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quarta-feira, 6 de abril de 2016

Academicos brasileiros e brasilianistas e seus manifestos "a favor" - meus comentários, Paulo Roberto de Almeida


“Brasilianistas” e acadêmicos brasileiros em face da crise no Brasil

Texto recebido em 6/04/2016
Comentários Paulo Roberto de Almeida

Recebi, em 6/04/2016, de um brasilianista atualmente no Brasil, o texto abaixo, transcrito literalmente. Formulo meus comentários sobre o mesmo, [entre colchetes e em bold, vermelho], uma vez que fui solicitado a expressar minha opinião. Acho que ficou bastante claro o que penso sobre todos esses manifestos circulando nos círculos acadêmicos (curiosamente, todos a favor dos que ocupam o poder atualmente).
Eis o projeto de manifesto, ou seu rascunho, e meus comentários a respeito.

“No final dos anos 1960, alguns brasilianistas organizaram nos EUA uma resistência à ditadura militar por via do Brazilian Information Front, com uma participação pioneira de acadêmicos de alto quilate como Thomas Skidmore e Ralph Della Cava. Denunciavam o regime militar, suas torturas e perseguições de intelectuais, inclusive do FHC, bem documentado em estudos como O Brasil dos Brasilianistas: um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, 1945-2000, editado em 2002 por Paulo Roberto de Almeida.
[O livro “O Brasil dos brasilianistas”, publicado primeiro em português (Paz e Terra, 2002), depois em inglês, “Envisioning Brasil” (Wisconsin University Press, 2005), e editado por mim junto com Marshall C. Eakin, da Vanderbilt University, que se encarregou basicamente da edição americana, tendo eu editado inteiramente sozinho a edição brasileira, resultou de um projeto por mim apresentado assim que cheguei à Embaixada do Brasil em Washington, em outubro de 1999, como ministro-conselheiro, se destinava bem mais a fazer uma avaliação completa da produção acadêmica brasilianista, em termos puramente acadêmicos, do que a relatar episódios políticos que envolveram os brasilianistas em face da repressão política na época do regime militar; o livro foi uma espécie de “stock taking” dessa produção, e não comportou nenhum capítulo sobre esse envolvimento de brilhantes intelectuais americanos trabalhando sobre o Brasil na resistência externa ao regime militar. Todos os que participaram do projeto, basicamente acadêmico, sabiam desses episódios, mas eles não constituíram a trama do livro; não se pode dizer, assim, que “documentamos” esses episódios, seja de repressão no Brasil, seja de solidariedade pelo trabalho de informação e denúncia realizado não só nos EUA, mas também na Europa. Como auto-exilado durante a maior parte dos anos 1970 na Europa, eu participei ativamente das atividades do Front Brésilien d’Information, a partir da Bélgica, mas se estendendo por toda a Europa, e conheço a solidariedade de acadêmicos americanos e europeus em relação a nossa luta de resistência, alguns democraticamente, outros pela via das armas, à ditadura militar; mas o livro em questão não trata disso.]

Desde então, poucos brasilianistas têm se manifestado ao público sobre a realidade brasileira, fazendo suas atividades acadêmicas de observar, analisar e publicar.
[No que fazem muito bem, diga-se de passagem: a tarefa de estudiosos acadêmicos é exatamente essa; se eles participam de atividades políticas, deve ser como cidadãos, não como acadêmicos, independentemente da coloração política que possam ter.]

Agora, em 2 de abril, no final da sua reunião em Brown University, a Associação de Estudos Brasileiros (BRASA) se viu na necessidade de publicar um manifesto sobre o Brasil de hoje.
[Nada contra manifestos de quaisquer associações, sobre quaisquer causas; sempre pensando, porém, que todas as associações integram indivíduos das mais diferentes posições políticas e posturas sociais; o que se tem notado, ultimamente, é que as diretorias dessas associações publicam manifestos em nome de TODOS os associados, quando suas posturas e posições só expressam os pontos preferidos por aqueles que os redigiram, geralmente com argumentos marcados por uma determinada posição política; é o que tem acontecido INVARIAVELMENTE no Brasil: todos os manifestos, repito TODOS, são invariavelmente em defesa do governo, e contra o processo em curso de impeachment; a desonestidade é tamanha, que sequer se referem às investigações por corrupção CONTRA membros do mesmo governo, e apenas se referem genericamente à defesa da democracia, contra um suposto “golpe”, ou em favor de “conquistas sociais”, que não se sabe por que, onde e como estariam sendo ameaçadas. Minha opinião: isso é profundamente DESONESTO!]

Em resumo, dizem que “sob a Constituição de 1988, que garante uma ampla gama de direitos sociais e individuais, Brasil se tornou uma sociedade mais democrática, com maior participação política, conceitos de cidadania mais ampla e inclusiva e o fortalecimentos das instituições políticas.”
[Correto, mas apenas em termos: a mesma CF-88 criou um sistema distributivista precoce, num país marcado por uma clara produtividade medíocre, que torna automaticamente necessário o aumento constante da carga fiscal, que está na base da crise econômica atual, jamais referida nos manifestos de “acadêmicos”: o governo em vigor não apenas esteve associado a atividades perfeitamente ilegais, atualmente sob investigação da Justiça, mas também, mesmo que estivesse correto em todas as suas atividades, conduziu a mais irresponsável expansão dos gastos públicos jamais vista no país, acumulando um déficit orçamentário superior a 9% do PIB, elevando a dívida pública a níveis muito altos, e produzindo a MAIOR CRISE ECONÔMICA da história do Brasil. Tudo isso não está refletido nos manifestos em favor do governo corrupto e inepto.]

O manifesto passa a reconhecer a corrupção endêmica, as ações corajosas da Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário, mas que no clima político atual há um risco serio da retórica anti-corrupção desestabilizar o governo eleito de forma democrática, agravando a crise política. Em vez de neutralidade e respeito ao processo devido, o Judiciário, com o apoio da mídia, subvertem o estado de direito. Passa-se a detalhar as ações, nesse sentido, da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro, com o apoio da mídia e de áreas políticas.
[Até o momento, não vi NENHUM manifesto que reconhecesse a CORRUPÇÃO, mas se um em particular o fizer, não faz mais do que a obrigação. Agora, dizer que existe uma “retórica anti-corrupção” que pode desestabilizar um governo eleito democraticamente (correto, mas que praticou mentiras e estelionato eleitoral para se eleger), isso é DESONESTIDADE, pois não se trata de retórica, e sim de investigações concretas, que já levaram à prisão de dezenas de agentes privados, e se ainda não de agentes públicos, isso se deve à ineficiência da Justiça de foro especial, que é lenta, quando não conivente, ou mesmo cúmplice, com os agentes públicos da corrupção. Não sei quais ações de subversão da Justiça estão sendo cometidas pelo Juiz Sérgio Moro e por membros do MPF, e se isso ocorrer cabe aos tribunais superiores julgar, não a manifestantes vindos da academia; parece-me que esse manifesto é mais um dos que se colocam na linha auxiliar dos corruptos e corruptores, ainda que pretenda, alegadamente, defender ações contra a corrupção; a DESONESTIDADE e a PARCIALIDADE salta aos olhos.]

Como conclusão, o manifesto declara que “a violação do processo democrático representa uma ameaça séria à própria democracia. Quando as forças armadas derrubaram o governo Goulart em 1964, usaram o combate à corrupção como uma das suas justificativas. Brasil pagou um preço alto de 21 anos de regime militar.
[Mais do DESONESTIDADE, com FALSAS ANALOGIAS em relação a 1964. Agora, como antes, uma opinião pública virtualmente majoritária protesta contra um regime, Goulart antes, Dilma agora, inepto e corrupto. Milhões de pessoas saíram às ruas não para pedir intervenção militar ou regime autoritário, mas o fim da corrupção e a moralidade nos negócios públicos. Quem não vê isso, ou é DESONESTO, ou é de má-fé, e se coloca OBJETIVAMENTE a serviço dos CORRUPTOS.]

