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domingo, 16 de junho de 2024

056) Estratégias da Política Externa Brasileira (1978) - Paulo Roberto de Almeida (inédito)

 Estratégias da Política Externa Brasileira


[Paulo Roberto de Almeida] (autoria não identificada)

Brasília, agosto de 1978, 6 p.

Análise das diversas etapas da diplomacia brasileira, preparada como texto de apoio à campanha presidencial do PMDB, inserido no documento “Justificativas para uma possível reformulação da política externa brasileira na África”. Entregue, em setembro de 1978, ao staff do candidato do Partido, General Euler Bentes Monteiro. Inédito. Documento constando dos fundos do Arquivo Nacional, sob o título: “Justificativa para uma possível reformulação da política externa no Brasil na África”, como tendo sido elaborado por “grupo subversivo de esquerda”; Fundo: SNIG; AC_ACE_11577_78.PDF; A1157711-1978; DATA: 17/9/1978; 30 páginas.

[Nota PRA: Algumas expressões, como por exemplo chamar o golpe militar de 1964 de “Revolução”, deve-se ao fato de o documento destinar-se a ser lido por um general, ainda que da oposição, daí o cuidado na terminologia.]

 


JUSTIFICATIVAS PARA UMA POSSÍVEL REFORMULAÇÃO

POLÍTICA EXERNA DO BRASIL NA ÁFRICA

TEXTO PRELIMINAR

O Brasil é, nas palavras de seus dirigentes, candidato efetivo ao status de “Grande Potência” nas próximas duas ou três décadas. O rápido processo de modernização e de crescimento econômico assistido nos últimos anos parece, realmente, ter dado consistência ao projeto, acalentado em determinados setores, de fazer do Brasil um membro do “fechado e seleto clube das nações industriais”.

Atualmente, a designação “potência emergente” já encontra ampla utilização nas mais variadas declarações oficiais, garantindo assim a prévia aceitação do objetivo traçado para este país: torná-lo “potência mundial” num futuro previsível. Mesmo o orgulho decorrente da pretensão acima referida, antes privilégio exclusivo das elites dirigentes, já começa agora a ser insuflado em camadas mais amplas da população.

A diplomacia brasileira conquistou maturidade nos últimos anos, libertando-se de antigos complexos oriundos do nível relativamente baixo do desenvolvimento econômico e social brasileiro. É na política externa, aliás, que os resultados, avaliados em termos de conquistas reais, podem ser classificados de gratificantes, já que em todos os outros terrenos – da situação social da população à democratização das instituições políticas nacionais – o saldo é de nítidos fracassos e frustrações. Mas ela tampouco deixa de ser atingida pelo falso otimismo que campeia nas altas esferas da administração: ao lado dos avanços reais obtidos por nossa diplomacia, paira um esquema conceitual – o do “Brasil Grande Potência” – nem sempre adequado à plena realização das aspirações nacionais e à defesa dos interesses do país no cenário internacional.

A análise da política externa brasileira, desde a década de 60, revela inflexões significativas a cada governo, em função das forças políticas dominantes em cada período. A “política externa independente”, por exemplo, significou a introdução de novos padrões no relacionamento do Brasil com a comunidade internacional: abandonou-se a política de alinhamento estrito e automático com o Ocidente, antes de mais nada com os Estados Unidos, e esboçou-se uma posição de liderança do Terceiro Mundo, através de uma filosofia mais avançada de desenvolvimento econômico e social.

A Revolução de 1964 trouxe não apenas um retorno às normas tradicionais de política externa como, em muitos casos, um verdadeiro retrocesso no que concerne a defesa de determinados princípios da diplomacia brasileira. O primeiro governo da Revolução procedeu a uma revisão do processo de elaboração da política externa brasileira, submetendo-a aos conceitos e diretivas emanados do Conselho de Segurança Nacional. Assistiu-se, assim, a um retorno ao período da guerra fria e a formulação de novos esquemas conceituais suscetíveis presumivelmente de guiar a ação externa do Brasil: a política externa tornou-se igualmente militar e a teoria dos “círculos concêntricos de atuação” veio somar-se aos conceitos de “fronteiras ideológicas” e de “segurança coletiva” para diminuir a importância atribuída até então aos princípios de independência e soberania.

