitos’ abusivos que atentam contra o bem comum
ou contra as possibilidades de progresso do país” (p. 14).
Uma nação deve dar assistência, mas não direitos à incapacidade. Deve
amparar doentes, mas não premiar ociosos resmunguentos, nem torná-los
razão de suas leis, padrão de méritos públicos e limite das ambições
cívicas ou econômicas.... É preciso dar um ‘Basta!’ ao ‘coitadismo’ na
vida pública, ou então este país gigantesco, que o mundo já começa a
apontar ironicamente como sendo ‘apenas o país do futuro...’ jamais se
erguerá além do afundado subnível econômico-social das cubatas
africanas, ou da desoladora paisagem de mentes ocas e bocas vazias das
polêmicas meramente geodemográficas...
Não é admissível que o nhem-nhem-nhem do ‘coitadismo’ continue a ditar a
essência da jurisprudência e do espírito das leis sociais brasileiras
num convite oficial ao amolecimento nacional, ao imobilismo geral, ao
caradurismo total, ao mais inerme e boçal parasitismo...” (FARHAT, 1968,
p. 15-16).
Com esse chamamento moral Emil FARHAT continua a dissertar sobre as
incongruências da nossa realidade dos anos 60. Realidade pervasiva, que
se encontra enraizada na estrutura política, no modelo de estado, na
burocracia e no sistema sindical, jurídico, educacional e por aí afora.
Dessa raiz nasce a planta venenosa que se agarra no tronco da nação e
suga-lhe a seiva, desmoraliza o trabalho diligente, favorece o cinismo
dos aproveitadores, irriga o oportunismo e constrange toda a honradez e
dignidade dos milhões de trabalhadores do país.
É o mais impressionante libelo contra a pieguice, a condescendência, o
festival de reivindicações sem limites, de capitulacionismo e de tudo o
que pode representar dos estados mentais de uma coletividade enfermiça
pela anarquia e descompostura intelectual, que ressuscita nos dias
atuais e já repete o mesmo ritual dos anos 60.
O objetivo de FARHAT é combater o grande mito dos anos 60 chamado de
‘Reformas de Base’. Através de um elenco de generalidades, a grande
frente constituída pelo trabalhismo, sindicalismo pelego, comunistas e
nacionalistas de todos os matizes, propugnava um programa que incluía
reforma agrária, reforma urbana, reforma educacional e assim por diante.
A princípio não havia nada a obstar, mas olhando-se mais detidamente,
começaram a aparecer os problemas: o primeiro era a pergunta fatal: mas
olha aqui, se esta gente que está proclamando isso é a mesma que está há
30 anos no poder, por que não fizeram nada?
A primeira reforma de base: a reforma do mar
FARHAT começa mostrando que a primeira reforma feita no país foi a
reforma do mar, realizada na década de 20 pela divisão do mar brasileiro
entre os 100 mil pescadores. A situação era a seguinte: os barcos
portugueses, melhor equipados e com muito mais tradição em pesca,
entravam nas piscosas águas brasileiras, enchiam seus barcos e se
mandavam para Portugal, fazendo o que bem entendiam em uma
terra-de-ninguém. Para remediar esta situação, o governo Epitácio Pessoa
reagiu drasticamente, exigindo que os nossos mares fossem reservados
somente aos naturalizados. Mas naturalização de empresas e não de
pessoas, isto é, os portugueses poderiam pescar, mas tinham que ter suas
empresas registradas e com sede própria no país. Mas a demagogia
xenofóbica que se desenvolveu de norte a sul logo tratou de hostilizar
os portugueses tratando-os de sugadores, espoliadores, polvos anfíbios,
etc. Como os nossos pescadores ainda estavam na fase da jangada, a
expulsão dos portugueses ocasionou o colapso do fornecimento de pescado
para os nossos mercados. O tiro saiu pela culatra.
Ora, um país precisa entender que o capital estrangeiro, mesmo o
representado pelos barcos portugueses, quando associado com a
‘expertise’ que lhe é implícita não pode ser simplesmente banido sob
pena de criar sérios problemas no mercado: ao contrário, deve ser
convidado a investir no país e com isso contribuir para o progresso e
desenvolvimento, sempre com o Estado tendo o cuidado para evitar o
monopólio e incentivar a produção nacional para o máximo de
competitividade, que é a racionalidade exigível para o equilíbrio
econômico dentro do capitalismo. Mas uma sociedade atrasada, como a
brasileira, os propósitos de Epitácio Pessoa logo foram desencaminhados
por Arthur Bernardes, seu sucessor, que em vez de nacionalizar os
barcos, exigiu a nacionalização das pessoas.
Transformados em espoliadores pelo discurso demagógico, o peixe dos
portugueses sumiu da mesa do pobre e começou a ser ofertado a preço de
ouro e o Brasil tornou-se irrelevante como país de pesca, tendo nada
menos que 9 mil km de litoral. A comparação com outros países era
humilhante, especialmente com Argentina e Peru. Para se ter uma ideia,
nossas jangadas e barcos eram tão irrelevantes, ficaram tão para trás no
processo de pesca, que o Brasil nem sequer se apresentou em 1967 na
Comissão Interamericana de Atum Tropical ocorrida no México. Isso depois
que diversas missões oceanográficas estrangeiras estiveram nas nossas
costas confirmando a existência de extraordinários cardumes de diversos
tipos de peixes, principalmente no litoral sul do Brasil.
Essa crise do início do século foi depois contornada pela natural lei da
oferta e procura, mas nos anos 60 volta a entrar em colapso com a
legislação trabalhista marítima, um dos pontos do livro de Emil FARHAT.
Um dos colapsos do Brasil, que os historiadores não costumam dar
importância, mas que é o núcleo do livro ‘O País dos Coitadinhos’,
explica por que os transportes brasileiros naufragaram sob o peso de um
sindicalismo selvagem. A legislação trabalhista marítima havia criado
obrigatoriedade na composição das forças de trabalho das embarcações.
Para se ter uma ideia do aumento dos custos de mão de obra de todos os
serviços marítimos, considere a compra de um rebocador de bandeira
holandesa, efetuada pela capitania de uma empresa do RS. Da Holanda para
o Brasil, o rebocador (que iria trabalhar nas águas do Rio Jacuí)
utilizava uma tripulação de 5 homens. Ao chegar no Brasil passou,
obrigatoriamente, a operar em um rio com 14 tripulantes — por força da
legislação.
Essa reviravolta, sob a suposta alegação de proteger a mão-de-obra,
fragilizou até mesmo os pequenos e frágeis barcos de pescadores do nosso
litoral. E Emil FARHAT traça o quadro dos “enxadeiros” do mar, nossos
rudimentares e neolíticos pescadores, vivendo em um mundo de grandes
empreendedores e companhias de pesca, com produção anual de milhares de
toneladas de pescado, enquanto a nossa não passava de uma quantidade
irrisória, para um país com um litoral dos mais piscosos do mundo. O
resultado? O Brasil teve de importar 16 milhões de dólares de pescado em
1961 e 20 milhões de dólares em 1963. Naturalmente que não era um peixe
barato...
A adoção de políticas demagógicas cujo resultado é o regressismo tem um
ponto fundamental como corolário de não ter dado certo. Ela exaspera
ainda mais seus defensores na busca de bodes expiatórios nem sempre
materializados nas figuras sociais específicas, mas na generalidade de
‘elites’, ‘classes dominantes’, ‘tubarões’, ‘obsoletas estruturas
arcaicas’, etc. Se uma política econômica conduz à inflação, os
postulantes da tragédia ocupam as tribunas para vociferar contra os
‘remarcadores’ de preços; se a política econômica conduz ao desemprego,
os mesmos implementadores da política passam a esbravejar contra a
‘insensibilidade moral’ dos empresários ou qualquer coisa do gênero.
O que está no cerne desse desastre concessionista e demagógico não é o
desejo de aprimoramento, não é a falta de vontade de aperfeiçoamento e
de melhoria na qualidade de vida da população como enfatiza o autor:
“Essa melhoria não vem jamais por ‘doação’, ‘decreto’ ou ‘outorga’ de
nenhum taumaturgo liliputiano e pretensioso – para quem a ação política
ou a arte de governar eram apenas uma série sensaborona de escamoteações
e manhas de astúcias, e de golpes de ‘esperteza’. A geração que era
adulta durante as décadas de 30 e 40 sabe disso; sabe que foi o marasmo,
a lerdeza, a lentidão do desenvolvimento econômico-social sob os quinze
anos da ditadura e do Estado Novo, apesar dos 8.148 decretos-leis com
cuja assinatura o ditador ‘decretava’ um progresso que não vinha, e uma
prosperidade que o seu papelório estéril não gerava” (FARHAT, 1968, p.
86-87).
A compreensão que só o trabalho perseverante produz, que só a produção
rentável remunera, que só a eficiência prospera, faz parte do
amadurecimento político de uma nação, cujos fundamentos precisam estar
assentados em uma luta contínua contra as iniquidades do Estado, e que
portanto faz parte do processo educativo dos povos livres, das pessoas
que possuem um conhecimento básico de economia para que se possa ter
sentido o velho slogan ‘estamos vivendo num mundo dinâmico e em
transformação’. Enquanto a mão generosa do Estado tudo pode resolver,
enquanto a ‘vontade’ política do governo for a senha para solucionar
todos os dilemas sociais, estamos condenados ao retrocesso, seremos
sempre aquela sociedade que dá dois passos à frente e um para trás. Ano
seguinte 5 passos à frente comemorados com grande fogueteio, para ano
depois dar 3 passos para trás.
O deliberado descarrilamento geral dos nossos sistemas básicos de transporte
“... Nunca se viu orgia maior com leis de favor para certos grupos de
trabalhadores, que chegaram a ser os mais bem pagos do mundo em seus
ramos. A loucura chegou a tal ponto que o déficit anual, só com os
ferroviários, seria, em 1964, da ordem de 420 bilhões de cruzeiros
(R$6,1 bilhões em 25/6/2010); em 1965 alcançaria 620 bilhões de
cruzeiros (R$ 9 bilhões) e, em 1966, ultrapassaria 1 trilhão de
cruzeiros (>14,5 bilhões de reais– www.calculoexato.com.br
considerando o índice IGP-DI). E isto, só com os ferroviários, só com a
Rede Ferroviária Federal, que compreende 21 ferrovias. São todas
deficitárias, com despesa de 5, 10, 15 e até 30 vezes maior do que a
receita” (Relatório do Ministro da Viação Juarez Távora, O Globo
29/1/1965, p.95).
Vamos abordar o trabalhismo em 2 casos que merecem consideração do
leitor: as legislações trabalhistas dos portuários e a dos ferroviários.
Essas legislações específicas criaram um sistema de ganhos
extraordinários através de um complicado método de atribuição de
tarefas. Havia vantagens de todo tipo, mais o empreguismo que fazia com
que desde o departamento de pessoal de uma companhia de navegação ou
ferroviária até a tripulação do navio ou trem estivesse abarrotada de
gente por força da legislação trabalhista específica. A proporção era
estratosférica: um departamento de pessoal, que necessitasse de 20
funcionários, abrigava 200. Uma única empresa tinha 7300 funcionários –
só na burocracia.
