O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos - Assis Moreira (Valor Econômico)

Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos

Assis Moreira

 

Valor Econômico, 13/02/2025


Reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados cresce no comércio global

 

O Brasil, na presidência do Brics, enviou aos membros do grupo nesta semana uma proposta visando facilitar o pagamento das transações do comércio intrabloco - e que evita falar diretamente de desdolarização.

É verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por mais de uma vez disse “sonhar” com uma moeda comum para o Brics e questionou por que “todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar, por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda?”.

O tema foi capturado por Donald Trump na sua volta à Casa Branca. Em meio à disrupção global que provoca, ele tem repetido ameaças de impor tarifas de 100% contra países do Brics se tentarem criar uma moeda comum como alternativa ao dólar. Para Trump, “não há nenhuma chance de que o Brics substitua o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”. Ele já chegou a incluir a Espanha como membro do grupo.

O Brics quer aprofundar a discussão sobre como acelerar a facilitação de suas trocas e reduzir riscos. Mas, de fato, a proposta que o Brasil mandou para os países-membros foca basicamente em facilitar pagamentos “de forma eficiente e segura”, amparado por novas tecnologias, como blockchain e outras, que reduzam os custos de transação comerciais. Esse sistema permitiria transações direitas em moedas locais, o que também é uma forma de diminuir custos.

A proposta não envolve moeda comum, como fala Trump, insiste uma fonte no Brics. Não é nem sequer estabelecer um sistema com garantias embutidas como o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), dado como exemplo em alguns círculos de Brasília.

O Banco Central brasileiro na verdade se retirou em 2019 do CCR, um sistema internacional de pagamentos pelo qual são liquidadas operações de comércio internacional pelos bancos centrais de 11 países-membros. O BC considerou que o mecanismo tinha ineficiências que faziam com que não atendesse mais aos interesses do país, perdera importância para a liquidação das operações no comércio entre os países-membros, transferia riscos do setor privado para o setor público e não estava em linha com as modernas práticas de sistemas de pagamentos internacionais, ao concentrar risco de crédito em uma instituição e diferir pagamentos por até quatro meses.

Ativo na atual discussão no Brics, o BC certamente não tem nenhuma saudade do CCR, pelo menos não com a governança atual.

Em meio às turbulências comerciais deflagradas por Trump, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, destacou na semana passada que o Brasil “está empenhado em desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento intrabloco”, ressalvando que o Brics “não tem uma vertente negativa: ele trabalha a favor da cooperação e do desenvolvimento de seus membros - e não contra quem quer que seja”.

A China, o peso pesado do Brics, sabe que mudança da ordem monetária não é para agora. No momento, está mais focada em desvalorizar sua moeda para continuar competitiva e para não perder muito na barganha que terá de fazer com Trump.

Diferentes fontes observam que as autoridades chinesas são muito conservadoras em matéria financeira. Preferem que a desdolarização “venha por gravidade”, e deixa que os outros falem a favor. Rússia e Irã são os mais engajados em buscar rapidamente alternativas ao dólar americano, pelas sanções que sofrem impostas por Washington.

O economista Dmitry Dolgin, autor de um relatório sobre Brics e desdolarização publicado pelo banco holandês ING, vê coerência na posição da China, como maior detentor de reservas internacionais de moeda estrangeira no Brics+, especialmente considerando Hong Kong e Macau, que têm bancos centrais separados.

As reservas consolidadas chinesas totalizam cerca de US$ 4 trilhões e a estrutura exata de câmbio é desconhecida. Mas é muito provável que o dólar americano desempenhe um papel importante nesse montante e, pelo seu tamanho, seria difícil encontrar alternativa com liquidez semelhante. Outro argumento contra a desdolarização para a China é a participação ainda alta dos EUA no seu comércio internacional.

Outros membros do Brics+ podem estar em posição mais flexível, pois suas reservas são menores e eles têm opção de usar o renmimbi em suas reservas internacionais, como faz a Rússia, enquanto a China obviamente não pode usar sua própria moeda como ativo internacional, nota ele.

Para o economista, que monitora de perto o Brics, uma agenda de desdolarização no bloco tem maior potencial de ser levada adiante pelas reservas cambiais e no comércio de combustíveis (o grupo é responsável por cerca da metade da produção energética do mundo).

O Brics+ controla 42% das reservas cambiais dos bancos centrais em geral, “provavelmente contribuindo para o processo de desdolarização global”. E aponta o ouro como a maior alternativa potencial ao dólar para o bloco. Apesar da compra ativa pelo Brics+ nos últimos tempos, o metal ainda representa somente 10% das reservas de seus bancos centrais, comparado a 20% na média global - ou seja, os BCs do Brics+ têm espaço para acumular mais ouro em vez de dólares.

Os trabalhos do Brics tomam uma dimensão particular neste ano, em meio à onda de choque provocada por Trump. A geopolítica muda aceleradamente o comércio internacional, com mais reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados.