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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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sábado, 15 de novembro de 2025

Brasil: um crescimento decepcionante em 40 anos - Silber, Luna e Zagha (Valor Econômico)

 Na edição do Jornal Valor de 24/09/2025, o artigo "Um crescimento decepcionante em 40 anos", de autoria de Luque, Silber, Luna e Zagha.

Valor Econômico, 14/11/2025


 No primeiro parágrafo:

O professor Hélio Dias, Presidente do Instituto de Valorização da Educação e Pesquisa do Estado de São Paulo, apresentou ao professor Carlos Luque, presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), um gráfico resumindo o crescimento de vários países nos últimos 40 anos, com a pergunta: o que explica a estagnação do crescimento no Brasil?

Enquanto a China, Índia, Indonésia e outros veem seu PIB per capita crescer a taxas que chegam a 4%-6% ao ano, o Brasil cresce muito lentamente, ao ponto de, como discutido em julho num artigo nesse jornal, o país estar se aproximando do grupo de países de baixa renda.

O crescimento brasileiro tem uma enorme dicotomia. Durante 80 anos, a economia brasileira teve a segunda maior taxa de crescimento do mundo. Duplicou sua renda per capita entre 1900-1940 e a quintuplicou entre 1940-80, saindo de um país pobre para um país de classe média.

Enquanto no período 1945-80, a média do crescimento do PIB per capita girou em torno de 4,5% ao ano, a partir de 1981 o crescimento da renda per capita cai para algo como 1% ao ano. Desde o começo dos anos 1980, o Brasil perdeu sua capacidade de crescimento.

Penúltimo e último parágrafos:

Partindo do princípio que o desenvolvimento é uma tarefa conjunta do setor público e privado, algumas etapas seriam importantes:

1. Recuperar o papel do planejamento econômico que foi perdido à medida que os orçamentos públicos começaram a ficar muito comprometidos;

2. Promover uma discussão mais ampla envolvendo todos os setores da sociedade, setor privado, Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, para fazer um esforço comum para superar nossas dificuldades. E tentar convencer o óbvio, de que com o crescimento econômico todos ganham;

3. Procurar reduzir a taxa de juros com o objetivo de ampliar os investimentos públicos e privados;

4. Recuperar a capacidade de crescimento da economia, que seja obtida com uma substancial melhoria da justiça social.

O ponto central da discussão é que não podemos pensar em desenvolvimento econômico pensando apenas no papel do setor público. O desenvolvimento depende tanto do setor público como do setor privado e é tarefa de todos.

Apresento abaixo uma nota para discussão interna, que fiz quando trabalhava no Inmetro, em 2020, intitulado "O Inmetro e o Índice de Ambiente de Negócio do Fórum Mundial Econômico", para as discussões que o órgão participava desde o governo Itamar Franco, que continuou no governo seguinte de Jair Bolsonaro, sobre a adesão do País à OCDE.

Muito ancorado nos pilares deste índice e de outros, como elaborado por aquela instituição, pelo Banco Mundial e pela própria OCDE. O objetivo é mostrar que os maiores gargalos que travam a economia brasileira podem ser resolvidos por uma administração pública mais técnica e menos ideológica! 

"O Inmetro e o Índice  ambiente de negócio do Fórum Mundial Econômico. 

Com a Quarta Revolução Industrial (4RI), a humanidade entrou em uma nova fase. A 4RI tornou-se uma realidade vivida por milhões de pessoas em todo o mundo e está criando novas oportunidades de negócios para governos e indivíduos.

Neste contexto, o Fórum Econômico Mundial introduziu um novo Índice de Competitividade Global (GCI 4.0), uma bússola econômica muito necessária. O índice integra aspectos bem estabelecidos com alavancas novas e emergentes que impulsionam a produtividade e o crescimento. Ele enfatiza o papel do capital humano, inovação, resiliência e agilidade, não só como impulsionadores, mas também como características definidoras de sucesso econômico no 4RI.

Apela para uma melhor utilização da tecnologia para saltar adiante, mas também adverte que isso só é possível como parte de uma abordagem holística com outros fatores de competitividade. Finalmente, ele oferece dados objetivos e análise para uma abordagem desapaixonada, orientada para o futuro e racional elaboração de políticas.

Os resultados do GCI 4.0 revelam uma conclusão sóbria de que a maioria das economias está longe da fronteira de competitividade, o ideal no agregado de todos os fatores de competitividade. De fato, a média global de pontuação de 60 sugere que muitas economias ainda precisam implementar as medidas que melhorariam seu crescimento e resiliência a longo prazo e ampliar as oportunidades para as suas populações.

Além disso, os países têm um desempenho misto nos doze pilares do índice e que o desenvolvimento de longo prazo, como instituições que funcionam bem, continuam a ser um atrito de longo prazo. No entanto, existem pontos brilhantes - sob a forma de economias que superam seus pares e apresentam casos valiosos estudos para aprender mais sobre métodos para implementar os fatores de competitividade.

A Metodologia

Com os fatores de produtividade mais importantes determinantes do crescimento e da renda a longo prazo, o novo Índice de Competitividade Global 4.0 (GCI 4.0) lança luz sobre um novo conjunto de fatores críticos para a produtividade na Quarta Revolução Industrial (4RI) e fornece uma ferramenta para avaliá-los. O GCI 4.0 renovado resume a nova ferramenta, bem como os resultados revelados para os países em si e comparativamente a nível global e regional.

Novos conceitos e novos esforços de coleta de dados, o GCI 4.0 fornece insights novos e com mais nuances sobre os fatores que irão crescer em importância com a 4RI, que reúne: capital humano, inovação, resiliência e agilidade. Estas qualidades são capturadas através de um número de novos conceitos criticamente importantes (por exemplo, cultura empreendedora, empresas que abraçam ideias disruptivas, colaboração multistakeholder, pensamento crítico, meritocracia, confiança social), complementando componentes mais tradicionais (por exemplo, C&T e infraestrutura física, estabilidade macroeconômica, direitos de propriedade, anos de escolaridade).

Novos benchmarks. O GCI 4.0 introduz uma nova pontuação de progresso variando de 0 a 100. A fronteira (100) corresponde ao máximo da meta para cada indicador e normalmente representa um objetivo de política. Cada país deve visar maximizar sua pontuação em cada indicador, e a pontuação indica seu progresso atual contra a fronteira, assim como a distância restante.

Doze pilares de competitividade. Há um total de 98 indicadores no índice, derivados de uma combinação de dados de organizações internacionais, bem como do parecer executivo do Fórum Econômico Mundial Pesquisa. Estes são organizados em 12 pilares no GCI 4.0, refletindo a extensão e complexidade dos condutores da produtividade e do ecossistema de competitividade. São eles: instituições; infraestrutura; adoção de TIC; estabilidade macroeconômica; saúde; habilidades; mercado de produtos; mercado de trabalho; sistema financeiro; tamanho do mercado; dinamismo dos negócios; e capacidade de inovação.

Dos 98 indicadores que compõem estes doze pilares e, consequentemente, o GCI 4.0, 44 são provenientes do Fórum Pesquisa de Opinião Executiva e 54 baseiam-se em estatísticas fornecidas por fontes externas confiáveis. O cálculo do GCI 4.0 é baseado em sucessivas agregações de escores normalizados de indicadores (o nível mais desagregado) até ao nível global de pontuação do GCI. As pontuações infra pilar e no GCI são expressas em uma escala de 0 a 100 e são interpretadas como "pontuações de progresso", indicando quão perto um país está do estado ideal. A pontuação geral do GCI é a média simples dos 12 pilares, então o peso implícito de cada pilar é 8,3% (1/12).

Uma igualdade de condições para o desenvolvimento para todos os países parecia relativamente clara a partir da segunda metade do século XX: as economias de baixa renda deveriam se desenvolver através da industrialização progressiva, alavancando a mão de obra pouco qualificada. No contexto da 4RI, a sequência tornou-se menos clara, particularmente com relação aos baixos custos de tecnologia e capital, como nunca ocorreram na história, mas os seus usos bem-sucedidos dependem da reunião de um número de outros fatores.

O GCI 4.0 reflete essas complexidades da priorização de políticas através da ponderação de pilares da mesma forma, de acordo com a dinâmica particular de cada país em fase de desenvolvimento. Em essência, o índice oferece a cada economia uma igualdade de condições para definir o seu caminho para o crescimento. Enquanto o sequenciamento depende da prioridade de cada economia, o índice afirma que as economias precisam ser holísticas em suas abordagens à competitividade, em vez de se concentrarem em um fator específico sozinho.

Um forte desempenho em um pilar não pode compensar um fraco desempenho em outro. Por exemplo, investir em tecnologia sem investir em habilidades digitais não produzirá ganhos de produtividade significativos e nenhuma área pode ser negligenciada.