No Lloyd e na Costeira estatizados, o problema do inchamento da máquina
ocorre em paralelo com seu desmantelamento. Enquanto aumentam
exponencialmente as despesas com pessoal, diminuem avassaladoramente as
receitas com a operação do serviço pelo encarangamento da atividade,
obsolescência de manutenção, conduzindo à quebra de equipamentos e
interrupção de serviços, aumentando os déficits financeiros e
impossibilitando a confiança mútua entre empregados e a adoção de
práticas sadias de trabalho e dedicação. Nesse ambiente, formam-se
camorras especializadas no peculato e na falsificação de horas extras,
defeitos técnicos, greves relâmpagos, reivindicações estapafúrdias e
assim por diante, com alta ressonância favorável no sistema político
eleitoreiro, mas uma desordem generalizada no ambiente de trabalho.
No disputado processo político dos anos 60, como consequência da
pervasiva inflação apontada atrás, que cobrava de todos os brasileiros a
fatura da insanidade da construção de Brasília, um velho elemento veio a
ser turbinado na trajetória político-institucional de forma nunca vista
anteriormente: a demagogia eleitoral calcada em promessas de benefícios
salariais no vendaval das reivindicações pela recuperação salarial.
Eram mobilizações legítimas sendo impulsionadas por pretensões absurdas
que lançadas nos vapores esbravejantes da irresponsabilidade, se
condensaram no líquido viscoso e pútrido da iniquidade. Aproveitando os
anseios legítimos, a grande frente única do regressismo nacional mirou
seu canhão de chumbo grosso no sistema de transportes estatizado e dali
conseguiu a mais extraordinária e brutal privilegiatura de que se tem
notícia na história do mundo: um sistema de benefícios e vantagens para
ferroviários e estivadores que afundou o país em uma crise até hoje
(2010) ainda não totalmente solucionada. Eis o que nos conta Emil FARHAT
(1967, p. 97- 98):
Quando pelas alturas de 1960, a leviandade e a irresponsabilidade
ofereciam céu cada vez mais livre para as aves de carniça e campo ainda
mais propício ao farejar necrófilo das hienas — despencavam-se sobre as
ferrovias mais “recomendados” que passageiros, choviam sobre os navios
muito mais “candidatos” do que cargas, e no cais se acostavam mais
protegidos e “conferentes” do que mercadorias e minérios.
As ferrovias, as empresas de navegação e os portos pareciam
monstruosidades intumescidos, imensos cabides já sem mais ganchos e
lugares para pendurar tantos bonés de afilhados – que vinham mensalmente
em legiões novas, na mobilização nervosa dos que então já pensavam na
sua milícia de foguistas de bordo, no seu exército de moços-de-convés,
nos seus esquadrões de “conferentes-pipi” para a tomada do poder. Pela
malícia ou pela violência.”
Estatizou-se a Companhia de Navegação Costeira, que formava, com o Lloyd
Brasileiro, o maior conjunto mundial de marítimos sem navios ... quando
o país abriu os olhos, cada bigorna tinha quatro ferreiros e cada vagão
quatro condutores; em cada navio mercante brasileiro, quatro
marinheiros descascavam a mesma batata ..., e em cada metro de cais,
quatro ‘especialidades’ de conferentes espiavam o mesmo saco carregado
por quatro estivadores”.
O Brasil chegara à década de 60 com apenas 40 km de cais na soma de
todos os seus portos, isto é, dos 262 atracadouros acostáveis do país.
Na mesma época, só o porto de Hamburgo tinha 30 km, Londres 80 km. Nova
York tinha 170 km de cais acostável e 3.500 funcionários no porto. O Rio
de Janeiro (só com 7 km de cais acostável) tinha cerca de 8 mil
funcionários.
Quem visita o museu da Companhia de Navegação Costeira no porto de São
Francisco do Sul (SC), depara-se com uma empresa fundada em 1882 por
integrantes da família Lage que foi responsável por boa parte do
desenvolvimento do Brasil até 1966, quando foi estatizada e incorporada
ao Lloyd. Mas nada mais se fala sobre o colapso da marinha mercante
brasileira. No entanto, Emil FARHAT deixa clara a causa do colapso tão
zelosamente escondido dos brasileiros naquilo que, não obstante ter sido
um fato escandaloso, conseguiu se transmudar no conjunto do Brasil que
‘não se vê’ por arte de nossos estudiosos acadêmicos:
Enquanto um navio carvoeiro inglês ou norueguês ou belga ou liberiano,
de aproximadamente 5 mil toneladas, tem 29 homens na tripulação, os
nossos com a mesma tonelagem e para a mesma finalidade têm cerca de 80.
...Quando em setembro de 1963, o novíssimo mercante do Patrimônio
Nacional ‘Ana Nery’ se chocou com um petroleiro da Petrobras à entrada
da Guanabara, nenhum jornal se deu ao trabalho de comentar ou estranhar
este escândalo técnico, também de proporções mundiais: fretado para
levar 70 turistas a Israel, o reluzente ‘Ana Nery’ o fazia graças aos
‘exaustivos esforços’ de 230 tripulantes!...
Quando o leitor vir, no porto de Belém ou de Manaus, um bojudo “motor”,
desses que sulcam os igarapés da Amazônia, puxando, como se fora um
sobressalente, um pequeno barco em que vão alguns homens, fique desde
logo sabendo que aqueles cavalheiros rebocados são os excedentes da
tripulação legal, e ali vão espiando os outros trabalharem, porque a lei
‘manda’ que haja aquele excesso, que o próprio barco-motriz não
comporta” (FARHAT, 1968, p. 98-99).
No tocante à navegação fluvial, em um relatório apresentado pelo
presidente da Comissão da Marinha Mercante em 1965, o comandante
Fernando Frota, indicava de modo dramático:
“Todas as empresas se acham em estado de decomposição” (p. 107),
referindo-se ao “Serviço da Bacia do Prata”, ao “Serviço de Navegação da
Amazônia e de Administração do Porto do Pará (SNAPP), à ‘Companhia do
São Francisco´ e à “Navegação Bahiana”.
Os 34 mil km de rios brasileiros navegáveis encontravam-se paralisados
porque o serviço não podia atender às exigências legais da “tripulação
de lei”. Até mesmo uma piroga tinha que se enquadrar na legislação
marítima. As consequências disso logo vieram à tona: os navios que
deixavam os portos totalmente carregados passaram a viajar com 50% da
carga. Uma viagem de Porto Alegre a Belém retardou-se para 5 meses,
enquanto que de Porto Alegre à Austrália ou ao Japão apenas 2 meses. Em
pouco tempo, o sal do Rio Grande do Norte faltava no RS, e o rebanho
bovino começou a minguar por falta de sal. O desaparecimento de cargas
por roubo no cais começou a se transformar em uma endemia. Flagrados
alguns conferentes roubando cargas nos armazéns do cais de Porto Alegre,
não puderam ser despedidos porque a legislação não permitia. O
transporte de arroz passou a ser feito por rodovia, porque para ser
feito via cabotagem teria que esperar até 6 meses. Desde então, continua
sendo feito por rodovia. Nossa navegação de cabotagem não se
restabeleceu jamais apesar das inúmeras gerações de políticos que se
sucederam no país. E a razão é muito simples: não houve alterações na
legislação trabalhista, um código tão arcaico que faria os chineses ter
um ataque de riso (ou de raiva) se soubessem o que ela representa na
proteção ao mau caráter do picareta travestido de trabalhador brasileiro
e na frustração ao empreendedor.
As empresas privadas de navegação tinham que repassar as taxas
portuárias e os altos salários da estiva. Logo as cargas começaram a
rarear. E não eram poucas as empresas de navegação. No RS havia a
Rio-Grandense, que foi a última a entrar em liquidação por não ter mais
condições de operar. Havia uma empresa para transporte de mercadorias
entre as quais o vinho da Serra Gaúcha para São Paulo, Rio, Salvador,
etc. Seu último navio, chamado Navesul, ficou parado, longo tempo à
venda, sem compradores. A empresa fechou porque ninguém podia
transportar mercadorias devido às altas taxas portuárias. Era mais
barato enviar por via rodoviária e até por avião do que pelos portos.
Por toda a parte o que se via eram navios parados esperando carga. E
como empresa parada não fatura, a Casemiro Filho, do Ceará, teve que
fechar as portas. Ofereceu aos seus portuários os próprios navios como
indenização: eles recusaram. “O que vamos fazer com navios, disseram
eles: não há carga” (p. 111).
Para se ter uma ideia comparativa de salários no final de 1963, em Macau
no RN, porto de salinas por onde o sal era embarcado pelos barqueiros
que pelo rio Açu levavam o sal até os navios, os estivadores tinham um
salário de 500 mil cruzeiros (R$14.300,00 pelo IGP-DI), enquanto o
salário mínimo da região era Cr$14.700,00 (R$421,18 pelo IGP-DI). Os
salários de autoridades locais eram: prefeito (Cr$42 mil = R$1.205,00);
juiz de direito (Cr$40.000,00 = R$1.147,00); professora primária
(Cr$6.500,00 = R$186,54), com índices atualizados pelo IGP-DI do site
www.calculoexato.com.br para maio/2010.
A consequência foi a desmontagem dos navios um depois de outro. Até
navios frigoríficos foram sucateados por falta de carga. Os únicos
navios que saíam dos portos eram os de bandeira estrangeira, que não
precisavam se submeter à legislação trabalhista marítima. Foi um grande
apoio que nosso sistema político populista concedeu às empresas de
navegação no exterior. Ou seja, o desmonte do país sob a veia crispada
da demagogia populista e que todos os livros de história se esmeram em
ocultar, zelosos que são do oficialismo, do partidarismo único e
pervasivo: a atribuição dos problemas brasileiros às ‘elites’ ou
qualquer outra denominação pomposa de nosso disfarcismo alucinante.
Ferrovias
No caso das ferrovias, o número de pessoas empregadas em 1964 daria para
atender o triplo de quilometragem de vias férreas existentes, e capazes
de transportar uma tonelagem de mercadorias “algumas dezenas de vezes
maior que a que carregam” (p. 99).
Quando o governo militar resolve estatizar toda a rede ferroviária,
criando um único ente chamado Rede Ferroviária Federal, o resultado foi
imediato:
24 horas depois de sair das mãos de particulares, que eram capitalistas
nativos, de quatrocentos anos... – empresários particulares que a
tornaram uma das mais perfeitas ferrovias do mundo – a Companhia
Paulista de Estradas de Ferro começou a dar um ‘déficit’ que, ao fim dos
doze primeiros meses, já atingira 600 milhões de cruzeiros velhos!...”
(FARHAT, 1968, p. 100).
O caso dos déficits das ferrovias era de tal monta que o então ministro
do Planejamento Roberto Campos chegou a afirmar que havia casos que se o
transporte fosse gratuito, a ferrovia daria menos prejuízo, já que não
haveria despesas com a impressão de bilhetes, nem com o pagamento de
funcionários que os vendiam ou recolhiam.
Mas ocorre que a estatização da Companhia Paulista foi feita pelo regime
militar e colocada no mesmo bolo das inúmeras ferrovias estaduais
deficitárias. Como explicar essa terrível mancada dos militares sem
inclui-los como problema na mesma nação do estatismo furioso e
desembestado que tomou conta do país, com a criação, uma década mais
tarde, de 290 empresas estatais na maior orgia de estatização pela qual
passou o país.
