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sexta-feira, 14 de junho de 2024

Ricupero e os bastidores do lançamento do Real - Sérgio Lamucci (Valor Econômico; Comentários de Mauricio David)

Ricupero e os bastidores do lançamento do Real

30 anos Plano Real 

 

Especial - Em suas memórias, ele conta o que viveu na Fazenda, do papel de comunicador ao de "algodão entre cristais", e fala do episódio da parabólica

 

Sérgio Lamucci

 

Aos 87 anos, o embaixador Rubens Ricupero publica as suas "Memórias". No ano em que se completam três décadas do Plano Real, os capítulos em que trata da sua passagem pelo Ministério da Fazenda, em 1994, contando bastidores do período, ganham especial interesse. O diplomata relata os cinco meses em que ficou no cargo, narrando as pressões enfrentadas por ele e pela equipe que elaborou o plano, a convivência difícil com o então presidente Itamar Franco, a tarefa de comunicar à população a mudança de moeda e o episódio da parabólica, que levou à sua saída do ministério.

Do fim de março ao começo de setembro de 1994, Ricupero teve papel importante na fase de implementação do plano que enfim derrubou a inflação e levou o seu antecessor no cargo, Fernando Henrique Cardoso, a ser eleito presidente nas eleições daquele ano, batendo Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno. Fernando Henrique montou a equipe que elaborou o Real, composta por nomes como Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Pedro Malan e Gustavo Franco, mas coube a Ricupero comandar a Fazenda nos meses anteriores e imediatamente posteriores à introdução do real, sendo fundamental na comunicação do novo plano. No começo de março, havia sido lançada a Unidade Real de Valor (URV), que funcionou como uma "quase moeda", não existindo fisicamente, até a substituição do cruzeiro real pelo real.

Fernando Henrique deixou o cargo para se candidatar à Presidência, e Ricupero, então ministro do Meio Ambiente, foi escolhido pelo então presidente Itamar Franco para o posto. Ao Valor Ricupero ressaltou a importância do então presidente para a existência do plano, embora sem minimizar as dificuldades causadas por ele. "O grande mérito do Real, em primeiro lugar, é do Itamar, politicamente. Se não fosse ele, o Fernando Henrique não teria existido-nem ele nem eu", afirmou. Ao mesmo tempo, Itamar "atrapalhou o quanto pôde", diz Ricupero.

"Queria aumentar o salário mínimo, dar aumento para a Polícia Federal, para os militares, para os civis. Tudo isso era impossível", disse o embaixador. "Eu dizia: "Presidente, se eu fizer o que o senhor está me dizendo, aquilo que o senhor me pediu, não vou poder fazer"", conta Ricupero, lembrando que Itamar havia pedido para que ele aplicasse o plano com a equipe que estava ali. ""Se eu fizer o que o senhor me manda - eu vou fazer, porque o senhor é o presidente -, não vou ter nem equipe e nem plano"."


Entre as dores de cabeça causadas por Itamar, Ricupero cita as duas ordens formais para demitir o então secretário do Tesouro, Murilo Portugal. Ricupero não obedeceu. "Funcionário exemplar na competência e integridade, defendeu com firmeza a chave do cofre, ajudando a preservar as condições fiscais do êxito do Plano Real. (...) Com a missão pouco invejável de resistir às inumeráveis pressões para gastar, Portugal acabou por atrair iras e ressentimentos de gente poderosa, decidida a intrigá-lo junto à Presidência", conta o embaixador, no livro lançado pela Editora Unesp.

Ricupero diz que, após o segundo pedido para demitir Portugal, deixou passar alguns dias. "Dessa vez, as intrigas se intensificaram, até que o presidente me chamou para reclamar da desobediência à sua decisão. Passei longo tempo explicando que não havia nada de arbitrário na execução do Orçamento, muito menos interferência individual do diretor do Tesouro. Itamar era impulsivo, com frequência inseguro em relação à própria autoridade. Possuía, contudo, a virtude de escutar e não insistia quando se convencia de haver cometido um equívoco."