Resumo do resultado do Índice

Dez principais economias: Os Estados Unidos são a economia mais próxima da fronteira, o estado ideal, com um índice de 85,6, a 14 pontos da fronteira de 100. A economia mais bem classificada ainda tem espaço para melhoria. Seguem Cingapura (83,5) e Alemanha (82,8). Suíça (82,6) chega em 4º lugar, seguido pelo Japão (82,5), Holanda (82,4), Hong Kong (82,3). Reino Unido (82,0), Suécia (81,7) e Dinamarca (80,6).

A pontuação mediana é de 60,0, entre os EUA (85,6, 1º) e o Chade (35,5, 140º)

Alcançar a igualdade, sustentabilidade e crescimento juntos é possível, mas precisa de visão proativa e liderança. Há a necessidade de um modelo mais holístico de progresso econômico que promova padrões de vida mais altos para todos, respeitando os limites planetários. É possível ser pró-crescimento e pró-equidade.

A relação entre desempenho no GCI 4.0 e em medidas ambientais é menos conclusiva. As economias mais competitivas e as de maiores coberturas ecológicas não são as mesmas, e as mais eficientes nessas coberturas por unidade do PIB são as mais baixas. Isto é, portanto, a incumbência dos seus líderes é estabelecer prioridades e esforços proativos para criar ciclos virtuosos entre igualdade, sustentabilidade e crescimento.

Brasil: Desempenho no GCI 4.0

- 72º lugar, perdeu 3 posições em relação a 2017

- Manteve-se em penúltimo lugar no G20, apenas acima da Argentina e em último dos BRICs

- 5 lugares abaixo da África do Sul (67°), mesmo este país tendo perdido 5 lugares

- Seu índice atingiu 59,5, portanto, 0,5 abaixo da mediana

O Azerbaijão é o país que seu índice atingiu 60 e está 3 posições acima do Brasil, 69°. Mas o objetivo do Brasil, externado na última reunião do Fórum Econômico Mundial, é de ocupar uma das 50 primeiras posições no GCI 4.0. O 50° lugar é ocupado pelo Bahrein com o índice de 63,6, portanto, para figurar entre os cinquenta melhores países neste ranque, o Brasil deve superar a marca atual do Bahrein ou adicionar mais de 4,5 em seu índice, para subir 22 posições.

O Brasil, a maior economia da América do Sul, tem sua pontuação impulsionada pelo tamanho relativamente grande do mercado (80,9, ranque 10) e desempenho no pilar Saúde (79,6, ranque 73). No pilar da capacidade de inovação, o país está classificado em 40º no geral, porém permanece abaixo do seu potencial, por causa de sua integração deficiente de suas políticas e falta de coordenação entre os setores público e privado, que estão entre os fatores institucionais que inibem seu desempenho.

Por outro lado, o Brasil ocupa o 9º lugar na América e 108º no geral no pilar de dinamismo de negócios, com uma pontuação de 52,4. Promovendo a inclusão de mais empresas no ecossistema de inovação, o Brasil poderia capitalizar ainda mais o seu potencial de inovação e estimula…

[18:57, 11/11/2025] Paulo: O Inmetro e sua influência nos Pilares, nos Indicadores e nos Ranques do Brasil

O Índice:

- Pontos e Ranque por pilar do Brasil:

    - Mediana: 60 pontos

    - 69° (Ranque/Azerbaijão): 63,6 pontos

    - 50° (Ranque/Bahrein): 63,6 pontos

    - CGI4.0: 59,5 pontos (72° lugar, Brasil)

- Pilares:

    - Institucional: 49,7 pontos (93° lugar)

    - Infraestrutura: 64,3 pontos (81° lugar)

    - C&T: 55,6 pontos (66° lugar)

    - Estabilidade Macroeconômica: 64,6 pontos (122° lugar)

    - Saúde: 79,6 pontos (73° lugar)

    - Qualificação: 56,0 pontos (94° lugar)

    - Mercado de Produto: 51,0 pontos (114° lugar)

    - Sistema Financeiro: 63,2 pontos (57° lugar)

    - Tamanho de Mercado: 80,9 pontos (10° lugar)

    - Dinamismo dos Negócios: 52,4 pontos (108° lugar)

.O Inmetro tem participação importante nestes três pilares e nos cinco indicadores. As classificações do Brasil nos ranques de 4 destes 5 indicadores são preocupantes, especialmente no indicador de Ônus da Regulação Governamental, onde o país ocupa o último lugar, e no indicador de Prevalência de Barreiras não Tarifárias, onde o país beira o último lugar.

 Fiscalizam as importações e exportações, o peso do Inmetro é significativo. A reportagem com a presidente e com o Diretor Interino da Dconf do Inmetro publicada no Valor Econômico e no Estado de São Paulo e o estudo: “Os Custos dos Órgãos Anuentes no Comércio Exterior Brasileiro”, não deixam dúvidas da importância da atuação do órgão no comércio exterior e na classificação do Brasil neste indicador.

O seguinte trecho do sumário deste estudo dá um panorama deste ônus: “Os chamados órgãos anuentes são as instituições que participam do processo de concessão das licenças necessárias para as operações de comércio exterior, exercendo controle sobre certas mercadorias a serem importadas ou exportadas. Tal denominação, portanto, abrange todos os órgãos que exercem que exercem algum tipo de controle ou fiscalização no processo de obtenção da licença de importação ou registro de exportação.

Os encargos cobrados por órgãos anuentes são vistos pelo setor privado como um dos entraves mais críticos ao comércio exterior no Brasil. Dentre os obstáculos relacionados a trâmites aduaneiros, tais encargos não superam apenas o peso dos custos de uso de infraestrutura de portos e aeroportos, conforme a pesquisa “Desafios à Competitividade das Exportações Brasileiras” realizada pela CNI, em 2016, e que motivou o desenvolvimento deste estudo”.

Obviamente que o Inmetro, também, tem muito para melhorar a classificação do Brasil no indicador Eficiência no Desembaraço de Cargas,  na questão relacionada às licenças não automáticas de importações, que por sinal, inclusive pode ser não mais exigida

Finalmente, nos dois últimos indicadores – Custo e Tempo de Iniciar um Negócio – o Inmetro teria alguma ingerência quando o negócio em questão dependesse para seu funcionamento de avaliação de conformidade e registro de seus produtos pelo Inmetro."


quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Riscos de mais sanções que podem vir de Trump - Assis Moreira (Valor Econômico)

Riscos de mais sanções que podem vir de Trump

Assis Moreira (Genebra)
Valor Econômico, quinta-feira, 14 de agosto de 2025
A parte mais difícil de conversas com o governo americano parece sempre ainda estar por vir