Essa “política externa dependente” foi abertamente contestada no governo Costa e Silva e substituída por um esquema conceitual que reatava em grande parte com os princípios seguidos anteriormente. A suposta “confrontação bipolar”, pela qual o Brasil estaria indefectivelmente ligado ao irmão americano, deu lugar a uma situação tendente ao policentrismo e os problemas de segurança cedem prioridade aos de desenvolvimento. A origem da maior parte dos conflitos e tensões no cenário internacional passou a ser o “’subdesenvolvimento’” e não mais a ação insidiosa do “comunismo internacional”: o enfrentamento Leste-Oeste cedia assim lugar ao conflito Norte-Sul.

O terceiro governo da revolução não prosseguiu, contudo, a ação multilateral empreendida pela administração anterior no sentido de lutar contra a divisão do mundo entre desenvolvidos e subdesenvolvidos. Apesar de pronunciar-se contra as grandes potências que pretendiam, segundo se dizia, o “congelamento do poder mundial”, a política externa do governo Medici rejeitou a “diplomacia da prosperidade conjunta” proposta na administração anterior, introduzindo em seu lugar a “diplomacia do interesse nacional”. O fundamento da nova atitude era precisamente o projeto do “Brasil Grande Potência”, que levaria ao abandono da ênfase dada às ações multilaterais e do papel de líder do Terceiro Mundo, tal como praticado na Conferência da UNCTAD de 1969.

 

A euforia criada pelo chamado “milagre econômico” contribuiu para sustentar a tese de que o país deveria atuar de maneira autônoma no cenário internacional, diversificando e ampliando suas relações como forma de eliminar os obstáculos à expansão de seu Poder Nacional. O bilateralismo cresceu na própria medida em que o progresso econômico permitia visualizar a crescente projeção do Brasil no cenário internacional e, já no âmbito regional, se faziam alusões à hegemonia que resultaria do fortalecimento do poder econômico.

No governo Geisel assistiu-se, contraditoriamente, a expansão e afirmação crescente dos interesses nacionais, mas também ao renascimento das perspectivas terceiro-mundistas. A política externa voltou a proclamar a impossibilidade de “alinhamentos automáticos”, abandonando-se inclusive os “laços afetivos e políticos” (sic) que nos uniam a Portugal, que haviam imposto um retrocesso na política anticolonialista seguida de 1961 a 1964. A política do “pragmatismo ecumênico e responsável” tornou-se cada vez mais a manifestação de um bilateralismo atuante, como forma de garantir a expansão dos interesses nacionais no âmbito da comunidade internacional.

A atual diplomacia, aparentemente inovadora e original, é na verdade profundamente conservadora, já que intenta reproduzir o caminho seguido pelas atuais grandes potências na busca de um maior prestígio internacional. Isto se revela claramente na adoção de elementos da política tradicional (entre eles a expansão da capacidade militar do país e a associação crescente com o capital internacional para fins de crescimento econômico) como forma de promover o “poder nacional” e conduzir o Brasil à condição de parceiro privilegiado no cenário internacional.

Ao proclamar como intenção o projeto “Brasil Grande Potência”, a atual diplomacia não apenas isola o país da comunidade dos países em desenvolvimento (que encontram maiores razões para acusar de oportunista a política externa brasileira), como também justifica, paradoxalmente, a teoria do “congelamento do poder mundial”, já agora condicionando este processo à acessão do Brasil ao “seleto clube das nações industriais”.

Apesar de procurar diversificar as relações internacionais do Brasil, como meio de introduzir maior flexibilidade no jogo diplomático, a atual política externa tem se caracterizado por sua atitude passiva nos foros multilaterais, contrastando assim com a agressividade observada no âmbito das relações bilaterais.

A retração e a timidez, seguidas pela diplomacia brasileira na atualidade, são dificilmente explicáveis quando se observa o conjunto imenso de problemas afrontados pelos países em desenvolvimento no plano internacional. Os graves problemas do desenvolvimento econômico e social desses países, que não encontraram solução depois de duas décadas de desenvolvimento promovidas pela ONU, continuam a ser fonte permanente de tensões e conflitos.

A crise econômica internacional, de cuja eclosão deveria sair o grande debate sobre a nova ordem econômica internacional, apenas se constituiu em nova fonte de sofrimento para os povos dos países em desenvolvimento, após as manobras realizadas pelos países ricos para transferirem aos mais pobres a maior parte de sua carga.

No plano político, parece assistir-se a um renascimento do conflito Leste-Oeste a um novo período de guerra fria, cujo palco atual seria a África. Os enfrentamentos localizados e episódicos não deveriam, contudo, servir para que seja deixada de lado a questão global e multiforme do desenvolvimento econômico. Às nações do Terceiro Mundo não interessa a permanência do confronto Leste-Oeste, causando o adiamento das soluções a serem propostas pelo diálogo Norte-Sul.

O Brasil, como país líder do conjunto de nações em desenvolvimento, tem precisamente uma grande responsabilidade e um grande papel a cumprir na superação dos atuais obstáculos à cooperação internacional, em prol do desenvolvimento e do estabelecimento de uma nova ordem internacional, mais justa e mais igualitária.

A emergência do Brasil no cenário internacional deriva precisamente do grande impulso econômico observado no país nos últimos anos, mas também do papel importante desempenhado por sua diplomacia no sentido de promover a reformulação das estruturas econômicas a nível mundial. Se a atuação diplomática do Brasil não é, na atualidade, tão ativa quanto foi pelo passado, pelo menos no âmbito multilateral e na defesa de propostas inovadoras, devem existir condicionantes que explicam a presente situação.

Uma primeira ordem de respostas pode ser encontrada no modelo de desenvolvimento econômico seguido pelo Brasil há mais de uma década. Com efeito, o processo de dependência externa, que vem se agravando continuamente, impõe limitações à ação internacional do Brasil, tornando sua política externa igualmente dependente dos resultados alcançados na esfera econômica.

O equilíbrio precário do balanço de pagamentos, com o consequente aumento nos volumes absoluto e relativo da dívida externa e o crescente processo de desnacionalização das empresas brasileiras, são alguns dos problemas criados pelo modelo de crescimento econômico adotado pelos últimos governos e que parece constituir-se em ameaças ao desenvolvimento equilibrado do país e ao bem-estar de sua população.

O aprofundamento da dependência externa contribui igualmente para aumentar a fragilidade da posição negociadora do Brasil, diminuindo em consequência seu poder de barganha face aos grupos financeiros internacionais.

Será o Brasil absolutamente imune ao tipo de pressão que impõe, hoje, severas regras de conduta, no campo da política econômica, aos governos do Zaire e do Peru, para citar apenas dois exemplos? Estará o país livre de condicionamentos externos eu possam influir na política em relação ao capital estrangeiro aqui instalado? Até que ponto são compatíveis soberania e dependência externa?

Estas e outras perguntas poderiam, talvez, elucidar algumas das características da atual política externa, como por exemplo a substituição da cooperação econômica multilateral em prol da nova ordem econômica internacional, por um bilateralismo excessivamente voltado para os interesses imediatos da conjuntura econômica brasileira.

Estas características, mesmo disfarçadas sob o manto de uma terminologia aparentemente engajada e comprometida, têm dado lugar a que diversos países acusem a política externa brasileira de oportunista e voltada meramente para interesses lucrativos a curto prazo.

Ainda que se reconheça a gravidade de determinados problemas enfrentados atualmente pelo Brasil, e o equilíbrio de suas contas externas é apenas um deles, sua ação diplomática não deveria servir de respaldo a um modelo de crescimento que, ele mesmo, não serve ao bem-estar da população brasileira, como não atende às aspirações fundamentais da nação.


Brasília, setembro de 1978


[Paulo Roberto de Almeida

Brasília, agosto de 1978, 6 p.

Inédito na ocasião.

Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/121102667/056_Estrategias_da_Política_Externa_Brasileira_1964_1978_1978_).


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