No livro, Ricupero relata uma grande surpresa ao se reunir com a equipe, a quem reserva muitos elogios, no mesmo dia do convite para ser ministro. "À noite, realizou-se, em casa, minha primeira reunião com a equipe econômica. Após as introduções de praxe, perguntei qual seria o Dia D, a data do lançamento da nova moeda. Recebi um choque ao descobrir que não havia nenhuma data definida. Pior, a discussão revelou que as opiniões variavam num espectro larguíssimo, que ia de um mês a um ano", conta ele.

"Eduardo Jorge, assessor parlamentar de FHC desde o Senado, queria que fosse em um mês, prazo obviamente inexequível. No extremo oposto, Pérsio Arida e outros falavam em um ano, e ainda assim com relutância. Preferiam que a transição para a nova moeda se prolongasse o máximo possível para dar tempo à consolidação da URV e sua aceitação espontânea nos reajustes salariais", escreve Ricupero, observando que a divergência escondia duas complicações mais profundas. "A primeira era o conflito entre as considerações políticas e as puramente econômicas. A segunda tinha a ver com o imenso, incomensurável grau de insegurança que pairava sobre as chances de que o plano desse certo em termos econômicos."

Ricupero diz que, "depois de examinar as etapas a completar antes de introduzir a nova moeda, chegou-se à conclusão de que o mínimo prazo viável seria de três meses a partir do começo de abril". Os participantes saíram da reunião convictos de que teriam de trabalhar com esse horizonte de tempo, ainda que a decisão formal de bater o martelo na data de 1º de julho só tenha sido tomada mais tarde. O calendário eleitoral era um fator inescapável.

Entre os integrantes da equipe montada por Fernando Henrique para a elaboração do Real, Ricupero fala de modo bastante elogioso do ex-presidente do BNDES Edmar Bacha, ao lembrar do papel do economista para convencer os parlamentares a aprovar a medida provisória da URV-segundo o embaixador, a ideia de Fernando Henrique era renovar a MP a cada vencimento, e não fazê-la passar no Congresso, pelo risco de ser desfigurada. Ricupero não se convenceu da estratégia e preferiu batalhar pela aprovação da medida. Segundo ele, "graças ao trabalho excepcional do membro sênior da equipe, Edmar Bacha, foi possível, não sem perigo, mudar de estratégia e obter o endosso dos parlamentares. Paciente, com senso de humor, ar despretensioso escondendo mineira sagacidade, Bacha ganhou o apelido de "senador", pelos seus ares de negociador tarimbado". Ricupero também destaca o papel do deputado Luís Eduardo Magalhães, então líder do PR, para a aprovação da MP.

Uma passagem curiosa é o relato de uma conversa com Fernando Henrique, após a reunião em que Itamar o convidou para ocupar a Fazenda, em que o futuro presidente elogia especialmente um dos integrantes da equipe. "Ao sair do tête-à-tête, encontrei Fernando Henrique e me ofereci para levá-lo de carro até seu apartamento. No caminho, pedi que me falasse um pouco dos membros da equipe, como agiam, se havia tendências, posições discordantes, que conselhos me daria para lidar com eles", escreve Ricupero.

"Fiquei surpreso de ver como se estendia em elogios a Gustavo Franco, quase exclusiva mente. Acho que ele mesmo se deu conta do desequilíbrio, pois, sem que eu dissesse nada, acrescentou que já conhecia bem os demais membros da equipe anteriormente. A verdadeira revelação, a novidade, tinha sido Gustavo", conta ele. "Tive a impressão de que a razão real estaria no caráter mais afirmativo de Franco, que transmitia a sensação de jamais ter dúvidas."

Ao Valor Ricupero disse que Bacha e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan eram "as duas âncoras de mais experiência - inclusive, os que tinham mais idade, mais maturidade". Na sua visão, Pérsio Arida e Gustavo Franco, dois ex-presidentes do Banco Central (BC), eram os mais brilhantes - a essa altura, o ex-presidente do BNDES André Lara Resende não estava mais no time.

Para Ricupero, evitar confrontos entre a equipe e Itamar foi uma das suas tarefas mais importantes à frente da Fazenda. "Na fase histórica de preparação do lançamento da moeda e dos primeiros meses de sua sustentação, fui o "algodão entre cristais", que evitou um choque direto entre Itamar e a equipe, capaz de esfacelar o programa anti-inflacionário", conta ele, no livro.