A Rede Ferroviária mais famosa por sua inoperância, por seu inchaço de
funcionários e por ser alvo de críticas desde os primórdios do século
XX, foi a Estrada de Ferro Central do Brasil (ver artigo de Lobato). O
acervo de desatinos dessa empresa faz parte da literatura brasileira.
Com média de 2 acidentes diários, atraso permanente, sucateamento de
máquinas e vagões, falta de manutenção de trilhos e pontes, a Central do
Brasil era um retrato pitoresco do nosso estatismo no início do século
XX. Ali saía tudo ao contrário: em vez de se investir nas necessidades,
investia-se no supérfluo. A direção da empresa era ocupada por
postulantes da carreira política, que tudo faziam para agradar a massa
ferroviária, transformada em currais eleitorais propelidos por benesses.
Os ferroviários, por seu turno, tudo faziam para prolongar os atrasos e
com isso faturar horas extras. Quem viajava de trem nos anos 60, e até
mesmo nos anos 70, no RS (em vagões importados da Hungria, que receberam
o nome de ‘trem húngaro’, com a promessa de maior velocidade e
eficiência) não conseguia entender por que os trens se deslocavam a 30
km/h em trechos onde a velocidade poderia ser de 50-60 km/h com
segurança. O viajante não entendia por que as paradas nas estações
intermediárias prolongavam-se por 20-30 minutos quando poderiam ser
feitas em 5 minutos. Somente uns poucos “iluminados” sabiam que os
ferroviários eram os donos do horário e faziam o que queriam – como é de
praxe no sistema estatal brasileiro – e com isso submetiam os
passageiros à humilhante demora do dobro do tempo nas viagens apenas
para faturar horas extras.
No final do período de mais intenso e desbragado populismo da história
brasileira do século XX, os transportes brasileiros estavam
completamente paralisados. O déficit mensal era estratosférico. As
greves semanais, o concessionismo absoluto. Ninguém em sã consciência,
não pertencente à família ferroviária, aguentava os desatinos daquela
classe.
O resultado vai para a conta do nosso déficit de 5 trilhões de dólares:
até hoje nossas ferrovias não se recuperaram totalmente do grande baque
do furor trabalhista dos anos 60, deixando o esqueleto de estações
abandonadas, terrenos invadidos, prédios depredados, máquinas
enferrujadas. A privatização das ferrovias deveria ser seguida de uma
mudança total na legislação trabalhista protecionista. Mas então os
nossos políticos se acovardaram, as vozes do populismo falaram mais alto
e as novas empresas concessionárias se dedicaram exclusivamente ao
transporte de carga, exceto nas novas linhas administradas pelo Vale do
Rio Doce.
Em nossos portos a modernização ficou pela metade: no governo FHC foi
feita a privatização de terminais marítimos, permitindo que empresas
privadas administrassem os ativos de exportação de grandes empresas, o
que permitiu uma redução substancial no custo do embarque de
containeres, mas o terminal de cargas público continua com o mesmo
sistema repulsivo de exploração de mão-de-obra pela subcontratação dos
‘bagrinhos’, espécie de estivador contratado como tarefeiro e controlado
por uma oligarquia neoescravista escorada na discricionária legislação
fascista.
A semeadura de embustes em torno da Reforma Agrária
É o título de um capítulo em que FARHAT resolve enfrentar o consenso
nacional em torno do argumento da reforma agrária, para mostrar até que
ponto se equivocam os bem-intencionados e lucram os oportunistas e
demagogos de sempre. A Reforma Agrária é um espantalho que volta e meia
reacende as labaredas da justiça social e termina nas cinzas do
fracasso.
Já tivemos reformas agrárias oficiais, na distribuição de terras que
começa no ciclo da imigração alemã e italiana no RS e, eventualmente, na
região do noroeste paulista. Depois vieram as reformas agrárias
republicanas e, por fim, o problema se agravou com a involução causada
pela asfixia nos transportes, razão da existência de uma economia de
trocas. Imobilizada a produção nos campos, com as colheitas sendo
acumuladas até em sacristias de igrejas no interior do estado, armazéns
de portos desativados, a economia rural começou a fenecer no meio de
estradas intransitáveis, de governos relapsos, da impotência geral.
Empobrecido, o agricultor migra para a cidade, de onde, num subemprego,
sonha em retornar à terra de seus antepassados. Era o combustível dos
demagogos.
O arroz gaucho chegava em São Paulo e Rio depois de 2 a 3 meses de viagem de trem.
“Quem sabe que a tonelagem de colheitas de cereais do Norte do Paraná
demandava mais de 15 vezes a débil e aleatória capacidade de transporte
que lhe era oferecida pela ferrovia que serve a região?“ (FARHAT, 1968,
p. 188).
A contradição latifúndio improdutivo x população sem terra, ou
latifúndio x minifúndio, elidia uma realidade nacional básica: o
problema dos produtores rurais acossados por falta de condições de
transporte, crédito, armazenagem, subsídios, etc...
Além disso, a verdadeira natureza da agitação pela posse da terra:
passados mais de quarenta anos, a advertência de FARHAT de que a reforma
agrária não conduz aos objetivos planejados confirma plenamente os
dados de nossa época.
Senão vejamos:
Alguns participantes da claque vermelha das cidades fingem crer
totalmente que ‘o Partido está lutando para dar terra aos camponeses...’
Esses ingênuos-espertos fingem não saber que, em todos os lugares em
que subiu ao poder, o ‘Partido’ não deu nem dará títulos de propriedade
de terra (e de nada) a NINGUÉM, pelo simples fato de que o princípio
básico (e mortal) da política marxista é exatamente a eliminação da
propriedade individual e de toda a ideia de posse...
Se, nos países livres, os ditatorialistas vermelhos falam taticamente em
‘distribuição de terra aos camponeses’ é porque já sabem quanto isso
lhes serve para a AGITAÇÃO E DESORGANIZAÇÃO da vida do campo – dois fins
fundamentais da sua ‘política agrária’. Eles já conhecem de sobra os
resultados de todas as ‘reformas agrárias’ feitas desse jeito: 1)
imobilizar pelo terror as atividades produtoras dos que têm terras; 2)
dar uns inconsequentes tratos desnudos de campo a quem já vive desnudo
de vida.
Eles já sabem que o simples fato de se entregar um título de propriedade
a um enxadeiro não realiza o milagre de torná-lo capaz de dirigir o
pequeno e complicado negócio que é o seu sítio, a sua fazenda. Eles já
conhecem calculadamente os ‘resultados’ que se obtêm quando se joga uma
pobre família de campônios sobre terras que eles têm que cultivar com
uma orientação profissional de que não dispõem; com instrumentos de
trabalho e máquinas que não podem comprar; com adubos cuja existência às
vezes nem conhecem. Maquiavelicamente, eles não ignoram que aquele
coitado, só com enxada e facão, não pode dar cabo das pragas que ameaçam
periodicamente suas plantações, e que não poderá, com míseras caçambas
ou ridículos regadores, repor sobre o campo, diariamente, a água, a
irrigação que Deus não der...
Que milagres fabulosos teriam acontecido na produção agrícola dos países
que realizaram a ‘Reforma Agrária’? Que índices admiráveis de produção
atingiram essas nações ‘progressistas’?
No seu fundamentado e impressionante livro, ‘A corrida para o Ano 2000’,
o professor Fritz Baade, com sua autoridade de deputado do Partido
SOCIALISTA alemão, informa que são os seguintes os resultados de
produtividade dos campos ‘reformados’, nos países onde se fez a Reforma:
“Na Rússia, cada trabalhador ativo produz para 6 pessoas na cidade. Na
China e na Índia, cada trabalhador ativo produz para 3 pessoas na
cidade.”
Enquanto isso, o que acontece nos países onde não houve a ‘benção
salvadora’ dos sovkhozes e kolkhozes?
Nos Estados Unidos, cada trabalhador ativo produz para 27 pessoas na
cidade! No Canadá, cada trabalhador ativo produz para 26 citadinos!
Com sua responsabilidade de professor de economia agrária da
Universidade de Kiel, Fritz Baade calcula ainda que, lá para o ano 2000,
com a evolução da técnica agrícola (novos equipamentos, novas
descobertas sobre solos, nova química protetora, novos adubos, nova
mentalidade administrativa), cada agricultor americano estará produzindo
para alimentar de 70 a 90 pessoas na cidade!
Apesar de todo o hermetismo com que os marxistas cercam suas ‘tragédias
íntimas’, a União Soviética não conseguiu esconder em 1963 a sua
necessidade de bater à porta dos paióis burgueses para comprar 30
milhões de toneladas de trigo aos seus agricultores não ‘reformados’.
Nem pode omitir também o desespero da busca de um ‘bode expiatório’
nacional (já que não tem imperialismo agindo lá dentro), mudando 4 vezes
de ministro da Agricultura em 3 anos... (FARHAT, 1968, p. 190-192)
Quando se sabe, desde 2007, que de todos os milhões de hectares de terra
distribuídos a partir dos anos 90, que o índice de fracasso chegou a
75%, percebe-se o quão proféticas são as palavras de Emil FARHAT. E,
quando se compara as invasões atuais do MST e da Via Campesina com o
propósito de destruir plantações, máquinas e edificações, além da
aterrorização generalizada no campo, só se pode concluir que o Brasil
não prestou atenção a um de seus mais importantes livros que só podia
ser escrito por um analista social e que jamais teria algo equivalente
entre nossos dómines acadêmicos. E mais adiante FARHAT (1968, p. 195)
acrescenta:
No Brasil, os reformistas agrários que aqui pontificavam nos idos de
1962 e 1963, criaram um órgão executor de seus projetos, a SUPRA
(Superintendência da Reforma Agrária), que agitou intensamente, fundou
imediatamente... 500 sindicatos rurais, e NENHUMA ESCOLA de ensino
agrícola. E nem sequer fez o Censo Rural, pois não interessa aos
desígnios da SUPRA constatar, e deixar divulgar, que já existiam no
Brasil cerca de 2.700.000 propriedades agrícolas ... num país ... que
precisa de 5 mil novos agrônomos por ano, para atender às necessidades
da sua lavoura, onde só existem 12 escolas de Agricultura....”.
Citando os custos da propriedade agrícola, segundo levantamentos da
época, bem como das ferramentas e aparelhos de irrigação, uma pequena
propriedade necessitaria de NCr$ 4 mil em dezembro de 1964 (Cerca de
R$57 mil pelo IGP-DI de maio/2010 segundo o portal
calculoexato.com.br)
E termina dizendo que para acomodar 50 mil novos camponeses todos os
anos, as despesas apenas de aparelhagem, supondo que seriam feitas em
terras devolutas do Estado, teriam que ser de 115 milhões de cruzeiros
novos (1,6 bilhão de reais pelo IGP-DI em 31/5/2010). Entretanto,
considerando que:
Sem assistência social adequada e enérgica, o enxadeiro brasileiro e sua
família serão, como os nossos pescadores, baratas tontas, que se
afogarão pela falta dos mais simples rudimentos de economia agrícola e
doméstica no pequeno mar de facilidades e responsabilidades atiradas às
suas mãos inexperientes, ao seu cérebro virgem de noções de bem-viver,
de saber viver e de administrar o que quer que seja (FARHAT, 1968, p.
199).