Donald Trump já mostrou que, com ele, tudo é muito incerto e pode mudar para pior. No caso do Brasil, o tarifaço de 50% no acesso de produtos brasileiros nos EUA pode estar longe de representar o fim de sanções vindas de Washington.
Uma das ameaças em andamento é a investigação aberta pelo USTR (agência de representação comercial americana) com base na seção 301, uma arma poderosa que dá a Trump autoridade unilateral para retaliar outros países que considerar que impõem barreiras injustas contra produtos americanos.
É o tipo da investigação arbitrária em que o alvejado nada ganha e tem muito a perder. Empata, na melhor das hipóteses, evitando mais estragos. O Brasil corre riscos de mais sanção até pela amplitude da investigação, “sobre atos, políticas e práticas do Brasil relacionados ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico; tarifas preferenciais injustas; aplicação de leis anticorrupção; proteção à propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal”.
Renew Kansas, uma organização que diz defender os interesses do bicombustível dos EUA, já submeteu um comentário ao USTR pedindo eliminação de tarifa no Brasil contra o etanol americano e defendendo imposição de medidas comerciais específicas contra produtos originários de áreas desmatadas no Brasil, a menos que o país reforce a fiscalização.
Alega que o Brasil tem usado “práticas de desmatamento ilegal e acordos preferenciais em detrimento de exportadores americanos de produtos agrícolas globalmente”. Como no mundo Maga (Make America Great Again) vale tudo, inclusive as contradições, Renew Kansas menciona uma nota do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) sobre um recente acordo da China justamente para comprar soja brasileira certificada.
Para o USDA, se o Brasil produzir essa variedade de soja especificamente desenhada para padrões chineses, sua fatia vai aumentar, provocando redução nas compras chinesas da soja americana e de outros produtores. Desde 2009, a fatia americana vem declinando, enquanto desde 2013 o Brasil se tornou o principal fornecedor dos chineses. Nas negociações com a China, Trump recentemente cobrou que Pequim quadruplique a importação da soja americana.
Outra ameaça sobre o Brasil envolve sanções contra países que importam certos produtos da Rússia. Trump aplicou tarifa punitiva adicional de 25% sobre a aliada Índia por causa da compra de petróleo russo. Para o Brasil, fica a espada no ar pelo momento. Cerca de 90% das importações brasileiras vindas da Rússia foram compostas por diesel e fertilizantes entre janeiro e julho deste ano. A dependência do agronegócio brasileiro é brutal: 85% do fertilizante usado no país é importado e um terço vem da Rússia. Com sanções contra a Rússia, outros compradores também correram atrás de outros fornecedores, como Marrocos e Canadá.
Portanto, além dos 50% de tarifa, essas duas enormes incertezas continuarão a contaminar o ambiente de negócios Brasil-EUA. Na investigação da seção 301, o prazo normal para sua conclusão seria de um ano. Mas estamos sob o governo Trump, e pode ser encurtada para eventuais sanções - a menos que, até lá, ocorram enfim negociações e o Brasil apresente um belo pacote de concessões aos americanos.
Trump anunciou recentemente tarifas adicionais para mais de cem países, indo de 10% a 50% (para Brasil e Índia). Mas mesmo os acordos já feitos são incertos. O chefe do USTR, Jamieson Greer, argumentou que “esta é uma situação em que estamos tentando controlar nosso déficit comercial”. Isso usando medidas por uma ordem da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional que Trump pode modificar conforme necessário, disse ele.
Nesse cenário, um frustrado primeiro-ministro do Japão, Shigueru Ishiba, disse a parlamentares que “em negociações como essas [com os EUA], implementação é bem mais difícil do que alcançar um acordo”, porque o negociado pode mudar rapidamente. E explicou, citado pelo jornal “The Washington Post”, que “a outra parte [Trump] não é uma pessoa normal”.
O novo “sistema comercial” de Trump passa por aumentar tarifas sobre produtos do parceiros e obter livre acesso para mercadorias americanas. Mas tudo continua opaco, apesar de anúncios feitos pela Casa Branca. Por exemplo, o governo Trump advertiu que os países enfrentarão tarifas ainda maiores, o dobro ou mais das taxas normais, se seus produtores tiverem muito conteúdo de “economias não de mercado” como a China. Mas até agora não publicou quanto de conteúdo chinês tornaria os produtos puníveis com alíquotas mais altas.
Outras interpretações de concessões sinalizam problemas à frente. Trump anunciou, por exemplo, que obteve dos japoneses praticamente um cheque de US$ 550 bilhões, “que é nosso dinheiro para investir como quisermos”. Já o primeiro-ministro japonês insiste que o acerto foi de oferecer o montante em empréstimos ou garantias, mas que não pode forçar empresas japonesas a investirem nos EUA.
A Suíça, que representa os interesses dos EUA em Cuba e no Irã, descobriu tarde demais que um acordo esboçado com negociadores americanos, pelo qual esperava tarifa de 10%, não valia nada. Trump elevou a taxa para 39%. Os suíços até agora tentam entender como ele chegou a essa cifra.
A parte mais difícil de conversas com a administração Trump parece sempre ainda estar por vir.

domingo, 27 de julho de 2025

Falta-nos o banho de capitalismo - José de Souza Martins (Valor Econômico)

 Falta-nos o banho de capitalismo

José de Souza Martins
Valor Econômico, sexta-feira, 11 de julho de 2025

A queixa de Mário Covas até hoje se manifesta na continuidade da escravidão em episódios tópicos e reiterados

Uma das explicações principais para o atraso político e social do Brasil não é a polarização entre esquerda e direita. A polarização explica apenas a pobreza da consciência crítica e política do povo brasileiro e a mais pobre ainda consciência da maioria dos políticos.
Mário Covas, que foi senador e governador de São Paulo, fundador do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), tinha o dom de sintetizar em frases curtas impressões densas e significativas do que é propriamente singular na realidade política brasileira.
Lembro-me de uma delas, a de que o Brasil precisa de um banho de capitalismo. Síntese perfeita do que tem caracterizado o Brasil por mais de um século, desde que o país aboliu a escravidão negra, em 13 de maio de 1888.
A abolição não viabilizou nossa transformação numa sociedade propriamente capitalista. Os escravos libertados, naquele mesmo dia, foram abandonados à própria sorte.
Quando logo de manhã, difundida pelo telégrafo, a notícia da assinatura da Lei Áurea foi chegando às estações ferroviárias do interior do país, onde as havia, e se difundindo pelas fazendas, muitos negros abandonaram o eito e as senzalas de seu cativeiro, à procura da liberdade que diziam ter-lhes chegado finalmente.
No fim da tarde, famintos, foram voltando às fazendas, como revelou Florestan Fernandes na reconstituição dos fatos, em “A integração do negro na sociedade de classes”, à procura de abrigo e comida.
Tinham sido transformados em pedintes. O ato da princesa Isabel libertara os senhores de escravos das irracionalidades e do ônus da escravidão sem de fato libertar seus cativos. Ao transformar a escravidão em coisa alguma, converteu o negro na nulidade social da anomia decorrente. O escravo não foi o sujeito de sua libertação. Foi-o o capital que carecia de urgente livramento para desempenhar suas funções capitalistas. O ex-escravo foi o descarte.
O capitalismo só seria possível por meio do trabalho livre. Baseado na igualdade jurídica entre o comprador e o vendedor da força de trabalho, supostamente assumiu a forma social de uma sociedade de pessoas juridicamente iguais, mas economicamente desiguais. Sem o que não pode existir.
Aqui, impregnado, porém, de um conjunto cada vez mais extenso de invisibilidades por meio das quais distribui indiretamente uma parte do lucro e, invisivelmente, as injustiças próprias da desigualdade social. E, ainda, as formas ocultas do lucro extraordinário, o que ultrapassa a taxa normal de lucro do capital.
O capitalismo brasileiro parece criativo do que é próprio do modelo capitalista de produção. Explora o trabalho no explicitado e no disfarçado para dele extrair uma taxa anômala de lucro. Só precariamente agrega e integra quem para ele trabalha.
A economia do capital é uma combinação contraditória de revelações e ocultações. É ele impossível sem a alienação social de quem perde e de quem ganha, de quem engana e se engana no processo de criação de riqueza.
Essas ocultações e invisibilidades, nesse quase século e meio de trabalho livre, ocultam também as grandes irracionalidades de um capitalismo imperfeito e inacabado. O capitalismo apenas nascia por aqui, e ainda éramos escravistas, quando já tornávamos anticomunistas.
Pelos dias do lançamento de “O manifesto comunista”, em 1848, de Marx, um filósofo, e Engels, um empresário industrial, ainda estávamos longe do trabalho livre e da possibilidade do socialismo. Marx sequer sabia que era marxista.
No entanto, um delegado de polícia do interior de São Paulo reprimiu um protesto de colonos suíços, católicos, da Fazenda Ibicaba, do senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, acusando-os de serem comunistas.
No sertão da Bahia, em Canudos, em 1897, o poderoso Barão de Jeremoabo, senhor de terra e de gente, acusava Antônio Conselheiro e os sertanejos que, por motivos religiosos, o seguiam, de serem comunistas.
Sérgio Buarque de Holanda, na apresentação do livro do colono e professor primário Thomas Davatz, de Ibicaba, que narra os acontecimentos, observou que os fazendeiros livraram-se dos escravos, mas não se livraram da mentalidade escravista. Eram ricos, poderosos e ignorantes.
A falta do banho de capitalismo, de que se queixava Covas, até hoje se manifesta na continuidade da escravidão em episódios tópicos e reiterados. Manifesta-se, também, no rentismo anticapitalista do latifúndio que açambarca terras e territórios para compensar com a renda da terra o empreendedorismo de amadores que complementa o capital com a renda da terra. Por esses meios anômalos, e anticapitalistas, para lembrar de “Alice no outro lado do espelho”, do matemático Lewis Carroll, quanto mais caminhamos para o lá adiante, mais longe dele ficamos.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de “Sociologia do desconhecimento - Ensaios sobre a incerteza do instante” (Editora Unesp, São Paulo, 2022).

terça-feira, 22 de julho de 2025

Todos querem sua fatia do orçamento público - Bruno Carazza (Valor Econômico)

 As castas encasteladas no grande mandarinato estatal continuam a assaltar, até aqui impunemente, o orçamento público, até aqui impunemente, e de maneira crescente, garantindo, contra a ética e a própria Justiça tributária (supostamente vigiada pela Receita Federal) privilégios aristocráticos exorbitantes, que constituem um ESCÁRNIO contra os brasileiros humildes que ganham salário mínimo e são pesadamente taxados por uma estrutura impositiva altamente regressiva. Até quando esses privilégios vão continuar?

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Todos querem sua fatia do orçamento público
Bruno Carazza
Valor Econômico, segunda-feira, 21 de julho de 2025

Corporações do serviço público buscam ficar a salvo do ajuste fiscal e ter liberdade para autoconceder benefícios

Enquanto a sociedade se distrai com os tarifaços de Trump ou as reviravoltas do processo contra Bolsonaro, a deterioração fiscal e a apropriação de recursos públicos por grupos privados correm soltas.
Na semana passada, usei este espaço para denunciar os pagamentos de honorários para advogados públicos, que estavam sendo realizados em valores superiores a centenas de milhares de reais sem a divulgação no portal de transparência do governo federal desde novembro do ano passado.
Num caso raro de resposta rápida a uma cobrança pública, que foi amplificada por reportagens em diversos veículos de imprensa, o governo disponibilizou as informações sobre os valores na quinta-feira. No dia seguinte, uma procuradora da Fazenda Nacional que recebeu R$ 193.226,92 em honorários apenas no mês de janeiro deste ano me procurou numa rede social para me acusar de estar agindo em nome dos grandes escritórios de advocacia da Faria Lima para “sucatear os serviços públicos”.
Entre acusações pessoais, a procuradora usou um argumento repetido à exaustão pelos integrantes da AGU e das procuradorias da Fazenda, do Banco Central e de autarquias federais. Para eles, os honorários usados para turbinar os seus rendimentos são “verba privada” - ou seja, na sua visão, não integram o orçamento público.
Desde 2017 a União já transferiu, em valores corrigidos pelo IPCA, mais de R$ 18,5 bilhões à associação privada (!!!) que administra os pagamentos aos integrantes das suas carreiras. Apesar de ser uma aberração, a apropriação de recursos públicos ameaça se tornar uma tendência entre a elite do serviço público brasileiro.
Na quarta-feira (16) o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 1872/2025, que cria o Fundo de Fortalecimento da Cidadania e Aperfeiçoamento do Ministério Público da União. Para quem acompanha a fábrica de privilégios que é o Estado brasileiro, fica uma dica: sempre desconfie dos nomes bonitos, principalmente aqueles que usam “cidadania”, “democracia”, “social” e afins - é bandeira vermelha de que vem alguma tungada no Erário ou, de forma direta, no contribuinte brasileiro.
O fundo do Ministério Público não tem nada de medida para fortalecer a cidadania. Seu objetivo é garantir para o MPU recursos orçamentários, receitas de inscrições de concursos e ainda 10% da arrecadação de custas judiciais, multas aplicadas pela Justiça e alienação de bens considerados abandonados. Tal qual acontece com o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios, a gestão do montante arrebanhado pelo fundo do MPU ficará totalmente a cargo de integrantes do órgão, sem nenhuma supervisão de representantes externos à corporação.
Em termos práticos, se virar lei, o fundo garantirá ao MPU a liberdade para administrar recursos bilionários que ficarão a salvo das imposições dos ajustes fiscais. E muito embora a versão final aprovada pela Câmara tenha vedado a aplicação das receitas do fundo com despesas de pessoal, não será surpresa se essa trava for retirada ou simplesmente ignorada no futuro.
A corrida pela privatização do orçamento público é generalizada entre as carreiras (ou seriam castas?) do serviço público. Proposta parecida está na pauta da Câmara contemplando a Defensoria Pública da União (com seu “Fundo de Fortalecimento do Aceso à Justiça e Promoção dos Direitos Fundamentais”, mais um nome bonito). Da mesma forma, magistrados, delegados da Polícia Federal, auditores da Receita Federal e técnicos do Banco Central, entre outras corporações, têm propostas para assegurar para si a destinação de recursos a fundos parafiscais que poderão ser administrados livremente.
Essa situação se replica nos Estados. No fim de 2024, o governador Romeu Zema (Novo-MG) sancionou lei criando fundos para o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia-Geral do Estado mineiros. Para turbinar esses instrumentos financeiros, além de dotações orçamentárias repassadas pelo Estado, a norma garante aos respectivos órgãos parte do valor recolhido com emolumentos cartoriais e valores provenientes de acordos firmados com entes públicos ou privados - aí incluídos os famosos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).
Os fundos do MP, da Defensoria e da AGE mineiros poderão ser utilizados para múltiplas funções, desde a construção e reforma de imóveis até a aquisição de equipamentos e o treinamento de pessoal. No rol de possibilidades de uso do dinheiro do fundo consta a “realização de despesas de caráter indenizatório”. Em outras palavras: o MP, a Defensoria e a AGE deram um jeito de assegurar recursos para pagar, com total liberdade, os penduricalhos milionários para promotores, procuradores e defensores públicos.
Nesta lógica privatizante do orçamento levada a cabo pelas instituições que deveriam zelar pela boa aplicação dos recursos públicos, em breve precisaremos trocar o lema da bandeira nacional: sai o “Ordem e Progresso” e deveria entrar o “Farinha Pouca, Meu Pirão Primeiro”. É muito mais apropriado.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Lições da China para o Brasil - Jorge Arbache (Valor Econômico)

 Lições da China para o Brasil

Vantagens naturais, se combinadas a estratégias, podem ser convertidas em poder produtivo, comercial e até geopolítico

Jorge Arbache

É professor de economia da Universidade de Brasília e foi vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF)

Valor Econômico, 15/05/2025


        A elevada dependência da China por importação de energia para tocar o seu crescimento se converteu em um dos seus principais pontos de vulnerabilidade estratégica. No entanto, em vez de tratar essa limitação apenas como um problema a mitigar, a China transformou a sua insegurança energética em um dos motores de industrialização, inovação tecnológica e até liderança global.

        O que poucos anteciparam foi que aquela transição, movida por uma necessidade defensiva, se tornaria uma ofensiva econômica de longo porte e alcance. E é justamente aí que reside uma lição essencial para o Brasil: a de que vantagens naturais, se combinadas a estratégias, podem ser convertidas em poder produtivo, comercial e até geopolítico.

        De fato, a China se tornou o maior importador mundial de petróleo por volta de 2017, boa parte transitando pelo Estreito de Malaca, um gargalo vulnerável a tensões geopolíticas. Mas a China talvez seja ainda mais vulnerável aos efeitos de um eventual conflito internacional que dificulte o trânsito de suprimentos pelo Mar da China. Para um país que persegue soberania estratégica, essa dependência poderia ser considerada inaceitável.

         A China buscou reduzir essa vulnerabilidade não apenas substituindo fontes de energia, mas criando todo um novo ecossistema industrial em torno de tecnologias limpas: energia solar e eólica, baterias, veículos elétricos, hidrogênio, infraestruturas digitais verdes e muito mais. Trata-se de uma mudança de paradigma. A transição energética não foi tratada apenas como uma exigência ambiental, mas como parte de um projeto de autonomia, modernização produtiva e inserção internacional ativa.

        O governo chinês articulou instrumentos de política industrial, inovação e comércio para dar suporte e catalisar aquela transformação: planejamento de longo prazo com metas específicas para fontes renováveis, eficiência energética e tecnologias emergentes; demanda doméstica estruturada, com incentivos para geração solar, aquisição de veículos elétricos, desenvolvimento de redes de carregamento e políticas de compras públicas; formação de campeões nacionais, com apoio financeiro, regulatório e tecnológico a empresas; controle das cadeias críticas, com domínio do refino e processamento de minerais como lítio, cobalto, terras raras e grafite; e financiamento externo como projeção de influência, com exportação de equipamentos e infraestruturas por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota. Esta última, parte da resposta chinesa às suas vulnerabilidades estratégicas, não por acaso mirou investimentos logísticos de conectividade para o oeste da Ásia.

        Como resultado, a China está ampliando significativamente a sua matriz renovável e construiu liderança global em cadeias de valor fundamentais para levar adiante a agenda de mudança climática - em 2024, 2/3 dos novos investimentos em renováveis em nível global tiveram lugar na China. Assim que, de importadora líquida de energias, a China passou a ser exportadora de soluções energéticas limpas. Tudo isto ajuda a explicar o presidente Xi estar assumindo protagonismo mundial na agenda climática.

        O superávit comercial e tecnológico gerado por essa industrialização verde passaria, portanto, a financiar, em alguma medida, o próprio projeto de autonomia e segurança energética. Se a agenda do clima fortalece a posição política e econômica da China, é plausível supor que isso ajude a explicar por que os Estados Unidos se afastaram do Acordo de Paris e de outras iniciativas climáticas.

        O Brasil, ao contrário da China, não parte de uma condição de escassez energética. Ao contrário: tem uma das matrizes mais limpas do mundo, com cerca de 90% da eletricidade gerada a partir de fontes renováveis. Além disso, tem vastos capitais e recursos naturais, como sol, vento, água doce, biomassa, florestas, biodiversidade, terras férteis e muitos minerais críticos, incluindo nióbio, cobre, lítio, grafite e minério de ferro de alto teor, além de grandes reservas de terras raras. O país também tem reconhecida capacidade industrial, universidades e empresas com experiência em tecnologia e produção.