Ricupero diz que seu dever era claro. "Tinha de tomar o partido da equipe, defender suas posições, interpor-me entre ela e todos os empenhados em desfigurar o programa, ainda que inspirados por intenções de boa-fé, extemporâneas naquele instante. No fundo, via-me obrigado a resistir ao presidente a fim de protegê-lo de si mesmo e de seus íntimos, equivocados nas tentativas de passar por cima da competência dos membros da equipe econômica", escreve ele. "Itamar acreditava sinceramente na possibilidade de um plano que desse cabo do risco da hiperinflação. Contudo, da mesma forma que a imensa maioria dos políticos brasileiros, imaginava alguma coisa na linha do que havia sido o Plano Cruzado, uma espécie de milagre indolor que resolvesse de imediato todos os problemas sem nenhum custo político."

Um dos piores episódios de pressão ocorreu em 29 de junho de 1994, "na antevéspera do lançamento da moeda e da aprovação da medida provisória que consolidaria todos os aspectos relevantes ligados à moeda". Ricupero recebeu o então ministro da Justiça, Alexandre Dupeyrat, um integrante do círculo íntimo de Itamar. "Preferi não chamar todos os membros da equipe, que seguiam trabalhando febrilmente para dar os últimos retoques à complexa medida a ser enviada ao Congresso. Convidei Pérsio Arida e Winston Fritsch para estarem presentes à entrevista, além de alguns colegas diplomatas. Desde o primeiro instante, senti que a conversa ia entortar. Não tanto pelos assuntos suscitados. O que chocou foi a atitude arrogante de cobrança, o tom cominatório de censura, parecia uma espécie de inspetor de quarteirão cobrando providências, dando prazos, puxando orelhas, como se fôssemos crianças malcriadas", conta o embaixador.

Para não perder a autoridade perante a equipe e não se tornar um joguete "das manobras de círculos palacianos", Ricupero conta ter telefonado na frente de Dupeyrat para Ruth Hargreaves, irmã do chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, que controlava a agenda de Itamar. ""Dona Ruth", lhe disse, "estou aguardando desde esta manhã que o presidente me chame para despachar a medida provisória. (...) Temos só um par de horas.

Diga, por favor, ao presidente que, se eu não for chamado logo, alguma coisa muito grave pode acontecer. Diga assim mesmo"". Ao ouvir o telefonema, Dupeyrat afirmou, segundo Ricupero: "Vejo que não sou bem-vindo aqui".

"O senhor sempre será bem-vindo quando vier trazer assuntos jurídicos ou constitucionais de sua pasta. Quanto à economia, vou perguntar ao presidente quem é o ministro da Fazenda, o senhor ou eu. Dependendo da resposta, não terei nada mais a fazer no ministério", respondeu o então ministro da Fazenda. Pouco depois, Ricupero foi avisado de que seria recebido por Itamar, e tudo se resolveu.

Se atuar para impedir o choque entre Itamar e seu entorno e equipe econômica era desgastante, Ricupero diz que se consolou "em parte" com a outra função principal que exerceu no Ministério da Fazenda. "Da mesma forma que não havia escolhido a ingrata posição de amortecedor entre o presidente e a equipe, tampouco imaginei que em pouco tempo me tornaria uma espécie de missionário do plano, a ponto de receber de Itamar a alcunha de "sacerdote do Real", conta ele.

Encarregado de fazer a campanha de informação sobre a nova moeda, uma vez que Fernando Henrique deixara a Fazenda para se candidatar, Ricupero se empenhou no papel, mesmo sem experiência prévia com televisão. Os pronunciamentos foram importantes para a comunicação do plano, ajudando a população a se preparar e a se informar sobre a troca da moeda. Ao Valor o embaixador destacou a relevância dessa atividade para o sucesso do plano, na sua visão. "Eu não tive nenhum aporte teórico ao plano. Isso é inteiramente devido a eles [aos economistas que elaboraram o Real]. Eu fiz foi a comunicação, uma história que resta contar. Sem a comunicação, não teria dado certo."

Para Ricupero, "a verdadeira mudança cultural trazida pelo Plano Real, por meio da comunicação, mas sobretudo pela realidade, residiu na demonstração de que a elevação de preços agravava o sofrimento dos que vivem de salários e não têm como se defender. (...) Não foram as palavras, e sim o efeito fulminante do plano, o que mudou a mentalidade da população. A ponto de que, mesmo os opositores do real, entre eles o PT, tiveram de alterar o discurso, se não suas convicções íntimas, diante da intolerância desenvolvida pela sociedade contra o retorno da inflação".

Para ele, "ninguém mais ganha eleição no Brasil se não investir contra a inflação. Pena que não tenha acontecido algo similar com a responsabilidade no gasto do dinheiro público, na leviandade de destruir as contas do Orçamento para fins eleitorais".

No livro, Ricupero lembra ainda que, "no contexto exterior, o plano jamais encontrou compreensão e ajuda de parte do FMI, do governo norte-americano, de autoridades financeiras internacionais em geral". Em visita ao Brasil, o então subsecretário do Tesouro americano, Larry Summers, lhe disse sem rodeios: "Compreendo o que vocês estão querendo fazer, mas não vai dar certo porque a situação orçamentária brasileira é muito precária, não permitirá manter a estabilidade por tempo suficiente".

Em resposta, Ricupero conta ter dito a Summers que a opinião era "correta do ponto de vista teórico ideal". Não levava em consideração, porém, as especificidades da situação do país. "Se tivéssemos podido, gostaríamos de contar com uma situação fiscal bem mais sólida antes de lançar a moeda nova. Mas, em ano eleitoral, com um presidente que tomou posse devido ao impeachment do anterior, com as tensões sociais existentes, sem forte apoio parlamentar, não há condições para efetivar o ajuste fiscal que nos demandam. Ideal ou não, na falta de condições, teremos de criar as condições, isto é, a moeda é que vai gerar apoio político para depois levar avante o ajuste, e não o contrário".


No último capítulo em que trata do Real, Ricupero fala do episódio que fez com que tivesse de deixar o governo - a transmissão de uma conversa com o jornalista Carlos Monforte, antes de fazer uma gravação para o Jornal da Globo, captada por algumas antenas parabólicas. "Hoje, não consigo entender o que me levou a dizer tanta coisa absurda e sem sentido", escreve ele.

Segundo o embaixador, um pouco antes, alguns assessores haviam informado a ele "que se detectavam os primeiros sinais de reviravolta animadora", após um período de desconfiança. A projeção para os índices de preços indicava uma queda brusca. Monforte insistiu na importância de divulgar esses sinais de queda da inflação na entrevista que começaria a seguir. "Aleguei que não podia fazer isso de forma unilateral, sem consultar os colegas. (...) Prometí que na segunda-feira seguinte, depois de obter a anuência dos demais, daria a meu entrevistador a novidade em primeira mão. Do contrário, acrescentei: "Vão dizer: você proibiu da vez anterior que era mim, agora que é bom... No fundo é isso mesmo. Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é mim a gente esconde". As duas últimas frases, quando vieram a público, destruíram qualquer possibilidade de Ricupero seguir no cargo.

"As pessoas não perceberam a contradição existente entre o que eu dizia e o que estava fazendo realmente. Se fosse verdade que eu não tinha escrúpulos, então por que não divulgava já a queda dos preços, faturando o que era bom para nós e para o plano? O poder das palavras é tão grande, porém, que todo mundo se fixou somente no que falei, não prestando atenção no que eu estava fazendo, que era recusar a divulgação da boa notícia", escreve ele. "Gostaria de apagar de minha vida aqueles 19 minutos, mas nunca atribuí a ninguém a responsabilidade pelo que sucedeu a não ser a mim mesmo." Segundo ele, o que o faz sofrer é ter feito papel de tolo, ao se "deixar levar pela presunção e pela vaidade".

Evocar o episódio, segundo ele, ainda é "um esforço penoso", mesmo depois de quase 30 anos. "Embora importante, a participação na saga do Real não define ou esgota minha trajetória, representa cinco meses de uma vida de 87 anos. Depois do episódio da parabólica, vivi e realizei outras coisas. Não sei se algum dia serei capaz de olhar as imagens da conversa malfadada, embora consiga ler a transcrição do que se falou", conta Ricupero.