A luta por um país democrático tem sido longo e árduo. Hoje, todos que acreditam em um Brasil democrático devem falar contra essas medidas arbitrárias que ameaçam corroer o progresso alcançado nas últimas três décadas.”
[A DESONESTIDADE aqui é ainda mais patente: em lugar de sustentar o Estado de Direito, o primado da Lei, os autores e subscritores do manifesto em questão se colocam do lado dos que violentam o Estado de Direito, violam a lei, cometem crimes contra o patrimônio público, como já amplamente documentado. Não é preciso falar da MAIOR CRISE econômica já registrada em nossa história, e do MAIOR CASO DE CORRUPÇÃO registrado na história do mundo, apenas os crimes cometidos contra a legislação fiscal e orçamentária, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra a moralidade pública, ao tentar subtrair da Justiça um dos maiores responsáveis por esses atos, com a destruição da Petrobrás e o roubo aferido em diversas agências públicas, apenas esse rol de crimes já justificaria o impeachment da presidente e o afastamento do partido corruptor do convívio normal no sistema político. Manifestos que pretendam eludir essas questões, e que falam genericamente em “defesa da legalidade”, das “conquistas sociais”, e contra um suposto “golpe” contra um “governo democraticamente eleito”, são, repito, profundamente DESONESTOS e OBJETIVAMENTE pró-corruptos e corruptores.]

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de abril de 2016

Pedaladas: "Só fiz aquilo que todo mundo faz!" Será mesmo?

A explosão das pedaladas


Jovair Arantes, relator da comissão do impeachment, vai apresentar seu voto hoje à tarde.

Talvez ele possa incluir no documento uma tabela publicada nesta quarta-feira pela Folha de S. Paulo.

Baseada em dados do Banco Central, ela dá “dimensões precisas à explosão das manobras conhecidas como pedaladas fiscais no governo Dilma Rousseff...


Gráfico: FSP

terça-feira, 5 de abril de 2016

Quando "intelectuais" se tornam sub-intelequituais de aluguel: cegos? sectarios? inocentes inuteis? - Mansueto Almeida, Paulo Roberto de Almeida

Eu já tinha registrado, e repercutido, o "manifesto" (uma peça de subserviência ao partido totalitário no Brasil) da Brazilian Studies Association (da qual também já fui membro do comitê executivo) sobre a tragédia política no Brasil, que está se convertendo em farsa surrealista.
Agora Mansueto Almeida comenta o assunto, a partir da matéria da FSP -- eu já tinha transcrito todo o "manifesto", só preciso achar o link --, e eu transcrevo sua postagem abaixo.
Nas últimas duas semanas, tive de "denunciar" (sem efeitos jurídicos, claro) outros manifestos desses seres estranhos que são os gramscianos de academia. Aproveitei para me desfiliar dessas associações profissionais, pois considero que o que as suas respectivas diretorias fizeram foi uma calhordice, aproveitando sua posição (temporária) nas chefias dessas entidades para proclamar "solidariedade" com corruptos e bandidos, sendo que em NENHUM momento eles se referem aos casos concretos de corrupção, mentiras, fraudes políticas, apenas uma fantasmagórica ameaça à "legalidade" e outra fantástica "defesa da democracia", contra um hipotético, e mentiroso, "golpe". 
Acho que vou ter de escrever um contra-manifesto denunciando a farsa que são esses "manifestos" gramscianos, uma vergonha para o que significa ser universitário.
Pergunto de imediato: esses caras que assinaram esses manifestos mentirosos se olham no espelho e perguntam por acaso para si mesmos, toda manhã, em quem eles vão acreditar, se nos traficantes do poder, ou na cidadania que protesta nas ruas, em apoio aos defensores da moralidade que são os membros da República de Curitiba?
Paulo Roberto de Almeida

Brazilian Studies Association – BRASA
5 de abril de 2016 por mansueto

É muito estranho que um grupo de acadêmicos tome partido quanto ao processo de impeachment no Brasil. Segundo o jornal Folha de São Paulo (ver aqui), a Brasa aprovou um manifesto dizendo que a democracia brasileira está ameaçada pela crise política.

De acordo com a Folha de São Paulo, o manifesto gerou um racha entre brasilianistas e o ex-presidente da associação, o cientista político Anthony Pereira, renunciou a seu cargo no Comitê Executivo da Brasa e solicitou sua desfiliação da entidade.

Conheci o Tony Pereira há cerca de três anos por meio do cientista politico Marcus Melo da UFPE e Carlos Pereira da FGV. Um excelente pesquisador que conhece bem o Brasil. Fico feliz de saber que ele foi critico dessa postura da Brasa e pediu sua desfiliação.

Uma pena que a “Brazilian Studies Association” tenha feito opção por um manifesto inapropriado. Os professores poderiam falar o que quisessem sobre o assunto, mas quando isso se torna algo institucional de uma entidade que supostamente é formada por intelectuais que estudam o Brasil de forma isenta, confesso que isso para mim é uma grande decepção. Talvez a mesma que tenho quando vejo reitores de universidades federais usarem a página institucional das universidades para se pronunciar contra o impeachment e sobre a possibilidade de golpe.

O Brasil terá ainda que piorar muito para que as pessoas, em especial, os “intelectuais”, que parecem entender muito de direitos e pouco ou nada de restrição orçamentária, comecem a ter noção do tamanho dos problemas que o governo criou no últimos anos.

 https://mansueto.wordpress.com/2016/04/05/brazilian-studies-association-brasa/

Keynesianos e ortodoxos: uma oposicao sem significado no mundo da pratica - Paulo Roberto de Almeida

Hoje, logo cedo, o Facebook me acordou (bandido) com uma lembrança de "aniversário". Ele pretendia me chamar a atenção para uma postagem que eu tinha feito exatamente um ano atrás, no meu blog, depois disseminada no Facebook, justamente.
Primeiro achei impertinente, me acordar só por isso. Depois fui reler e acabei achando que estava apropriado, e até muito bom.
Por isso, e para servir à causa dos mais jovens, resolvi postar novamente, um ano depois.

Keynesianismo e liberalismo nas políticas públicas

Paulo Roberto de Almeida

Um leitor constante, fiel, atento e comentador, reincidente neste blog, me coloca a seguinte questão, que prefiro responder por inteiro: 

EMB compartilhou a postagem de seu blog no Google+:
Seria correto afirmar que o governo Fernando Henrique aliou aspectos de ortodoxia em política econômica com keynesianismo em matérias sociais e até comerciais?