         Transição energética e capital natural, quando bem articulados, são mais do que uma mudança de matriz

          A grande diferença está na forma como essas vantagens são mobilizadas. Enquanto a China usou a transição energética como eixo de política de desenvolvimento nacional, o Brasil ainda trata essas vantagens majoritariamente como ativos a serem explorados de forma primária, imediatista e predatória, com baixa agregação de valor, fragmentação institucional e ausência de estratégia coordenada.

         Mas isso pode mudar. A nova lógica de realocação produtiva no mundo, movida pela busca por cadeias mais verdes, seguras e resilientes, abre espaço para a estratégia do powershoring: a tendência de multinacionais e países relocalizarem indústrias intensivas em energia em lugares com abundância de energia limpa, segura e barata.

        O Brasil, com a sua farta energia renovável, pode atrair indústrias eletrointensivas verdes como siderurgia, alumínio, biocombustíveis, fertilizantes, dentre tantos outros setores verdes e respectivas cadeias de valor. Isso, no entanto, exige planejamento, infraestrutura e uma política industrial moderna baseada em sustentabilidade, inovação, tecnologia e agregação de valor. A resposta seria a política de industrialização das vantagens comparativas, que congrega interesses comuns do agro, manufatura, serviços e mineração.

        A lição da China é clara: recursos naturais e energias limpas só se transformam em desenvolvimento se forem articulados a uma estratégia econômica coordenada. Para que o Brasil aproveite essa oportunidade, alguns elementos são fundamentais: visão de longo prazo, fazendo da transição energética e do capital natural eixos estruturantes do desenvolvimento nacional, e não subprodutos; industrialização verde, apoiando cadeias produtivas em torno da energia limpa - do agro sustentável à mobilidade elétrica, passando pela química verde, mineração responsável e digitalização; conversão dos imensos e ricos capitais naturais em asset class; financiamento público e privado direcionado, usando bancos públicos, concessões e marcos regulatórios para destravar investimentos em setores estratégicos; integração internacional inteligente, participando ativamente das novas cadeias globais de valor limpas, usando diplomacia econômica e comercial para atrair parcerias e empresas; e inovação como motor, investindo em ciência, tecnologia e capacitação profissional para garantir que o Brasil seja fornecedor de soluções, e não apenas de commodities. Os Brics e a COP30 poderiam ser plataformas para aquelas agendas.

         O que a China nos mostra é que a transição energética e o capital natural, quando bem articulados, são mais do que uma mudança de matriz: são uma estratégia de desenvolvimento, uma ferramenta de soberania e uma fonte de poder geopolítico. O Brasil tem muitos dos recursos que o mundo busca na era da descarbonização, mas, ao contrário da China, ainda não tem uma estratégia clara para converter essas riquezas em tecnologia, inovação, renda, emprego qualificado e liderança global e, assim, em redução de pobreza e desigualdade e promoção de um desenvolvimento amplo, compartilhado e limpo. Está na hora de o Brasil fazer da abundância uma alavanca estratégica. A janela de oportunidade está aberta, mas talvez não permaneça assim por muito tempo.

 https://valor.globo.com/opiniao/coluna/licoes-da-china-para-o-brasil-1.ghtml

Jorge Arbache é professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) e escreve mensalmente às quintas feiras neste espaço.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

A turnê de Lula e a bola de cristal de Bannon Maria Cristina Fernandes Valor Econômico

 A turnê de Lula e a bola de cristal de Bannon

Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico, terça-feira, 13 de maio de 2025

O ideólogo do trumpismo colocou Lula, Putin e Xi no mesmo balaio num momento em que o presidente brasileiro faz turnê por Rússia e China

Steve Bannon foi taxativo ao “Financial Times”: “Donald Trump vai se recandidatar e vai ganhar”. A capacidade preditiva do ideólogo do trumpismo escalou quando ele apostou, duas semanas antes do conclave, na escolha de Robert Prevost para papa. O recuo na guerra comercial só viria dois dias depois, mas Bannon, mesmo sem tratar dela, também pareceu premonitório.
A guerra comercial foi, até aqui, um dos fatores mais determinantes para que Trump tenha chegado aos 100 dias com a mais baixa popularidade dos últimos 80 anos. Não tende a ser visto internamente como o provocador de muito barulho por nada, mas como um presidente que, frente às evidências, foi capaz de recuar e devolver otimismo aos agentes econômicos.
Bannon colocou Xi Jiping, Vladimir Putin e Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo balaio: “Xi, Lula e Putin são uma aliança ruim. Eles não se cruzam com Trump. Eles não vão ajudar com a Ucrânia. Eles vão fazer o que estiver no interesse deles”. Não é uma visão exclusiva de Bannon. A ideia de que o Brasil seja visto como parte dessa aliança foi o que levou conselheiros deste governo a sugerir que o país voasse baixo para aproveitar oportunidades sem cutucar a onça com a vara curta.
A delegação que veio ao Brasil para discutir com o Ministério da Justiça o enquadramento de facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho como terroristas é rugido de onça. O carimbo encurtaria caminho para sanções americanas.
Da segunda parte da turnê de Lula entre aliados que desgostam o ideólogo trumpista ainda não se tem o resultado final, visto que a assinatura de acordos acontecerá depois de reunião de Lula com Xi nesta terça. O encontro está sendo acompanhado por toda a imprensa mundial, particularmente a americana.
O “The New York Times” trouxe a declaração de um integrante da chancelaria chinesa sobre as pretensões de Trump junto na região: “O que os povos da América Latina e do Caribe estão buscando é independência e auto-determinação, não a chamada ‘nova doutrina Monroe’”.
O diplomata chinês não se limitou a definir o interesse chinês no encontro mas avançou sobre o que venha a ser o interesse região. Trata-se, porém, de um porta-voz indesejado. Junta-se a declarações da delegação brasileira de que a China, com os acordos desta terça, “vão rasgar o Brasil com estradas”. Compõe o pacote “cutucar a onça”.
Daquilo que foi anunciado nesta segunda, ainda não se identificam investimentos que venham a justificar o risco de tamanha exposição. Depois que, no fim de 2024, 163 operários chineses da BYD na Bahia foram resgatados em condições análogas à escravidão, os novos investimentos automotivos ainda terão que provar que se darão em outras bases. Também terá que se aguardar se o investimento em energia renovável não é desova da superprodução de equipamentos da China. Há um investimento do qual não se pode duvidar que venha a gerar empregos, o da empresa que vai chegar para competir como Ifood, ainda que não seja esse tipo de emprego que vai redimir a juventude nacional.
É a primeira parte da turnê, porém, que abre mais espaço para o carimbo que Bannon quer impor sobre o Brasil. O Palácio do Planalto busca envelopar a ida de Lula a Moscou como parte dos esforços do país pela paz na Ucrânia, a despeito de o presidente brasileiro ter assistido a uma parada em que Vladimir Putin exibiu, juntamente com tropas chinesas, todo seu poderio bélico. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, lá estava, mas o Itamaraty não soltou uma única nota sobre o encontro.
Na mensagem pública dirigida à delegação brasileira durante encontro no Kremlin, Putin não falou de Ucrânia. Na reunião, com 12 de cada lado, Lula incluiu, entre diplomatas e parlamentares, o CEO da Minerva. Valeu-se de explicação tão inusitada quanto a presença de um único empresário: “Temos na nossa delegação um proeminente empresário que se aproximou de mim no Brasil e perguntou: Você vai à Rússia? Gostaria de acompanhá-lo porque sou o principal exportador de carne para a Rússia. Tive o prazer de convidar o sr. Fernando Queiroz para se juntar à nossa delegação e gostaria de aproveitar esta oportunidade para apresentá-lo, presidente”.
É possível que, daqui a um mês, quando Lula for à França para mais um encontro com Macron, possa resgatar o discurso de que o investimento da diplomacia presidencial, na verdade, é pelo multilateralismo. Em seguida, porém, o Brasil sediará o encontro dos Brics, outro caroço de angu para a diplomacia americana.
A paz na Ucrânia ainda desafia Trump, mas o presidente americano embarca nesta terça para o Oriente Médio, onde pode vir a fechar um acordo que leve o Irã a recuar de seu programa nuclear. A hipótese, ainda incerta, de que venha a ser bem-sucedido, abre a possibilidade de um êxito que ecoaria na política doméstica e no mundo, a minimizar a hostilidade que tem despertado.
Bannon define o que está em curso como “a era Trump”, que ainda está muito longe de se acabar e terá pinceladas marcadamente populistas com mais deportação e enfrentamento de corporações. É esta era que a turnê de Lula parece desafiar. Resta a expectativa de que a bola de cristal de Bannon tenha se quebrado depois de Prevost.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Estudo mostra que, com guerra comercial, no Brasil só a soja ganha - Assis Moreira Valor Econômico

Estudo mostra que, com guerra comercial, no Brasil só a soja ganha 

Assis Moreira

Valor Econômico,  segunda-feira, 7 de abril de 2025


Economistas da UFMG calcularam impacto da alta de tarifas de Trump e da retaliação da China

 

Uma simulação feita por economistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) conclui que o Brasil teria um modesto ganho de US$ 428 milhões (R$ 2,497 bilhões) no rastro do tarifaço imposto por Donald Trump e da retaliação anunciada pela China. O resultado aponta a soja como único ganhador. A indústria perderia significativamente.