E foi o que aconteceu e continuará acontecendo: puro e simples
desperdício de dinheiro público. Mas sua crônica dos atropelos
governamentais não para por aí. Fala da obsessão pelo ‘fachadismo’ do
governo de construir um mastodonte estatal chamado UNIVERSIDADE RURAL,
no km 47 da Via Dutra, na saída do Rio de Janeiro, em lugar de centenas
de pequenas escolas agrícolas para não "pulverizar a grandeza das coisas
que o Estado (leia-se o ‘Meu governo’) deve fazer. Tem que ser uma
Universidade Rural ‘como não há nenhuma no mundo’ (FARHAT, 1968, p.
201).
A mão seca do Estado-industrial... e a mão frouxa dos líderes-Madame-Pompadour
Um capítulo dedicado a nossa maior praga de todos os tempos, e sem a
qual o Brasil não seria a porcaria política e governamental que é: o
estatismo.
Madame Pompadour foi a amante de Luis XV que, vivendo em Versalhes,
tornou-se célebre pelo tráfico de influências na Corte, recebendo
diariamente todos os pretendentes a algum benefício real e concedendo
favores de todos os tipos e espécie: uma alusão aos nossos políticos e
figurões.
Para FARHAT (1968, p. 211), o problema se situa na união entre
‘nacionalismo’ com o fascismo, com o marxismo e o socialismo
verde-amarelo. Às vezes o imbróglio junta até liberais e
social-democratas, quando se trata de um projeto de lei. Com a
democratização do país pós-Vargas, de 1955 a 1964, os comunistas tiveram
acesso à cúpula das empresas estatais de então sendo um período em que
“demonstraram à saciedade que defendem a estatização não apenas como
ponto de vista ideológico, mas como um ESTRATEGEMA DE GUERRA, de
ocupação de posições poderosas, quase todas, daí por diante,
fortificadas pelo cimento emburrecedor do mito da ‘intocabilidade’.
Levados no ventre de certos candidatos presidenciais, com os quais
barganharam o toma-lá-dá-cá dos irmãos-em-oportunismo, os comunistas
penetraram nas diferentes cidadelas-industriais do Estado – Petrobras,
SUDENE, BNDE, Cia. Siderúrgica Nacional, Leopoldina, Lloyd, Costeira,
Correios e Telégrafos, Álcalis, etc, e se atiraram sobre todos os CARGOS
ESTRATÉGICOS DE DIREÇÃO E CHEFIA, deslocando pelo terror e pela calúnia
os seus antigos e apavorados ocupantes.
Em cada uma dessas empresas, eles atacavam conjugando as manhas
aprendidas em decênios de lutas diferentes em ambientes diversos;
atacavam como formigas, na sua tática de infiltração por inclusão ou
rastejamento, vindos por todos os canais, por baixo e por cima, pelos
lados e pelos cantos, insinuando-se em fila indiana, ou espalhando-se em
aterrorizadora correição...
Finalmente, os comunistas são pela criação e proliferação infinita de
empresas estatais, mesmo nos regimes políticos a eles ferrenhamente
adversos, MESMO QUE ELAS TEMPORARIAMENTE NÃO LHES CAIAM NAS MÃOS; pois
sabem o quanto a estatização de cada setor da economia de um país livre
representa para sua sempre sonhada, acalentada e inarredável estratégia
da ‘marcha para o pior’, tão necessária ao clima político-social que é
mais propício à sua expansão.
O essencial – anseiam eles – é que a gangrena comece em algum ponto do
organismo da Nação; não importa onde, nem como. Quando o Estado, ainda
que por obra de ingênuos políticos ou burocratas idealistas, coloca sua
mão-seca de empresário inapelavelmente frustrado sobre um setor qualquer
da economia nacional, os teoristas vermelhos sabem de antemão o que aí
acontecerá mais hoje, mais amanhã: o ingurgitamento do empreguismo; a
apoplexia do sinecurismo; o dilúvio do papelismo; a maratona de favores
entre o “coitadismo”, o “concessionismo” e o protecionismo; as gordas
enxurradas do desperdício; a ataraxia da inaptidão, da lerdeza, do
boa-vidismo. E, um dia, afinal, o alijamento dos tímidos e
matematicamente fracassados idealistas pelos técnicos do calculismo
vermelho ou pelos serviçais das ‘linhas-auxiliares’
Como acentua o economista Roberto Campos, uma das características
básicas do Estatismo é a “falta de sanção”.
Disto resulta o “habeas corpus” da impunidade absoluta de que se valem
todos os “istas” que frequentemente se dão as mãos nos corredores das
empresas estatais – para levá-las a total ineficiência ou completa
dilapidação. Essa “falta de sanção”... tem sido o convite ao cinismo
desabusado, praticado sob o pálio verde-amarelo da “intocabilidade” e do
“nacionalismo” (FARHAT, 1968, p. 212-213).
E Emil FARHAT desfila uma amostra do caos estatal dos anos 60, com os
portuários recebendo nada menos que “56 vantagens extra-adicionais!”.
Ou o caso da Petrobras, que desde essa época paga gratificação de
‘periculosidade’ distribuída ‘até para os funcionários instalados no
escritório central situado em plena Av. Presidente Vargas no Rio e no
próprio escritório em Nova York” . O mesmo acontecia com os funcionários
da Rede Ferroviária Federal mesmo trabalhando nos escritórios da Cidade
Maravilhosa. “Aliás, ainda a propósito da Rede, é curioso salientar que
aquilo que antigos empresários particulares puniam com advertência ou
suspensão – chegar o trem atrasado – tornou-se na rendosa indústria das
‘horas extraordinárias’ de ‘trabalho’, razão por que em todas as
ferrovias da Rede ‘nacionalizada’ os comboios já partiam atrasados,
desde sua estação inicial....” (FARHAT, 1968, p. 213-214).
Ninguém nunca pensou em somar ao já cosmogônico ‘déficit’ das autarquias
industriais o que elas DEIXAM DE PAGAR DE IMPOSTO DE RENDA. Se, nessas
áreas, ao invés das perdulárias empresas-manicômios ‘administradas’ pelo
Estado, estivessem atuando eficientes empresas particulares, não só o
país não sofreria sangrias, empobrecedores prejuízos como, pelo
contrário, receberia receitas formidáveis de impostos, principalmente o
de renda.
Muitos dos ingênuos defensores da estatização não atentaram para esse
duplo aspecto da brutal sangradura com que essas empresas-chupins, as
autarquias industriais, haraquirizam o corpo da Nação: além da
dilapidação pelos prejuízos, NÃO PAGAM IMPOSTO DE RENDA, por causa mesmo
desses prejuízos; mas, se não os apresentassem, também não os pagariam,
protegidas que são quase todas pelas ISENÇÕES DE IMPOSTOS com que, de
antemão, o legislador ou o governo procuraram acobertar a sua
matematicamente infalível incapacidade administrativa...
Houve até um deputado federal que, no ano da graça de 1963, levando ao
paroxismo o truque da ‘intocabilidade’, apresentou um projeto que
estendia a tal ponto a ‘proteção’ à Petrobras que isentaria de impostos e
taxas ‘TODA E QUALQUER transação que fosse realizada’ POR ELA OU COM
ELA; esse projeto levava os ‘direitos’ dessa empresa até o extremo de
ela poder IMPORTAR O QUE QUER QUE FOSSE SEM NENHUMA FISCALIZAÇÃO NEM
SATISFAÇÃO À PRÓPRIA ALFÂNDEGA FEDERAL” (FARHAT, 1967, p. 214-215).
Esse é o ponto! Aqui FARHAT chega ao âmago da questão: começando pelos
comunistas, e depois pela velha esquerda, e por último a classe média –
todos preferem o sistema estatal brasileiro. Este consegue satisfazer a
todos: aos comunistas pela ausência de sanções, pela dispensa de
competência e assim por diante; à classe média, pela estabilidade no
emprego e pela ascensão baseada em ridículos planos de carreira; para os
bocejantes, pela possibilidade de levar a vida fácil e aos
espertalhões, pela possibilidade de gazetear à vontade com salário
garantido no fim do mês.
Com essa frente única que abrange uma boa parte da brasilidade é natural
que uma figura política que ofereça sinecuras estatais ao povo seja uma
bomba-relógio política de alta relevância no patropi. Aliás, em seu
livro de memórias, escrito entre 1995-96 (faleceu no ano 2000), FARHAT
conta que quando os aliados ganharam a guerra e a democratização
avançava na marra, destruindo as barreiras da ditadura do Estado Novo,
com Getúlio nos últimos dias de governo, como membro da Esquerda
Democrática (facção da UDN que mais tarde geraria o PSB), foi com uma
delegação procurar Prestes recém saído da prisão. A ideia era criar uma
unidade da oposição ao Estado Novo para o futuro da abertura. Ao se
reunir com o ‘Cavaleiro da Esperança’, FARHAT ficou perplexo ao ver
Prestes falando em apoiar a ‘Constituinte com Getúlio’, uma proposta dos
comunistas que era – na opinião dele – completamente incabível para a
conjuntura. Ao pedir a palavra para manifestar seu estranhamento pela
posição de Prestes, argumentando que o líder comunista não podia
moralmente apoiar um ditador que não só lhe tinha preso e torturado por
quase 10 anos, como enviado sua mulher grávida para os campos de
concentração nazista, Prestes lhe interrompeu agressivamente com um
‘cale-se, você não tem nada a ver com isso’. Tentou falar mais duas
vezes e foi novamente hostilizado por Prestes a ponto de ter que
efetivamente deixar seus colegas levar a proposta da nova Constituinte
sozinhos ao líder comunista. É que FARHAT não percebera que os
comunistas estavam todos empregados na máquina estatal criada por
Getúlio, a mesma máquina cujos desatinos estão narrados na seção
DNABrasil sob o título ‘O Desperdício do Capital Social’.
Felizmente os militares derrubaram Getúlio poucos dias depois,
convocando as eleições que elegeram Dutra com apoio dos comunistas
contra Eduardo Gomes, o candidato anti-Getúlio. A máquina estatal já
estava pronta para dar ao país o resultado de seu retumbante fracasso.
A confusão entre estatismo e o bem do Estado, o bem público, é a tese em
que FARHAT se propõe a demonstrar como um axioma matemático: “o estado
não é essa coisa vaga, ideal, abstrata, como aparece na imaginação de
muitos, mas sim uma coisa muito palpável, que é o grupo político ou
partidário que está no poder” (p. 220).
É incrível como, no Brasil, políticos e partidos bem intencionados
sempre votaram quase abulicamente todas as leis que criavam ou ampliavam
autarquias industriais do Estado. Amedrontados por palavras e por
preconceitos, eles não viam que isto era ampliar ao infinito os poleiros
eleitorais de um bandoleirismo partidário que, sem nenhum pejo ou
escrúpulo, considerava a Nação sua fazenda, e essas empresas os seus
currais e galinheiros, onde cevavam seu gado de pelo e pena, para os
rega-bofes de boca de urna, que os eternizavam no poder.
E quando os tartufos ‘modestamente’ imaginavam mais uma empresa, para
dar vazão às suas necessidades de empreguismo correligionário a granel,
os ingênuos retrucavam com ainda maior arroubo ‘progressista’,
oferecendo logo o galinheiro de inacabáveis poleiros, de um novo
monopólio estatal...
