Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Um especialista em relações internacionais apontou uma
significativa discrepância entre a política externa e a política de
defesa do Brasil, levantando questões sobre a coerência estratégica do
país no cenário global.
Vitelio
Brustolin, pesquisador de Harvard e professor de Relações
Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou em
entrevista ao WW o que ele chama de “divórcio” entre estas duas esferas cruciais da política brasileira.
Alinhamento Contraditório
Segundo
Brustolin, enquanto a diplomacia brasileira busca um alinhamento com
potências como Rússia e China, a política de defesa do país continua
fortemente ligada aos países da OTAN (Organização do Tratado do
Atlântico Norte).
“O Brasil, em 2021, estava fazendo exercícios
com países da OTAN no Mar Negro, que hoje é teatro de operações da
guerra da Rússia contra a Ucrânia”, exemplificou o especialista.
O
professor ressaltou que o Brasil adquire equipamentos militares de
países da OTAN desde a Segunda Guerra Mundial. Ele citou exemplos como
veículos do exército da Itália, equipamentos navais da França, caças
Gripen da Suécia e colaboração com os Estados Unidos no programa
espacial brasileiro.
Desafios Práticos
Brustolin
argumenta que esta divergência cria desafios práticos para o Brasil. “O
Brasil não tem nem munição para projetar poder para ajudar a China a
invadir Taiwan”, afirmou, ilustrando a inviabilidade de um alinhamento
militar efetivo com potências como China e Rússia no curto prazo.
O
especialista enfatiza que, para um alinhamento coerente com Rússia e
China, o Brasil precisaria primeiro alinhar sua política de defesa,
incluindo a produção de equipamentos compatíveis e treinamento conjunto
de tropas, um processo que levaria décadas.
“Não adianta a gente
ir para um lado com a política externa e para o outro com a política de
defesa, as duas têm que andar juntas”, concluiu Brustolin, ressaltando a
necessidade de uma estratégia mais coesa e de longo prazo para a
posição do Brasil no cenário internacional.
Apelos
do presidente por “justiça” ou “inclusão” dos países pobres em
instâncias que deveriam ser de governança global são apelos morais
feitos por quem abandonou a moralidade.
Poucas vezes fomos confrontados com afirmações tão desonestas, tão deformadas em seu vies pró-chavista. PRA
Venezuela: Não é correto reconhecer presidente com “atas nas mãos da oposição”, diz Amorim à CNN
Celso Amorim destaca problemas na eleição venezuelana, sugere nova votação com supervisão da União Europeia e alerta para a necessidade de diálogo e reconciliação nacional
Leia abaixo uma versão editada da entrevista que a CNN fez com Amorim:
CNN: O que o senhor está lendo sobre o que está acontecendo na Venezuela hoje, levando em conta que já se passaram várias semanas desde as eleições?
Celso Amorim: Estive na Venezuela durante as eleições, inclusive com o presidente Maduro, no dia seguinte; também estava presente o presidente da Assembleia Nacional, e falei sobre a necessidade de ter as atas.
Isso faz parte do acordo de Barbados, aceitar a transparência da parte deles e, para dirimir qualquer dúvida, seria importante ter as atas.
Ele me disse que seria uma questão de dias, de alguns dias, ele até acrescentou, “como sempre ocorre”. Mas, bem, ainda não as temos.
Do outro lado, temos as atas da oposição, mas também não me parece correto basear o reconhecimento de um presidente em atas que estão nas mãos da oposição, de um partido, não do Conselho Nacional Eleitoral. Embora saibamos que são cópias, não me parece correto.
CNN: Essa promessa de que em poucos dias as atas apareceriam, Nicolás Maduro fez diretamente ao senhor?
Amorim: Vamos ter que pensar com imaginação.
Enfrentamos uma situação, não era idêntica, os fatos não eram os mesmos, mas uma situação muito difícil após a tentativa de golpe de Estado em 2002, e em 2003 criamos um grupo de amigos que analisaram a situação e fizeram propostas que os dois lados aceitaram e, naquele caso, foi um referendo revogatório.
Agora não é o caso, mas será necessária alguma imaginação e também tolerância de ambas as partes, pois é um problema muito sério. Não se trata apenas de quem venceu uma eleição; há uma divisão muito profunda, e me parece que é necessária uma reconciliação nacional.
CNN: Esse exercício de imaginação poderia chegar ao ponto de pedir novas eleições na Venezuela?
Amorim: Já se falou sobre isso, mas não podem dizer que é uma proposta do Brasil, porque não deve ser uma proposta do Brasil ou de outro país, deve haver um diálogo do qual possa surgir uma solução.
Poderia ser isso, não sei se seria suficiente, teria que fazer parte de um pacote, como disse o presidente (Gustavo) Petro no X, que tenha garantias recíprocas entre o governo e a oposição. Não só a garantia de não perseguição, mas também garantias de participação no processo eleitoral.
No próximo ano, estão programadas as eleições parlamentares e regionais. É muito importante que… São mais de dois partidos, mas que os dois lados principais possam participar livremente.
CNN: Essa ideia de repetir as eleições, pelo menos em uma primeira reação oficial da oposição, por exemplo, no caso de María Corina Machado, não foi bem aceita. Há outro caminho?
Amorim: O fundamental é o diálogo, e no diálogo deve haver um pacote. Por exemplo, a UE seria uma boa entidade para acompanhar as eleições. Eles estavam convidados, mas o convite foi retirado porque a UE manteve as sanções.
Então, deve haver tolerância, não deve haver arrogância daqueles que querem ajudar, porque é fundamental lembrar que a Venezuela é um país independente. Estamos tentando ajudar, como fizemos há 20 anos com o referendo revogatório, mas não para intervir, não para dar uma prescrição, dizendo “façam isso”.
CNN: A principal líder da oposição, María Corina Machado, não quer novas eleições. O que o senhor acha disso?
Amorim: Não consigo compreender. Se ambos os lados dizem que venceram, por que não realizar outra eleição em que se possam evitar os problemas que, dizem, contaminaram essa eleição? Se ela ganhou, provavelmente ganhará de novo, não?
Não estou questionando a Corina (Machado) nem nada parecido, estou dizendo que o diálogo é importante, a tolerância é importante.
No caso da Venezuela, há uma divisão muito profunda, parece que são quase dois países, não é possível isso. Deve haver um diálogo, e os amigos do diálogo podem estar presentes.
Naquela época… Não estou dizendo que as soluções são as mesmas, mas foi criado o grupo Amigos da Venezuela, que incluía o Brasil, por exemplo, que tinha um bom diálogo com (Hugo) Chávez, mas também os Estados Unidos ou a Espanha, que tinham reconhecido, inclusive, o golpe de Estado.
CNN: O senhor acredita que Maduro eventualmente reconheceria uma derrota em uma segunda eleição?
Amorim: Se houver uma supervisão real… Mas, para isso, seria importante que a UE suspendesse as sanções. Se houver uma supervisão real, o problema não surgirá, porque a própria supervisão evitará as dúvidas que existem agora.
CNN: Vou fazer uma pergunta que parece pessoal, mas é política. Quando o senhor viu cara a cara Nicolás Maduro e ele lhe prometeu que em poucos dias as atas eleitorais apareceriam, o senhor acreditou nele?
Amorim: Tenho 82 anos, tenho um grau suficiente de ceticismo político, mas também tenho confiança no ser humano, então preferi acreditar. Não estou acusando de nada, mas esse é o fato.
CNN: Qual é a sua opinião e a do Brasil sobre as denúncias de detenções arbitrárias e até mesmo de pessoas cujo paradeiro ainda é desconhecido após as eleições?
Amorim: Não conheço os detalhes das detenções. Claro que somos contra todo tipo de detenção política e espero que isso seja resolvido também em um contexto de reconciliação e diálogo, porque não há outra maneira de enfrentar isso.
Países como Colômbia, Brasil, México também — mas o México agora está em uma transição, então é mais difícil –, mas estamos lá. E qualquer país de fora da região, desde que não seja com arrogância.
CNN: A posição histórica do Brasil em relação à Venezuela pode mudar se tudo continuar como está e as atas eleitorais não aparecerem?
Amorim: A posição histórica do Brasil é ajudar a encontrar uma solução.
Na época, Chávez nos procurou porque queria que o ajudássemos; ele queria mais um grupo de amigos de Chávez do que de amigos da Venezuela, e o presidente (Lula) lhe disse isso, exatamente com essas palavras, ao presidente Chávez.
Finalmente, foi criado um grupo que era composto pelo Brasil, mas também pelos Estados Unidos, México, Chile, Espanha e Portugal. Então, havia pessoas mais próximas de Chávez e pessoas mais próximas da oposição.
Isso permitiu que se chegasse a uma conclusão que foi justamente, naquele caso, aplicável, o referendo revogatório. Chávez ganhou com uma margem bastante grande.
Agora, não sei, você perguntou sobre novas eleições, talvez, quem sabe? Não posso dizer com certeza que seja isso, mas sim o diálogo, que pode ser um diálogo com facilitadores, pensado um pouco fora da caixa, pode-se chegar a esse acordo.
Você me pergunta se sou otimista, nesse caso… A gente tem que ser otimista sempre, mas é muito difícil. Não quero simplificar a situação.
CNN: Esse otimismo ao qual o senhor se refere também é compartilhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Amorim: Isso é muito pessoal, mas se Lula não fosse otimista, não estaria onde está agora, depois de ser colocado de maneira totalmente injusta na prisão.
Ele conseguiu provar que era inocente e foi eleito pela terceira vez pelo povo brasileiro. É o primeiro presidente reeleito pela terceira vez no Brasil, sem mudar nenhuma regra.
CNN: É possível continuar sendo amigo de um país que não tem eleições transparentes, se isso for comprovado?
Amorim: A Venezuela é vizinha do Brasil. Os amigos (sic) são amigos dos vizinhos. Os vizinhos devem se tratar bem. Tenho esperança de que encontremos uma solução que permita uma boa relação com o governo da Venezuela.
CNN: Mas você tem vizinhos que são amigos com uma parte importante da população dizendo que essas eleições não terminaram com Maduro como presidente.
Amorim: Somos amigos da Venezuela, não de uma parte ou outra, somos amigos da justiça, da verdade, e isso é o que queremos.
CNN: O que o senhor acha que aconteceu com o processo eleitoral que o governo dizia que seria completamente transparente? Em que momento tudo se complicou tanto?
Amorim: Não tenho elementos para dizer em que momento isso aconteceu. O que sei é que, quando estive com o presidente, ele disse claramente que o CNE publicaria as atas em poucos dias e isso não aconteceu.
Eles alegam que houve hackeamento, eu não tenho como julgar isso. Mas, de qualquer forma, não cabe a nós fazer um julgamento de valor sobre cada coisa. Temos que fomentar um diálogo do qual possa surgir uma solução.
CNN: O senhor estaria disposto a voltar se o presidente do Brasil lhe pedisse?
Amorim: Sou assessor de Lula, não sou assessor nem de Maduro nem de Edmundo (González Urrutia), mas se Lula me pedir, pode ser.
CNN: Mas o senhor poderia ser um dos negociadores, um dos interlocutores válidos para tentar encaminhar esse processo?
Amorim: Vamos deixar o tempo passar e ver como as coisas acontecem.
CNN: Quanto tempo seria razoável?
Amorim: Quando se fala em tempo, parece que há um ultimato. Isso é sempre negativo, porque fazer um ultimato a um país e obrigá-lo a algo é invadir sua soberania. Por outro lado, se for feito um ultimato e não for cumprido, perdemos a credibilidade.
Vamos continuar conversando, haverá um momento em que haverá um cansaço, não sei, mas ainda não chegamos exatamente a isso.
Governo brasileiro caiu em mais uma de suas armadilhas com posição sobre Venezuela, diz ex-embaixador à CNN
Ex-embaixador Rubens Barbosa diz que o governo brasileiro se encontra em uma posição difícil diante da decisão do Supremo Tribunal da Venezuela de reconhecer a vitória de Maduro
O ex-embaixador Rubens Barbosa criticou duramente a posição do governo brasileiro em relação às recentes eleições na Venezuela.
Segundo o diplomata, o Brasil “caiu em mais uma de suas armadilhas” ao afirmar que a Justiça venezuelana seria responsável por solucionar a crise política no país.
Durante sua participação no programa WW da CNN Brasil, Barbosa comentou a decisão do Supremo Tribunal da Venezuela de declarar a vitória do presidente Nicolás Maduro nas últimas eleições.
O ex-embaixador destacou que o presidente Lula (PT) havia anteriormente declarado que era normal haver divergências e que a oposição poderia contestar o resultado da eleição.
Coerência política em xeque
Rubens Barbosa argumentou que o governo brasileiro se encontra agora em uma posição difícil.
“Como ele propôs que ocorresse o que ocorreu e que deveria ser a decisão da Suprema Corte, o que ele vai fazer agora? Vai reconhecer o resultado ou vai ficar calado sem fazer nada?”, questionou o diplomata.
Na opinião do ex-embaixador, o presidente Lula provavelmente não reconhecerá o resultado das eleições venezuelanas por questões de política interna e optará por permanecer em silêncio.
No entanto, Barbosa enfatizou que, para ser coerente com suas declarações anteriores, Lula deveria reconhecer o resultado da eleição.
A situação coloca em evidência os desafios enfrentados pela diplomacia brasileira na região, especialmente em relação a governos controversos como o de Nicolás Maduro.
O posicionamento do Brasil neste caso pode ter implicações significativas para as relações do país com a Venezuela e outros parceiros internacionais.
Former US House Speaker Nancy Pelosi at the Democratic Unity Dinner in Raleigh, North Carolina, on Saturday.
Bill Clinton, Barack Obama and Joe Biden reached the dizzying heights of the United States presidency.
But the most powerful Democratic leader of the first quarter of the 21st century is Nancy Pelosi.
The former House speaker has officially retired as Washington’s top Democrat. But she was back moving her chess pieces again in recent weeks, as the critical player who at first subtly, and then forcefully, pushed President Joe Biden aside after she judged that he could no longer beat ex-President Donald Trump in November. If Vice President Kamala Harris pulls off a victory against the Republican nominee in November, it will count as Pelosi’s most audacious political triumph yet.
The California Democrat wasn’t elected to Congress until she was 47 – she had spent the previous two decades bringing up her five kids – but she had politics in her bones as the daughter of Thomas D’Alesandro Jr., a congressman and mayor of Baltimore.
She shattered a glass ceiling in becoming the first woman speaker after leading Democrats to a majority in the midterm elections in 2006 and was instrumental in stifling Republican President George W. Bush’s power in his final two years and preparing the way for the first Black president, Barack Obama.
If it wasn’t for Pelosi, Obama would never have passed his signature domestic accomplishment, the Affordable Care Act. The speaker threaded the narrowest of political needles to get it done. When Donald Trump shocked Democrats by winning the presidency in 2016, Pelosi became his most effective countering force in Washington – and led Democrats back to control of the House in 2018 and reclaimed the speaker’s gavel.
Pelosi’s efforts led to Trump’s two impeachments, a stain in history no other president has suffered. And she again marshaled a restive Democratic coalition as speaker to secure Biden’s critical early legislative achievements, managing her caucus with expertise in the first two years of his term, before Democrats again lost the House.
Pelosi still represents her California district and, as a prolific fundraiser and behind-the-scenes political strategist, she’s been working to try to ensure that her heir, Hakeem Jeffries, becomes the first Black speaker with Democrats hoping to win back the House in November. The fear that objective could be drowned by Biden’s unpopularity was surely one of the reasons that Pelosi was so active in leading a weekslong pressure campaign to get him to step aside. And she also recognized that everything she had accomplished in two spells as speaker was at risk from an extreme Trump second term and a Republican Congress that would do nothing to restrain him.
It is a mark of her aura that everyone in Washington --- including Biden – understood that when Pelosi has made up her mind, she’s almost impossible to resist.
Will historians remember 2024 as another 1939? According to CNN’s Jim Sciutto, there are troubling parallels between the state of the world today and the years preceding World War II. In both instances a revanchist leader attempted to capture another country’s territory, with many around the world hoping it would be the last such attempt. There are also significant differences between then and now, of course, but Sciutto hopes to raise an alarm in his new book, The Return of Great Powers: Russia, China, and the Next World War.
According to Sciutto, one of the signs that worried him most was just how close Russia may have gotten to attempting to use a tactical nuclear device in 2022. Speaking on FP Live, he described how, late in the summer of 2022, Russia had lost Kherson, and had started to spread rumors that Ukraine was planning to use a dirty bomb—a nuclear device of sorts—in southern Ukraine. Such rumors could have allowed Moscow to use such a device itself but point the finger at Kyiv. The White House responded with a flurry of diplomatic outreach. “But then the final piece is that the United States reached out to what [Secretary of State Antony] Blinken described to me as unusual allies in this case. And that is China and India—allies that they believed Russia would listen to more,” Sciutto said. “It made a difference in heading this off. … But boy, it was close. It was close by their account. And it’s just a reminder of how the ingredients for escalation are there.”
Adesão do Brasil ao TPI é cláusula pétrea, não pode ser alterada, dizem especialistas
Nesta quarta-feira (13/09/2023) o ministro da Justiça, Flávio Dino, aventou a possibilidade do Brasil sair do Tribunal, o que não seria viável de acordo com juristas e cientistas políticos ouvidos pela CNN
Mas há controvérsias sobre o caminho para concretizar essa saída e se a medida seria inconstitucional.
A adesão do Brasil ao TPI foi incluída na Constituição em 2004, pela Emenda 45, dois anos após a ratificação do país ao Estatuto de Roma ter sido aprovada pelo Congresso Nacional.
“O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”, diz o parágrafo 4º do artigo 5º da Carta.
Não se trata, portanto, de um artigo ordinário da Constituição, e sim aqueles considerados cláusulas pétreas – ou seja, não podem ser alterados nem por Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apenas por outra Carta aprovada por uma Assembleia Constituinte.
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais”, determina o parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição.
“É um tribunal essencial na defesa dos direitos humanos. Nada justifica o Brasil sair do TPI a não ser bajular Putin”, afirmou o jurista Miguel Reale à CNN, para quem a adesão faz parte das cláusulas pétreas e não pode ser alterada nem por emenda.
Mesmo entendimento tem Sylvia Steiner, única brasileira a ter feito parte do Tribunal Penal Internacional, entre 2003 e 2016. “Na minha opinião, o país não pode denunciar (deixar, sair) do Estatuto. É cláusula pétrea”, observou a jurista.
Na segunda-feira, Sylvia Steiner já havia explicado à CNN que, “se Vladimir Putin ou qualquer outra pessoa alvo de mandado de prisão entrar no território brasileiro, é obrigação constitucional prender e entregar ao TPI”.
Naquele dia, Lula havia recuado da resposta dada a uma jornalista indiana, quando tinha afirmado que o presidente russo não seria preso no Brasil, se vier ao país na próxima Cúpula do G20, em novembro de 2024, e alegado que caberia à Justiça brasileira decidir o que fazer com Putin.
Para a cientista política Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM, governos podem aderir ou sair de acordos internacionais, mas a diferença no caso do Tribunal Penal Internacional é justamente o fato de se tratar de um dispositivo constitucional.
“A diplomacia brasileira vai tentar achar uma solução negociada, mas é provável ter um pedido de alteração das regras do TPI”, avalia.
Na avaliação do coordenador do Núcleo de Direito Criminal da Dotti Advogados, Gustavo Scandelari, a questão é mais política do que jurídica.
“Aderir ou não a tratados internacionais ou ao TPI é uma decisão exclusiva do Executivo, com base em critérios de estratégia político-econômica de cunho global. As decisões ou recomendações do TPI de fato não são obrigatórias no âmbito doméstico de cada país signatário.”
Emenda controversa
Na doutrina jurídica, há um debate acerca da inclusão da adesão do Brasil ao TPI na Constituição, ocorrida durante a discussão da emenda que ficou conhecida como Reforma do Judiciário.
Em artigos doutrinários, estudiosos do Direito Internacional questionam se a deliberação do Congresso foi a mais adequada, seja por se tratar da adesão do país a um tratado internacional, seja por um questionamento técnico sobre a própria redação da emenda.
“Remanescem dúvidas, inclusive, sobre se foi atingido o principal objetivo da sua colocação no texto, qual seja, o de “constitucionalizar” a introdução do Estatuto de Roma no ordenamento jurídico brasileiro”, escreveu em artigo publicado em 2021 a hoje presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), Mônica Sifuentes.
Para a desembargadora federal, o uso do verbo “submeter” no parágrafo emendado à Constituição foi inadequado.
“Nem mesmo na hipótese de a jurisdição brasileira se negar ou não ser apta a julgar determinado crime de competência do TPI, caso em que o princípio da complementariedade imporá a jurisdição daquela corte internacional, pode-se falar em submissão do Estado brasileiro. Antes, e mais propriamente, pode-se dizer que a República Federativa do Brasil reconhece e aceita a jurisdição do TPI, nos casos previstos no Tratado de Roma, ao qual voluntariamente aderiu e se tornou, pela sua ratificação, Estado-parte”, escreveu a presidente do TRF6.
A Emenda 45 foi objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), mas por outros aspectos da Reforma do Judiciário que não a adesão ao TPI. Esse poderia ser um dos caminhos caso o governo Lula de fato avance com a discussão no âmbito jurídico e provoque o Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito.
A Corte tampouco chegou a deliberar de forma colegiada sobre as obrigações do Brasil perante o Tribunal Penal Internacional.
Em 2020, a atual presidente do STF, ministra Rosa Weber, decidiu que caberia à primeira instância da Justiça Federal a competência para o cumprimento de mandados de prisão como o que havia sido expedido contra o ex-ditador Omar al-Bashir, em resposta ao próprio TPI, caso o sudanês entrasse em território brasileiro.
Com isso, a ministra considerou o pedido prejudicado, mas disse que sua decisão não impediria a “renovação de pedido semelhante” pelo Tribunal Penal Internacional.
Veja também: Tribunal de Haia emite mandado de prisão contra Putin
Um século de razões para a derrocada econômica da Argentina
A nação é um caso raro na história econômica mundial: é um país que já foi um dos mais ricos do planeta, e hoje luta contra a pobreza que castiga mais de 40% da população
23/10/2023
“Se você sai da Argentina por vinte dias, quando volta, mudou tudo. E quando você sai por vinte anos, quando volta, não mudou nada”. A frase é do escritor Martín Carrapos e, infelizmente, resume o nosso vizinho que tem sofrido com políticas equivocadas que resultam em crises econômicas em série.
A Argentina é um caso raro na história econômica mundial: é um país que já foi um dos mais ricos do planeta, e hoje luta contra a pobreza que castiga mais de 40% da população. E, como todo problema complexo, não há apenas uma razão para essa derrocada econômica.
Economistas citam que um dos primeiros baques econômicos no vizinho foi visto há um século, quando o mundo viu o crash da Bolsa de Nova York, em 1929.
A queda das ações americanas também levou para baixo o preço das commodities que, já naquela época, eram uma marca da Argentina. A recessão vivida após a quebra da bolsa fez despencar a demanda e os preços da carne e do trigo da Argentina.
Essa crise foi um dos principais motivos de irritação social que culminou no golpe militar de 1930. Desde então, esse foi o primeiro dos cinco períodos de governos militares na Argentina. Nesses cinco momentos, a Argentina teve 12 presidentes não civis na presidência.
Os governos militares foram intercalados com outros 20 presidentes civis. Militares e civis adotaram políticas com prioridades que, muitas vezes, eram diferentes – quase opostas, especialmente na economia.
A situação ganha um ingrediente importante – que segue influenciado a Casa Rosada até hoje – no pós-Guerra. Quando Juan Domingo Perón chega ao poder, estabelece-se um governo populista, com expansão do papel do Estado.
O Estado argentino passa a crescer com a estatização de empresas, como as ferrovias, e até propriedades. Com medo, o investidor privado some da Argentina – história que acabará se repetindo outras vezes.
Essa mistura de Estado grande com instabilidade política gera uma combinação muito desconfortável – pelo menos, na cadeira do comando da economia. Entre 1930 e 1983, a Argentina teve uma média de um ministro da Economia a cada dois anos.
Após a chamada “década perdida” da América Latina, a Argentina voltou respirar e ganhou confiança em 1991, quando o ministro Domingo Cavallo colocou na rua o plano de conversibilidade.
A partir daí, um peso passaria a ter o valor de um dólar norte-americano.
Os argentinos passaram a ter sensação de riqueza. A década de 1990 foi o período do “dame dos” – me dê dois, em português. Em férias no Brasil, os vizinhos compravam tudo em dobro porque a moeda deles era forte – ainda que artificialmente.
A moeda era forte, mas a Casa Rosada nunca atacou efetivamente o grande e profundo problema econômico: o déficit fiscal. A Argentina segue gastando muito mais que arrecada, o que explica a elevada inflação – já que o governo basicamente imprime dinheiro para pagar a conta.
Sem resolver esse problema, a Argentina desistiu da conversibilidade dez anos depois. Bloqueou contas bancárias e o dólar deixou de ser a âncora no começo dos anos 2000. Foi ocorralito. A partir daí, o peso passou a perder valor sem parar.
Veio o peronismo vestido de kirchnerismo com o casal Néstor e Cristina Kirchner, depois a centro-direita voltou com Maurício Macri, mas os problemas econômicos continuaram.
A pandemia em 2020 e a maior seca em décadas acabaram agravando a situação no país governado por Alberto Fernández. É assim que os argentinos voltarão ao segundo turno em pouco mais de 20 dias.
Em 20 dias, as coisas podem mudar. E tomara que os próximos 20 anos também sejam diferentes.
Veja também – Entenda como a Argentina chegou até a atual crise econômica