Opinião :
O tarifaço de Trump e o Brasil
Comunicado oficial do Itamaraty está correto. A retórica radical de retaliação deve ser substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei aprovada pelo Congresso
Por Rubens Barbosa
Estadão, 08/04/2025
A reciprocidade tarifária anunciada por Donald Trump visa, em especial, a compensar as restrições tarifárias e as medidas não tarifárias que afetam os produtos norte-americanos e que dificultam a implementação de uma política industrial que favoreça os interesses das empresas norte-americanas. Na realidade, a medida poderá representar um dos maiores atos de autossabotagem na história dos EUA.
As tarifas universais são variáveis, oscilando de 10% a 49%, entram em vigor imediatamente e serão acrescentadas às tarifas já em vigor, dependendo do produto e do país, além das aplicadas ao aço e ao alumínio e à importação de carros. Os países agora terão de negociar a redução dessas tarifas variáveis com compensações para os EUA. Vietnã e Israel resolveram, antes do anúncio, eliminar as tarifas para os produtos norte-americanos. México, Canadá e União Europeia já deixaram saber que vão retaliar de forma proporcional. A China retaliou com tarifas no mesmo nível: 34% sobre os produtos norte-americanos. Trump disse que, se isso de fato ocorrer, irá treplicar e impor tarifas ainda mais elevadas. Estaria, assim, declarada uma dura guerra comercial global com impactos imprevisíveis. Com base na experiência passada, em especial nos idos de 1930, com a Lei Smoot-Hawley, que elevou as tarifas e isolou os EUA, pode-se antever a possibilidade de uma recessão global, com inflação, desemprego e crise cambial, ao contrário dos objetivos enunciados por Trump.
Em relação à China, o país com o maior superávit no comércio bilateral com os EUA, Trump tomou uma série de medidas, além das tarifas. Entre elas, decisão de conter investimentos em tecnologia e energia nos EUA, de revisar o acordo para evitar a bitributação de 1984 e de impor, a partir de novembro, taxas pesadas sobre navios chineses que buscam os portos norte-americanos com bens de qualquer outro país, para reduzir o domínio chinês no transporte marítimo. Essa taxação teria um efeito dramático sobre o comércio global pelo aumento no preço do frete e no custo final dos produtos no mercado norte-americano.
A região mais prejudicada foi a Ásia (China, com 34%; Vietnã, com 46%; Tailândia, com 31%; Indonésia, com 32%; Malásia, com 24%; e Taiwan, com 32%). O continente menos afetado foi a América Latina, com 10%, à exceção do México, que foi penalizado com múltiplas tarifas. À Rússia e à Coreia do Norte, zero de tarifa...
O anúncio da decisão causou alívio inicial ao governo brasileiro, visto que o País ficou no nível mais baixo das tarifas, com 10% sobre a exportação de produtos brasileiros. Isso pode ser explicado pelo fato de o Brasil ter um déficit (não um superávit) na balança comercial com os EUA, com poucos produtos com tarifas mais elevadas (etanol 18%, ante 2% dos EUA). As barreiras não tarifárias vigentes, identificadas no documento Barreiras contra o Comércio Exterior, produzido pelo United States Trade Representative (USTR), não foram consideradas. Dependendo da evolução das negociações bilaterais, não se deve descartar a possibilidade de, no futuro, o governo de Washington vir a penalizar as barreiras mencionadas no referido documento, como IPI, impostos sobre serviços audiovisuais, remessas relacionadas com obras audiovisuais, restrições à importação de equipamentos de terraplenagem, importação de bens de consumo usados, regulamentações sobre biocombustíveis, barreiras sanitárias e fitossanitárias, compras governamentais, comércio digital e propriedade intelectual.
O governo brasileiro, no nível mais alto, declarou que essas medidas unilaterais são contrárias às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que a primeira reação será levar o caso para a OMC em Genebra, a exemplo do que já anunciaram a China e o Canadá. Além dessa medida, Lula disse que o Brasil poderia retaliar. Altos funcionários em Brasília disseram que o governo “está habilitado a tomar contramedidas que afetem os EUA, como retaliação cruzada, em propriedade intelectual, mas que não sejam um tiro no pé”.
No meio das crescentes incertezas quanto às medidas protecionistas dos EUA, o Brasil deveria negociar a volta de cotas, em vez de tarifas, sobre o aço e o alumínio e formas de reduzir o impacto negativo das medidas anunciadas sobre os produtos nacionais. A curto prazo, com a escalada das medidas protecionistas globais, será importante atentar à possibilidade de desvio de comércio para o mercado brasileiro.
Como ficou no nível mais baixo das tarifas variáveis, o Brasil não tem alternativa senão aguardar as reações ao redor do mundo, em especial do Canadá, do México, da União Europeia, da China e do Japão. A partir daí, apresentar queixa à OMC e avaliar como negociar com os EUA. O comunicado oficial do Itamaraty está correto ao anunciar uma posição de cautela para os próximos passos. A retórica radical de retaliação aos EUA deve ser deixada de lado e substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei de defesa comercial aprovada pelo Congresso.
O cenário mundial, em rápida transformação e ebulição, exige uma visão estratégica e pragmática da parte do governo brasileiro, acima de ideologia e partidarismo, para a defesa do interesse nacional, aproveitamento das oportunidades e resposta aos desafios que surgirão para o Brasil.
Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004) oficial do Itamaraty está correto. A retórica radical de retaliação deve ser substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei aprovada pelo Congresso
Por Rubens Barbosa
Estadão, 08/04/2025
A reciprocidade tarifária anunciada por Donald Trump visa, em especial, a compensar as restrições tarifárias e as medidas não tarifárias que afetam os produtos norte-americanos e que dificultam a implementação de uma política industrial que favoreça os interesses das empresas norte-americanas. Na realidade, a medida poderá representar um dos maiores atos de autossabotagem na história dos EUA.
As tarifas universais são variáveis, oscilando de 10% a 49%, entram em vigor imediatamente e serão acrescentadas às tarifas já em vigor, dependendo do produto e do país, além das aplicadas ao aço e ao alumínio e à importação de carros. Os países agora terão de negociar a redução dessas tarifas variáveis com compensações para os EUA. Vietnã e Israel resolveram, antes do anúncio, eliminar as tarifas para os produtos norte-americanos. México, Canadá e União Europeia já deixaram saber que vão retaliar de forma proporcional. A China retaliou com tarifas no mesmo nível: 34% sobre os produtos norte-americanos. Trump disse que, se isso de fato ocorrer, irá treplicar e impor tarifas ainda mais elevadas. Estaria, assim, declarada uma dura guerra comercial global com impactos imprevisíveis. Com base na experiência passada, em especial nos idos de 1930, com a Lei Smoot-Hawley, que elevou as tarifas e isolou os EUA, pode-se antever a possibilidade de uma recessão global, com inflação, desemprego e crise cambial, ao contrário dos objetivos enunciados por Trump.
Em relação à China, o país com o maior superávit no comércio bilateral com os EUA, Trump tomou uma série de medidas, além das tarifas. Entre elas, decisão de conter investimentos em tecnologia e energia nos EUA, de revisar o acordo para evitar a bitributação de 1984 e de impor, a partir de novembro, taxas pesadas sobre navios chineses que buscam os portos norte-americanos com bens de qualquer outro país, para reduzir o domínio chinês no transporte marítimo. Essa taxação teria um efeito dramático sobre o comércio global pelo aumento no preço do frete e no custo final dos produtos no mercado norte-americano.
A região mais prejudicada foi a Ásia (China, com 34%; Vietnã, com 46%; Tailândia, com 31%; Indonésia, com 32%; Malásia, com 24%; e Taiwan, com 32%). O continente menos afetado foi a América Latina, com 10%, à exceção do México, que foi penalizado com múltiplas tarifas. À Rússia e à Coreia do Norte, zero de tarifa...
O anúncio da decisão causou alívio inicial ao governo brasileiro, visto que o País ficou no nível mais baixo das tarifas, com 10% sobre a exportação de produtos brasileiros. Isso pode ser explicado pelo fato de o Brasil ter um déficit (não um superávit) na balança comercial com os EUA, com poucos produtos com tarifas mais elevadas (etanol 18%, ante 2% dos EUA). As barreiras não tarifárias vigentes, identificadas no documento Barreiras contra o Comércio Exterior, produzido pelo United States Trade Representative (USTR), não foram consideradas. Dependendo da evolução das negociações bilaterais, não se deve descartar a possibilidade de, no futuro, o governo de Washington vir a penalizar as barreiras mencionadas no referido documento, como IPI, impostos sobre serviços audiovisuais, remessas relacionadas com obras audiovisuais, restrições à importação de equipamentos de terraplenagem, importação de bens de consumo usados, regulamentações sobre biocombustíveis, barreiras sanitárias e fitossanitárias, compras governamentais, comércio digital e propriedade intelectual.
O governo brasileiro, no nível mais alto, declarou que essas medidas unilaterais são contrárias às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que a primeira reação será levar o caso para a OMC em Genebra, a exemplo do que já anunciaram a China e o Canadá. Além dessa medida, Lula disse que o Brasil poderia retaliar. Altos funcionários em Brasília disseram que o governo “está habilitado a tomar contramedidas que afetem os EUA, como retaliação cruzada, em propriedade intelectual, mas que não sejam um tiro no pé”.
No meio das crescentes incertezas quanto às medidas protecionistas dos EUA, o Brasil deveria negociar a volta de cotas, em vez de tarifas, sobre o aço e o alumínio e formas de reduzir o impacto negativo das medidas anunciadas sobre os produtos nacionais. A curto prazo, com a escalada das medidas protecionistas globais, será importante atentar à possibilidade de desvio de comércio para o mercado brasileiro.
Como ficou no nível mais baixo das tarifas variáveis, o Brasil não tem alternativa senão aguardar as reações ao redor do mundo, em especial do Canadá, do México, da União Europeia, da China e do Japão. A partir daí, apresentar queixa à OMC e avaliar como negociar com os EUA. O comunicado oficial do Itamaraty está correto ao anunciar uma posição de cautela para os próximos passos. A retórica radical de retaliação aos EUA deve ser deixada de lado e substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei de defesa comercial aprovada pelo Congresso.
O cenário mundial, em rápida transformação e ebulição, exige uma visão estratégica e pragmática da parte do governo brasileiro, acima de ideologia e partidarismo, para a defesa do interesse nacional, aproveitamento das oportunidades e resposta aos desafios que surgirão para o Brasil.
Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)