(Após tarifas nos EUA e retaliação da China)

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS US$

1.Agricultura................... 4.296

1.1Soja ............................ 4.883

1.2Demais agropecuária.. -587

2.Indústria....................... -3.494

3.Serviços........................ -375

TOTAL................................... 428

Fonte: UFMG/Cedeplar/valores em 2017


O levantamento foi feito pelos economistas Edson Paulo Domingues, João Pedro Revoredo Pereira da Costa e Aline Souza Magalhães, da UFMG usando a metolodogia do "Modelo GTAP (cuja base de dados é mantida pela Universidade de Purdue, EUA). É amplamente utilizado em análises de comércio internacional, e adaptado para essas estimativas pela equipe da UFMG. O modelo assume que os mercados respondem aos choques de tarifas e atingem um novo equilibrio de produção e comércio. Serve como uma indicação, no contexto atual.

Na primeira simulação da equipe, levando em conta apenas as tarifas anunciadas por Trump, incluindo taxação adicional de 10% sobre o Brasil, o país perderia cerca de US$ 7 bilhões de exportações, essencialmente de produtos industriais.

Na segunda simulação, somando a imposição das novas tarifas americanas e a retaliação de 34% da China contra os EUA, o modelo mostra que o Brasil ganha leves oportunidades. Em termos de PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil teria um pequeno benefício de US$ 350 milhões.

Do ponto de vista setorial, o único setor brasileiro beneficiado seria o de sementes oleaginosas (soja), o qual destinaria boa parte de sua produção para as exportações e geraria o resultado positivo no PIB.

Enquanto soja ganha nas exportações, todos os outros setores sofreriam perdas significativas. O setor industrial seria o mais afetado, com queda estimada de US$ 3,5 bilhões, demonstrando um impacto adverso considerável na economia brasileira. O segmento de serviços também enfrentaria uma diminuição, com uma perda de US$ 375 milhões.

A soja ganha evidentemente no caso em que vende mais para a China enquanto a retaliação chinesa for mantida contra os EUA. A tendência vai ser, mesmo, de um acordo entre americanos e chineses, incluindo compra de mais produtos agrícolas por Pequim, como ocorreu na guerra comercial no primeiro mandato de Trump. Ou seja, o ganho da soja brasileira seria de curta duração.

A equipe da UFMG nota que a elevada perda de exportações e produção da indústria brasileira sugere efeito de “desindustrialização” na economia. Esse fenômeno teria consequências significativas nas perspetivas de crescimento e geração de empregos mais qualificados e com maior remuneração. Acham que esse processo seria desencadeado por políticas protecionistas de outros países, o que torna mais complexa a elaboração de medidas de ajuste e eventuais compensações para setores prejudicados.

Outras simulações tendem a ser feitas, porque o volume de retaliações e acordos bilaterais certamente vai aumentar proximamente.

No geral, todos os países perdem mais do que ganham com a guerra comercial deflagrada por Donald Trump. Só o prejuízo causado pelas incertezas que ele provoca já são enormes. O que o Brasil tem de fazer, em vez de comemorar suposto ganho, é usar esse tipo de simulação para se preparar visando ser mais resiliente nos tempos duros pela frente.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Quem aceitará um ‘Acordo de Mar-a-Lago’? - Martin Wolf (Financial Times, Valor Econômico)

Quem aceitará um ‘Acordo de Mar-a-Lago’?

Martin Wolf*

Valor Econômico, quarta-feira, 19 de março de 2025


O que está sendo proposto é a recriação de um sistema global de gestão das taxas de câmbio

A política comercial caótica de Donald Trump só pode levar ao caos econômico. Então, será que o governo Trump pode se deparar com algo mais coerente e menos prejudicial, e ainda assim atender aos objetivos protecionistas do presidente? Talvez. Alguns membros, incluindo Scott Bessent, secretário do Tesouro, e Stephen Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos, acreditam que sim.

Se alguém quiser entender essa abordagem mais sofisticada, deve ler “A User’s Guide to Restructuring the Global Trading”, publicado em novembro de 2024. O autor afirma que “este ensaio não é uma defesa de políticas”. Mas, se parece um pato, é um pato. Vindo de um homem em sua posição atual, isso dever ser interpretado como uma defesa de políticas.

Apoiando o argumento de Miran está uma proposta feita pelo economista belga Robert Triffin no começo dos anos 1960. Triffin disse que a demanda crescente por dólares enquanto ativo de reserva só poderia ser suprida por déficits em conta corrente persistentes dos EUA. Isso, por sua vez, significava que o dólar estava persistentemente valorizado em relação às necessidades de equilíbrio na balança de pagamentos.

Com o tempo, ele argumentou, esse desempenho comercial fraco minaria a confiança no preço fixo do dólar em relação ao ouro. E assim, de fato, ocorreu. Em agosto de 1971, em resposta a uma corrida ao dólar, o presidente Richard Nixon suspendeu a conversibilidade do ouro. Após duras negociações, um acordo foi firmado sobre novos conjuntos de paridades do dólar em relação a outras grandes moedas. Mas isso não durou. Logo, essas novas paridades colapsaram. O velho sistema de Bretton Woods de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, foi substituído pelas taxas de câmbio flutuantes de hoje.

Miran aplica essa perspectiva ao atual dilema dos EUA. Por isso, é preciso ver o que aconteceu nas décadas de 1960 e 1970 como um paralelo mais apropriado para o que está sendo discutido hoje, do que os acordos do Plaza e do Louvre da década de 1980. O último visava gerenciar um regime de taxas de câmbio flutuantes em um momento de desequilíbrio entre o dólar e outras moedas, especialmente o iene japonês e o marco alemão. O que está sendo proposto agora é a recriação de um sistema global de gestão das taxas de câmbio.

A justificativa para isso, segundo Miran, é que, assim como na década de 1960, o desejo da maioria dos outros países de manter o dólar como moeda de reserva está elevando seu valor, abrindo assim em enorme déficit em conta corrente. Isso pressiona a produção de bens comercializáveis, especialmente os manufaturados.

Isso cria um dilema para os EUA entre as possibilidades de financiamento mais barato e alavancagem internacional, de um lado, e os custos sociais e de segurança fundamental de um setor manufatureiro mais fraco, do outro. No entanto, Trump quer proteger a indústria nacional e manter o papel global do dólar. Assim, a política precisa atingir os dois objetivos.

Uma possibilidade pode ser uma ação unilateral dos EUA para enfraquecer o dólar. Uma opção aqui seria um aperto fiscal combinado com uma flexibilização monetária. Mas isso atrapalharia o desejo de Trump de estender os cortes de impostos concedidos por ele em 2017. Outra possibilidade seria forçar o Federal Reserve (Fed) a desvalorizar o dólar. Mas isso poderia ter efeitos devastadores sobre a inflação e o dólar, como aconteceu na década de 1970.

Uma outra possibilidade seriam as tarifas sozinhas. Mas, se outras condições forem mantidas, isso levaria a uma valorização do dólar, o que prejudicaria o setor exportador americano. Desse modo, diz Miran, as tarifas também deveriam ser usadas como arma nas negociações para um acordo global ou, se for considerado necessário, serem complementadas por tal acordo.

O desejo da maioria dos outros países de manter o dólar como moeda de reserva está elevando seu valor, abrindo assim em enorme déficit em conta corrente. Isso pressiona a produção de bens comercializáveis, especialmente os manufaturados e cria um dilema para os EUA

Assim, o objetivo de um setor industrial mais forte, a ser entregue por uma combinação de tarifas e um dólar mais fraco, precisa da cooperação global. Minha colega Gillian Tett descreveu os possíveis detalhes do que seria um “Acordo de Mar-a-Lago”.