O livro de memórias, de mais de 700 páginas, evidencia que a trajetória de Ricupero não se limita ao papel no Real. O diplomata conta a sua vida desde a infância pobre no Brás, numa família de imigrantes italianos e narra a experiência nos primeiros anos de Brasília, onde acompanhou a renúncia de Jânio Quadros e o golpe de 1964. Ricupero fala ainda das suas passagens pelas embaixadas do Brasil nos EUA, entre 1991 e 1993, e na Itália, em 1995, e pelo Ministério do Meio Ambiente, em 1993 e 1994, além de tratar de seu período como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), entre 1995 e 2004. A atuação como ministro da Fazenda, como mostram as "Memórias", é apenas uma das etapas de uma vida intensa.

 

 


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Comentários de Maurício David:  

Ah!, se eu tivesse uma varinha de condão e pudesse fazer com que certas pessoas pudessem viver mais de 200 anos...

MD

P.S.: Por ocasião do Plano Real, eu estava fora do Brasil, em Paris, fazendo o meu doutorado em economia. Não gostei de certas medidas prévias ao lançamento do real. Quando foram anunciadas, eu estava participando de um seminário que reunia a nata dos economistas de esquerda, nas aforas de Paris. Critiquei duramente algumas medidas de restrições de gastos que foram adotadas (hoje, compreendo que eram necessárias naquele momento, como bem explica o embaixador Ricupero em suas esplêndidas memórias... Mas fiz as críticas junto ao público dileto do Fernando Henrique  (muito meu amigo, fundamos juntos o PSDB, eu era “fernandista” de quatro costados...), e parece que êle não gostou muito das minhas críticas feitas junto ao seu público de coração. Mas o Fernando Henrique era um cavalheiro e uma pessoa muito cordial e afetuosa, não guardava mágoa de ninguém...Quando voltei ao Brasil, a fins de 95 e o Fernando já na Presidência e o Real completando mais de um ano, o Bresser (também muito meu amigo, uma pessoa extraordinária...) me convidou para trabalhar com êle em Brasília. Desempregado, aceitei o convite. Mas tenho que falar antes com o Presidente, disse-me o Bresser. OK, disse-lhe eu. O Bresser falou com o Fernando Henrique e este, sem vacilar, deu o seu OK. Assim fui para Brasília, onde fiz o meu “serviço militar” passando 9 meses por lá. Foi o quanto aguentei, pude ver por dentro o pior dos jogos de poder no Planalto. Ao fim do meu “serviço militar”, pedi o meu boné e voltei ao Rio (ainda desempregado, mas logo depois ganhei uma liminar na Justiça garantindo o meu retorno ao BNDES, de onde havia sido excluído por pressão do SNI em 1980, readmitido pela emenda constitucional que convocou a Assembléia Nacional Constitutinte em 1984/85 e novamente demitido pelo infame governo Collor em 1990). 

Mientras tanto (como se diz nos países de língua castellana) os meus colegas do Departamento de Economia da PUC/RJ eram de uma arrogância só, não apreciavam o debate e odiavam a quem os criticavam. Eu, porque era amigo da Conceição (embora nunca tenha sido sacristão nas suas igrejas, nem sequer coroinha...), era muitas vezes olhado com desconfiança pelo outro lado ( o outro lado eram os meus colegas um tanto ou quanto neoliberais da PUC). Por falar nisto, um dos aspectos mais interessantes desta matéria sobre as “Memórias” do querido embaixador é quando ele conta da “paixonite” que o Fernando Henrique teve pelo Gustavo Franco (professor do Departamento de Economia da PUC/RJ, membro da chamada “equipe econômica” e ex-presidente do Banco Central). O Fernando tinha uma profunda admiração pelo Gustavo, no fundo, no fundo, era o cara em que mais confiava na equipe econômica (como bem descreve o embaixador Ricupero em sua entrevista ao jornal Valor Economico ) embora o Edmar Bacha e o Pedro Malan fossem os membros mais “seniors” do “gabinete sombra” do FHC que bolou e implantou o Plano Real. Diga-se de passagem que a Conceição era unha e carne com o Malan, nesta época. Houve um episódio dantesco (dependendo do ponto de vista de quem acompanhou o processo) naqueles anos : um confronto de titãs, de gigantes do pensamento econômico, na disputa pela vaga de Professor Titular na Faculdade de Economia da UFRJ, a Federal do Rio, a histórica ex-Universidade do Brasil. Pedro Malan e Antonio Barros de Castro. Como eu já destaquei mais acima, os dois – Castro e Malan – eram dois economistas respeitadíssimos (menos o Malan pelo Delfim Neto, que o odiava pelas posições críticas à política econômica da ditadura que o Malan adotava no IPEA, onde trabalhava). Nesta batalha entre os titãs, a Conceição se lançou com unha e dentes na campanha pelo Malan (acreditem se quiserem, sou testemunha ocular e presencial desta campanha do “Delenda Castro” que se deflagrou nas hostes dos “conceicettes” como eram chamados pejorativamente admiradores da Conceição).  Eu, muito amigos dos dois, fiquei entre a cruz e a caldeirinha. A batalha foi ganha pelo Castro (sem nenhum demérito para o Malan) e o Pedro resolveu sair do Brasil e foi para Nova York, para exercer uma função de pesquisador em um organismo da ONU. Visitei-o logo após ele ter assumido a função na ONU. Almoçamos juntos e eu o vi muito acabrunhado e entristecido. Logo após veio o final da ditadura e o Malan foi convidado pelo novo governo para assumir a função de representante do Brasil do Brasil na diretoria do Banco Mundial. Com Fernando Henrique assumindo o Ministério da Fazenda, o Pedro assumiu a função de negociador da dívida externa brasileira e depois, quando o Fernando foi eleito Presidente, foi convidado – e aceitou – ser o novo Ministro da Fazenda. O Castro, por sua vez, prosseguiu em sua carreira acadêmica exitosa e terminou convidado para a Presidencia do BNDES, mas ali(aqui) ficou por pouco tempo, pois logo foi decapitado da função. Os “conceicettes” do banco ficaram histéricos com a nomeação do castro e comemoram com foguetes quando êle foi triturado nas disputas pelo Poder...

Aproveito para lhes contar um episódio algo inusitado. Como já comentei acima, quando da implantação do Plano Real eu estava vivendo na França, mais exatamente em Paris. Tempos depois, acho que em 1996 ou 1997, conversando com a Conceição ( que era na ocasião deputada federal, integrante da bancada do PT – odiada pela equipe do Real, os professores da PUC gostariam de condená-la à guilhotina, se fora possível...), pois bem, a Conceição era odiada pelos professores da PUC e certamente não circulava muito com eles pelos ministérios em Brasília no governo FHC, mas era muito bem informada no ambiente de fofocas e nas articulações de bastidores em Brasília (até por ter muitos ex-alunos trabalhando lá no Planalto). Bom, conversa vai, conversa vem, a conversa rola para o lado de como e porque o Gustavo Franco magnetizou tanto o Presidente Fernando Henrique no seu primeiro governo. A Conceição me disse que a influencia do Gustavo Franco derivou fundamentalmente do seguinte fato (reproduzo de memória o que me disse a Conceição). Em certo momento da preparação final do Plano Real, deu a “paúra” geral em toda a equipe econômica. Todas as pernas tremeram, ninguém sabia ao certo de o Plano “emplacaria” ou não. As dúvidas sobre as suas chances de êxito eram muitas, e até generalizadas. Em um destes momentos críticos o Gustavo Franco (que andava sempre com uma maquininha de calcular, fazendo mil e uma contas) ante uma pergunta do Fernando Henrique : “mas quem me garante que vai dar certo ?”, o único que levantou a mão e respondeu ao Presidente : “eu garanto, Presidente ! Pode seguir em frente” e demonstrou com números porque o Plano daria certo”. Coup de foudre, como dizem os franceses...Paixão fulminante !, mal traduzindo do francês... O Fernando Henrique recuperou a confiança e mandou tocar prá frente... A partir daí, não fazia nada na economia sem perguntar antes ao “baixinho”... (Lembro-me de uma capa da revista VEJA que vi em Paris e em que o baixinho do Gustavo Franco aparecia vestido de Napoleão, à cavalo e espada em punho, conduzindo as hostes guerreiras da turma do Plano Real... Será real (sem trocadilhos...) ou fantasia da Ceiça ? Sei lá. Mas que é verossímel, é... Em tempo, concluía a VEJA (fazendo blague com Napoleão e com o Gustavo Franco, outro baixinho na história) : “cuidado com os baixinhos, eles são fogo !!!”

MD


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