Cegamente, os bisonhos políticos liberais não viam que o grupo
estatista-empreguista queria apenas assegurar para si e para os seus a
facilidade de ‘dispor’ de mais uma empresa ‘do Estado’, queria a
facilidade, que ela sempre assegurava, de seus rebentos e protegidos,
correligionários e ‘peixinhos’, nela poder entrar, MESMO SEM
COMPETÊNCIA, e nela poder subir, MESMO SEM MERECIMENTO.
Aliás, não há mais político-empreguista pelo Brasil afora que ainda não
tenha entrevisto a imensa prestimosidade eleitoreira de uma empresa
estatal, por modesta que seja... Já de há muito, certos vivazes
assessores palacianos pressentiram existir um inédito e importante
‘fator de produtividade’ a buscar nessas organizações: a sua alta
rentabilidade de empregos a serem distribuídos e de cabos-eleitorais a
serem atendidos” (FARHAT, 1968, p. 221-222).
Reitero ao leitor que essas observações são de 1967. Com as
privatizações no governo FHC, boa parte do descalabro foi eliminado,
especialmente no setor siderúrgico e de telecomunicações, passando os
entes estatais privatizados a dar recursos à Nação, de cuja estabilidade
proporcionou a ascensão da demagogia populista dos últimos anos. Agora,
começa a voltar a ressurreição dos cadáveres daquela época, como a
recente recriação da Telebrás, consubstanciada em empreendedorismo de um
governo sindicalista que vai na direção da mesma tragédia, e confirma o
que Emil FARHAT enfatiza com sua lucidez cristalina: o estatismo é uma
aliança entre correntes políticas divergentes para uma mesma finalidade
política, e neste balaio de gatos não por acaso estão empresas
inspiradas na estreiteza estratégica dos antigos comandantes militares
junto aos sindicalistas do século XXI.
Para FARHAT, o estatismo tem que ser analisado como um fenômeno só: do
nazismo ao comunismo, da pseudo-democracia ao subdesenvolvimento social.
E modernamente até como um esbulho da religião, como no caso das
teocracias islâmicas. Em plena guerra fria, ele apresenta o contraste
entre as economias do leste europeu e as do oeste, as diferenças sociais
e culturais, a opressão humana na negação da liberdade de empreender,
de manifestar um pensamento fora do âmbito oficial, as diferenças no
nível de vida. E não deixa de manifestar sua perplexidade com a questão
do petróleo no Brasil:
A Petrobras informava, retardatariamente, em 1964, que, valendo-se de
todas as suas facilidades e das verbas imensas de que dispunha, e ainda
dos seus (então) 30 mil funcionários, havia atingido a ‘performance’
total de 441 poços perfurados nos anos de 1961 a 1962; isto quando
indivíduos e empresas particulares ‘atiçados pela ambição’ perfuravam no
mesmo período 1.033 poços na Venezuela, 4.450 no Canadá e ‘apenas’
90.000 nos EUA.
Na própria Argentina, após quase 50 anos de monopólio estatal do
petróleo (YAPF), fora finalmente admitida a associação de empresas
privadas, tendo sido perfurados, de imediato, no período 1961-1962
(governo Frondizi) nada menos que 2.906 poços. Isto bastou para tornar o
país autossuficiente, e até exportador (para o Brasil) de gasolina e
gás butano...
...Aliás, o Brasil, apesar de ter supostamente “um sexto das prováveis
reservas mundiais de petróleo’, também é ‘beneficiado’ há quase 3
décadas (desde a fundação do Cons. Nac. do Petróleo) pelo mesmo
raciocínio de antimatemática financeira, no que diz respeito à
exploração do nosso subsolo eventualmente petrolífero.
Estabeleceu-se aqui o monopólio estatal do petróleo para impedir que
estrangeiros, tirando-o do subsolo brasileiro, tivessem lucros que
poderiam ser ‘nossos’. Ora, pelo VOLUME ATUAL (1967) das nossas compras
forçadas de petróleo ao exterior, as companhias alienígenas que aqui
extraíssem essas quantidades dos campos locais, e as entregassem ao
consumo interno, estariam, pelo montante das vendas, obtendo um lucro
líquido máximo de 8 a 15 milhões de dólares – quantia que certamente
remeteriam para fora, se aqui não precisassem reinvestir nada. O RESTO,
porém, FICARIA NO BRASIL, sob a forma de ‘royalties’ ao governo
brasileiro (como na Argentina e Venezuela), de outros impostos inclusive
o de renda, ou de taxas assistenciais, ou em salários ou em compras de
material de toda natureza necessário para escritórios e armazéns, ou
ainda em alugueis, etc.
Resultado objetivo, no presente, da ‘matemática’ antibrasileira do
‘raciocínio nacionalisteiro: para impedir que os ‘imperialistas’ viessem
a remeter de 8 a 15 milhões de dólares em lucros do seu negócio
brasileiro de petróleo, estávamos enviando, anualmente, em escala
crescente, para os mesmíssimos ‘imperialistas’, 250, 300 e dentro em
pouco, 500 ou 600 milhões de dólares para comprar petróleo dos seus
negócios kuwaitianos, iemenitas ou venezuelanos... Isto é, o Brasil,
estava pagando TUDO, os lucros e as despesas operacionais, que os
‘imperialistas’ eram forçados a fazer nos países de onde extraíam o
petróleo que nos vendiam...
... Graças a Deus, impulsionado pela alta octanagem da força de vontade
dos brasileiros que produzem, a tendência do progresso nacional será
atingir uma energia de expansão algebricamente crescente. Como será que,
furando poços com horário de repartição, e tirando petróleo em
colheradas, o monopólio estatal irá cumprir a sua parte, de IMPEDIR QUE O
BRASIL TENHA DE MANDAR ANUALMENTE CENTENAS, cada vez mais numerosas, DE
MILHÕES DE DÓLARES para comprar lá fora aquilo que, segundo os
técnicos, forma oceanos intocados no subsolo nacional?
Doze anos após criado o monopólio estatal especificamente encarregado de
refinar e extrair petróleo (nota: 1965), ainda estávamos produzindo
apenas 35% das necessidades nacionais. Se levarmos em conta a
inescondível MAIOR VELOCIDADE DO CONSUMO do que da produção, talvez
ainda decorram 20 anos para atingirmos a autossuficiência. Até lá, o
Brasil se terá sangrado em DEZENAS DE BILHÕES DE DÓLARES, pagando, como
um caipira, no ‘embrulho’ do petróleo que nos vem de fora, também os
salários, os impostos, as taxas, e os selos, os dourados ‘royalties’, as
despesas todas cobradas pelos países que ‘ingenuamente’ deixam tirar o
ouro negro, mas jeitosamente ‘arrancam o couro’ de quem o tira. E, dos
tolos, ou coitados, que depois são forçados a comprá-lo” (FARHAT, 1968,
p. 241-341).
Infelizmente, FARHAT errou na previsão da autossuficiência em 20 anos,
ela só veio ocorrer em 2007, exatamente 40 anos depois da publicação do
seu livro. E nada indica que, ao trocar o modelo de concessão pelo de
partilha, como temos advertido à Nação, o petróleo brasileiro não entre
em declínio. Relativamente ao estatismo, FARHAT (p. 245) continua sua
invectiva cristalina e pedagógica:
Em qualquer setor econômico em que o Estado entre com sua mão
desajeitada, ou perdulária, ou estéril – EM QUALQUER PAÍS DO MUNDO – as
coisas se afrouxam, as regras se amolecem, começam os ‘jeitos’, imperam
os achegos, junta-se o compadrismo, floresce o filhotismo. Seja qual for
a forma sob a qual o Estado participe de uma atividade econômica, seja
como industrial-monopolista, ou acionista majoritário, ou minoritário,
ou simplesmente como subsidiário – logo se forma a tessitura das
adiposidades burocráticas, estendem-se e enroscam-se os filamentos
gordurosos de ‘vantagens’ e ‘percentagens’ que se vão generosamente
desprendendo, para os que se colocam no caminho de ir e vir, do fácil
dinheiro do povo...
Por que é que o Estado deveria meter-se a ‘grande realizador
industrial’, a magnata do ferro e do aço, do petróleo e da eletricidade,
dos álcalis, das comunicações telefônicas, telegráficas, ferroviárias e
marítimas, e a ‘fabricante’ de automóveis e caminhões – se ainda não
dera conta sequer nem da vulgaríssima e primordial tarefa de dar
hospitais e centros de saúde, que funcionem, ofereçam cama limpa,
médicos atenciosos, enfermeiros competentes e cumpridores dos mais
rudimentares deveres profissionais – num país que ainda tinha 20 milhões
de opilados, 11 milhões de papeiros (bacíferos), 3 milhões de
chagásicos, 4 milhões de esquistossomáticos e 50 milhões de portadores
de helmintose, como em julho de 1964 fora corajosamente proclamado pelo
então ministro da Saúde, prof. Raimundo de Brito.
Diante da batalha acirrada que se trava entre estatistas e defensores da
liberdade de iniciativa do cidadão, há os que indagam perplexos: mas,
afinal, que deve o Estado fazer? Que é legítimo e NATURAL, ou LÓGICO,
que ele faça na vida do país?...
Mas se atentarmos para as imensas tarefas que cabe ao Estado, ao governo
executar – mesmo aos governos sem a preocupação da estatização
eleitoreira ou socialisteira – veremos que se trata de uma tremenda
carga de ônus, cujo atendimento exige devoção total dos executivos e
fertilíssima imaginação administrativa e criadora... pois, além daquilo
que é hoje a mais vital e sacrossanta função do Estado – atender os
problemas da Educação em todos os graus – ele tem pela frente as tarefas
de cuidar e prover: saúde pública, segurança interna e externa, códigos
e leis que regulem a vida econômico-social, justiça de todos os graus e
tipos, estradas e vias fluviais, portos, correios, finanças e
recenseamentos nacionais, urbanismo, defesa florestal, trânsito,
acumulação e depósitos de água doce, poluição da atmosfera e dos rios,
prevenção e assistência contra as hecatombes, assistência social à
invalidez, ao desemprego e à velhice. E isto sem incluir os programas
nacionais de habitação para as classes menos favorecidas... Como se vê,
encargos que, por si sós, bastam para esgotar a capacidade e a dedicação
de quaisquer gigantes que atinjam o poder com a mais alentadora vocação
do bem público” (FARHAT, 1968, p. 254 – 255)
Os marxistas sebentos e os ricos fedorentos
É o capítulo em que se lê alternando entre a gargalhada espiralada e a
perplexidade de alta suspensão superciliosa. A verve panfletária de
FARHAT um dia ainda fará história, se neste dia o país ajustar as contas
com seu passado. Com este tipo de retórica a editora Companhia Editora
Nacional cravou na contra-capa em letras garrafais: “um livro para ser
lido em voz alta pelo Brasil inteiro”:
Os ricos fedorentos são um grupo poderoso, mas cada vez mais reduzido na
arejada sociedade moderna; são as últimas perpétuas-fétidas de um buquê
de hienas humanas já atirado à vala comum da História. Eles herdaram
todos os aleijões do feudalismo; com a boca torta dos vícios do velho
capitalismo e a fuça dentuça da sua cupidez egoística, esses
malcheirosos empatacados constituem o restolho de horrores de que ainda
vivem os saltimbancos comunistas e seus variados amarra-cachorros, são o
Belzebu de ouro e azinhavre que os insinuantes doutrinadores vermelhos,
em suas cátedras de livrinhos-de-bolso utilizam como burrinhas-de-padre
para espantar gerações ingênuas de suaves idealistas, e até para
amedrontar curas e outros homens piedosos.