Respondo (PRA):

Respondo de imediato: sim e não. Por que a contradição? Porque governos, em geral, não fazem NENHUMA distinção entre teorias ou escolas econômicas, pela simples razão de que estão por demais ocupados com problemas reais, concretos, tangíveis, urgentes, preocupantes, talvez até dramáticos – que são, quase sempre, os de desequilíbrios nas contas domésticas e externas, nas insuficiências orçamentárias, nas demandas da sociedade e do parlamento por mais e mais recursos públicos (que são os da coletividade), por ameaças de perdas de receitas, choques externos, e uma infinidade de outros problemas reais – para inquietar-se, além da conta, com meras teorias acadêmicas e escolas de pensamento econômico, que não representam nada, repito NADA, em face da agenda de trabalho que esses governos têm pela frente.
Só acadêmicos, em geral os puramente teóricos – ou alienados, como se dizia antigamente – preocupam-se com a suposta racionalidade econômica das políticas públicas da área econômica. Só jornalistas, mal formados pelos mesmos acadêmicos, se preocupam em catalogar, classificar, atribuir um rótulo ou slogan, a um governo qualquer, como se essas denominações representassem qualquer coisa além de uma mania, uma simplificação, uma distorção da realidade.
Políticos eleitos exibem, é verdade, alguma compreensão do mundo, e esse entendimento se baseia naquilo que eles aprenderam nos bancos escolares e universitários, nos ensinamentos dos familiares, mas sobretudo na experiência da vida, no trato da coisa pública, e o que vem em primeiro lugar não é a teoria aprendida, mas a necessidade prática, o problema concreto. Políticos experientes fazem assim: aprendem algumas coisas nos livros, outras coisas com pessoas mais experientes ou mais espertas, mas geralmente no curso de um vida levada no desempenho de funções públicas, nas quais as mais belas teorias acabam sendo jogadas no lixo em favor de soluções mais práticas, ou de puro expediente emergencial, com os meios e instrumentos à disposição, sem muita coerência teórica ou racionalidade instrumental. Resumindo: eles fazem o que dá para fazer, e o resto vão empurrando com a barriga, até onde for possível. Se der para resolver o problema com o que sabem e com os meios à disposição, muito bem, assim será feito. Se não é possível, vão contornando o problema até onde for impossível evitar as consequências, e aí a solução será aquela que for apresentada por algum assessor mais esperto, ou pelos “meios de bordo” (que geralmente é empurrar para a frente, e deixar o problema para o sucessor).
Políticos inexperientes, ou acadêmicos – ou seja, ideólogos, alienados, lunáticos – chegam ao poder com belas teorias, e tentando cumprir aquilo que proclamaram – geralmente mentindo – na campanha eleitoral, e quando sentam na cadeira descobrem que não vai ser possível atingir aquelas belas metas proclamadas, que é a felicidade para todos, ao menor custo possível (de hábito, sem custo explícito nenhum). Se esse político não for muito estúpido, ele logo vai adaptar o seu discurso pós-posse às condições efetivamente reinantes, ou seja, meios disponíveis e possibilidades legais. Se ele for, ou continuar, alienado, ou seja, ideólogo, vai ser um desastre, pois em nenhum lugar do mundo as soluções acadêmicas cabem num mero orçamento governamental.
O que isso tem a ver com o nosso debate?
Keynesianismo e ortodoxia são apenas dois rótulos, que podem não possuir significado algum no mundo concreto da política, mas que possuem algum significado para acadêmicos e jornalistas, para economistas teóricos que escrevem para jornais e outros representantes da mesma fauna. Políticos – pelo menos os verdadeiros – não são nem keynesianos, nem ortodoxos, eles apenas sobrevivem com o que existe e com o que é possível fazer. Geralmente eles costumam gastar por conta: quando as contas não fecham, aí são obrigados a praticar simples medidas de ajuste, que serão tão mais severas ou duras quanto foi o abuso praticado na fase anterior, e nisso não vai nenhuma coloração ideológica. Keynesianos de carteirinha podem ser gastadores responsáveis, e conservadores históricos podem se comportar de modo totalmente irresponsável, sempre dependendo das circunstâncias e dos meios disponíveis. Sempre acham que o Ronald Reagan era um conservador que abaixou impostos para beneficiar os ricos, quando ele o fez para estimular a economia, na suposição (correta) de que são os ricos que investem, produzem riquezas, criam empregos e pagam novos (ou velhos) impostos. Sempre se esquece também que ele foi um dos mais irresponsáveis presidentes no plano orçamentário, uma vez que na sua obsessão de afastar o perigo soviético conduziu um dos mais perdulários programas de gastos com defesa – entre eles a Iniciativa de Defesa Estratégica, ou Guerra nas Estrelas – que representou, pura e simplesmente, um keynesianismo militar altamente irresponsável, deixando o governo novamente no vermelho. Por isso Bush pai teve um governo de recessão e Bill Clinton, um democrata supostamente distributivista, conduziu um dos governos mais responsáveis no plano fiscal de que se tem notícia desde Truman ou Eisenhower.
Nenhum deles era liberal teórico, ou acadêmico, todos eles eram homens práticos, e fizeram o que lhes parecia adequado fazer, com os dados à disposição, e com os assessores que tinham. Um dos assessores mais liberais de Reagan, David Stockman, se demitiu da chefia do Orçamento, em vista das loucuras que Reagan anda fazendo com as contas públicas, e denunciou isso logo em seguida (ver agora seu livro de história de todo o processo orçamentário e de contas públicas nos EUA, desde a presidência Roosevelt, chamado The Great Deformation). Todos eles fizeram o que achavam que deveriam fazer, com base nas condições do momento.
Da mesma forma, mesmo o mais acadêmico dos ministros de finanças, ou Secretário do Tesouro, quando senta na cadeira de decisor, costuma deixar os livros de lado, e perguntar: “mostre-me o balanço de pagamentos”, ou “mostre-me o orçamento”, ou ainda, “me diga como estão as receitas?”, “como anda a atividade econômica?”, ou “como estão os investimentos?”. Ponto. É com base nisso que eles vão tomar as decisões que se impõem, sem qualquer preocupação em saber se aquilo é liberalismo, se é keynesianismo, ou o raio que o parta. Fazer o que é possível fazer, simples assim.

Voltando, agora, ao governo de FHC – que, na verdade, começa antes, como ministro da Fazenda de Itamar – o que podemos dizer é o seguinte: num processo de aceleração inflacionária, como o que vivíamos entre 1990 e 1994, não dá para perguntar o que o Keynes ou o Hayek fariam. É preciso simplesmente saber o que é possível fazer nas circunstâncias dadas. Os assessores vêm, obviamente, armados de alguns rudimentos metodológicos, de algumas teorias econômicas, de algumas simpatias por esta ou aquela escola de pensamento econômico, ou até repletos de relatos históricos sobre como a Alemanha, a Hungria, a Bolívia, Israel, ou outros países, superaram os seus respectivos surtos inflacionários, e podem, com base nisso, propor soluções aos problemas encontrados. Alguns proporão congelamento de preços e salários, e só conseguirão recolher mais inflação logo adiante. Outros pretendem trocar de moeda. Os mais sensatos concluirão que o mal radica nos elevados gastos governamentais e no emissionismo irresponsável de moeda, e poderão propor um ajuste com base nessa concepção, o que é sempre recessivo. Se o presidente concordar, se faz a recessão e se tenta reconstruir as bases do crescimento mais adiante. Se o presidente não quiser, então é provável que continuem as pressões fiscais e emissionistas, as loucuras orçamentárias e a continuidade do caos econômico.
Torrar dinheiro é keynesiano, como acusam alguns, e fazer ajustes recessivos é uma maldade conservadora (ou liberal)? Pode ser, mas o fato é que keynesianos ou conservadores precisam enfrentar os problemas reais, que são sempre desequilíbrios nos principais fluxos macroeconômicos. Dependendo do papel do governo na economia, algumas soluções são possíveis, outras não. Governos que trabalham com bancos centrais autônomos geralmente não conseguem sair por aí emitindo irresponsavelmente, outros populistas e delirantes podem fazer como certos distributivistas inconsequentes, de que temos muitos exemplos na América Latina. Cada caso terá uma resposta, em função da correlação de forças, do jogo democrático, das crenças (ou falta de) dos líderes políticos e da qualidade dos gestores econômicos.

Olhando o Brasil dos últimos 30 anos, o que tivemos? Militares que sonharam demais – planos grandiosos – e levaram o país para um endividamento excessivo. Líderes da redemocratização (Sarney, Ulysses) que esticaram demais a corda das bondades governamentais, e levaram o país para a hiperinflação. Um líder salvacionista (Collor) que pretendeu salvar o país da inflação e, por ser mal assessorado (Zélia), acabou provocando um desastre ainda maior, que tentou remediar (Marcílio) depois, mas já tarde demais, pois a crise política o engolfou. Depois tivemos um presidente honesto (Itamar), mas inepto em economia, que trocou quatro vezes de ministros da Fazenda e de presidentes do Banco Central, antes de acertar com um sociólogo sensato, que convidou uma brilhante equipe de economistas, que acabou consertando todas as bobagens dos economistas keynesianos que tivemos antes. Mas Itamar era um homem que não queria recessão, e que portanto impediu o Plano Real de ir até as suas consequências lógicas, que era acabar com o excesso de despesas públicas de forma efetiva. O resultado foi que tivemos um ajuste sem recessão, o que obrigou a manter altas taxas de juros, o que acabou impactando negativamente em outros setores: deu na crise de 1999, que pela primeira vez realizou os ajustes necessários e preparou o Brasil para crescer. No meio aconteceram as crises financeiras, o apagão elétrico e a crise argentina, o que atrapalhou; logo em seguida a crise das eleições de 2002, mas tudo foi encaminhado para colocar o Brasil de volta nos trilhos, com Armínio Fraga e Pedro Malan.
O governo Lula, sem qualquer teoria – pois ele, pragmaticamente, abandonou as receitas alopradas dos seus economistas unicampistas – levou o Brasil para uma fase positiva, não porque ele fosse um gênio, mas por que as condições externas e as reformas anteriores o permitiram. Mas começou a gastar demais, desde o primeiro mandato, o que se agravou na reeleição e no segundo mandato, mas ainda assim ele se beneficiou com a bonança chinesa (soja a 600 dólares a tonelada, por exemplo). Pronto, foi o suficiente para eleger um poste, como ele mesmo diz, uma pessoa ainda mais inepta do que o mais inepto dos economistas unicampistas, que conseguiu fazer tudo errado o tempo todo, e chegamos onde chegamos: inflação, não crescimento, aumento da dívida doméstica e da dívida externa, déficits contínuos, desequilíbrios nas contas internas e nas contas externas, apagão elétrico, baixo investimento, intervencionismo, protecionismo, enfim, um inferno completo. É preciso ser muito incompetente para construir um desastre dessa magnitude. Tudo isso é keynesianismo, ou é o quê?
Provavelmente não é nada, só incompetência mesmo, pura inépcia e teimosia.
Termino por aqui, pois acho que já respondi fartamente à pergunta colocada.
Mas uma conclusão: acadêmicos são em geral sonhadores, mas alguns são mais preparados do que outros. São eles que assessoram os políticos. Quando temos excesso de ruindade dos dois lados, aí é o desastre. Parece que no governo FHC tivemos uma feliz combinação de acadêmicos realistas e políticos pragmáticos. Do governo Lula em diante, incompetentes em todas as esferas – com raríssimas exceções no primeiro mandato – e ideólogos e mafiosos espalhados por todas as agências públicas. Deu no que deu. Vai ser difícil consertar agora, pois é preciso trocar os políticos e os assessores.
Dá para dormir tranquilo? Acho que não. Sinto muito...

Hartford, 2803: 5 de abril de 2015, 5 p.

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Addendum em 6/04/2015.

Uma mensagem deixada por um leitor, o que muito me gratifica.
É exatamente para os jovens estudantes que eu escrevo, e tento ser didático, ou pelo elucidativo.
Paulo Roberto de Almeida 

Willians Franco comentou a postagem de seu blog
Nossa! Extremamente didático esse texto, hein? Normalmente leio textos político-econômicos via leitura dinâmica, mas esse tive que ler pausadamente para captar todos os detalhes. Parabéns!

Capistrano de Abreu: um historiador politicamente incorreto: mulatos, negros, e mulatas...

Já não se fazem mais historiadores como antigamente. Revisando alguns livros de história para terminar um trabalho sobre Varnhagen, deparo-me com este trecho no capítulo IX, "Três Séculos Depois", do livro Capítulos de História Colonial (1908), de Capistrano de Abreu: 

"Os mulatos, gente indócil e rixenta, podiam ser contidos a intervalos por atos de prepotência, mas reassumiam logo a rebeldia originária. Suas festas, menos cordiais que as dos negros, não raro terminavam em desaguisados [brigas]; dentre eles saiam os assassinos e os capangas profissionais. Crescendo em número, desconheceram, e afinal extinguiram as distinções de raça e foram bastante fortes para romper com as formas do convencionalismo vigente e viver como lhes pedia a índole irrequieta. Para o nivelamento concorreu sobretudo a parte feminina, com seus dengues e requebres lascivos. Sipx e Martius ouviram cantar na Bahia: 
      Uma mulata bonita não carece de rezar
      Basta o mimo que tem para sua alma se salvar."

p. 232 de Capistrano de Abreu, J. (1934). Capítulos de História Colonial (1500-1800). [Rio de Janeiro:] Edição da Sociedade Capistrano de Abreu, F. Briguet & Cia.

Tocqueville rides again: cette fois toute l'Amerique du Sud: impossible ce Francais - Paulo Roberto de Almeida

Parece que eu tenho algo a ver com isso, mas não é verdade. Só servi de secretário assistente e de tradutor improvisado, quando da primeira vinda de Monsieur de Tocqueville à região, mais especificamente ao Brasil (veja aqui: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8822/4947).
Ele parece ter gostado, tanto que me requisitou novamente para esta nova missão encomendada pelo Banco Mundial, desta vez cobrindo toda a região, o que foi bastante cansativo, tendo em vista sua idade já relativamente avançada.
Mas, procurei facilitar ao máximo seu périplo, me encarregando das malas, manuscritos, contatos, transportes e hoteis. Parece que ele gostou, tanto que me disse que gostaria de voltar novamente ao Brasil (que desta vez ficou de fora) no futuro próximo, mas apenas quando esse governo podre cair. Corajoso Monsieur de Tocqueville.
Vamos ter de oferecer algum doutorado Honoris Causa para ele, mas ele me disse que aceita apenas de universidades não gramscianas (o que reduz bastante o espectro de possibilidades).
Em todo caso, aqui vai o convite para o relatório preliminar da missão Tocqueville:

Confirme presença no evento!
https://www.facebook.com/events/214523932249379/

A América do Sul passa por uma transição marcada, notadamente, pelo enfraquecimento ou até colapso de diversos regimes populistas que protagonizaram a política do sub-continente na última década.

Caso estivesse vivo nos dias atuais, o que um autor clássico da filosofia política como Alexis de Tocqueville diria desse processo? O acadêmico e diplomata de carreira Prof. Dr. Paulo Roberto de Almeida buscará discutir essa questão em sua palestra para o Instituto Liberal do Centro-Oeste.
— at FT - Faculdade de Tecnologia da UnB.
Dia 14/04/2016, 19:15hs.

Estudantes pela Liberdade e suas perguntas intrigantes: minhas respostas - Paulo Roberto de Almeida

Estive neste último fim de semana em Manaus, onde, no sábado, 2/04/2016, participei de um encontro organizado pela seção local dos Estudantes pela Liberdade.
Aqui uma postagem do Marcelo Berger do encontro: https://www.facebook.com/bergerlm/posts/10205614342107101 
Ademais da companhia extremamente agradável dos organizadores -- com meus agradecimentos especiais ao Carlos Renner Cardoso, coordenador regional do EPL e presidente do Conselho Diretor do Clube Ajuricaba -- e do ambiente especialmente acolhedor que tivemos na UFAM, juntamente com outros participantes, entre eles (que pude assistir), os professores Luiz Marcelo Berger e Manoel Gustavo  Neubarth Trindade, ambos do RS, mantivemos um bom debate sobre os temas do momento: direito e economia, e no meu caso a atual situação do Brasil, e o que temos pela frente (sic, se ouso dizer).
Pois bem, ademais das perguntas que pudemos responder, ao final do encontro, recebi uma série de questões por escrito (eu havia solicitado esse procedimento, como geralmente faço quando participo de eventos desse tipo), que pude agora responder, e que já encaminhei aos "perguntadores".
Como considero, entretanto, que tanto perguntas como respostas possam interessar um número maior de participantes ao encontro, assim como outros eventuais curiosos espalhados pelo país, permito-me colocar aqui o que mandei aos alunos questionadores.
Tive muita alegria com esse tipo de evento, inclusive porque, como disse no início de minha palestra, um encontro como esse seria virtualmente impensável em outras épocas, por razões que não são difíceis de perceber.
A juventude atual desperta para o liberalismo, o que é algo ainda raro, mas extremamente auspicioso para o Brasil de amanhã.
Sem mais, as perguntas e minhas respostas.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 5 de abril de 2016.



Paulo Roberto de Almeida
[Respostas a perguntas colocadas por ocasião do encontro dos Estudantes pela Liberdade, em Manaus, na UFAM, em 2/04/2016]


Formulo abaixo respostas tentativas a questionamentos de um pequeno grupo de estudantes que me encaminharam perguntas por escrito ao término de uma palestra-debate que mantive na tarde do sábado 2 de abril de 2016, nas dependências da UFAM, no quadro de encontro organizado pelos Estudantes Pela Liberdade, seção Manaus, na sequência de duas palestras de excelente qualidade, a que assisti (tendo perdido a primeira por razões de viagem), a cargo, respectivamente dos professores e advogados Luiz Marcelo Berger e Manoel Gustavo Neubarth Trindade. Nem todas as perguntas foram acompanhadas de e-mail, e nem sempre foi possível identificar corretamente o endereço manuscrito, por isso permito-me veicular publicamente todas as perguntas e minhas respostas, embora não correlacionando autores das primeiras, e não podendo, previsivelmente satisfazer todas as curiosidades.

1) A sociologia pode ser um ramo de estudos isento de ideologia?
Paulo Roberto de Almeida (PRA): Dificilmente. Todas as ciências humanas, ou sociais, são o fruto da chamada teoria social, que é o lento acumular de “explicações”, mais ou menos “científicas”, sobre a organização social, o comportamento humano, a psicologia coletiva, as formas de associativismo, o reflexo de crenças ancestrais (geralmente religiosas), a construção progressiva de um conjunto de “respostas” a problemas inevitavelmente colocados pela ação humana, individual ou coletiva: estrutura familiar, organização social da produção, divisão do trabalho, formas de exploração do trabalho, de dominação política, de padrões de ordenamento institucional, enfim, um conjunto de interações sociais que estão sendo esmiuçadas por filósofos e pensadores sociais desde a mais remota antiguidade. A sociologia enquanto tal é construída no contexto do Iluminismo, da revolução industrial, da revolução francesa e de todos os progressos feitos pelo engenho humano nos terrenos da própria filosofia, do direito, da economia, da política, e mesmo da religião. Seus primeiros “sistematizadores” foram justamente “engenheiros sociais” – ou seja, pessoas interessadas em como melhor organizar o mundo e a sociedade – que, na época da revolução francesa, passaram a ser chamados de ideólogos, ou seja, pensadores de gabinete, reformadores sociais, ou assessores dos líderes políticos que estavam à frente de Estados soberanos na passagem da era moderna para a contemporânea. Geralmente se parte de Saint Simon, para Tocqueville, Marx, Auguste Comte, Max Weber, e vários outros, que escreveram obras de referência no terreno da “teoria social”. Quero crer que, inevitavelmente, esse trabalho de explicação social – em vários casos de propostas de grandes reformas sociais – estará contaminado pelas “teorias” e preconceitos próprios a cada época, pois ninguém consegue ser totalmente isento de seu contexto social, e das ideias-força que marcam cada época: industrialismo, pobreza, conflitos sociais (ou de classe), guerras, sistemas políticos autoritários ou democráticos, preconceitos raciais e concepções sobre a superioridade de certas raças sobre outras, ou qualquer outro problema que se coloque a cada época: descobrimentos, colonialismo, revolução científica, revolução industrial, grande indústria, imperialismo, teorias racistas, liberalismo, fascismo, comunismo, democracia, liberdades, todos esses processos, eventos, ideias são refletidos no pensamento e nas obras de “sociólogos”, que portanto expressam suas próprias ideias e propostas no meio desse caldeirão de concepções teóricas e práticas sobre o mundo que os cerca.
Eu, por exemplo, como sociólogo, mais do que como diplomata, sou um perfeito ideólogo, ou seja, estou sempre lendo, refletindo, expressando minhas opiniões, sobre os problemas de minha época, de meu país. Posso até fazer pesquisas tendencialmente, ou alegadamente, “científicas”, ou seja, dotadas de alguma base empírica, mas também é certo que dificilmente vou escapar das ideias de meus predecessores nessa área: tanto Marx, quanto Weber e vários outros influenciaram meu pensamento, e isso é, de certa forma, inevitável. Melhor ser honesto e reconhecer a validade relativa de nossas ideias e opiniões. Sociólogos são sempre ideólogos, mesmo quando não o reconhecem.


PRA: Não sou do ramo do Direito, mas da sociologia econômica, e minha tendência é a de considerar que o Direito é uma consolidação de certo consenso social, que se expressa contratualmente: Constituição, leis, códigos, normas, etc. Como tal, ele pode, em determinadas circunstâncias, mudar a economia de um país, pela “imposição”, ou pela livre aceitação, de um conjunto de regras e normas para guiar ou enquadrar as relações econômicas que se estabelecem livremente ou naturalmente no quadro da sociedade civil: leis de limitação do trabalho a 8 horas diárias, por exemplo, lei do salario mínimo, de compensações extra (ou seja impostas pela autoridade, não derivadas de contratos livres) por algum tipo de atividade especial, etc. Não quero com isso dizer que tudo isso seja benéfico à economia, à produtividade, ao bem-estar ou acumulação de riqueza por indivíduos ou pela sociedade. Leis que buscam redistribuir renda de forma compulsória podem até ser interessantes do ponto de vista da maioria, mas elas também podem ser poderosas indutoras de baixo crescimento, de evasão fiscal, de informalidade e de economia clandestina. Em economia não existe a “positividade” do direito, ou seja, a norma vale para todos, ela é impessoal e supostamente reguladora de “boas” relações sociais. Economia é uma relação social que tem a ver com a escassez relativa de bens e serviços, em face de necessidades “infinitas” por parte de indivíduos: não se pode obter NENHUM bem econômico sem antes um ato de produção, ou seja, de investimento próprio nos fatores de produção: recursos naturais, trabalho humano, capital (em suas diferentes formas). O Direito não pode, simplesmente, decretar uma forma ou outra de uso ou interação desses fatores, pois isso depende da ação humana voluntária, não coercitiva. Pode até haver formas de coerção, mas elas jamais serão superiores às formas livremente escolhidas pelos indivíduos, que normalmente buscam sua satisfação no atendimento de suas próprias necessidades (não apenas em bens materiais, mas também em poder, prestígio social, reconhecimento coletivo, etc.).
Resumindo meu pensamento: o Direito pode, sim, ajudar a transformar, para melhor, a economia do Brasil, mas ele não pode pretender se substituir à livre interação dos indivíduos buscando sua satisfação pessoal por meio de atividades econômicas. O Brasil, justamente, é um exemplo de leis pessimamente concebidas para distribuir felicidade a todos e a cada um, sem uma adequação dessas normas às realidades imanentes no terreno da economia: distribuir sem produzir é uma delas, e é justamente o que se tentou fazer nos últimos 13 ou 14 anos, com péssimos resultados.

3) Comente o recente episódio de um diplomata alertando colegas sobre um “golpe” iminente no Brasil. Como a diplomacia brasileira é vista no mundo diante de episódios como esse?
PRA: Esse episódio não teria tido a menor importância, e não teria de forma nenhuma afetado a diplomacia brasileira ao redor do mundo, se tivesse sido circunscrito ao terreno que era o seu, originalmente: o de simples circulares internas (ou seja, não dirigidas a outros governos, como são as notas diplomáticas), expedidas a postos do Brasil no exterior, e destinadas a produzir efeitos internos; elas foram prontamente abafadas e anuladas por uma circular superior, que as eliminou da série oficial de circulares expedidas. O fato de que tenham sido “vazadas” para a imprensa ocasionou uma discussão que ultrapassa em muito sua importância real. Seu autor, um diplomata que pode ser classificado literalmente como “diplomata do MST”, foi aparentemente advertido pela chefia da Casa, e proibido de ter acesso ao sistema de expedição de expedientes da Secretaria de Estado. É um fato que ele solicitava, na circular, que os postos indicassem diplomatas para “dialogar” com “movimentos sociais” em cada país, para alertar sobre os perigos ou ameaças desse “golpe” imaginado (que aliás é o mesmo discurso do Executivo, do partido e dos movimentos ditos “sociais” que o sustentam). Mas, é de se imaginar, também, que nenhum chefe de posto sensato, de embaixada, delegação ou consulado brasileiro, fosse levar a sério circulares manifestamente desequilibradas, em total descompasso com as normas e práticas da diplomacia profissional brasileira. Ninguém faria nada: apenas consideraria aquilo algo ridículo, e deixariam passar, sem nenhuma atitude prática: no máximo, seria objeto de risos.
Com essa repercussão externa, é possível que o prestígio da diplomacia brasileira se veja abalado moderadamente, mas na verdade as chancelarias dos demais países iriam certamente considerar que, nos mais respeitáveis serviços diplomáticos, se escondem personalidades bizarras ou militantes fervorosos de uma causa qualquer. Em resumo: eu não daria a menor importância a um episódio como esse no plano externo, a não ser a constatação, lamentável, que mesmo um serviço altamente profissional como o Itamaraty se vê, por vezes, contaminado por essa diplomacia partidária que se apossou até de um órgão de Estado que deveria estar acima de esquizofrenias governamentais.

4) De que forma a próxima geração de líderes e de defensores do liberalismo no Brasil pode construir uma organização de Estado e de relação do público e privado de forma a combater a má gestão e a corrupção endêmica no país?
PRA:  Pergunta extremamente complexa, e difícil de responder em poucos parágrafos, pois ela abarca toda a estrutura da organização política e social, e os fundamentos da atividade econômica no país. Para que líderes “liberais” pudessem conduzir tal obra gigantesca em suas dimensões e complexidade seria preciso, em primeiro lugar, que eles ocupassem posições de mando, no mundo político, na esfera econômica, no mundo das ideias, no comando das universidades, das organizações sociais. Ora, essa possibilidade é para mim altamente questionável, senão impossível nas circunstâncias atuais do Brasil, um país fortemente marcado pelo centralismo estatizante de raiz luso-ibérica, pelo patrimonialismo disseminado desde séculos, pelo mandonismo das elites (geralmente identificadas com seus próprios interesses de “casta” ou de corporação), e minimamente identificadas com a construção daquelas condições mínimas que estabelecemos como necessárias para que tais objetivos se realizem: Estado de Direito e economia de mercado.
Por isso mesmo, eu diria que que o principal objetivo dos “liberais” no Brasil – e coloco entre aspas pois lhes falta tradição, aprofundamento doutrinário, um ambiente de debate de ideias tendente ao liberalismo, coisas extremamente raras no país – seria realizar um esforço didático de convencimento das elites, da opinião pública esclarecida (ou seja, universitários em geral), empresários ou simples cidadãos educados, de que uma economia de mercado, com menor peso do Estado é uma condição essencial para que o país disponha de condições para construir aquilo que desejamos, um Estado de Direito (que é aquele que reconhece que as leis e normas impessoais são o fundamento das relações sociais, e não os vínculos privilegiados com detentores de poder político).
Acredito, também, que a atual crise política e econômica, que é também uma crise moral, derivada da descoberta do maior caso de corrupção já ocorrido em nosso país, conduzido pelo próprio partido que ocupa o poder, pode desempenhar, ainda que parcialmente, esse papel didático de conscientizar cidadãos e elites (algumas sendo presas) de que a construção do Estado de Direito e de uma economia de mercado é uma exigência do momento presente e da organização futura do sistema político e da vida econômica em nosso país. Devemos ser especialmente gratos ao pequeno grupo de valentes batalhadores da “República de Curitiba”, que está resgatando o sentido de honradez e dignidade que deveria ser a norma básica do relacionamento social e, sobretudo, do exercício da governança política e econômica no Brasil. Vai ser difícil, mas precisamos vencer essa batalha, se quisermos viver num país “normal”.
Vejam que sequer falei em um país “liberal”, mas apenas em país normal. Apenas isso já seria um avanço. Depois disso vamos lutar por uma economia de livres mercados, de partidos políticos representativos, sem financiamento estatal, e também por um Estado verdadeiramente mínimo, que é a melhor garantia de não haver mais esses tristes episódios de corrupção no país. Eu disse exatamente Estado mínimo, ainda que tenha plena consciência de que se trata de um objetivo distante, quiçá inatingível. Mas, para mim, o Estado mínimo permanece na esfera dos valores e princípios, pois eu não sou um “ideólogo liberal” para acreditar ingenuamente que ele seja aplicável agora.

5) Com o acesso crescente da imprensa internacional aos fatos do Brasil, e vice-versa, nosso acesso à imprensa de fora, qual seria a visão dos estrangeiros sobre a situação do governo no Brasil e de um eventual governo Temer?
PRA: Impossível comentar esses aspectos: a chamada imprensa internacional é extremamente variada, em cobertura e na diversidade de opiniões, assim como na presença, ou não, de correspondentes dos principais órgãos – Economist, New York Times, Financial Times, BBC, agências de notícias, etc. – em nosso país. Todos eles seguem muito profissionalmente o que se passa aqui, e apenas veículos a serviço de certos governos distorcem os fatos que assistimos todos os dias pela televisão. Ou seja, é impossível esconder o que se passa no Brasil. Governos responsáveis, em geral, se abstêm de se imiscuir nos assuntos internos de outros países, mas também assistimos a episódios ridículos de líderes estrangeiros se pronunciando nos mesmos termos que são empregados pelo Executivo e seu partido: direita, golpe, ilegalidade, e outras bobagens.
Grandes órgãos de imprensa – Economist, Washington Post, por exemplo – já se pronunciaram pela saída da presidente (renúncia ou impeachment), mas não depende deles essa saída, ainda que isso possa reforçar as correntes coincidentes com esse tipo de posição no país: quando grandes veículos como esses chegam a esse tipo de “intrusão” nos assuntos internos de um país, é porque a situação realmente chegou a um ponto de ruptura, e a uma percepção de que não existe outra saída. Assim, mesmo aqueles veículos neutros, ou até favoráveis ao governo atual, vão passar a julgar que o final está próximo, e isso pode ser positivo, tanto interna quanto externamente. Todos reconhecem que o Brasil precisa de uma nova direção, um novo governo, para superar a presente crise econômica e a situação de total anomia política, com a virtual paralisia do governo, e a uma grave divisão do país (mas claramente a favor do final do governo, numa proporção aproximada de 80 a favor e 10 contra esse final).
Não creio que esses veículos se pronunciarão agora sobre um eventual governo Temer, pois a especulação seria demasiada nas circunstâncias presentes. A maioria desses órgãos desejam uma saída constitucional e pacífica da atual situação de caos. Consumada a transição, seus correspondentes e as agências de imprensa começaram a enviar informes analíticos sobre as chances de um governo concreto no Brasil, que pode ser Temer, ou qualquer outro arranjo derivado de um entendimento político no país. No momento a situação é a de que uma solução pacífica, ou seja, não venezuelana, seja encontrada para a presente crise econômica e política no Brasil.

6) Quão responsável foi o governo petista por prejudicar a atividade diplomática brasileira?
PRA: Minha posição é “suspeita”, pois eu mesmo sou diplomata, da ativa, ainda que não exercendo atividades vinculadas à atual diplomacia, e isso desde o início do governo petista, uma vez que fui imediatamente percebido como “opositor” do regime lulopetista (com imenso orgulho, aliás, por não ter sido obrigado a defender posições de um governo ao qual sou oposto, e cuja política externa considero equivocada em suas grandes linhas). Levando isso em consideração, devo dizer que essa diplomacia partidária gozou de ampla e imensa aceitação na academia brasileira, e em largos extratos da opinião pública, influenciada por correntes identificadas com o nacionalismo primário, o anti-imperialismo infantil, um terceiro-mundismo ingênuo, que são posturas com as quais o governo lulopetista está claramente identificado.
Na própria diplomacia profissional, o acolhimento dessas posturas ingênuas e claramente equivocadas foi muito discreto, embora muitos tenham saudado, no início, a renovação de algumas posições diplomáticas (supostamente mais independentes, ou “autonômas”, e não “submissas” a um fantasmagórico “Consenso de Washington”, ou às “potências hegemônicas”). Muitos o fizeram por carreirismo, oportunismo, por mero interesse pessoal, pois estar alinhado e servir fielmente a um determinado governo pode sempre render promoções, boas posições de chefia e bons postos no exterior. De modo geral, a diplomacia brasileira se identifica em grande medida com algumas ideias defendidas pelos companheiros no poder: o desenvolvimentismo à la Cepal, o forte papel do Estado na promoção do crescimento, a seleção de investimentos estrangeiros que se “coadunem” com um suposto “projeto nacional” de desenvolvimento, a autonomia na definição de políticas nacionais (os chamados “policy spaces”, pelos quais se deveria lutar, em lugar de liberalizar amplamente, ou abrir-se economicamente) ou quaisquer outras ideias que sempre tiveram o favor de acadêmicos e mesmo de líderes de nossa indústria (geralmente protecionista e demandante de subsídios estatais).
Considero tudo isso profundamente equivocado, mas sou provavelmente parte de uma minoria extremamente reduzida (com perdão pela redundância) que se pauta por ideias liberais, a favor da globalização sem restrições, e amplamente defensor de valores e princípios democráticos, sem qualquer concessão a regimes autoritários e despóticos, como são exatamente aqueles privilegiados atualmente pelo governo companheiro. Por isso mesmo, considero que os governos petistas fizeram muito mal à diplomacia profissional brasileira, à nossa política externa e aos interesses nacionais do Brasil como um todo. Trata-se de uma fase sombria de nosso itinerário político, e não apenas na diplomacia e na política externa, mas sobretudo e principalmente na vida política nacional, com episódios lamentáveis de corrupção e de inépcia comprovada na condução dos negócios públicos. Todos esses episódios lamentáveis foram direta e expressamente provocados por um governo dominado por um partido que se identifica mais com uma organização criminosa do que com um movimento político normal.

7) Qual seria a solução para esse governo mal administrado?
PRA: De fato, não apenas mal administrado, ou seja, incompetente, mas também profundamente corrupto e corruptor, de uma forma como nunca tínhamos visto antes no Brasil. Infelizmente não possuímos o instrumento do “recall”, ou seja, um referendo popular que visa destituir um governo desse tipo. Com mais de 80% de desaprovação, os ineptos e corruptos no poder já teriam sido expulsos do poder, independentemente de também serem julgados e condenados pelos crimes que cometeram. Tampouco possuímos um dispositivo como o existente na Constituição do Paraguai, que simplesmente permite o impeachment de um presidente por simples incompetência, justamente, pelo julgamento político de uma maioria qualificada do Senado, sem necessidade de se comprovar qualquer crime de responsabilidade. Se esses dois expedientes existissem, na institucionalidade brasileira, o governo petista teria provavelmente acabado nos primeiros meses de 2015, mesmo se o Senado poderia resistir (por motivos que adivinhamos) a um tal “julgamento” expedito (o que não ocorreria no caso do “recall” popular (mas que ainda assim precisaria ser aprovado pelo parlamento para que fosse realizado).
No caso do Brasil, onde existe uma nítida e constante tensão entre a maioria presidencial (o voto direto dos eleitores) e a maioria congressual (necessariamente dispersa e sujeita ainda, no caso brasileira, a essa formidável fragmentação partidária), o que sempre foi fonte de instabilidade política, uma saída sem crise é muito difícil, e as rupturas tendem a ser dolorosas, como já experimentamos em diversas ocasiões de nossa história: 1954, 1955, 1961, 1964, 1992 e agora.
Respondendo objetivamente à questão: a resposta para um governo mal administrado é eleição e substituição de lideranças, mas isso em circunstâncias normais. No caso da profunda, extremamente grave crise tripla que enfrentamos – política, econômica e moral – não temos solução a não ser pressão pela renúncia ou condução de um processo de impeachment, na devida forma constitucional. Não será fácil, pois o governo inepto e corrupto dos lulopetistas foi extremamente eficiente no total aparelhamento de toda a máquina estatal (inclusive nos tribunais superiores) e domina amplamente os espectros sindical e dito “social” de organizações de massa, dispondo ainda de vastos recursos “não contabilizados”, para literalmente comprar apoios nessas esferas, como geralmente fazem organizações criminosas (quando não pela ameaça de violência ou de distúrbios sociais). Eles ainda contam com muita simpatia até em altas esferas das elites, por razões ideológicas ou por interesses pecuniários.
Estamos em face, portanto, de um processo extremamente difícil, que pode custar muito ao país para encontrar uma via ulterior de normalização e de estabilidade, e que pode inclusive levar a grandes divisões na sociedade, dada a capacidade de mobilização e de “convencimento” (em suas variadas formas) dessa organização criminosa que passa por ser um partido político.

8) Tendo em vista que o sistema democrático brasileiro ter sido destruído pela plutocracia cleptocrática atual, o que recomenda para o Brasil e para os brasileiros no que tange a reconstrução do sistema democrático-republicano?
PRA: Sempre considerei, e afirmo isso, que nossa democracia é de muito baixa qualidade, por diferentes motivos que não cabe aqui explicar, mas que são facilmente constatáveis quando se observa o funcionamento dos três poderes (eu disse dos três poderes). Reconstruir algo profundamente deformado é muito difícil, inclusive porque o tipo de representação política proporcional no Congresso – inventado, e deformado, pelo “pacote de abril” de 1977, no regime militar, portanto – torna extremamente complicado obter-se maiorias para quase tudo de relevante, sobretudo no plano da própria representação política, da organização partidária, da estrutura tributária, da redistribuição de competências e recursos nos três níveis da federação, das próprias emendas constitucionais que devem regular matérias que NUNCA deveriam estar numa carta constitucional (literalmente esquizofrênica, em especial no capítulo econômico).
Ou seja, os problemas não derivam apenas de termos uma máfia dirigindo o país atualmente, ou de que algumas elites econômicas se tenham prostituído no apoio a essa organização criminosa em troca de vantagens financeiras, mas sim derivam de uma longa acumulação de desacertos construídos nas últimas décadas, desde praticamente a era Vargas (a legislação laboral, por exemplo), o regime militar (extrema centralização e peso excessivo do Estado na economia e em toda a vida da nação), até chegar na fase da redemocratização, quando a esquizofrenia do redistributivismo ingênuo e ignorante se impôs previamente às simples evidências de que era preciso primeiro ficar rico antes de pensar em distribuir benesses estatais (que só poderiam existir com base numa extração crescente de recursos da sociedade).
Os problemas do Brasil são, portanto, estruturais, embora eles tenham sido exacerbados, agravados, levados ao ponto de ruptura pela citada cleptocracia que se apossou do poder e começou a fazer exercícios de “engenharia social” na mais profunda ignorância das boas regras da vida econômica, mas também começou a assaltar o Estado, toda a nação, as empresas públicas e privadas com uma voracidade poucas vezes antes vista na história MUNDIAL. O grau de corrupção existente no Brasil atualmente, aceito e praticado pelo poder central, e rapidamente disseminado em TODAS as esferas da administração pública, encontra poucos paralelos na história do mundo, só existente em outros estados cleptocratas menos importantes ou menos conhecidos. Impossível, na verdade, dimensionar a extensão do assalto ao país conduzido pela horda de bárbaros que tomou conta do Brasil a partir de um certo momento, mas os números já revelados impressionam pela desfaçatez dos atores.
O ideal seria que se conseguisse fazer uma limpeza completa do sistema cleptocrático: de um lado pela expulsão dos bandidos do poder, e numa próxima eleição pelo banimento de todos os corruptos já identificados da vida pública; de outro lado, pela ação eficiente de alguns setores do judiciário (MPF e PF basicamente) que podem e devem julgar e condenar bandidos políticos e empresários promíscuos, assim como todos os personagens envolvidos na gigantesca rede de corrupção atualmente sob investigação. Esse seria o ideal. Não creio, porém, que consigamos atingir uma limpeza completa.
Mas, independentemente dessas tarefas punitivas, o mais importante é justamente o esforço didático para convencer a maioria dos cidadãos de que o Brasil precisa funcionar em outras bases, completamente diferentes das que vêm servindo de base, atualmente e nas últimas décadas, para a governança política e para a organização da vida econômica em nosso país. Se ouso sugerir minha própria lista de reformas INDISPENSÁVEIS para essas tarefas, alinho aqui algumas propostas nesse sentido.

1) Redução radical do peso do Estado na vida da nação, começando pela diminuição à metade do número de ministérios, com a redução ou eliminação concomitante de uma série de outras agências públicas, na linha do que já propus nesta “mensagem” ao Congresso Nacional: http://domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4955;
2) Fim do Fundo Partidário e financiamento exclusivamente privado dos partidos políticos, como entidades de direito privado que são;
3) Redução e simplificação da carga tributária, com seu início mediante uma redução linear, mas geral, de todos os impostos atualmente cobrados nos três níveis da federação, à razão de 0,5% de suas alíquotas anualmente, até que um esquema geral, e racional de redução ponderada seja acordado no Congresso envolvendo as agências pertinentes das unidades da federação dotadas de capacidade arrecadatória;
4) Eliminação da figura inconstitucional do contingenciamento orçamentário pelo Executivo; a lei orçamentária deve ser aplicada tal como foi aprovada pelo Parlamento, e toda e qualquer mudança novamente discutida em nível congressual; fica também eliminadas as emendas individuais ou dotações pessoais apresentadas pelos representantes políticos da nação; todo orçamento é institucional, não pessoal;
5) Extinção imediata de 50% de todos os cargos em comissão, em todos os níveis e em todas as esferas da administração pública, e designação imediata de uma comissão parlamentar, com participação dos órgãos de controle e de planejamento, para a extinção do maior volume possível dos restantes cargos, reduzindo-se ao mínimo necessário o provimento de cargos de livre nomeação; extinção do nepotismo cruzado;
6) Eliminação total de qualquer publicidade governamental que não motivada a fins imediatos de utilidade pública; extinção de órgãos públicos de comunicação com verba própria: a comunicação de temas de interesse público se fará pela própria estrutura da agência no âmbito das atividades-fim, sem qualquer possibilidade de existência de canais de comunicação oficiais;
7) Criação de uma comissão de âmbito nacional para estudar a extinção da estabilidade no setor público, com a preservação de alguns poucos setores em que tal condição funcional seja indispensável ao exercício de determinadas atribuições de interesse público relevante;
8) Início imediato de um processo de reforma profunda dos sistemas previdenciários (geral e do setor público), para a eliminação de privilégios e adequação do pagamento de benefícios a critérios autuarias de sustentabilidade intergeracional do sistema único;
9) Reforma radical dos sistemas públicos de educação, nos três níveis, segundo critérios meritocráticos e de resultados;
10) Reforma do Sistema Único de Saúde, de forma a eliminar gradualmente a ficção da gratuidade universal, com um sistema básico de atendimento coletivo e diferentes mecanismos de seguros de saúde baseados em critérios de mercado;
11) Revisão dos sistemas de segurança pública, incluindo o prisional-penitenciário, por meio de uma Comissão Nacional de especialistas do setor;
12) Eliminação de todas as isenções fiscais e tributárias, ou privilégios exorbitantes, associados a entidades religiosas;
13) Reforma da Consolidação da Legislação do Trabalho, no sentido contratualista, e extinção imediata do Imposto Sindical e da unicidade sindical, conferindo liberdade às entidades associativas, sem quaisquer privilégios estatais para centrais sindicais; no limite, extinção da Justiça do Trabalho, que é, ela mesma, criadora de conflitos e de extrema litigiosidade, impondo um custo enorme à sociedade;
14) Revisão geral dos contratos e associações do setor público, nos três níveis da federação, com organizações não governamentais, que em princípio devem poder se sustentar com recursos próprios, não com repasses orçamentários oficiais;
15) Privatização de todas as entidades públicas não vinculadas diretamente a uma prestação de serviço público sob responsabilidade exclusiva do setor público.

Eu teria muitas outras propostas de reformas a fazer – como por exemplo a extinção do salário mínimo para permitir pleno emprego no Brasil, a abertura ampla ao comércio e aos investimentos internacionais –, mas me contento no momento com estas quinze reivindicações para a melhoria do Brasil.
Como se pode verificar, nada disso é muito fácil, ou será conduzido de maneira exitosa nos próximos anos, ou décadas. Mas estas me parecem ser ideias mais ou menos condizentes com um Brasil liberal, ou seja, um país totalmente diferente do que tem sido historicamente e até hoje.
Ilusão, utopia da minha parte. Não creio. Nenhuma dessas propostas apresenta dificuldades técnicas, são socialmente prejudiciais ao desenvolvimento do país (ao contrário, elas permitiriam o crescimento e o desenvolvimento) ou apresentam efeitos nefastos do ponto de vista social. Elas são apenas politicamente difíceis, não porque sejam impossíveis de serem conduzidas pela via legislativa, mas porque ainda não nasceram (ou apareceram) estadistas capazes de conduzi-las, ou porque nossa classe política, nossas elites, de forma geral, estão despreparadas para enfrentar esse rol de reformas modernizadoras.
Cada vez me convenço mais que não temos propriamente um problema de atraso material a vencer, mas sobretudo alguns bloqueios mentais a serem superados. O trabalho dos liberais, nos anos e décadas à frente deve contudo orientar-se nessa direção: menos Estado, mais liberdades econômicas, mais responsabilização da classe política, maior participação e consciência cidadã.
O caminho está dado, vamos empreendê-lo.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 5 de abril de 2016