Ele tem dois aspectos principais. O aspecto econômico é liberar as restrições econômicas discutidas acima. A maneira de fazer isso, sugere Miran, é transformar o endividamento de curto prazo em empréstimos de prazos ultralongos, “convencendo” os detentores estrangeiros de títulos do Tesouro dos EUA a trocar suas posições por títulos perpétuos em dólar. Isso daria aos EUA mais margem para buscar sua combinação desejada de políticas fiscal e monetária frouxas. O aspecto político é apontar que aceitar tal acordo seria o preço para ser visto como amigo. Caso contrário, um país seria visto como inimigo, ou no máximo, flutuando entre as duas posições. Em um sentido preciso, isso poderia ser visto como um “esquema de proteção”.

Esta proposta levanta quatro questões. A primeira é se a análise de Miran sobre as relações entre o papel do dólar como moeda de reserva, o déficit crônico em conta corrente dos EUA e a fraqueza do emprego e da produção industrial está correta. Deve-se duvidar dela, porque os EUA estão longe de ser o único país de alta renda com queda na participação do emprego na manufatura.

A segunda questão é se o novo acordo monetário proposto de fato permitiria aos EUA combinar a emissão de uma moeda de reserva com seus objetivos setoriais de forma mais eficaz do que qualquer outra alternativa plausível.

A terceira, é se há alguma probabilidade de acordo com Trump sobre o conjunto complexo de objetivos e instrumentos dessa proposta.

A última questão é se Trump é capaz de manter qualquer acordo firmado por ele. Afinal de contas, ele abandonou a Ucrânia, colocou em dúvida o compromisso com a Otan e atacou o Canadá.

Os últimos dois pontos são, evidentemente, os mais importantes. Seu governo é capaz de fazer um acordo em que qualquer pessoa ou país sensato possa confiar? Acho que não. No entanto, a análise dos aspectos econômicos também é importante. Pretendo abordar isso na próxima semana. 

 

*Martin Wolf é o principal comentarista econômico do Financial Times.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Mercosul: o último tango em Washington? - Assis Moreira (Valor Econômico)

 Acordo de livre comércio Argentina-EUA? Esqueçam!

Acordo de livre comércio Mercosul-EUA? Impossível!

Acordo de livre comércio Mercosul-China? Inimaginável!

Não vai acontecer NADA, como aliás já ocorre desde o início do século. (PRA)

Mercosul: o último tango em Washington?
Assis Moreira
Valor Econômico, segunda-feira, 10 de março de 2025
Países do bloco examinam negociações em curso, enquanto Milei visa acordo com Donald Trump

A partir desta semana começam efetivamente as reuniões da presidência rotativa da Argentina no Mercosul. Será a ocasião para os parceiros tentarem identificar como o governo de Javier Milei planeja realmente atuar à frente do bloco.
Milei insiste que trabalha intensamente em um projeto de acordo comercial com os EUA, aproveitando a afinidade ideológica com Donald Trump. De seu lado, Trump disse estar aberto à possibilidade de avançar num tratado comercial com o ‘grande lider’ Milei.
Por enquanto, o que há é retórica e nada de concreto. Entre sócios do Mercosul, alguns interlocutores acreditam que Milei vai respeitar as regras do Mercosul, sob pressão de parte de seu setor privado. Outros apontam para sua imprevisibilidade e o veem capaz de colocar em risco o mercado vizinho para produtos argentinos.
Milei fala algo diferente a cada momento. Já acenou que tentaria um acordo 4+1 (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e a Bolívia) com os EUA. Depois, se não desse, a Argentina iria fazer a negociação sozinha, o que é ilegal, viola as regras do Mercosul. O bloco estabelece que seus países membros devem negociar acordos comerciais de maneira conjunta.
No Congresso argentino, Milei disse que no caso de não poder obter flexibilização das condições para acordos, está disposto a sair do Mercosul, reclamando que o bloco ‘só beneficiou os industriais brasileiros em detrimento da economia argentina’.
Milei poderá abrir uma caixa de Pandora. Se sair do Mercosul, a situação estará clara: haverá um período de dois anos no qual a Argentina continuará sob direitos e obrigações do bloco. Depois, sofrerá tarifas dos parceiros, assim como levantará barreiras aos ex-sócios, causando destruição de riqueza nos dois lados.
Já no cenário em que a Argentina negociar com os EUA, mas querendo permanecer no Mercosul, apesar da mega perfuração das regras básicas, a reação do bloco não é automática. Será preciso que os parceiros abram procedimento para avaliar a violação argentina e os estragos previsíveis.
Certo mesmo é que o presidente da Argentina pode dar um golpe na já dificil integração econômica na América do Sul, assim como Trump vem fazendo na América do Norte na imposição de choque tarifário contra os vizinhos e sócios Canadá e México com argumentos ‘idiotas’.
No Mercosul, como no Nafta, o setor automotivo seria um dos mais afetados. Cerca de 28% das exportações argentinas para o Brasil no ano passado foram veículos em geral. Por sua vez, 22% das exportações brasileiras para a Argentina foram veículos e 9,7% partes e acessórios.
Não é para os EUA que a Argentina passaria a exportar carros que não poderia vender para o Brasil. Um acordo, modesto, poderia envolver vários produtos industriais suspensos hoje do Sistema Geral de Preferências (SGP americano), mas sem valor expressivo, na avaliação de fontes.
Esta semana, os países do bloco oficialmente passarão em revista negociações que estão realmente em andamento.
A União Europeia informou que a revisão legal do acordo com o Mercosul está quase concluída. Logo começarão as traduções dos tetos. Depois, em poucos meses poderia tentar ratificar o acordo para entrada em vigor num cenário geopolítico completamente diferente. Os europeus parecem ainda mais desesperada para implementar o acordo, que dará boa vantagem para as empresas europeias no Mercosul (tarifa menor), na competição com a China e os EUA.
Também há possibilidade de ainda na presidência argentina até julho o Mercosul concluir as negociações de acordo de livre comércio com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta, na sigla em inglês), formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein.
Para os países do Efta, o acordo é importante para assegurar pelo menos as mesmas preferências que serão obtidas pelas empresas dos países da EU. Isso e dá uma evidente vantagem competitiva nos negócios com um mercado de mais de 260 milhões de habitantes como é o caso do Mercosul. Os países do Efta são pequenos, mas muito ricos.
A China continua insistindo em ter um acordo comercial com o Mercosul. Mas o bloco reage com enorme prudência em relação aos asiáticos em geral. O setor privado considera arriscado e complicado movimento nessa direção, especialmente no contexto de política industrial. No Brasil, há segmentos que consideram que não dá para baixar a guarda para os asiáticos, ainda mais quando todo mundo está com um pé atrás em relação a abertura de mercado.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Regimes políticos e economia - Tiago Cavalcanti (Valor Econômico)

Regimes políticos e economia

Tiago Cavalcanti

Valor Econômico,  quarta-feira, 5 de março de 2025


Pesquisa dois dias após o 8 de janeiro registra que 36,8% das pessoas apoiavam um golpe de Estado no Brasil

 

A rápida e desafiadora transformação econômica e social da China sob um regime político centralizado tem se dado em paralelo à ascensão de políticos “anti-establishment”, que se colocam acima das instituições, nos EUA e em países da Europa. Com isso, avança o fortalecimento da visão de que o modelo político predominante no Ocidente representa um obstáculo para o desenvolvimento econômico.

Na essência deste argumento, está a conjectura de que a chamada democracia liberal impõe processos decisórios lentos devido à necessidade de maiorias e convergências institucionais, dificultando a implementação de reformas estruturais. Além disso, políticos eleitos podem priorizar medidas populistas de curto prazo em vez de políticas econômicas sustentáveis com retornos apenas no longo prazo. Em contraste, regimes baseados no centralismo do poder têm melhores condições de agir rapidamente, promovendo transformações aceleradas e investimentos em projetos com altos retornos no curto e longo prazo.

Por outro lado, existe a hipótese de que a democracia liberal, modelo dominante na ordem institucional dos Estados Unidos e dos países europeus a partir da segunda metade do século XX, seja um fator de grande peso positivo para o desenvolvimento econômico. Isto porque gera estabilidade institucional, segurança jurídica e transparência, fatores essenciais para viabilizar investimentos privados. De acordo com alguns pesquisadores, este modelo reduziria riscos de decisões arbitrárias, favorecendo políticas econômicas mais sustentáveis. Ademais, ao buscar maior participação popular, incentivaria investimentos em educação, saúde e infraestrutura, pilares do desenvolvimento de um país. Neste modelo, a liberdade de imprensa tem papel fundamental ao ajudar na fiscalização da sociedade, reduzindo a corrupção e aumentando a eficiência do setor público.

Se o voto universal estivesse em vigor no início do seculo XX, a extrema pobreza estaria extinta em 1960

É importante ressalvar que a democracia liberal nos EUA e na Europa é relativamente um sistema político jovem, a exemplo de que apenas a partir de 1965 os negros americanos ganharam efetivamente o direito ao voto e o direito ao sufrágio feminino na Suíça foi permitido apenas em 1971. No entanto, o que a evidência empírica mostra a respeito dos impactos do modelo institucional político do Ocidente sobre o desenvolvimento dos países? Seria o caso da China uma exceção?