Por causa da existência desses brontossauros remanescentes de um
capitalismo retrógrado: que são contrários a livre concorrência; que
querem lucros acima da razoabilidade dos seus investimentos; que
consideram os impostos uma violentação da sua oportunidade de amealhar
mais proventos; que ludibriam a Nação financiando leis e campanhas
contra o capital de outras origens que venha ameaçar a sua posse mansa e
tranquila de donatários da capitania do mercado brasileiro; que
levantam em torno de suas empresas as ameias dos exclusivos interesses
familiares; que só fazem empreendimentos que deem dividendos em dinheiro
e nenhuma gratidão; por causa deles é que os comunistas, como Galileus
do retrocesso humano, insistem em proclamar a única verdade que lhes
resta do que diziam do capitalismo: ‘Vejam: eles, os monstros, continuam
se movendo’. – E os usam como justificativa de sua luta contra a
liberdade de progredir, contra a liberdade de prosperar, contra a
liberdade de produzir, que permitem a cada cidadão capaz ampliar os
meios e as condições de seu bem-estar, e também enriquecer a comunidade
em que vive.
Agarrados nesses chimpanzés, puxando-os pelo focinho ou pela cauda, os
comunistas e seus serviçais passeiam pelo país afora a sua teoria
carrapaticida de eliminação total do sistema que dá ensejo à existência
também desses engordados chupins do regime capitalista.
Muita gente fica, por isto, sem compreender como em tantas ocasiões se
entendem afinadamente, dão-se as mãos, oculta ou até abertamente, os
comunistas e os tipos de capitalista que exatamente eles caricaturam.
Como todos os sócios eventuais de qualquer trama diabólica, eles se
ajudam mas se odeiam, porque cada um sempre receia que o outro o
atraiçoe – como já é parte da própria história contemporânea.
Não lhes vendo as caudas entrelaçadas por baixo da mesa, muitos bisonhos
espectadores da pantomima não entendem a aparente contradição de certos
ricaços e riquíssimos mastodontes que deram, e continuarão dando,
certamente, ainda, dinheiro grosso aos comunistas e ‘nacionalistas’ para
suas campanhas. Ao fazer isto, esses nababos fedorentos estão apenas
seguindo uma linha de sua ‘política econômica’ de, desleal e
impatrioticamente, fechar-a-raia para o surgimento de outros empresários
ou empresas, mais atilados e modernos, mais bem equipados e decididos,
mais ágeis e evoluídos e de avançada compreensão quanto à FUNÇÃO SOCIAL
DO LUCRO.
Para não ter que reorganizar, redistribuir e reestudar continuamente seu
negócio ou indústria, para não ter de cansar-se na mesma luta de estar
sempre batalhando para a conquista ou manutenção do mercado que, por
esperto açambarcamento ou ‘altas conivências’, JÁ ERA SEU, o
capitalista-feudal ia e vai até benzer-se com os pais-de-santo
comunistas. Estes, em troca de seu apoio a oferendas, lha dão o jocoso
diploma onde, de cabeça para baixo, vem a palavra favo-de-mel –
PROGRESSISTA. E asseguram então, ao seu sócio de circunstância, alma e
entusiasmo ‘os mais puros’, na luta comum pela ‘libertação nacional’,
pela elaboração de mais leis espanta-gringo, e pela criação de
dificuldades a todos que ameacem a hegemonia daquele
donatário-de-capitania nesse ou naquele ramo de negócio.
No fogo de barragem ‘nacionalista’ que lançam para proteger o seu
aparentemente esdrúxulo associado, os comunistas estão mais uma vez e
sempre apenas cumprindo novos ângulos da sua inarredável e implacável
lei de guerra: ‘Quanto pior, melhor’. Pois eles sabem muito bem o quanto
ajuda suas tão acalentadas ‘condições revolucionárias’ que haja só um
produtor de alumínio, só um fornecedor nacional de zinco, só um grande
comprador-exportador de café, só um produtor de determinada fibra
sintética ou tecido, ou só um produtor de vidro plano. Eles sabem muito
bem que qualquer monopólio, público ou privado, de qualquer natureza,
ainda que de formicida ou pó mata-rato, é prejudicial à economia de um
país e à sua salubridade social.
Mas, o espantoso não é que, a esta altura da evolução política dos
povos, os comunistas usem esses bodes e essas táticas, que certamente
continuarão a usar também lá pelas alturas de 1980 ou no ano 2000 – pois
até lá, mesmo com o inevitável desaparecimento do sistema, existirão os
comunistas por sebastianismo como ainda há florianistas por aqui, e os
bonapartistas na França. O espantoso não é que os vermelhos usem essas
excrescências do egoísmo pretendendo apontá-las como flores e frutos
inerentes e exclusivos das condições do capitalismo.
O espantoso é que homens de inteligência, de idealismo e piedade se
postem ridiculamente no papel de seus caudatários, seus afluentes,
sacristãos ou filósofos-de-reboque e insistam, com o automatismo inerme
de uma câmara de eco, que a nuvem é mesmo Juno.
É impressionante que Emil FARHAT tenha previsto o fim do comunismo
soviético. Sua intuição estava fundamentada na convicção de que o avanço
da ciência e tecnologia era privilégio de uma sociedade competitiva que
tinha conseguido resolver o problema da educação e com isso priorizar a
pesquisa científica como motor da evolução econômica. E prossegue seu
manifesto atacando o egoísmo humano:
Como se não houvesse egoístas, e dos piores, em todas as classes
sociais, em todas as condições humanas, entre todos os partidários de
qualquer sistema econômico ou filosofia. Não é intransferível privilégio
da riqueza gerá-los em seus berços de ouro. Como também o opróbrio da
miséria não é partejá-los em suas enxergas. O egoísta é erva daninha que
ostenta sua ressequida e contorcida esterilidade em todas as latitudes
sociais.
Há, sim, ricos que, por seu egoísmo ou por seu amoralismo, não merecem
nem a raspa da cuia de feijão de um mendigo. Mas a existência de meia
dúzia desses dromedários empatacados não pode ser justificativa para
condenar-se uma nação inteira ao nivelamento pelos padrões rasteiros da
miséria e a jungi-la à canga anti-humana de uma ditadura marxista ainda
que travestida sob o rótulo engana-bispo de ‘democracia popular’....
Egoísta é aquele que julga que a sociedade deve apreciar e valorizar
suas qualidades, ainda que não se tenha desdobrado em algo que as
demonstre; ou os que recebem dos dinheiros do povo sem cumprir seus
deveres para com ele.
Egoístas são também aqueles que se encostam em sinecuras, onde nada
executam, nada fazem, nada produzem senão o tricô de intrigas dos
corações vazios, e onde nada deixam senão o exemplo de suas vidas
parasitárias.
O egoísmo não tem sua morada apenas nos gordurosos e soturnos corações
dos forretas fanatizados pela posse do ouro e do azinhavre. Ele também
se acama e se derrama nos canteiros da inércia e da preguiça, onde
brotam e florescem todos os úmidos cogumelos do parasitismo, flor típica
das bolorentas estufas do Estado.
É preciso que as piedosas marias-vão-com-as-outras, que os comunistas
encantaram com a sua bruxaria palavrosa e seus sofismas diabólicos, se
lembrem de que, tanto quanto a avareza, A PREGUIÇA É TAMBÉM UM PECADO
MORTAL. Por que dar a hóstia da impunidade aos milhares de espertinhos
nacional-sinecuristas, que assinam o ponto nos locais de ‘trabalho’ e só
voltam para receber no fim do mês, e condenar apenas o bode onzenário,
cuja pátria é a sua burra e cujo ‘povo’ são apenas os que vivem da sua
sala à sua cozinha?
Opondo o lugar comum das palavras de ordem ‘o mundo marcha para o
socialismo’ com a sua convicção de que ‘o mundo marcha para a
socialização do consumo’, FARHAT previu que o consumo seria a grande
pressão das massas na sociedade tecnológica que se fortalecia como fator
indeclinável do pós-guerra. Baseando-se na notícia do colapso dos bens
de consumo existentes na União Soviética de então, ele examina as
contradições do modo de produção estatal para enfatizar a agonia do
modelo.
E depois vai desmanchando os argumentos com que a esquerda em geral se
agarra para prometer a satisfação das necessidades humanas no socialismo
ao maior número de pessoas possíveis. Mostrando que o novo capitalismo
democratizado – o capitalismo avançado – era a fórmula que criava o
maior bem-estar social comprovadamente onde tivesse prosperado, em
oposição ao modelo estatizante já moribundo, FARHAT demonstra que a
prosperidade não é uma questão de conceitos, mas de fatos, de
experiência humana, de realização concreta da sociedade quando os
valores são o do mérito e do preparo intelectual, completamente
deturpados no estatismo do socialismo real.
Mas não aborda uma questão colocada na atualidade: a resiliência do
socialismo depois de sua queda. Evidentemente que nos países
desenvolvidos ele só renascerá das cinzas de uma crise generalizada. Mas
entre nós, pobres emergentes tracionados pela Ásia, podemos conjeturar
que são múltiplas: a) um ‘encosto’ para os menos dotados. Trata-se de um
componente macunaímico da brasilidade que protege os preguiçosos
atávicos, os marcha-lenta da inteligência. b) um sistema de suborno
material e moral do Estado, qualificando os piores tipos para os
melhores cargos. O suborno material pelas mordomias. O suborno moral
pela atmosfera de venalidades corriqueiras que cerca as instituições. O
iniciante vai sopesando as conveniências do cargo com os horrores do
ambiente e se acomodando em um niilismo embrutecedor. c)
Stultorum numerus infinitum est.
Não fosse a superficialidade do materialismo dialético, da estrutura de
classes da sociedade, do determinismo histórico, e mais meia dúzia de
engole-engole de subsumir certas platitudes como “leis sociais”, o
marxismo terceiro-mundista não teria tanto êxito. d) as facilidades do
capitalismo com o capital alheio: é a melhor e mais promissora forma de
emprego de capital. Não há risco, não há sanções, não há fracasso. O
contrário causa horror e um alarido esbravejador: a privatização de
entes estatais, a lógica da eficiência, o mérito ao mais hábil e
perspicaz. Depois basta fazer de conta que não se sabe de nada e deixar
os mutuários chupando o dedo, como o caso Bancoop. e) Coroando todo o
processo, o reforço da ideologia desculpatória, do vitimismo
persecutório, do coitadismo e de uma espécie de autocomplacência que os
“explorados” nutrem por si mesmos. Aqui o primitivismo idealista dá as
mãos ao romantismo juvenil arregimentado nas ideologias pega-mosca dos
bancos universitários.
As ‘crises nacionais’ e a indecisão pendular das lideranças
No Brasil não existe nenhum funcionário conhecido, de nenhum escalão
federal ou estadual que tenha renunciado ao seu posto em protesto contra
uma atitude de governo, como fez Octavio Paz no México em 1968, a
propósito do massacre da Plaza Tlateloco em que morreram 50 estudantes
durante as manifestações políticas da época. A polícia abriu fogo contra
os manifestantes, ocasionando um enorme rebuliço político. Inconformado
com a atitude do Estado, Octavio Paz, então um embaixador de carreira,
renunciou ao posto e nunca mais voltou ao serviço público.
FARHAT inicia este capítulo com reminiscências do golpe de 37 que
entronizou o Estado Novo no Brasil. Dias antes, José Américo de Almeida,
o autor de A Bagaceira, fazia comício em Niterói onde aplaudido pela
multidão já antevia a presidência da república em suas mãos. Emil FARHAT
foi um dos oradores do evento, e o fato de José Américo sucumbir à
ditadura, aceitando o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União
pouco tempo depois, foi para FARHAT o ato mais decepcionante de sua
curta vida política. José Américo fazendo o papel de Judas, de
joaquim-silvério-ambulante, de traição às aspirações nacionais e de
abandono de toda a resistência com o gesto que congelou a “ebulição de
todas as rebeldias que ferviam Brasil afora; imobilizou os braços que se
levantavam e os punhos que reagiriam; fulminou as esperanças, estancou
as torrentes subterrâneas; desorientou as vozes que liderariam nas
reuniões secretas ou articulariam nas conspirações” (FARHAT, 1968, p.
294).
A juventude brasileira, civil e militar, que, através das incandescentes
pregações do líder valoroso, já se havia aquecido até o paroxismo do
mais vibrante entusiasmo e disposição para a grande arrancada
recuperadora e regeneradora, sentiu-se tomada de um verdadeiro complexo
de castração cívica, como se com aquilo e diante daquilo terminasse os
seus dias viris e sua exuberância humana – e isolada em desorientação e
desespero, começou até a descrer que houvesse heróis em nossa História,
ou até mesmo a própria História...
Aconteceu então que, empurrado pelo confusionismo de amigos fardados –
talvez muito mais tocados de sentimentos de piedade do que por cálculos
táticos – José Américo, afogando-se numa poltrona burocrática, pareceu à
Nação inteira, já mergulhada na semi-escuridão da ditadura, um boneco
sem alma nem crença, sem firmeza nem senso, sem moral nem grandeza.
Exatamente o oposto de tudo aquilo que sempre fora, e que precisaria TER
MOSTRADO QUE CONTINUAVA SENDO (FARHAT, 1968, p. 295).
Uma cooptação vergonhosa acaba com as esperanças dos “jovens estudantes,
os trabalhadores, os negociantes, fazendeiros e industriais, os
profissionais liberais e os outros distantes escalões militares e civis –
aquele povo inteiro que ainda não encontrara seu líder, vir desaparecer
melancolicamente, prosaicamente, conformadamente, sob a pilha de papéis
burocráticos, o homem que deveria ter ido, de ‘peixeira’ entre os
dentes, para os subterrâneos e as cavernas do ‘undergound’, para cavar
as trincheiras da liberdade e a catacumba da ditadura.... o MINISTRO
José Américo participava, com aquele cargo, do ‘governo’ e do regime que
usurparam de modo tão torpe as liberdades e as esperanças de todos....
Aqueles quase dez anos palustres, abafadiços, rasteiros e irrespiráveis
do ‘Estado Novo’, em que o Brasil se tornou uma nação vegetal, uma
charneca humana, onde só os cogumelos alteavam a cabeça oca, fofa e
pastosa, criaram para os náufragos da liberdade um negrume total de
naufrágio noturno: não havia luzes guiadoras nem firmes esperanças a que
se agarrar. Prostrado, o povo civil não reagia; vendo isto, os
militares se conformaram. E ele próprio, José Américo, pelo seu contínuo
silêncio disciplinar, sem tentativas, sem gestos, nem rebeldias,
deixava sem motivação e sem vida aqueles fantasmas cívicos dos que
outrora o seguiriam” (FARHAT, 1968, p. 296).
José Américo só viria a romper o mutismo em entrevista ao então repórter
Carlos Lacerda 10 anos depois. O caráter ziguezagueante dos nossos
políticos, a ‘indecisão pendular’ é atribuída por Emil FARHAT ao caráter
bacharelesco de nossos mandatários. Guindados à administração, quase
nada sabem de gestão. Envolvidos no torvelinho da política, optam pelo
‘neutralismo’. Para o político médio governar significa “uma contínua
operação ‘deixa-disso’, em que a Nação, por mais que cresçam seus
problemas, deve, afrouxadamente, sempre estar cedendo, sempre
condescendendo com os relapsos e incapazes, e sendo generosa com os
preguiçosos e viciosos, e cheia de recompensas para aqueles ‘coitados’
que nada fizeram nem querem fazer. Sua obsessão político-eleitoral é
APOSENTAR. Aposentar todos os trabalhadores, antes mesmo de saírem para
seu primeiro emprego... A sua recôndita e simplista filosofia
‘humanista’ é a de que, aqueles que não têm capacidade ou vontade de
produzir coisa nenhuma, são por antecipação ‘espoliados’ por aqueles
outros que inventam máquinas e técnicas, desenvolvem métodos e processos
e organizam empresas para as criarem e produzirem...
O Brasil veio sofrendo, ao longo das décadas de 30, 40, 50 e 60, da
falta de densidade, ora mental, ora moral, da maioria dos pretensos
líderes partidários... (FARHAT, 1968, p. 302)
Esta asfixia espiritual contaminava todos os partidos, todas as
lideranças, criando a indecisão pendular característica da política
brasileira. Emil FARHAT descreve o partido socialista e sua obsessão em
antes de agir ‘saber o que pensariam os comunistas’. A UDN, formada
pelos ideais da classe média, totalmente desfigurada de ideais. O
trabalhismo brasileiro, sem o idealismo de Fernando Ferrari e Alberto
Pasqualini. A democracia-cristã acendendo uma vela a Deus e outra ao
diabo era a figura do adesismo.
Uma grande dose da descrença popular na integridade dos partidos, e na
do próprio Congresso, vinha da complacência com o bifrontismo e com a
duplicidade, e da falta de sanção e penalidade para o vira-folhismo” (p.
308).
Para não ousar perigosamente, para não ter que decidir ou optar,
enrodilhavam-se em razões, leis, regulamentos, obrigações, consensos;
embarafustavam pelo Dédalo de mil opiniões contraditórias e esticavam ao
infinito os motivos para a indecisão, para a procrastinação de qualquer
solução corajosa dos problemas (p. 309).
A obstinada e exclusiva preocupação da sobrevivência tem sido a
principal força que comanda o vaivém pendular dos políticos sem bagagem
nem coragem. Prisioneiros do seu meio, escravos da multidão, obcecados
pela aritmética das urnas e pela contagem dos aplausos, eles se tornam
presas fáceis das flutuações da opinião pública, espontâneas ou
forjadas. E, diante dos nevoeiros, não tendo luzes próprias, caminham
desarvorados como fantasmas, tentando apalpar o pulso do povaréu, em
busca da rota que todos estiverem seguindo.... (p. 310)
A incapacidade do chamado ‘bacharelismo’ para a visualização das coisas
concretas, e sobretudo o seu permanente temor em quebrar o equilíbrio de
forças e ferir a imutabilidade da paisagem humana e social, se
entremostram repetidos melancolicamente ao longo de nossa História.
Somente a enfadonha sucessão desses búdicos e cautelosos cultores do
imobilismo é que explica em nossa vida pública a prolongada
sobrevivência de males, erros ou situações intoleráveis – como, por
exemplo, a escravatura – só resolvida praticamente pela incontível
violência da crise ou pelo apodrecimento dos grupamentos ou reações a
ela contrários (FARHAT, 1968, p. 312-313).
Temos algumas lições a tirar dessas observações dos anos 60? Considere a
transposição do São Francisco, um projeto acalentado desde o Império em
que o atual governo (representado por um nordestino que se gaba de seus
80% de popularidade) se acovardou por causa de um bispo e meia dúzia de
esbravejadores. E assim podemos desfilar projetos, estratégias de
desenvolvimento, todas esquecidas na poeira dos escaninhos, na escuridão
dos arquivos. A ‘indecisão pendular’ faz parte da nossa constituição
como sistema político. O político indeciso não consegue se mover quando
se colocam os interesses da Nação: tudo se procrastina. Se não há lucros
concretos de seus agentes envolvidos na definição de metas, então as
ideias se decantam no lodo do tempo. Mas quando os interesses
patrimonialistas entram em ação tudo se move rápida e celeremente. Então
os papeis andam, os carimbos ribombam nos ares, as assinaturas
garatujam pomposamente os processos, as ordens perfilam a máquina
burocrática com indisfarçável fluidez e cobrança do suborno em ação na
apropriação do capital social.
O flagelo da seca do nordeste já era laconicamente apontado por FARHAT:
O primeiro que procurou uma solução mais sistematizada do problema foi o
grande homem público que se chamou Epitácio Pessoa. O governo Epitácio
concentrou o que parecia ser o melhor de suas forças administrativas na
construção de numerosos pequenos açudes. Mas um deles, o de Orós, era
gigantesco e, não tendo sido completado no período do presidente que o
iniciou (1922) caiu também sob as consequências da falta de continuidade
administrativa, tão característica das coisas governamentais – e só
veio a ser terminado 40 anos depois, em 1960 ... com um espetacular
rompimento de sua barragem, que estava em vias de conclusão...
Ainda aí, infiltrada nessa boa vontade que tentava resolver em ritmo de
cágado o problema das secas, aparece também a indecisão pendular, o
receio de enfrentar frontalmente a consequência mais imediata da
açudagem: os problemas político-sociais do SEU APROVEITAMENTO POR TODA A
COMUNIDADE. Nunca se decidiu de que maneira – ou nunca se executou a
decisão do modo por que – as populações regionais, e não apenas os
proprietários das terras ribeirinhas, tirariam proveito das massas
d’água acumuladas mediante aqueles imensos gastos públicos. Ficaram
adiadas indefinidamente as redes de canais que poderiam levar as águas
dominadas a ter a utilidade primacial que delas se buscava: a irrigação
das centenas de milhares de propriedades que esperavam o seu benefício.
Em entrevista concedida a vários jornais e publicada no ‘Diário de
Notícias’ do Rio em julho de 1964, o ministro Marechal Juarez Távora
confirmava e lamentava: ‘Orós tem 2,3 bilhões de metros cúbicos
represados, mas sem qualquer vantagem para a região, pois até hoje não
há um palmo verde de irrigação, nem 1 kw de instalação e nada se produz
lá’.
Essa maneira de fazer a meio, de adiar a solução final dos problemas, de
continuamente contornar as conveniências do ‘status quo’, tornou os
açudes nordestinos muito mais um embelezamento da paisagem do que uma
correlação da economia; dir-se-ia uma açudagem literária, feita para
atender às vigorosas e emocionantes mensagens dos escritores da região
que, com a maravilhosa carpintaria das suas páginas candentes,
conseguiram por diante dos olhos e do coração do Brasil, num palco,
único, o drama da terra comburida pelas secas e o das almas ressequidas
pela miséria e pela secular desassistência.
Os sintomas mais característicos do ‘bacharelismo’ – a falta de
objetividade e o imobilismo búdico – depois de tantas décadas, vindos
das estufas veludosas do Império e cultivados nas prateleiras da
República, contagiaram o corpo administrativo do Brasil, dando uma
‘fisionomia profissional’ única aos homens de governo em todos os
escalões do poder: presidentes, ministros, governadores, prefeitos.
Todos tinham a mesma inerte postura, a mesma prudência de ‘não fazer
nada’, não tocar na caixa de marimbondos da cobrança EFICIENTE dos
impostos, não brincar com o fogo das inovações incômodas e
revolucionárias, ou cuidar apenas das fachadas sem remexer nas
velharias, aleijões, imundícies ou escombros do fundo do quintal
(FARHAT, 1968, p. 317-318).
A interpretação deste site, no entanto, difere da fornecida por FARHAT.
Insistimos no ponto de que o subcapitalismo brasileiro é mantido pelo
sistema político-burocrático para fins de drenagem de recursos
permanentes da União para as oligarquias regionais. Uma inversão do
colonialismo onde a metrópole determinava a direção do fluxo de capital,
passa na república do semicapitalismo como uma força permanente para
reivindicar recursos que só poderão chegar se os problemas FICAREM SEM
SOLUÇÃO. Portanto, toda a atividade política deve ser canalizada para a
escassez, para garantir a necessária intervenção das verbas, para
‘resolver os problemas’, que devem ficar ainda irresolvidos, ao menos em
parte, ou até quem sabe, sabotados (rebentando a barragem) para que o
problema não se solucione, e a miséria e a carência possam em novo ciclo
requisitar o concurso da proteção política que novamente irá para os
bolsos da canalhocracia e o problema continuar ‘impávido colosso’.
INSISTIMOS NESTE PONTO: o subdesenvolvimento brasileiro é perfeitamente
elaborado para não resolver os problemas e todos os políticos que saem
fora do diapasão das promessas (tão necessárias em campanhas) logo são
arrastados para a calúnia e ignomínia e terminam no limbo da
inelegibilidade: quem não aprendeu esta lição nunca esteve na intimidade
da política e não conhece o Brasil fora das cátedras, dos institutos de
estudos, das bibliotecas recheadas de obras inúteis, de papagaiadas
ridículas, de teorias sociológicas lamentáveis.
O colonialismo por inversão, em que as elites locais constituem uma
oligarquia confiscadora dos recursos públicos de Brasília, tem se
mantido estável e permanecerá como tal enquanto os fundamentos do
sistema político permanecerem como tal. O nordeste tem sua história de
secas no antigo Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS),
fechado por avassaladora e incontornável maré corruptora, e agora em
vias de ressurreição. E a destinação dos royalties do pré-sal para
estados e municípios só fará aumentar a corrupção no país e enrijecer o
sistema político com um braço no cangaço e outro no voto.
As ‘chaves’ comunistas: terror intelectual e terror econômico
Neste capítulo, contando quase anedotas da vida
política, FARHAT mostra como os políticos ficaram emparedados nos anos
60 com o medo atroz da pecha de ‘reacionários’, ‘vende-pátria’ e
qualquer outra denominação que a emergência comunista atribuía a seus
adversários. Qualquer iniciativa para resolver problemas de
infra-estrutura que contasse com o capital privado, ou com empréstimos
internacionais era logo forçada à desistência sob o pesaroso medo de
comprometer-se com o ‘imperialismo internacional’.
O nosso último episódio de terrorismo político ocorreu em 2006, com a
campanha de Alckmin andando para trás ao ser denunciadas suas intenções
de privatizar a Petrobras. Em vez de enfrentar a empáfia inimiga,
Alckmin recuou atemorizado, colocou um jaleco ridículo com os símbolos
do BB, BR e CEF e saiu desmentindo as calúnias, como se não tivesse de
fazer o contrário, isto é, acuar os adversários com o sucesso
espetacular para os cofres públicos das privatizações do setor
siderúrgico e das telecomunicações do governo FHC.
E às voltas com mais uma eleição (2010), novas lavas de terrorismo
político serão expelidas do vulcão traiçoeiro do marxismo sebento como
erupções de fumaça e cinzas prontas para embaciar a visão dos eleitores
com o medo atroz da privatização, da destinação do pré-sal para fora do
círculo vicioso de ‘estados e municípios’.
Por terrorismo econômico, FARHAT argumenta a equação do ‘quanto pior
melhor’ da estratégia leninista de sublevação e conquista do poder. De
nossa parte, não é preciso ir tão longe: a simples visão sistêmica de
empreendimento estatal versus privado, ampliação da presença estatal
versus particular, já é por si só suficiente para garantir uma enorme
massa de miseráveis servindo uma pequena oligarquia. É o modelito do
eterno subdesenvolvimento, e todo reforço estatal significa acender uma
vela ao atraso.
Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão, faz eco hoje (junho/2010) do
mesmo bordão sobre a reativação da Telebrás, ao criticar o esvaziamento
da ANATEL e do Ministério das Comunicações para passar decisões dessas
pastas à Casa Civil:
... Na visão do grupo petista que comanda as mudanças, quanto menor for a
capacidade de atuação da Anatel, mais problemas surgirão no setor de
telecomunicações. Para esse grupo, quanto pior, melhor. O que lhe
interessa é exatamente isso: torpedear a agência reguladora para
desmoralizar o novo modelo institucional das telecomunicações e provar à
opinião pública que a privatização “fracassou e não deu certo”. E,
assim, justificar o avanço do projeto estatal.
(http://blogs.estadao.com.br/ethevaldo-siqueira/)
O livro de FARHAT parece velho? Não há um traço sequer na sua
argumentação que possa ser dada como superado sistemicamente, o que
sugere uma lei da brasilidade: “conservando-se o sistema político, todas
as mazelas sociais permanecem inalteradas em uma sociedade tripartite”.
Por tripartite entendemos os nossos 3 sistemas: o subcapitalismo da
pobreza, o semicapitalismo do governo e o capitalismo avançado e acuado
da era Lula. Porque a pobreza é chaga resultante da estatização (não só
de empresas, mas dos recursos gerados pelo sistema político), do
loteamento político de seus cargos, depois dos déficits crônicos com o
dinheiro dos impostos fluindo para sustentar o monstro estatal
encarquilhado. E este ciclo sempre se sustenta pendularmente no Brasil,
cuja sociedade em que por maior que sejam as reformas, por mais avanços
que se façam em um momento de crise, logo a demagogia política, o
empreguismo, o eleitoralismo e o concessionismo tratarão de implementar o
DESMANCHE estatista e mergulhar o país em nova fase de retrocesso:
“Quando os EUA ainda nada eram, o Brasil já tinha sido o maior produtor
de madeira do mundo, o maior produtor de açúcar do mundo, o maior
produtor de ouro do mundo, o maior produtor de trigo das Américas, o
maior produtor de borracha do mundo, o maior produtor de café do mundo”
(FARHAT, 1968, p. 370).
Quase ninguém sabe que na primeira metade do século XIX a experiência
tritícola do Brasil foi pioneira, adequando-se esta lavoura em diversos
locais do sul e centro-oeste, sendo suas mudas exportadas para o Uruguai
e Argentina, de onde o trigo passou a ser importado no século XX e o
Brasil nunca mais recuperou sua autossuficiência no cultivo do trigo.
Povo burro é povo pobre
Por fim, FARHAT investe contra o grave problema educacional brasileiro:
naquela época as deficiências do ensino do Brasil pareciam
avassaladoras, mas como um déficit que sempre aumenta, hoje são ainda
maiores. Naquela época ainda não existia uma disseminação tão grande da
‘ignorantsia’ universitária em nossas cátedras de ciências humanas,
tornando estas ciências quase uma caricatura do ‘pensar marxistóide’
nacional.
A questão da educação talvez seja o ponto de concentração mais discutido
por todos os brasileiros carregados de idealismo por sua pátria e de
decepção pelos estragos políticos de seus representantes eleitos. É onde
o bom caráter dos esperançosos se concentra em busca de saída para a
ignorância ululante feita matéria prima da esperteza parasitária em
frente ampla com a incompetência administrativa, o espírito de
marajaismo, a tendência indeclinável ao descaso com o dinheiro público e
à corrupção generalizada.
FARHAT não foi diferente. Em seu livro ‘Educação a Nova Ideologia’
(1975) tratou especificamente do tema. A crônica dos nossos desperdícios
com projetos suntuosos, com mega-universidades centralizadas no lugar
de cursos técnicos espalhados pelo país, com universidades quase sem
alunos e com uma quantidade de professores muito acima da média dos
demais países é a pedra de toque de suas análises.
Esse assunto começou a ser apresentado ao país – com mais substância
argumentativa – por Rui Barbosa em 1882 (Relatório Sobre o Ensino).
Desde então a Educação nunca mais saiu da consciência intelectual e dos
discursos políticos, mas, ao mesmo tempo, sempre viveu no precipício da
insuficiência, na vertigem da falta de verbas, na iminência de desandar
morro abaixo na frouxidão do espírito austero necessário à sua eficácia.
Mark Twain (1835-1910) dizia em um de seus epigramas:
‘I have never let my schooling interfere with my education’,
indicando o que talvez somente na era da Internet venha a ter pleno
significado: não há mais educação possível baseada apenas nos diplomas
universitários, na certificação institucional. O século XXI está aberto
àqueles que acreditam em educar a si mesmos, em complementar as lacunas
terríveis da escola e a permitir o crescimento pessoal a despeito dos
preconceitos e da superficialidade do ensino básico. O CAPITAL HUMANO é
para Emil FARHAT a riqueza mais importante da sociedade moderna, e suas
frases inimitáveis são a prova contundente de sua superioridade de
argumentação e tirocínio.
Gostei da resenha! Estou lendo esse livro atualmente e realmente notei que ele parece ser mesmo um "livro maldito" ou, ao menos, "proscrito". Não há qualquer referência biográfica válida do Emil Farhat na internet (nem mesmo na wikipedia, onde aparece apenas o seu filho).
Acho que o livro transcende a divisão da política em direita e esquerda. Denuncia já em 1967 um socialismo "bolorento" e que, depois, acabou tendo o seu fim na década de 80. Enquanto as lideranças de esquerda na Europa ocidental avançavam para uma luta dentro dos limites da democracia, os núcleos de esquerda brasileiros estavam ainda reafirmando os ideais marxistas originais e tentavam criar as condições para uma "revolução socialista". Como sempre, o Brasil é anacrônico em termos de idealismo político.
Esse livro do Farhat é muito atual porque mostra que o nosso pais não evoluiu tanto assim, principalmente na política e na administração pública em geral.
Apesar de parecer um libelo contra os movimentos de esquerda, o livro representa muito mais uma defesa do liberalismo e da democracia.
Contudo, o Farhat me pareceu um pouco ingênuo ao acreditar nos "ideais" justiceiros da incipiente ditadura militar do Marechal Castelo Branco. Evidentemente que o livro foi escrito antes da Constituição Federal de 1967, da Emenda de 1969 e do AI 5, mas atacar a ditadura do "Estado Novo" do Getúlio Vargas e abraçar as atitudes do governo militar (que tomou o poder também mediante um golpe de estado, disfarçado de revolução) me pareceu uma atitude contraditória por parte do Farhat.
Ainda não tenho uma opinião formada sobre o livro e sobre seu autor, mas achei interessante a resenha de vocês como forma de divulgação dessa obra, que é rica e importante para fins de conhecimento histórico.