Em um influente artigo de 2019, publicado no Journal of Political Economy, Daron Acemoglu, Prêmio Nobel de Economia do ano passado, com colaboradores, investiga, em uma amostra de 175 países, exatamente como a democracia liberal influenciou o progresso econômico dos países.

Usando diferentes técnicas estatísticas, os economistas estimam o impacto sobre a economia da expansão deste modelo ao redor do mundo entre 1960 e 2010. As estimações corroboram a hipótese de que a democracia liberal impulsionou positivamente o desenvolvimento econômico dos países. Os resultados indicam que, na média, um país que fez a transição para este modelo, no período analisado, alcançou uma renda per capita aproximadamente 20% maior no longo prazo do que um país que permanece sob um regime centralizado.

Os pesquisadores mostram ainda que a democracia liberal contribui para o crescimento ao aumentar o investimento, incentivar reformas econômicas estruturais, melhorar a educação, a saúde e reduzir a instabilidade social. Portanto, os resultados corroboram a hipótese de que o modelo ocidental prevalecente proporcionou estabilidade institucional e ajudou em reformas que incentivaram a provisão de bens públicos.

E quais são as lições para o Brasil? Segundo a Polícia Federal (PF), há fortes indícios de que o ex-presidente Jair Bolsonaro orquestrou um golpe de Estado após a eleição do presidente Lula em 2022. A investigação da PF tem provas de que reuniões foram realizadas no Palácio do Planalto e na residência oficial da Presidência para discutir estratégias para reverter o resultado da eleição de 2022. Conversas gravadas e depoimentos de comandantes do Exército estão sendo utilizados como provas contra o ex-presidente e alguns de seus aliados.

Sem entrar no mérito da operação “Hora da Verdade” da PF, uma pesquisa recente do instituto AtlasIntel mostrou que 36,3% dos brasileiros eram favoráveis a um golpe de Estado após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022, quando o presidente Lula derrotou Jair Bolsonaro. Esse número é parecido com a entrevista de 10 de janeiro de 2023, dois dias após a invasão e depredação da sede dos Três Poderes em Brasília. Nesta entrevista de 2023, 36,8% das pessoas apoiavam um golpe de Estado no Brasil.

Em um trabalho recente que realizei com Pedro Cavalcanti Ferreira, Filipe Fiedler, Luciene Pereira e Cezar Santos, investigamos, por meio de um modelo econômico em que os indivíduos votam na distribuição dos gastos públicos em educação nos diferentes níveis de ensino, como a restrição ao voto influenciou profundamente a nossa história. Mostramos que, se o sufrágio universal tivesse sido implementado no início do século XX, em vez do final dos anos 1980, teríamos investido uma parcela significativamente maior dos nossos gastos educacionais no ensino fundamental e médio, em detrimento do ensino superior. Nesse caso, a extrema pobreza estaria praticamente extinta em 1960, enquanto, ainda hoje, mais de 20% da população do país vive em condições de extrema pobreza.

Alguns pensadores argumentam que a democracia liberal tem um valor intrínseco. Alexis de Tocqueville, influente no pensamento liberal americano, afirmou no século XIX que a liberdade individual e a igualdade de condições na política são princípios fundamentais deste modelo. A liberdade de expressão e a descentralização administrativa são, para o pensador francês, essenciais para preservar a institucionalidade e garantir a prosperidade social e econômica a longo prazo. O trabalho empírico de Acemoglu com coautores sustenta fortemente esta hipótese.

Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, afirmou, em artigo de 1999, que, em um futuro distante, as pessoas terão dificuldade em não considerar a democracia liberal como a forma de governança preeminentemente aceitável. Dado o percentual de apoio ao golpe de Estado no Brasil, parece que a previsão do Prêmio Nobel de Economia de 1998 ainda está longe de ser concretizada.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos - Assis Moreira (Valor Econômico)

Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos

Assis Moreira

 

Valor Econômico, 13/02/2025


Reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados cresce no comércio global

 

O Brasil, na presidência do Brics, enviou aos membros do grupo nesta semana uma proposta visando facilitar o pagamento das transações do comércio intrabloco - e que evita falar diretamente de desdolarização.

É verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por mais de uma vez disse “sonhar” com uma moeda comum para o Brics e questionou por que “todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar, por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda?”.

O tema foi capturado por Donald Trump na sua volta à Casa Branca. Em meio à disrupção global que provoca, ele tem repetido ameaças de impor tarifas de 100% contra países do Brics se tentarem criar uma moeda comum como alternativa ao dólar. Para Trump, “não há nenhuma chance de que o Brics substitua o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”. Ele já chegou a incluir a Espanha como membro do grupo.

O Brics quer aprofundar a discussão sobre como acelerar a facilitação de suas trocas e reduzir riscos. Mas, de fato, a proposta que o Brasil mandou para os países-membros foca basicamente em facilitar pagamentos “de forma eficiente e segura”, amparado por novas tecnologias, como blockchain e outras, que reduzam os custos de transação comerciais. Esse sistema permitiria transações direitas em moedas locais, o que também é uma forma de diminuir custos.

A proposta não envolve moeda comum, como fala Trump, insiste uma fonte no Brics. Não é nem sequer estabelecer um sistema com garantias embutidas como o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), dado como exemplo em alguns círculos de Brasília.

O Banco Central brasileiro na verdade se retirou em 2019 do CCR, um sistema internacional de pagamentos pelo qual são liquidadas operações de comércio internacional pelos bancos centrais de 11 países-membros. O BC considerou que o mecanismo tinha ineficiências que faziam com que não atendesse mais aos interesses do país, perdera importância para a liquidação das operações no comércio entre os países-membros, transferia riscos do setor privado para o setor público e não estava em linha com as modernas práticas de sistemas de pagamentos internacionais, ao concentrar risco de crédito em uma instituição e diferir pagamentos por até quatro meses.

Ativo na atual discussão no Brics, o BC certamente não tem nenhuma saudade do CCR, pelo menos não com a governança atual.

Em meio às turbulências comerciais deflagradas por Trump, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, destacou na semana passada que o Brasil “está empenhado em desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento intrabloco”, ressalvando que o Brics “não tem uma vertente negativa: ele trabalha a favor da cooperação e do desenvolvimento de seus membros - e não contra quem quer que seja”.

A China, o peso pesado do Brics, sabe que mudança da ordem monetária não é para agora. No momento, está mais focada em desvalorizar sua moeda para continuar competitiva e para não perder muito na barganha que terá de fazer com Trump.

Diferentes fontes observam que as autoridades chinesas são muito conservadoras em matéria financeira. Preferem que a desdolarização “venha por gravidade”, e deixa que os outros falem a favor. Rússia e Irã são os mais engajados em buscar rapidamente alternativas ao dólar americano, pelas sanções que sofrem impostas por Washington.

O economista Dmitry Dolgin, autor de um relatório sobre Brics e desdolarização publicado pelo banco holandês ING, vê coerência na posição da China, como maior detentor de reservas internacionais de moeda estrangeira no Brics+, especialmente considerando Hong Kong e Macau, que têm bancos centrais separados.

As reservas consolidadas chinesas totalizam cerca de US$ 4 trilhões e a estrutura exata de câmbio é desconhecida. Mas é muito provável que o dólar americano desempenhe um papel importante nesse montante e, pelo seu tamanho, seria difícil encontrar alternativa com liquidez semelhante. Outro argumento contra a desdolarização para a China é a participação ainda alta dos EUA no seu comércio internacional.

Outros membros do Brics+ podem estar em posição mais flexível, pois suas reservas são menores e eles têm opção de usar o renmimbi em suas reservas internacionais, como faz a Rússia, enquanto a China obviamente não pode usar sua própria moeda como ativo internacional, nota ele.

Para o economista, que monitora de perto o Brics, uma agenda de desdolarização no bloco tem maior potencial de ser levada adiante pelas reservas cambiais e no comércio de combustíveis (o grupo é responsável por cerca da metade da produção energética do mundo).

O Brics+ controla 42% das reservas cambiais dos bancos centrais em geral, “provavelmente contribuindo para o processo de desdolarização global”. E aponta o ouro como a maior alternativa potencial ao dólar para o bloco. Apesar da compra ativa pelo Brics+ nos últimos tempos, o metal ainda representa somente 10% das reservas de seus bancos centrais, comparado a 20% na média global - ou seja, os BCs do Brics+ têm espaço para acumular mais ouro em vez de dólares.

Os trabalhos do Brics tomam uma dimensão particular neste ano, em meio à onda de choque provocada por Trump. A geopolítica muda aceleradamente o comércio internacional, com mais reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados.