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quarta-feira, 20 de março de 2013

Mussolini: um fascista exemplar, e caricato - Boris Fausto (Piaui)

Pontífice de uma religião leiga
Os últimos dias e o legado de Mussolini
por Boris Fausto
Revista Piaui, edicao 78

Nenhum ditador, dentre os que proliferaram no século XX, teve um fim tão rocambolesco quanto Mussolini. Seus últimos dias foram cercados de mistério, de muitas indagações e controvérsias, e atraíram o interesse de um importante historiador do fascismo, o francês Pierre Milza, autor de um livro que se lê como uma novela: Os Últimos Dias de Mussolini, que a editora Zahar lançará em junho.

Milza revela o nome de quem realmente comandou os partigiani – Luigi Longo, futuro secretário-geral do Partido Comunista Italiano, o PCI – e levanta questões até hoje sem resposta. Onde foi parar o tesouro em joias e dinheiro que os familiares de Mussolini, em fuga, pretendiam levar para o exterior? Nas mãos de alguns espertos milicianos antifascistas? Nas caixas do PCI? Mais ainda: onde teria ido parar o incômodo arquivo secreto que Mussolini carregava consigo, contendo supostamente uma longa correspondência entre o Duce e Churchill, por muito tempo simpatizante do líder do fascismo, a quem considerava um homem ideal para enquadrar o “temperamento caótico” dos peninsulares.

Nascido em 1883, em Predappio, uma pequena cidade da Emilia Romagna, no nordeste da península, o nome completo de Mussolini, à maneira italiana, era plural: Benito Amilcare Andrea Mussolini. Sua opção inicial pelo socialismo teve a ver com a região em que nasceu e viveu quando menino e adolescente, pois a Emilia Romagna já era considerada uma zona “vermelha” nos últimos anos do século XIX. Mais ainda, o pai do futuro Duce, Alessandro Mussolini, foi por um tempo ferreiro de profissão e, pela vida afora, ativo militante socialista.

Mussolini tinha pouco mais de 20 anos quando ingressou no Partido Socialista Italiano, o PSI. Sua ascensão na política foi rápida: tinha talento como orador e jornalista, além de boas relações com nomes importantes no campo da esquerda, como Giacinto Serrati e sua amiga Angelica Balabanova, que viria a ser dirigente da IIIaInternacional Comunista. Ele os conhecera na Suíça, para onde emigrara no início do século XX. Nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, Mussolini se ligou ao setor mais radical do PSI, que condenava as guerras, adotava uma agressiva postura anticlerical e, em nome da revolução, combatia o reformismo.

Antes de completar 30 anos, mudou-se da provinciana Forli para Milão, a brilhante capital do norte da Itália. Ali, o futuro Duce deu um passo decisivo na carreira política. Alcançou maior projeção e se tornou diretor do Avanti!, o jornal do partido. Mas logo sua carreira teve outra guinada. O detonador da mudança de curso foi a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Diante do conflito, os partidos socialistas europeus dividiram-se entre as correntes internacionalistas, contrárias à guerra, e as que adotaram a linha de união nacional, em apoio aos governos de seus respectivos países. No âmbito do PSI, Mussolini, que vinha assumindo posições nacionalistas, passou a defender uma política de “neutralidade ativa”, oposta à condenação frontal da guerra.

As desavenças com a direção partidária cresceram em poucos meses, a ponto de resultarem na sua expulsão do partido, em novembro de 1914, quando a Itália ainda se declarava neutra. A partir daí, ele tomou o rumo da direita, acentuou o patriotismo e a visão antiparlamentar, sustentando a necessidade de se implantar uma “ditadura democrática”, baseada na mobilização popular, oposta às “ditaduras reacionárias”. O que mais lhe custou foi abandonar o anticlericalismo de outros tempos, substituindo-o por relações pragmáticas e acomodatícias com a Igreja Católica.

Em maio de 1915, a Itália entrou na guerra, ao lado da França e da Inglaterra. O país esteve entre os vencedores do conflito, mas não conseguiu obter o atendimento de suas reivindicações territoriais. Os anos de pós-guerra foram marcados não só pelas decepções no plano internacional, mas também pelas greves operárias, pela ocupação de fábricas e pelas mobilizações de camponeses, que levaram a direita e a esquerda a acreditar na iminência de uma revolução social.

Nessa conjuntura carregada de excitação e temores, os fascistas ganharam terreno ao defenderem a manutenção da ordem a qualquer preço, bem como a ascensão ao poder de um homem providencial, destinado a restaurar a estabilidade do país e a conter o pericolo rosso. A violência se tornou um recurso político cotidiano e a tropa de choque fascista (os fasci di combattimento) desencadeou ataques terroristas em toda a Itália.

A mítica Marcha sobre Roma – mítica porque, no poder, o fascismo a transformou numa heroica ação revolucionária – levou Mussolini, em outubro de 1922, ao cargo de primeiro-ministro. O rei Vittorio Emanuele III e o Exército apoiaram a nomeação, enquanto o Vaticano, convenientemente, lavou as mãos. Um passo mais e Mussolini passou de primeiro-ministro a ditador. Era ele o “homem providencial”.



os anos que se seguiram à conquista do poder, o regime fascista atravessou momentos incertos, como os que resultaram no sequestro e morte do deputado socialista Giacomo Matteotti, figura de prestígio nos círculos da esquerda europeia. Mas a coação exercida pela polícia política, o apoio – ou pelo menos a passividade – da maioria da população, o beneplácito institucional do rei e da Igreja Católica garantiram a continuidade do regime.

No caso da Igreja, o Tratado de Latrão, firmado entre o Estado e o Vaticano em 1929, garantiu as boas relações entre as partes, a ponto de o papa Pio xi referir-se a Mussolini como “um enviado da Providência”. Mas é bom lembrar que os desentendimentos perduraram e, em anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, o papa criticou o nacionalismo exaltado, as teorias racistas e o antissemitismo do regime.

A partir dos anos 30, Mussolini voltou-se para o front externo, na tentativa de projetar-se como árbitro da Europa. Interveio em grande escala na Guerra Civil Espanhola (1936-39), e contribuiu significativamente para a implantação da ditadura de Franco. Ao mesmo tempo, desfechou uma operação de conquista colonial: a guerra da Abissínia (hoje Etiópia), que durou de 1935 a 1936. Ele contava com uma vitória fácil diante do que considerava um bando de sub-homens mal adestrados. Apesar da grande disparidade de forças, porém, o rei Hailé-Selassié e seus “sub-homens” resistiram por vários meses aos ataques e às atrocidades das tropas italianas, até capitular.

A aliança entre a Itália e a Alemanha nazista não se deu com facilidade. Mussolini temia o expansionismo de Hitler e estava longe de ser simpático a ele. Em certa ocasião, como lembrou Renzo de Felice – o maior biógrafo de Mussolini –, o Duce confiou a um intelectual fascista: “Os alemães são amigos difíceis, mas inimigos terríveis. Eu escolhi tê-los como amigos.” A aliança desigual dos amigos de conveniência concretizou-se formalmente com o chamado Pacto de Aço, celebrado em Berlim em maio de 1939.

A opção abalou a popularidade de Mussolini. Talvez tenha sido essa a principal razão de ele manter uma atitude de “não beligerância”, quando a guerra explodiu, em setembro de 1939, com a invasão da Polônia. A “não beligerância” durou até junho de 1940, quando o Duce anunciou a uma multidão entusiasta, aglomerada na Piazza Venezia, em Roma, a entrada na guerra contra “as democracias plutocráticas e reacionárias do Ocidente”. Naquela altura, as restrições da população à entrada no conflito tinham praticamente desaparecido devido à instauração de um clima guerreiro, alentado por uma sistemática propaganda e pelas vitórias alemãs.

O entusiasmo iria transformar-se em tragédia. Cerca de 400 mil italianos encontraram a morte na guerra – a cota maior, nas terras geladas da União Soviética. Além disso, as tropas italianas foram humilhadas nas frentes de combate. Hitler considerava um estorvo a presença de tropas peninsulares na União Soviética e, a pedido do próprio Mussolini, os alemães substituíram os italianos, que vinham sendo derrotados no norte da África.

No início de 1943, tendo como marco a vitória soviética em Stalingrado, os sinais de derrota do Eixo se multiplicaram e o descontentamento do povo italiano cresceu. Ele foi impulsionado pelos rumos da guerra e pelas restrições impostas ao consumo cotidiano. Greves de grandes proporções, organizadas pelos comunistas infiltrados nos sindicatos oficiais, explodiram em Turim e Milão, espraiando-se por outras cidades.

Nessa conjuntura, a destituição de Mussolini foi tramada por trás das cortinas. Ele acabou sendo derrubado do podernuma tempestuosa reunião do Grande Conselho – órgão máximo do Par-tido Nacional Fascista – em julho de 1943. Entre os que votaram pela destituição estava o conde Ciano, marido de sua filha Edda, cuja antiga admiração pelo nazismo dera lugar ao ódio de Hitler.

A pretexto de lhe ser dada proteção, o Duce foi conduzido preso a um hotel de difícil acesso, ao pé de um pico da cadeia montanhosa dos Abruzzi. Menos de dois meses depois, numa operação espetacular, paraquedistas alemãeso resgataram. Ele se converteu então num títere manipulado por Hitler: um Mussolini alquebrado cedeu às pressões do Führer para que se pusesseà frente de um arremedo de regime – a República Social Italiana, mais conhecida como República de Saló, referência a uma pequena cidade às margens do lago de Garda, onde o precário governo foi instalado.



s Últimos Dias de Mussolini começa quando a República de Saló já não existia e uma caravana de fugitivos partira de Milão para o norte da Itália. Era abril de 1945, a Segunda Guerra Mundial estava em seus últimos dias. Na frente italiana, as tropas anglo-americanas tinham avançado pela península, após o desembarque na Sicília e no continente. Em blindados, automóveis e caminhões, escoltada pelos soldados da SS, a caravana tentava encontrar um refúgio nos Alpes para Mussolini, sua amante Clara Petacci e os principais dirigentes fascistas.

A marcha envolvia riscos: os ataques dos partigiani tinham se tornado cada vez mais frequentes. Quando percorria uma estrada ao longo do lago de Como, o comboio foi barrado pelosguerrilheiros de uma brigada -– comandada pelo conde Pier Luigi Bellini delle Stelle, um aristocrático advogado florentino – composta de vários estrangeiros que haviam integrado as Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola.

Quando se fazia uma inspeção dos veículos detidos, um dos partigiani deu com um militar embrulhado num capote cinzento do Exército alemão. Ele parecia mergulhado em sono etílico. Depois de muita insistência, ao ser chamado de “cavaliere Benito Mussolini”, o Duce finalmente se rendeu e entregou a seus captores uma metralhadora fornecida pelos alemães.

Começou uma discussão sobre seu destino. Um setor dos partigiani optava por um julgamento pelo recém-formado governo italiano, ou pelos países vencedores da guerra, como viria a ocorrer com os nazistas no Tribunal de Nüremberg. Majoritários entre os resistentes, os comunistas insistiram no fuzilamento sumário do Duce, opção que acabou por prevalecer.

Mussolini e Clara foram fuzilados na manhã do dia 28 de abril de 1945, nas proximidades de Dongo, pequena cidade junto ao lago de Como. De frente para os executores, Mussolini morreu com vários tiros no tórax, como revelou a autópsia do cadáver, realizada em Milão. Provavelmente, aconteceu o mesmo com Clara, mas seu corpo não foi autopsiado, ao que se sabe por influência familiar.

A manhã de 29 de abril apenas se esboçava em Milão quando os primeiros transeuntes que passavam pela Piazzale Loreto deram com os corpos de Mussolini, de Clara e de dezesseis dirigentes fascistas estendidos no chão. Sob a guarda de alguns sonolentos partigiani, os cadáveres haviam sido depositados à noite na praça. A escolha do local não fora fortuita. No ano anterior, tinham sido executados ali quinze presos políticos, em represália ao ataque contra uma viatura alemã.

A surpresa inicial dos passantes transformou-se em fúria. Sem encontrar obstáculos, uma pequena multidão pisoteou longamente os corpos de Mussolini e Clara, a ponto de se tornarem quase irreconhecíveis. Por fim, jatos de água dispersaram a multidão. Os partigiani recolheram os corpos do casal, do irmão de Clara e de mais quatro dirigentes fascistas, que foram pendurados de cabeça para baixo nas traves de um posto de gasolina. Horas depois, as cordas que sustentavam os corpos foram cortadas e eles se estatelaram no chão.



s biógrafos do Duce costumam separar o homem público do indivíduo Mussolini. A divisão é explicável, com a ressalva de que a vida privada do líder fascista tem dimensões que incidem na esfera pública. Nessa esfera, o jornalista e orador talentoso tornou-se não apenas um personagem supostamente infalível, comandante supremo do povo italiano, como o pontífice de uma religião leiga que tinha um mito de origem, um culto e uma liturgia. O mito de origem era a Roma dos imperadores, que fizera do Mediterrâneo o mare nostrum, alvo dos planos expansionistas de Mussolini. A águia dos césares, a saudação imperial com o braço estendido, a cabeça do Duce – uma “cabeça romana” – integraram a simbologia do fascismo.

A própria denominação do movimento derivou de um símbolo romano, o fascio littorio – o feixe de tiras de vime no qual se encaixava uma machadinha representativa do poder do litor, alto magistrado de Roma. Após ser utilizado por vários movimentos sociais desde a Revolução Francesa, o fascio foi apropriado pelos fascistas e escolhido como símbolo oficial do seu partido.

A retórica do Duce seduzia a multidão que se aglomerava para vê-lo quando pronunciava seus discursos do alto do balcão do Palácio Venezia. A fala impositiva, o tom estridente da voz, as perguntas à multidão cuja resposta era previsível, as frases bruscamente interrompidas, enquanto ele colocava as mãos na cintura com ar de desafio, compunham uma figura ridícula aos olhos de hoje, mas magnetizante na Itália da época.

O ferimento de Mussolini na Primeira Guerra Mundial facilitou sua apresentação como combatente heroico, como o valoroso soldado italiano que nada tinha a ver com a imagem negativa que lhe atribuíam as nações inimigas (e as amigas também). Ao mesmo tempo, Mussolini surgia nas telas de cinema e nos jornais com imagens alternadas: ora aparecia como um homem comum, realizando tarefas corriqueiras no campo, ora como um super-homem, de torso nu, protagonizando extraordinárias proezas esportivas. Mao Tsé-Tung seguiria seus passos, muitos anos depois, ao supostamente atravessar lagos gelados na China, em pleno inverno.

Na vida privada, a figura doméstica de Mussolini, traçada pela propaganda, tinha algo de verdadeiro. O Duce seria o chefe de família tradicional, o pater familias provedor, afetuoso e infiel. Em 1915, ele se casou com Rachele Guidi, jovem de origem camponesa, nascida como ele em Predappio. Tiveram cinco filhos e, bem ou mal, mantiveram-se unidos até a morte de Mussolini. Dentre os membros da família, ele dedicava grande afeto a Arnaldo, seu irmão mais novo, cuja morte súbita, em 1931, o levou a uma profunda depressão.

Já a filha mais velha despertava sentimentos contraditórios. Edda era uma mulher de costumes avançados, além de viciada no jogo e na bebida. Mussolini teve altos e baixos nas relações com a filha até que o conde Ciano, marido de Edda e membro do Grande Conselho, votou pela destituição de Mussolini. Ele foi preso em outubro de 1943, acusado de alta traição, e submetido a julgamento. Os apelos de Edda ao pai para que salvasse o marido da morte certa não foram atendidos. Após um julgamento pro forma em Verona, Ciano e outros acusados foram condenados como traidores e fuzilados pelas costas por um pelotão de milicianos. Pai e filha romperam de vez.

Em paralelo à vida familiar, além de relações fugazes com uma coleção de mu-lheres, Mussolini teve pelo menos duas amantes: Margherita Sarfatti e Clara Petacci. A primeira era uma talentosa jornalista judia, casada com um advogado sionista, promotora da arte e da literatura de vanguarda. Mussolini se encantou por ela quando veio da província para Milão, onde Margherita o aproximou de escritores de vanguarda e redigiu muitos de seus discursos. Passados os anos, o amor arrefeceu. Margherita foi morar em Nova York, mas os contatos se mantiveram até por volta de 1942, quando a perseguição aos judeus tornou impossível o relacionamento entre os dois.

Clara era bem diferente de Margherita. Jovem romana, ela pertencia a uma família conservadora de classe média. Seu pai tinha boas relações nas altas esferas, a ponto de ter sido médico do papa. Aparentemente, era uma moça frívola, ociosa, cheia de luxo. Entretanto, alentou o Duce, já na meia-idade, com o sopro de sua juventude, e exerceu considerável influência sobre ele até a morte de ambos.



sicologicamente instável, Mussolini alternou fases de euforia e de depressão. Sofria de vários males e cólicas estomacais o atormentavam desde a juventude. Quando nos primeiros anos da ditadura teve uma forte crise, médicos lhe diagnosticaram uma úlcera. Nunca se livrou dela, apesar de seguir uma dieta rígida que excluía vinhos, pratos condimentados e o fumo. Após sua morte, os legistas constataram a inexistência da “úlcera” e diagnosticaram um quadro psicossomático.

A emergência do fascismo desnorteou seus adversários políticos e deu margem a interpretações conflitantes. O historiador australiano R.J.B. Bosworth, também ele biógrafo de Mussolini, lembra uma afirmação de Antonio Giolitti, líder dos liberais italianos: “Os fascistas não passam de fogos de artifício: farão muito ruído, mas não deixarão atrás de si mais do que fumaça.” A ascensão de Mussolini ao cargo de primeiro-ministro foi facilitada por essa miragem. Figuras liberais, entre elas o próprio Giolitti, que se odiavam entre si, preferiram que Mussolini assumisse “transitoriamente” o poder a vê-lo entregue a um de seus rivais.

A desorientação ocorreu também no campo da esquerda. Antonio Gramsci, a vítima mais famosa do fascismo, preso por mais de dez anos nos cárceres de Mussolini até encontrar a morte, desdenhara do movimento fascista quando de sua formação, pois ele seria composto por “gente ridícula, do tipo que faz as notícias, mas não faz a história”.

Ao se tornar evidente que o fascismo era um fenômeno trágico e duradouro, a IIIª Internacional partiu para uma reconfortante interpretação de classe. O fascismo foi explicado como uma expressão espúria do grande capital, assentado socialmente na pequena burguesia e nas massas desorganizadas. A explicação tinha aspectos de verdade. Os fasci di combattimento, de fato, foram financiados pelos grandes proprietários rurais e pela burguesia urbana. Após a conquista do poder, estabeleceram-se relações relativamente harmônicas entre Mussolini e as grandes corporações. Para o mundo empresarial, a “paz social” assegurada pelo fascismo era um trunfo de muita valia, depois de anos de incerteza e de caos.

Mas, por seu grau de autonomia em relação às classes sociais, por seu estilo revolucionário, bem diverso do estilo da dominação burguesa tradicional, o fascismo se diferenciava da classe dominante. Grandes empresários foram reticentes à aventura da Abissínia, assim como à entrada da Itália na Se-gunda Guerra Mundial. De sua parte, Mussolini não hesitou em utilizar como recurso retórico a campanha antiburguesa, que ganhou força na década de 30. Assim, num discurso de 1934, lembrado por Renzo de Felice, no qual criticava os fascistas “aburguesados”, o Duce proclamou: “Não nego a existência de temperamentos burgueses, mas excluo que eles possam ser fascistas. O credo do fascista é o heroísmo; o do burguês, o egoísmo. Contra esse perigo só há um remédio: o princípio da revolução permanente.”

A maioria dos quadros do regime, por sua vez, tal como ocorreu na Alemanha nazista, tinha origem na classe média, e alguns de seus setores se beneficiaram com a ampliação dos grupos burocráticos de governo e do aparelho partidário. Houve mesmo uma renovação parcial da classe dirigente, provocada pela ascensão de “novos notáveis”, provenientes da pequena burguesia. Mas não é possível concluir que a ascensão do fascismo representou a tomada do poder pela classe média. Se a origem social tem de ser levada em conta, um fascista era antes de tudo um “homem novo”, um soldado da causa que tinha em Mussolini seu chefe e ídolo.

O ímpeto da classe operária organizada e de seus dirigentes foi quebrado com o impasse das greves. Quando o fascismo chegou ao poder,o que restava de organização independente nos sindicatos e partidos foi destruído. Mussolini empregou um misto de repressão e de cooptação para atrair os trabalhadores, como bem expressa o Codice del Lavoro, de 1927 – copiado, aliás, pelo Estado Novo no Brasil –,ao estabelecer o controle dos sindicatos e a proibição das greves e prever, ao mesmo tempo, várias garantias sociais. O Codice del Lavoro decorreu de um princípio maior do fascismo: a instituição de um Estado corporativo, em que a representação de patrões e empregados nas corporações asseguraria a colaboração, e não a luta entre as classes.



interpretação liberal do fascismo seguiu um caminho diverso da versão classista, ao tomar como base a noção de totalitarismo, desenvolvida por Hannah Arendt e colegas. Estados totalitários seriam tanto o fascismo e o nazismo como o comunismo soviético, por buscarem intervir em todos os aspectos da vida social, e construir um “homem novo”, oposto ao indivíduo burguês. Dentre as virtudes desse “homem novo” estariam a obediência cega ao líder supremo e à sua capacidade de decisão, além do culto e da estética da violência, cuja estrela de primeira grandeza foi o poeta futurista Marinetti – um admirador de Mussolini que nunca abandonou as tendências anarquizantes do primeiro fascismo.

Essa interpretação sofreu críticas violentas do pensamento de esquerda, por colocar no mesmo balaio o nazismo, o fascismo e o regime soviético. De Felice, que estava bem longe das posições de esquerda, criticou também a noção de totalitarismo, pois ela seria incapaz de dar conta de regimes intrinsecamente diferentes, aos quais se aplicava o mesmo rótulo.

Seja como for, um dos méritos da noção de Estados totalitários consistiu na percepção de que esses estados tinham algumas características em comum, indo além dos traços gerais dos regimes autoritários, como é o caso do controle dos meios de comunicação, do aniquilamento dos divergentes e da utilização da violência como recurso político. Mas, para além de elementos comuns, a noção de totalitarismo não dá conta das distinções entre os Estados definidos como totalitários.

Mesmo entre a Itália fascista e a Alemanha de Hitler, as diferenças não são poucas. O regime nazista foi um furacão arrasador que em doze anos destruiu as instituições da República de Weimar e ergueu das cinzas um Estado policial, que levou o mundo à guerra. No âmbito externo, ao contrário da Alemanha nazista, Mussolini teve de se limitar à expansão no Mediterrâneo e ao sonho de construir um império na África, mesmo porque não poderia ir mais longe, pois a Itália era, no contexto europeu, uma potência de segunda classe.

O antissemitismo teve na península um papel ideológico e político pouco relevante até 1938, embora houvesse antijudeus raivosos nos círculos do poder, do gênero de Roberto Farinacci, um ex-ferroviário admirador estridente do nazismo, ou de Aquiles Starace, um simples contador que se tornou secretário do Partido Nacional Fascista.

Mussolini adotou, quase sempre, uma atitude de benevolência com relação aos judeus e, afinal de contas, tinha junto de si Margherita Sarfatti, de origem judia. Judeus fascistas participaram da Marcha sobre Roma, ocuparam vários postos de governo e lutaram na guerra da Abissínia, a ponto de o governo ter instituído, em terras africanas, um rabinato militar.

A reviravolta ocorreu logo após o fim da guerra colonial, quando os judeus – tidos como personagens execráveis do capitalismo financeiro – deixaram oficialmente de pertencer à “raça italiana”. Muitos deles foram jogados nos campos de concentração de Hitler, com o destino conhecido.

No plano das instituições, o fascismo italiano subordinou o partido único ao Estado, ao contrário do que sucedeu na Alemanha nazista. Era uma subordinação relativa: exibir a carteira de membro do partido era condição necessária para se assumir um cargo público. A preeminência do Estado como encarnação da nacionalidade teve no filósofo Giovanni Gentile seu nome mais expressivo e sintetizou-se numa frase que se tornou célebre: Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato. Em tradução livre: “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada absolutamente contra o Estado.”

A emergência do fascismo teve muito a ver com as circunstâncias da Itália do pós-guerra, na qual se entrecruzaram fatores como a descrença na democracia; a irrupção de um movimento operário vigoroso, mas que chegou a um impasse; as decepções sofridas pela Itália – nação proletária, como dizia Mussolini – nas negociações de paz posteriores à Segunda Guerra Mundial. De Felice, que se opunha às “interpretações demonológicas” do fascismo, tratou de inseri-lo num quadro histórico mais amplo. A ideologia fascista representaria o ponto de chegada de uma tradição política e cultural que deitava raízes no nacional-jacobinismo do Risorgimento (período de luta pela unificação da Itália), e se ligava aos “intervencionistas de esquerda” dos anos 1914-15.



história de Mussolini não terminou na Piazzale Loretto. A partir das cenas macabras na praça, seu corpo ganhou outras dimensões de personagem principal. Enterrado discretamente num cemitério de Milão, ele foi dali “sequestrado” por um pequeno grupo de fascistas e percorreu um périplo secreto até ser entregue à sua família. Esta construiu um mausoléu em Predappio para onde acorrem, nas datas solenes do fascio, fascistas remanescentes e neofascistas vestidos de camisas negras, braços erguidos na saudação fascista, aos gritos de “Duce! Duce! Duce!”.

O mausoléu de Predappio é um lugar de memória. Mas não se pode afirmar que o fascismo esteja ali enterrado. Afinal de contas, menos de dois anos da morte de Mussolini, os remanescentes do Partido Nacional Fascista criaram uma nova agremiação partidária, o Movimento Social Italiano, MSI, numa referência à República Social Italiana dos últimos anos do Duce. É certo que o MSI regrediu e desapareceu, após ter alcançado vitórias eleitorais significativas nos anos 70 do século XX.

Mas a “lembrança inspiradora” de Mussolini não se extinguiu. Ela surge aqui e ali, nos discursos de Berlusconi e na vaga esperança de que um homem providencial venha salvar a Itália atual da crise econômica e da desordem.

Hermanos enemigos, e a decadencia argentina - OESP

O Mercosul a caminho do brejo, depois da Argentina, claro...
Como escreve o ex-ministro Lampreia: "A cada dia que passa fico mais convencido de que a Argentina está em marcha batida para o abismo."
So be it...
Paulo Roberto de Almeida

O alvo do governo Kirchner

19 de março de 2013 | 2h 13
Editorial O Estado de S.Paulo
 
A redução de 73% registrada em 2012 no saldo do Brasil no comércio com a Argentina - num período em que superávits dos principais parceiros comerciais dos argentinos aumentaram até 52% - não deixa dúvidas de que a política protecionista cada vez mais agressiva do governo da presidente Cristina Kirchner tem um alvo específico. Medidas administrativas que retardam ou impedem a entrada de produtos importados na Argentina têm sido contestadas por diversos países exportadores, mas toleradas pelo governo brasileiro. Como a escarnecer da atitude brasileira e das reiteradas promessas de amizade indestrutível da presidente Dilma Rousseff, feitas a sua colega argentina, o protecionismo de Buenos Aires prejudica direta e duramente o Brasil e preserva os demais países.
Os números da balança comercial entre os dois países não deixam dúvidas de que a condescendência com que o governo Dilma reage às restrições comerciais da Argentina estimula a ação dos funcionários do governo Kirchner notoriamente contrários à entrada de produtos brasileiros em seu país. Ruins para o Brasil já em meados do ano passado, os resultados do comércio bilateral ficaram ainda piores no acumulado de 2012.
Em julho do ano passado, as importações argentinas de produtos brasileiros tinham sido 67% menores do que as registradas em julho de 2011 e o superávit comercial acumulado pelo Brasil nos sete primeiros meses do ano tinha diminuído 52% em relação ao período janeiro-julho do ano anterior.
Em todo o ano passado, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 18 bilhões, 21% menos do que os US$ 22,7 bilhões exportados em 2011. As importações brasileiras de produtos argentinos, de sua parte, de US$ 16,8 bilhões, mantiveram-se praticamente no mesmo nível de 2011, de US$ 16,4 bilhões. Com isso, o saldo caiu de US$ 5,9 bilhões para US$ 1,6 bilhão, uma redução de 73% (algumas consultorias privadas, como a Abeceb.com, calculam a queda em 65%).
Atribui-se a queda das importações de produtos brasileiros à redução do ritmo da economia argentina no ano passado, quando deve ter crescido menos de 2%. Essa é uma explicação parcialmente verdadeira. Mas, no momento em que as exportações brasileiras caíam, as dos outros principais países fornecedores da Argentina cresciam, e em ritmo intenso. As da Holanda aumentaram 160%; as dos Estados Unidos, 9%; as do Japão, 7%; e as da Alemanha, 2%, como noticiou o jornal Valor (18/3). O superávit, que no caso do Brasil teve fortíssima contração, aumentou 52% para a Alemanha, 29% para os Estados Unidos e 14% para a China.
Brasil e Argentina são os principais integrantes do Mercosul, o bloco do Cone Sul que, teoricamente, é uma união aduaneira, na qual é livre a circulação de bens e serviços. Desde meados da década passada, no entanto, a Argentina vem restringindo a entrada de produtos estrangeiros, mesmo os originários de outros países do Mercosul.
No ano passado, o governo Kirchner instituiu um sistema de controle administrativo de importações que vem retendo mercadorias nos postos alfandegários até a emissão de uma autorização especial para a entrada no mercado argentino. Essa autorização está condicionada à apresentação prévia de uma declaração juramentada, cuja aceitação depende do juízo de setores do governo responsáveis pelas medidas protecionistas.
O objetivo dessas medidas é estimular a produção argentina, mas as ações do governo Kirchner no campo econômico vêm assustando os empresários, nacionais e estrangeiros, o que inibe os investimentos produtivos.
As presidentes dos dois países deveriam discutir, entre outras, a questão da deterioração do comércio bilateral por causa do crescente protecionismo argentino, numa reunião que estava marcada para o início de março. O encontro teve de ser adiado em razão da morte do presidente venezuelano Hugo Chávez. O tema, porém, não pode mais ser adiado, como deixam claro os dados recentes sobre o comércio bilateral. Se o governo Dilma não mudar sua atitude em relação à Argentina, o governo Kirchner se sentirá ainda mais livre para prejudicar o Brasil.
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Em marcha batida para o abismo

19 de março de 2013 | 2h 10
Luiz Felipe Lampreia *
 
A Argentina, segundo o comentário venenoso de um diplomata americano que conheço, é um ex-país desenvolvido. A despeito de sua acidez, a frase revela uma certa verdade: nosso vizinho do sul já foi um país rico. Hoje, porém, está sem crédito internacional por não pagar suas dívidas, praticamente sem investimentos estrangeiros por falta de segurança jurídica. Seu crescimento econômico está alavancado em subsídios ao consumo sob forma de tarifas artificialmente baratas de gás, eletricidade e transportes. Em outras palavras, o modelo não é sustentável. Para completar o quadro de arrepios às regras internacionais existe uma proteção ilegal à sua indústria, como acaba de ser evidenciado pela ação que vários dos países mais importantes do comércio mundial movem contra a Argentina na OMC. Essa proteção é danosa ao Brasil, que por causa dela perdeu muitos bilhões de dólares em exportações no ano passado. Este quadro econômico aponta implacavelmente para o retrocesso do país.

Escrevi faz algum tempo o seguinte comentário: "Há mais de vinte anos, um importante ministro argentino ensinou a um surpreso embaixador brasileiro recém-chegado a Buenos Aires que a 'Argentina é pródiga em três coisas: carne, trigo e gestos tresloucados'. A decisão de expropriar a participação majoritária da Repsol na YPF foi um desses gestos. Somada à inadimplência de dez anos da dívida externa, que representa uma grave violação da ordem jurídica internacional, e ao crescente e arbitrário protecionismo que viola todas as regras do Mercosul e da OMC, a decisão coloca a Argentina à margem da legalidade global. Como me escreveu um grande amigo argentino recentemente, o governo argentino 'busca la maximización del presente. Eso fue el peronismo de los 50, el menemismo - aunque con algunas reformas para nada despreciables - y el kirchnerismo'. E na mesma correspondência acrescentou: 'Existe también entre nosotros un desequilibrio político muy pernicioso, que agudiza el mal anterior. Entre Cristina y su segundo, Binner, hubo 37 puntos de diferencia. Lo mismo sucedió con Perón en el 51. Hoy el gobierno controla 23 distritos sobre 24, además de las dos cámaras. En Brasil, la oposición gobierna los grandes estados y eso genera una dinámica virtuosa en muchas dimensiones'.

Gestos dessa gravidade têm sempre consequências sérias, mesmo que no imediato pareçam benéficos e sejam saudados pelo povo com orgulho e alegria. A longo prazo, essas ações terminam por pôr o país à margem das principais correntes de crédito, investimentos e comércio, ou seja, de todas as atividades que geram prosperidade e oportunidades econômicas para uma nação. O mau governo orienta-se pelo valor imediato de popularidade que obtém com seus atos impulsivos e não pensa nas consequências de seus atos no futuro". A cada dia que passa fico mais convencido de que a Argentina está em marcha batida para o abismo.

Se não bastasse, a sra. Cristina Fernandez de Kirchner está aprofundando sua ofensiva contra instituições básicas como a imprensa livre e o Poder Judiciário, que são ambas os últimos bastiões da resistência democrática. A deputada Elisa Carrió, que já foi candidata à Presidência, comentou, com agudeza, que "a única coisa que Cristina deseja é sua impunidade (...) se o povo não se defender rápido nos resta pouco tempo de uma Argentina republicana". Citações assim poderiam ser apresentadas fartamente e se contrapõem a outra, desta vez de autoria da procuradora-geral da República, Alejandra Gils Carbó, que afirmou: "A Justiça atual é ilegítima, corporativa, obscurantista e lobista". Um procurador de Benito Mussolini na década de 30 subscreveria a esse fraseado com especial prazer. As manobras contra a grande imprensa são também bem conhecidas. Canais de rádio e televisão têm sido comprados por empresários cuja reputação duvidosa é ressaltada em Buenos Aires e que coincidentemente são ligados à presidente. Como disse um importante jornalista do La Nación, José Crettaz, "a Casa Rosada (sede da Presidência) aprovou uma compra de meios (de comunicação) que violou a lei e depois permitiu que um empresário que cometeu essa irregularidade saísse incólume". A guerra da sra. Kirchner contra os Grupos Clarín e La Nación prossegue e visa a calar ou pelo menos cercear as duas maiores colunas mestras da liberdade de imprensa argentina.

Como se vê, a Argentina envereda velozmente para um modelo de partido e poder únicos. O populismo desenfreado já garantiu à presidente uma votação maciça nas últimas eleições. O peronismo detém, pela mesma razão, maioria esmagadora no Congresso e em quase todos os governos provinciais. Para completar o modelo de Estado autoritário e onipotente só falta controlar o Judiciário e a imprensa livre. Quando isso ocorrer, o governo poderá tudo e as instituições democráticas e republicanas estarão subjugadas. A perspectiva de alternância no poder, que já é tênue, estará acabada. Esse filme já foi visto em diversas épocas e muitos países do mundo. E acaba mal.

E o Brasil nisso? Perdemos muito espaço em nosso principal mercado de produtos manufaturados por efeito do protecionismo arbitrário argentino, como já mencionado. Nossas empresas investidoras na Argentina padecem muitas vezes sob a interferência excessiva dos governantes e são levadas à decisão de vender e sair do país, como é o caso da Petrobrás, que desempenhava papel importante na indústria de combustíveis. Ninguém pode, entretanto, derivar daí uma postura confrontacionista de nossa parte ou subestimar a relevância de nossas relações com nosso maior vizinho. Houve muitas vezes tempos melhores, mas com a Argentina temos um casamento indissolúvel, seja como for. É por isso mesmo que devemos lamentar a destruição sistemática dos fundamentos da democracia argentina e esperar que dias melhores permitam restaurar o vigor de nossa relação econômica. É por isso também que considero que não devemos abundar em gestos e palavras de solidariedade. Os ditadores adoram afagos, mas os democratas devem abster-se de fazê-los.

* Luiz Felipe Lampreia foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC.

Ha' um "risco Brasil": ele se chama Governo Companheiro...

Não tenho muito a comentar sobre este post, a não ser o que sempre venho dizendo: a maior fonte de volatilidade econômica não são os capitais especulativos, mas a política econômica do governo.
Política? Econômica? You're kidding!
Paulo Roberto de Almeida

Intervencionismo

16 de março de 2013 | 2h 12
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
 
O governo Dilma acordou para a enorme necessidade de ampliação do investimento. Mas vai esbarrando na relutância dos empresários em se atirar à empreitada e em mobilizar seu espírito animal.

Eles elogiam a nova música que vai sendo entoada em Brasília, garantem que vão executar a partitura e, no entanto, ficam à espera de melhores condições.

As razões reconhecidas dessa falta de entusiasmo são duas: (1) a falta de retorno compensador para os negócios, dadas as condições da economia; e (2) o excessivo intervencionismo do governo na iniciativa privada, que subverte marcos regulatórios e cria a insegurança.

As queixas sobre o ativismo excessivo têm dois níveis. O primeiro deles tem a ver com os fundamentos macroeconômicos. E o segundo, com o forte protagonismo do governo federal nos negócios.

Sobre o primeiro nível, o que se pode dizer é que a segurança dos investimentos é dada, em larga medida, por uma boa administração das finanças públicas (marco fiscal); por estabilidade nas regras do câmbio; e por um rígido controle da inflação - algo que depende de clareza na condução da política monetária (política de juros).

Sobre a estabilidade desses três pilares vêm pairando dúvidas crescentes e um progressivo desarranjo geral da economia. A todo momento, o governo vem se sentindo obrigado a negar que haja problemas com o câmbio flutuante, com o cumprimento das metas do superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) e com a observância das metas de inflação. No entanto, uma hora o governo puxa as cotações do câmbio para o alto com o objetivo de dar mais competitividade à indústria. E, logo em seguida, as derruba para ajudar a combater a inflação. Os compromissos fiscais têm sido atropelados com manobras contábeis esquisitas, como aconteceu em 2012. E o Banco Central se comporta como se uma meta de juros fosse mais importante do que a meta de inflação e já não consegue ancorar as expectativas. Em outras palavras, o governo federal vem mexendo de tal forma nos fundamentos da economia que deixa sérias dúvidas sobre a consistência da política econômica.

O outro nível de intervencionismo que suscita retração do investidor são as iniciativas temporárias e arbitrárias de distribuição de favores tributários e de créditos de longo prazo - aquilo que esta Coluna outras vezes chamou de "política do puxadinho". Ora favorecem alguns setores, como a indústria de veículos e de aparelhos domésticos; ora empresas eleitas previamente para se transformar em futuras vencedoras à custa das demais.

São decisões como essas que deixam muito flácidas as regras do jogo e que criam insegurança ou porque podem ser retiradas a qualquer momento e, assim, deixar o investidor "com a brocha na mão"; ou porque são discricionárias e permitem que alguns se tornem artificialmente mais competitivos do que os outros.

O diabo é que os dois níveis de intervenção na economia sempre se compõem para criar instabilidade e mais insegurança. Assim, fica difícil calcular retorno e riscos de um negócio e a tendência dos investidores ou é de alguma maneira compensar-se pelo aumento do risco - o que implica aumento de custos para a economia - ou simplesmente adiar os investimentos.

A Grande Convergencia; Fim da Divergencia? - Book Review (WSJ)

Não concordo, integralmente, com todos os argumentos de Mahubani, embora, no geral, ele tenha alguma razão, ou seja, o mundo está se diversificando, com maior crescimento na Ásia Pacífico e menor nos países do velho capitalismo ocidental. Mas não estou seguro que estes últimos estejam condenados a serem suplantados pelos da região asiática. Algumas evidências são aplastantes, mas não podemos descartar a economia da inteligência por causa de alguns indicadores ainda baseados na produção material de bens e serviços. 
Quem, infelizmente, fica de fora dessas tendências decisivas para a economia mundial é a América Latina. Parece que estamos condenados a estacionar, como aliás fizemos no último meio século.
 Paulo Roberto de Almeida

A New Concert of Nations

In 1990, a billion people earned enough income to consider making discretionary purchases. By 2010, the figure had more than doubled.

The Indian scholar Brahma Challaney recently gave a talk at the Asia Society in New York about the coming global water-supply crisis. It was a dispiriting forecast: drought and pollution, even wars over water. That same morning brought dreary news from other fronts: a fresh threat from North Korea, another atrocity in Syria, a frightening smog alert from Beijing.
Anyone feeling the weight of the world's woes will be grateful for Kishore Mahbubani's "The Great Convergence," a sweeping survey that proves to be, in large measure, a counterweight to global gloom and doom. Mr. Mahbubani, dean of the Lee Kuan Yew School of Public Policy in Singapore, is under no illusions about the troubles we face, but he takes the longer view, reaching back a few decades to see an upward trend and to marvel at how far we have come.
Under Mr. Mahbubani's lens, we see a plunge in the rates of extreme poverty and early-childhood deaths; a rise in literacy; a drop in the number of armed conflicts. "Major interstate wars," says Mr. Mahbubani, "have become a sunset industry." The good-news numbers are remarkable. In 1990, one billion human beings earned enough income to consider making discretionary purchases beyond mere necessity; by 2010, the figure had more than doubled. Mr. Mahbubani has lived this change. He was raised, he says, in "a typical third world city . . . [with] no flush toilets, some malnutrition, ethnic riots and, most importantly of all, no sense of hope for the future." The city was Singapore, today an economic juggernaut with a per-capita income that outranks America's.
imageSuch statistics are presented as evidence of a "great convergence," a phrase that Mr. Mahbubani first spotted in a Financial Times column by Martin Wolf, in which the columnist was describing a convergence of global interests, values and economic fortunes. Of course, nothing says "convergence" like the rush to connectivity, and while we know this story well, Mr. Mahbubani's treatment still startles: Eleven million cellphone subscriptions, world-wide, in 1990; 5½ billion today. In 1985 the world's fastest computer, the Cray 2, the size of a washing machine, was prohibitively expensive and required coolants to avoid overheating. Today the Cray 2's match is the iPad 2, and it runs on 10 watts of power.
The Great Convergence By Kishore Mahbubani
(PublicAffairs, 315 pages, $26.99)

Mr. Mahbubani is a big-picture writer and thinker, a Thomas Friedman with a strong Asian perspective, and like Mr. Friedman he is inclined toward the aphorism or analogy. When he eventually leaves his world-is-improving narrative to fret about future geopolitics, he does so with a maritime metaphor: "People no longer live in more than one hundred separate boats. Instead they all live in 193 separate cabins on the same boat. But this boat has a problem. It has 193 captains and crews, each claiming exclusive responsibility for one cabin. However, it has no captain or crew to take care of the boat as a whole."
This passage sounds Mr. Mahbubani's second theme: If we are gaining ground and converging in inspiring ways, we still lack an effective architecture for global governance. The need is critical, Mr. Mahbubani believes, because that metaphorical boat may soon run into an iceberg. The new arrivals in the Asian middle class, for example, will expect the trappings of success: a car, a refrigerator and so on, and our planet won't be able to support them. For Mr. Mahbubani, the answer is some kind of global stewardship, one especially concerned with the environment, the economy and security. In short, we need a global referee.
But how to get there? Mr. Mahbubani skewers existing structures—the United Nations, the International Monetary Fund, the G-20—as either ineffectual or beholden to the great powers. The largest carbon emitters, to take a favorite example, have rejected global protocols (the U.S.) or signed them and pursued a "development first" strategy (China and India). It's hard to argue with Mr. Mahbubani on that point but also hard to see how a new global architecture is possible when the great powers aren't interested.
One great power, of course, is particularly uninterested, and in these pages Mr. Mahbubani casts the U.S. as an arrogant actor, a hegemon with no patience for multilateralism. Here his argument weakens from overreach. America's frustration with the U.N. is not, as he argues, merely a matter of self-interest; it is also rooted in real concerns about mismanagement and certain U.N. policies. As for Mr. Mahbubani's charge that the U.N. acts only "when the residents of Park Avenue" (his phrase for the five permanent members of the Security Council) are affected, that just isn't so. We have seen U.N. interventions in Somalia, Kosovo and Libya, none of which was exactly a "Park Avenue" interest.
But Mr. Mahbubani has a good idea for reforming the Security Council itself (a kind of staggered, tiers-of-influence plan), and he has good questions for Americans. Are we ready to accept being "No. 2" on the global stage, at least by certain metrics? In fewer than five years China's share of global income (only 2% two decades ago) will surpass that of the U.S., and yet the political discourse in America suggests an unwillingness to face that outcome, let alone plan for it. "The West will not lose power," Mr. Mahbubani writes. "It will have to share power."
In the end, he remains hopeful because he really believes it's the long view that matters. If Southeast Asia—a war-torn, poverty-riven corner of the globe only a half-century ago—is today a region of peace and prosperity, then, Mr. Mahbubani believes, much else is possible. "In this rapidly changing world of ours," he writes, ". . . miracles can happen."

Mr. Nagorski is executive vice president of the Asia Society and the author of "Miracles on the Water: The Heroic Survivors of a World War II U-Boat Attack."
A version of this article appeared March 20, 2013, on page A13 in the U.S. edition of The Wall Street Journal, with the headline: A New Concert Of Nations.
 

A ideologia do brasileiro: conservadorismo distributivista - Ruda Ricci

O título do post é meu, e o título correto do autor está abaixo.
Acredito que os argumentos são basicamente corretos, embora a realidade política, econômica, social e sobretudo ideológica é sempre mais complexa do que algumas frases analíticas e explicativas, mas concordo no geral, embora tenha tendência a sofisticar a análise introduzindo o componente poder estatal, que me parece bem mais poderoso do que a ação de partidos ou de líderes partidários.
Paulo Roberto de Almeida 

A direita que o Brasil não tem

Rudá Ricci
Blog, 19/03/2013
 
Participei, ontem, do Mundo Político, programa de análise da TV ALMG (da Assembléia Legislativa de MG). Em determinado momento, ponderei que o eleitor brasileiro é majoritariamente conservador, na verdade, ultraconservador, no que fui retrucado pela jornalista Vivian Menezes que ponderou que os partidos não gostam de ser identificados como direita. Gostaria de explorar um pouco esta possível contradição.

De fato, se identificar como direita é impopular. Mas, por qual motivo? Historicamente, a ideologia partidária mais à direita tem um viés ultraliberal do ponto de vista econômico. E é aí que se conflita com o pensamento conservador da maioria dos brasileiros. O ideário popular está mais para o perfil do Papa Francisco: muito conservador do ponto de vista do comportamento, muito severo na conduta administrativa da igreja, mas critica duramente a pobreza, a desigualdade e a ostentação. É a segunda parte deste ideário que pega em nosso país. Arriscaria dizer que é a base da formação católica brasileira. O discurso neopentecostal, que amealha progressivamente corações e mentes pode até mudar esta realidade, mas ela ainda é muito poderosa em nosso país. Parte da enrascada dos tucanos está vinculado a este discurso quase yuppie que o afasta da lógica popular (destaco, para não haver confusão, que não considero o PSDB de direita ou ultraconservador).

O ideário ultraconservador brasileiro é, portanto, tortuoso, marcado pela compaixão e pela ordem e pela negação da ampliação dos direitos civis. Não é marcado pela lógica competitiva do mercado, pela eficiência e sucesso. Embora tenhamos sempre a "festa" em mente (aliás, é muito interessante este traço esquizofrênico na base de nossa cultura no livro Entre a Luxúria e o Pudor, de Paulo Sérgio do Carmo) que faz de nossa referência religiosa um permanente sincretismo.

O ponto fraco da tentativa de representação do conservadorismo popular brasileiro está no ideário econômico nos candidatos à liderança política desta ideologia.

Um erro intelectual. Aliás, mais um erro que os intelectuais da direita tupiniquim cometem, justamente porque são pós-modernos em demasia.

ver site de Rudá Ricci em
http://rudaricci.blogspot.com.br/2013/03/a-direita-que-o-brasil-nao-tem.html

Um diagnostico economico realista do Brasil - Fernando Ulrich

Pena que só vim a tomar conhecimento deste artigo analítico quase três meses depois de sua elaboração. Alguns dados ainda estavam por vir, mas toda a análise foi confirmada pela liberação dos números completos relativos a 2012, e que só se agravaram desde então, notadamente inflação, retração dos investimentos, deterioração das contas públicas e das transações correntes.
O Brasil é um Titanic comandado por incompetentes a caminho do seu iceberg. E o pior é que foram os próprios keynesianos de botequim, no comando da economia, que fabricaram o iceberg: nenhum dos escolhos à vista se desprendeu dos gelos árticos, todos eles foram fabricados sob o sol tórrido do Planalto Central.
Não é uma maravilha? Temos vários fabricantes de icebergs econômicos em pleno cerrado central...
Paulo Roberto de Almeida

O que deu errado no Brasil em 2012 e o que está por vir
Instituto Ludwig Von Mises Brasil, sexta-feira, 28 de dezembro de 2012



wallpaper_brasil_bola_de_futebol_38491.jpgO artigo a seguir foi extraído do um boletim informativo mensal escrito para a empresa VOGA.
De acordo com as mais recentes estimativas, a economia brasileira deve apresentar um crescimento do PIB de não mais do que 1% em 2012.  Os números recentemente divulgados para o terceiro trimestre surpreenderam negativamente o governo, o qual, segundo as palavras do próprio ministro Guido Mantega, havia previsto um crescimento anualizado de 2% — e tudo isso apenas três dias antes de o IBGE divulgar seus dados. 
Com efeito, o pavoroso histórico de Mantega em prognosticar os números da economia solapou sua credibilidade a tal ponto, que a revista britânica The Economist abandonou seu notório entusiasmo em relação ao Brasil e sugeriu a Dilma que demitisse Mantega de seu cargo na Fazenda.
Dado que os prognósticos para o PIB de 2013 também foram revisados para baixo, é de se pensar: o que houve com a famosa "decolagem" da economia brasileira celebrada pela própria The Economist na capa de sua edição de 12 de novembro de 2009?  Por que a economia brasileira teve um ano tão ruim?
theeconomistbraziltakes.jpgAlguns argumentam que a culpada de tudo é a crise financeira mundial.  Mas, se é assim, então como é que outras economias emergentes estão crescendo muito mais rápido que o Brasil?  Similarmente, poderíamos argumentar que o acentuado crescimento da economia brasileira em 2010 deveu-se a uma pujante economia global, certo?  Seria a atual situação culpa da China e seu mais vagaroso crescimento?  Muito difícil e ilógico, pois o superávit comercial do Brasil em relação à China é de apenas 0,6% do PIB.  Logo, ao contrário do que se imagina, as dificuldades brasileiras não devem ser procuradas no exterior.  Os problemas brasileiros são domésticos.  E Brasília está no epicentro desta situação aflitiva.
A julgar a quantidade e a frequência de novas medidas anunciadas pelo governo em 2012, um estrangeiro imaginaria que o Brasil está enfrentando uma severa crise.  O governo concedeu vários incentivos fiscais para seus setores favoritos, os impostos sobre empréstimos estrangeiros foram meticulosamente manipulados, o Banco Central interveio seguidamente no mercado de câmbio, a taxa oficial de inflação — o IPCA — foi manipulada por meio de alterações nas alíquotas de impostos que incidem sobre vários produtos, os preços vigentes em vários setores sofreram interferência estatal, a dívida e o déficit público foram "controlados" por meio de criativos mecanismos contábeis, os bancos públicos foram obrigados a expandir o crédito para satisfazer interesses políticos, as importações foram restringidas, as exportações foram subsidiadas, empresas estatais e privadas operaram sob ordens diretas da Fazenda (Petrobras e Vale, para ficar nas principais), e, finalmente, as tarifas de energia elétrica foram reduzidas por decreto.  Todas essas medidas representam apenas um vislumbre da hiperatividade exercida pelo atual governo brasileiro sobre a economia.
Uma das principais consequências de toda esta interferência estatal na economia é a incerteza que ela gera.  Investir nesse cenário requer não apenas uma ótima dose de julgamento empreendedorial, mas também de percepção política, de modo que um empreendedor deve estar plenamente apto a adivinhar o que o governo fará a seguir.  Não deveria ser nenhuma surpresa, portanto, a estagnação da economia, uma vez que o investimento é uma das principais variáveis que derrubou o PIB do terceiro trimestre. 
A persistente inflação de preços
No artigo de maio, havíamos dito que havia uma grande chance de o Banco Central conseguir atingir a meta do IPCA (4,50%) ao final deste ano.  Hoje está claro que essa previsão foi incorreta. 
O problema é que subestimamos completamente a capacidade do Banco Central de inflacionar a oferta monetária.  Embora a expansão do crédito esteja arrefecendo, a impressora sob o comando do senhor Alexandre Tombini está operando em alta rotação.  Literalmente.  Desde maio de 2012, a quantidade de papel-moeda em poder do público vem crescendo firmemente a uma taxa anual superior a 10%.  Nos últimos 15 anos, a média de crescimento desta variável foi de 15%.  Poucos bancos centrais no mundo conseguem igualar este recorde.
E o que os números oficiais nos dizem?  Uma semana após o IBGE ter publicado os desanimadores números do PIB, o IPCA de novembro foi divulgado: 0,60%, o que totalizou um aumento de 5,53% nos últimos 12 meses.  Outra grande frustração para o governo.
Talvez o maior perigo em potencial trazido pela atual tendência inflacionária esteja na chamada Lei de Goodhart — assim nomeada em homenagem a Charles Goodhart, ex-assessor do Banco Central da Inglaterra —, a qual diz que uma vez que um indicador social ou econômico adquire status de meta de política econômica, ele perde o conteúdo informativo que outrora o qualificara a servir como meta.  Em outras palavras, tão logo um indicador é escolhido para mensurar a eficácia de políticas sociais e econômicas, ele irá perder todas as informações significativas que ele fornece, pois o governo irá manipulá-lo como mais lhe aprouver.
Boa parte das reduções de impostos adotadas este ano afeta diretamente o IPCA.  O mesmo vale para o preço da eletricidade, que possui um peso considerável no índice de inflação oficial.  Adicionalmente, e nada surpreendentemente, o senhor Mantega já começou a questionar o IBGE a respeito de seus números para o PIB.  De fato, parece que Charles Goodhart tinha razão.
Com a taxa SELIC permanecendo em 7,25% por um bom período de tempo, e com os agregados monetários (base monetária e M1) crescendo aproximadamente 10% ao ano, será necessária muita engenhosidade para trazer o IPCA para mais perto de sua meta de 4,50% em 2013.
Taxa de juros, crédito e bancos públicos
Sei que a questão do crédito bancário já foi abordada extensivamente em outros artigos, mas como o governo simplesmente não consegue deixar se intrometer neste setor, é impossível evitar comentar o quão equivocada é esta política e o quão perigosa ela pode ser para a saúda da economia, pública e privada.  Em abril, chamamos atenção para a reestatização do crédito que estava sendo implementada.  Desde então, tal tendência não foi revertida.  Muito pelo contrário: dada a perseverança do governo em pressionar os bancos estatais a oferecerem empréstimos baratos e abundantes, a quantidade de crédito sob controle estatal será rapidamente a metade do crédito total no país.  Adeus "economia de mercado".
O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal estão adquirindo novas fatias de mercado, especialmente no ramo de empréstimos ao consumidor, ao passo que os bancos privados seguem relutantes em se curvar às exigências do governo e reduzir ainda mais seus spreads.  Enquanto os empréstimos dos bancos privados para os consumidores cresceram 6% em 12 meses, os bancos estatais aumentaram seus empréstimos em quase 30% durante este mesmo período.
Ainda em meados do ano passado, antecipamos que o BB e a CEF necessitariam, mais cedo do que os analistas imaginavam, de uma injeção de capital do governo, caso contrário sua alavancagem e seu índice de Basileia piorariam.  Em setembro, o Tesouro anunciou que ambas as instituições ganhariam R$8 e R$13 bilhões respectivamente, em capital híbrido cujos termos "seriam decididos pelo Ministro da Fazenda em uma data posterior".
Não obstante, mesmo com todas estas medidas extraordinárias para aumentar os empréstimos e reduzir os spreads, esta fonte de (insustentável) crescimento está atualmente exaurida.  As famílias brasileiras estão fortemente endividadas.  Graças aos pequenos prazos concedidos aos empréstimos e às altas taxas de juros cobradas, os brasileiros comprometem mais de 20% de sua renda disponível para o serviço de suas dívidas, praticamente o dobro da média americana.  Isso explica parcialmente por que o crédito vem crescendo a um ritmo mais moderado, não obstante todos os esforços do governo; a demanda por empréstimos não pode ser estimulada magicamente.  Portanto, do lado da demanda, o governo parece incapaz de reativar o PIB.
E quanto ao lado da oferta?  Pode o investimento fazer o PIB crescer, como fez em 2010?  Sim, isso é possível, mas à custa de uma alocação de capital totalmente errônea e insustentável, descolada da genuína demanda — mais especificamente, à custa de investimentos ruins.  Vamos explicar.
Durante a última década, houve três momentos em que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu a uma taxa muito mais alta do que a de sua média de 5,4% ao longo dessa mesma década: em 2007, quando chegou ao seu até então pico de 13,9%; em 2008, quando foi de 13,6%; e finalmente em 2010, quando chegou a incríveis 21,3%.  Esta foi a primeira vez desde a introdução do real em que a FBCF aumentou mais de 20% — resultado direto das taxas de juros historicamente baixas e da generosa caridade do BNDES para com as grandes empresas.  Em outras palavras, uma precificação errada do capital estimulou uma profusão de investimentos no Brasil.
Na maioria dos países, as taxas de concessão de crédito tendem a andar em simultâneo com o crescimento nominal do PIB.  "A maneira de entender isso", escreveu Jim Walker, fundador e presidente da Asianomics Ltd., "é que a taxa de crescimento do PIB (renda) deve ser suficiente para sustentar o serviço da dívida.  Ela é também um sinal para os produtores: o capital não é gratuito".
Gillem Tulloch, analista da Forensic Asia, empresa irmã da Asianomics, explica que "uma taxa de juros livre de risco é geralmente similar à taxa de crescimento nominal do PIB, o qual é um bom substituto para a taxa de crescimento dos lucros".  Assim, em economias em que "há menos repressão financeira", conclui Tulloch, "o crescimento nominal do PIB e a taxa de juros livre de risco geralmente são similares".
No Brasil, um bom mensurador para o custo do capital é a taxa do CDI (Certificados de Depósito Interbancário — taxa de juros para empréstimos interbancários, os quais são lastreados por títulos do Tesouro).  Durante a maior parte da década, as taxas do CDI se mantiveram bem acima do crescimento nominal do PIB (gráfico 1), o que implicava um alto custo para o capital.  O pequeno prazo de maturação da dívida pública (gráfico 2) e as altas expectativas inflacionárias certamente contribuíram para este fenômeno.
Gráfico 01.jpg
Gráfico 1

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Gráfico 2
O que os anos de 2007, 2008 e 2010 têm em comum é que, durante a maior parte deste período, as taxas do CDI foram menores que a taxa de crescimento nominal do PIB (gráfico 1), o que sugere que o capital estava precificado abaixo do seu real valor de mercado.  O pequeno boom econômico daqueles anos produziu a consequente estagnação de 2011 e 2012.
Portanto, considerando-se a tépida atividade econômica, pergunta-se: como exatamente o governo está tentando fazer o investimento voltar à sua trajetória de crescimento?  Exato, você acertou.  Estimulando novas rodadas de crédito abundante e barato.  Precificar o capital a um valor abaixo do de mercado é a política oficial do governo.  
O grande elefante na loja de porcelana
Já mencionamos a injeção de capital no BB e na CEF.  Agora temos de abordar o grande elefante na loja de porcelana: o BNDES.  Desde 2009, como parte do anticíclico Programa para a Sustentação do Investimento (PSI), o Tesouro transferiu quantias colossais de dinheiro para o banco de desenvolvimento.  De início, tudo seria apenas temporário.  No entanto, a cada ano, o programa foi sendo prolongado.  Em 2013, já é esperado que o BNDES irá receber mais R$100 bilhões do governo.  Isso não é mixaria.  Atualmente, os empréstimos concedidos pelo BNDES representam um quinto do crédito total no país.  E o que é ainda mais perturbador é o fato de que o Tesouro Nacional tem sido a principal fonte de financiamento para o BNDES, e suas concessões de crédito têm sido direcionadas majoritariamente para as indústrias favoritas do governo, empresas grandes que não teriam dificuldades para obter crédito no mercado.
Para intensificar os problemas, o capital está sendo precificado a valores cada vez menores.  Em 2013, a taxa de juros para os empréstimos subsidiados estará entre 3 e 5%, em termos nominais.  Isso significa taxas de juros reais negativas.  Ou seja, o governo está basicamente pagando as grandes empresas para que elas peguem dinheiro emprestado.  Outros programas federais constitucionalmente obrigatórios estão oferecendo empréstimos a uma inacreditável taxa de 2,5%.  Em suma, o capital é realmente gratuito — quando concedido pelo governo, é claro.
Voltando à nossa pergunta sobre o PIB, pode o investimento fazer com que ele cresça a uma taxa maior em 2013?  É claro que pode.  Mas com o capital sendo concedido a custo quase zero, investimentos errôneos e insustentáveis serão a consequência natural.  Algumas empresas serão claramente beneficiadas, talvez setores inteiros; mas isso não pode fazer com que toda a economia fique mais rica.  Portanto, embora o investimento privado possa aumentar em 2013, isso ocorrerá à custa de menores investimentos em conjunto com a liquidação de investimentos ruins em um período posterior.  É impossível precificar erroneamente o capital e ao mesmo tempo evitar as necessárias correções na estrutura de produção da economia. 
Infelizmente, as consequências de longo prazo destas políticas não serão limitadas ao setor privado: as finanças públicas do Brasil dificilmente passarão incólumes.
A situação fiscal do governo, ao contrário das alegações, não está nada em ordem
A tendência é bastante clara: a dívida líquida do Brasil em relação ao PIB tem estado em declínio ao longo dos anos.  Guido Mantega e sua equipe não se cansam de ostentar os números (gráfico 3).  Mas o que eles nunca mencionam são os créditos concedidos pelo Tesouro ao BNDES e a outros bancos estatais, que chegam a quase R$400 bilhões, praticamente 25% do total da dívida líquida.  Quando se leva estes números em consideração, a dívida líquida em relação ao PIB sobe de 35,2% para 44,1%. 
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Gráfico 3
No entanto, alguns podem argumentar que, dado que tais empréstimos são um ativo do governo, seria perfeitamente justificável levá-los em consideração no cálculo.  Certo? 
Errado.
Além do custo fiscal trazido pelas taxas caridosamente subsidiadas pelo Tesouro, o BNDES pega dinheiro emprestado do governo (o Tesouro emite títulos para conseguir este dinheiro) a um período médio de amortização de mais de 30 anos.  Não, não houve nenhum erro de digitação aí.  São realmente trinta longos anos.  Paralelamente, a dívida pública possui um prazo médio de duração de quatro anos. Consequentemente, o governo tem de refinanciar esses R$400 bilhões a cada quatro anos para poder dar continuidade às extravagâncias do BNDES, e ele tem de repetir este processo mais sete vezes antes de o banco de desenvolvimento começar a devolver ao Tesouro seus primeiros centavos.
O BNDES certamente já deixou sua marca na história do sistema bancário mundial.  Ele alcançou o nirvana almejado por qualquer banqueiro: toma empréstimos a prazos extremamente longos, concede empréstimos de maturação bastante curta, e, em todo este processo, aufere altos lucros oriundos de um spread positivo.
Do lado do Tesouro, embora a dívida líquida apresente trajetória declinante, a dívida bruta segue crescente, e já chegou aos 60% do PIB.  Mas ninguém do governo se incomoda com este coeficiente.  Tudo o que importa é que a dívida líquida está visivelmente em um caminho cintilante.  Para entender melhor a absurdidade desta métrica, considere isso: caso o Tesouro transferisse R$1,5 trilhão para o BNDES, a dívida líquida do Brasil em relação ao PIB iria instantaneamente cair para zero.  Esperemos que o senhor Mantega jamais leve este exemplo hipotético a sério.
Por outro lado, há um quesito que ele poderia levar bastante a sério: a meta do superávit primário (gráfico 4), o qual, diga-se de passagem, também vem apresentando um declínio contínuo.  Só que, neste caso, isso não é um bom sinal.  Desde a introdução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo astutamente aprovou uma legislação que o permite "descontar" os investimentos do PAC do cálculo do superávit primário sempre que se tornar claro que a meta não será alcançada.  Em 2012, mesmo após ter recorrido a este subterfúgio, o Tesouro dificilmente irá alcançar a meta de 3% de superávit primário em relação ao PIB.  Por sorte, a acentuada redução da taxa SELIC está aliviando o custo dos juros sobre a dívida pública, fazendo com que o déficit nominal em relação ao PIB se mantenha relativamente estável em 3%.
Gráfico 04.jpg
Gráfico 4
No entanto, o verdadeiro déficit jamais é mencionado.  Quando levamos em conta a necessidade de se refinanciar a dívida, isto é, a dívida que deve ser rolada em um dado período, o déficit real sobe para estonteantes 18,2% do PIB, um nível apenas ligeiramente menor do que aquele que levou os PIIGS ao seu calvário (para mais detalhes sobre este processo, ver este artigo).  Ao contrário destes problemáticos países europeus, o Brasil já paga uma alta taxa de juros sobre sua dívida, o que o permite rolar com mais facilidade suas obrigações vincendas.  Pelo menos por ora.
Mas como os atuais incentivos fiscais irão impactar as finanças do governo nos anos vindouros?  Nem mesmo o governo se arrisca a dizer.  Não nos entenda mal, somos sempre a favor de uma redução na carga tributária.  No entanto, não da maneira improvisada como ela foi feita neste ano.  Ademais, reduzir as receitas do Tesouro sem uma concomitante redução nos gastos é uma política extremamente perigosa.
O que ainda está por vir
Há uma outra tendência preocupante que poucos economistas estão abordando: a acumulação de empréstimos feitos por bancos estatais para entidades federais e estaduais, bem como para governos estaduais.
Uma fonte fundamental para a inflação monetária dos anos 1980 e 1990, os hoje extintos bancos estaduais regionais tinham de ser constantemente socorridos pelo Banco Central em decorrência de seus temerários empréstimos para os governos estaduais e para suas respectivas estatais, operação esta que equivalia a criar dinheiro e desperdiçá-lo.  Com enorme frequência, tal operação significava emprestar para seu próprio acionista — os respectivos estados.
Com as reformas estruturais dos anos 1990, estes bancos foram ou liquidados ou privatizados, e a quantidade de empréstimos que podiam ser tomados por governos estaduais foi limitada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, reduzindo essa questionável prática a um mínimo.  Mas isso já mudou.  Tendo crescido a uma taxa de 50% em relação ao ano passado, já há um total R$100 bilhões concedidos via empréstimos ao setor público.  Há algum banco privado bancando este risco?  Duvidoso.  Para ser mais exato, bancos estatais são responsáveis por nada menos que 98% do dinheiro emprestado ao setor público.
E tem mais.  Guido Mantega recentemente aprovou um aumento da tolerância fiscal para a maioria dos estados, permitindo que eles pegassem mais empréstimos e aumentassem o investimento público.  Trata-se de uma clara violação da Lei de Responsabilidade Fiscal.  Consegue ouvir os passos do elefante?  Consegue ouvir as porcelanas sendo destroçadas?  Não há mais necessidades de os estados recorrerem ao setor privado; o BNDES irá financiar a farra creditícia.
Podemos agora finalmente responder à pergunta sobre se o investimento irá elevar o PIB do próximo ano.  Francamente, cremos que sim.  Tanto o investimento privado quanto o público tende a crescer.  O primeiro devido à sub-precificação do capital; o último em decorrência da nova e confortável relação com os bancos estatais.  No entanto, a qualidade destes investimentos é uma questão totalmente à parte.
Para onde estamos indo
A menos que ocorra uma súbita e acentuada alteração de rota, a economia brasileira não está indo para um caminho de desenvolvimento sólido.  Falando mais claramente, o governo está se intrometendo em tudo.  As reformas macroeconômicas feitas com a introdução do Plano Real foram as mínimas necessárias para permitir algum desenvolvimento econômico.  Agora já voltou a ficar claro que existem muitos gargalos.  O custo Brasil não pode ser resolvido por meio de microgerenciamentos da economia.  Adicionalmente, ao suprimir o mecanismo de preços em vários setores, desde eletricidade até petróleo, passando por telecomunicações, o governo está apenas provocando escassez quando tudo o que ele mais quer é abundância.
Certamente não é nossa crença que a estabilidade macroeconômica e o crescimento do PIB brasileiros observados ao longo dos últimos 15 anos se devem majoritariamente a um boom no setor de commodities, liderado pela China.  Para surfar a onda gerada por um boom nas commodities, nossa prancha de surfe tem de estar em bom estado.  Foram precisamente as reformas estruturais feitas nos anos 1990 e no início da década de 2000 que garantiram um sólido fundamento para a estabilidade, a qual, no final, permitiu que o país se beneficiasse de uma economia global em franco crescimento.
No entanto, desde o advento da presidência de Lula, nenhuma reforma estrutural foi feita.  E não há nenhuma reforma estrutural na agenda do atual governo.  Com o risco de soarmos repetitivos, insistimos que as reformas macro — legislação trabalhista, tributária, previdenciária etc. — são essenciais para garantir um crescimento econômico sólido e sustentável.
Considerando a visão de mundo de Dilma e de seu partido, em conjunto com suas aparamente altas taxas de aprovação, é de se temer que Guido Mantega e sua equipe econômica continuem insistindo nestas políticas fracassadas.  Lentamente, porém resolutamente, o PT está solapando os fundamentos da estabilidade econômica implementados durante o governo FHC.
Não obstante, o Ministro da Fazenda prometeu manter sua postura keynesiana, e dar continuidade à política de fornecer mais estímulos à economia.  O que ele parece não entender é que tudo o que a economia mais precisa é da remoção dos desincentivos ao investimento, e não de mais intervenções para tentar remediar as fracassadas intervenções passadas.
Se seu investimento só é viável com empréstimos concedidos a juros de 2,5%, e sob generosas condições, então seu investimento não é viável em termos normais.  E se ele não é viável, é porque ou não há demanda para seus produtos ou a carga tributária faz com que ele não seja lucrativo.  Se a carga tributária é a culpada, então está claro por que o investimento não é tão alto quanto o governo gostaria que fosse.  Tornar empreendedores viciados em crédito barato e farto não irá curar essa indisposição.  Tampouco seria uma solução racional fazer o governo empreender faustosos investimentos públicos.  Tal medida representaria apenas o desperdício de recursos escassos e a alocação errônea e insustentável de capital.  Falando nisso, a um ano e meio do início da Copa do Mundo de 2014 e com várias obras de infraestrutura ainda com considerável atraso, 2013 promete ser um ano repleto de devassidão com o dinheiro dos pagadores de impostos.
Muitos podem dizer que esta visão é "pessimista".  Mas não é.  Se o governo alega que irá reduzir as tarifas de eletricidade e ao mesmo tempo fazer com que a energia seja abundante por meio da imposição de controle de preços, deveríamos nos ajoelhar e rezar pedindo para que "desta vez funcione"?  Ou você entende as consequências das políticas públicas e passa a agir correspondentemente, ou você ingenuamente se entrega à esperança de que, por algum motivo inaudito, o resultado desta vez será diferente.
Mas ainda é possível permanecer otimista em relação a qualquer setor que ainda não tenha sido tocado pelo governo.  O desafio, no entanto, é descobrir qual seria esse oásis econômico no Brasil.

Veja também: A economia brasileira - um resumo de final de ano

Fernando Ulrich formado em administração de empresas pela PUC-RS, concluiu em julho de 2010 o programa de mestrado em economia austríaca comandado por Jesús Huerta de Soto em Madri, Espanha.  Atualmente trabalha no mercado financeiro. Mande-lhe um e-mail.

Back to the Past! To the Past??? Yes... - Rodrigo Constantino

E olha que, não tendo um Bob Zemeckis no comando da economia, temos mesmo de escorregar na manteiga.
Eu também acho que, em matéria de protecionismo comercial, por exemplo, já voltamos aos anos 1970, na esteira da Argentina. Não sei quando a seguiremos em direção aos anos 1930, onde ela já está, em matéria de controle de capitais e de manipulações cambiais...
Back to the past, quick...
Paulo Roberto de Almeida 

ECONOMIA
De volta ao passado
Rodrigo Constantito
O Globo, 19/03/2013

Acelerei a minha máquina do tempo DeLorean e regressei aos anos 80. Às vezes, precisamos mergulhar no passado para prever o futuro.

Um senhor bigodudo era o presidente. Vi na televisão o anúncio de um novo plano econômico, chamado “Cruzado”. Entre as principais medidas, estava o congelamento de preços e da taxa de câmbio. Maria da Conceição Tavares, assessora do Ministério do Planejamento, chorou de emoção diante das câmeras da TV Globo. Literalmente.

A euforia era contagiante. Muitos pensavam que um novo Brasil estava sendo construído, mais justo e mais próspero. Mas a realidade...

Essa ingrata não permite que as leis econômicas se submetam aos caprichos políticos. O congelamento de preços levou à escassez, e nas prateleiras começaram a faltar produtos. O que fazer?

Claro que a culpa só podia ser da ganância dos empresários, esses insensíveis que só querem lucrar. Mas o homem do bigode tinha a solução: caçar bois no pasto! Afinal de contas, não podemos deixar faltar carne no açougue. Há estabelecimentos desrespeitando o preço tabelado? Simples: fiscais do governo para controlar esses perversos!

Alguns economistas coçavam a cabeça, perplexos. Eles sabiam que nada daquilo funcionaria. Não se ignora as leis econômicas impunemente.

Não eram os “desenvolvimentistas” da Unicamp, os mercantilistas ou os adeptos da “teoria da dependência”. Esses tinham receitas parecidas, pensando que o governo é uma espécie de sábio clarividente que pode simplesmente decretar o progresso da nação.

Mas o importante é constatar que havia lucidez em meio a tanta euforia irracional. Infelizmente, tal como Cassandra, seus alertas eram ignorados. A turma estava empolgada demais com o futuro prometido, com a sensação de esperança. Apontar que o rei está nu é estragar a festa de muita gente míope e embriagada.

Após essa experiência nostálgica, retornei ao presente. Liguei a TV e vi que o bigodudo ainda estava lá, com tanto ou mais poder concentrado nele. Vi também que aquela mesma economista com sotaque de Portugal era extremamente respeitada e vista como uma mentora pela própria presidente. “Memória curta dessa gente”, pensei.

Depois notei que nossa taxa de câmbio praticamente não oscila mais, e que a inflação fica acima da meta o tempo todo, mesmo com crescimento pífio da economia. Mas o Banco Central nada faz, preferindo manter a taxa de juros reduzida, claramente por razões eleitoreiras.

Em seguida, vi o ministro Guido Mantega avisando que iria fiscalizar se as desonerações fiscais eram mesmo repassadas para o preço final. Déjà Vu! Tive calafrios na espinha.

Quer dizer que o próprio governo faz de tudo para despertar o dragão inflacionário, estimulando o crédito público, criando barreiras protecionistas, aumentando gastos, reduzindo artificialmente os juros, e depois pensa que vai segurar a inflação com fiscalização?

Qual será o próximo passo? Recriar a Sunab? Fazer uma campanha difamatória contra os empresários? Criar os “fiscais da Dilma”, usando senhoras com tabelas nos mercados? Manipular os índices oficiais de inflação?

É uma visão assustadora, um flashback de um filme de quinta categoria que já conhecemos e sabemos como termina.

Quem não tem idade suficiente ou não tem boa memória, basta olhar para o lado e ver o presente da Argentina. O novo Papa pode ser argentino, mas sem dúvida Deus não o é, caso contrário não permitira que o casal K ficasse tanto tempo no poder causando esse estrago todo.

Mas, pelo andar da carruagem, não poderemos zombar dos “hermanos” por muito mais tempo. O governo petista tem feito de tudo para alcançar as trapalhadas deles. E não adianta culpar fatores exógenos, pois dessa vez não vai colar. O Peru, a Colômbia e o Chile, com modelos diferentes e mais liberais, crescem muito mais com bem menos inflação. Nossos males são “made in Brazil”, fruto da incompetência da equipe econômica e da própria presidente.

Finalmente, liguei o rádio e ouvi um ex-ministro tucano endossando a ideia de que era, sim, preciso fiscalizar os donos dos estabelecimentos, para não permitir aumentos de preços. Depois vi que o PSDB fazia uma campanha não pela privatização, mas pela “reestatização” da Petrobras, quase destruída pelo PT.

Quando lembrei que essa é a nossa “oposição” a este modelo terrível que está aí, peguei minha DeLorean e ajustei a data para 2030, na esperança de que lá teremos opções realmente liberais contra essa hegemonia de esquerda predominante no Brasil atual.

Rodrigo Constantino é economista.

terça-feira, 19 de março de 2013

Agenda da Corte de sua Potestade: como um queijo suico - Marco Antonio Villa

Melhor do que essa agenda, só o Diário da revista Piaui (para quem não conhece, já postei aqui...)

O mito da presidente workaholic
Marco Antonio Villa
O Globo, 19/03/2013

Ao longo dos últimos dois anos, os propagandistas de Dilma Rousseff construíram vários figurinos, todos fracassados pela dura realidade dos fatos.

O último foi o da presidente workaholic. Trabalharia diuturnamente, seria superexigente, realizaria constantes reuniões com os ministros, analisaria detidamente os projetos e cobraria impiedosamente resultados.

Porém, os dados oficias da sua agenda, disponibilizados na internet, provam justamente o contrário.

Em agosto despachou com 17 ministros. Um terço deles, apenas uma vez (como Aldo Rebelo e Celso Amorim). Deu preferência a Paulo Sérgio Passos, Gleisi Hoffman e especialmente para Guido Mantega, recebido 9 vezes.

Se a a maioria deles não teve um minuto de atenção da presidente, o mesmo não se aplica a Rui Falcão, presidente do PT, e até ao presidente da UNE, Daniel Iliescu, que foram ouvidos a 9 e 22 de agosto, respectivamente.

Dilma pouco se deslocou de Brasília. Numa delas foi a São Paulo, no dia 6. Saiu às 11h30m direto para o escritório da Presidência da República na capital paulista, à época ainda sob a responsabilidade de Rosemary Noronha.

Dilma foi se encontrar com Lula. Passaram horas discutindo política. Às 18h40m, retornou a Brasília. Foi a única atividade do dia.

Em setembro recebeu 14 ministros. Os mais assíduos foram os que despacham no Palácio do Planalto (Miriam Belchior, Gleisi Hoffman e Ideli Salvatti; as duas últimas, quatro vezes, e a primeira, três) e Aldo Rebelo (Esportes), três vezes.

Uma sequência de 12 dias com pouquíssima atividade chama a atenção. No dia 5 recebeu um ministro (Edison Lobão) às 9h e não há mais qualquer registro. No dia seguinte trabalhou das 10h às 12h. E só. No feriado compareceu ao tradicional desfile. Na segunda-feira, dia 10, só registrou duas audiências, uma às 10h e outra às 15h.

Dois dias depois, foi uma espécie de “quarta maluca”. A presidente teve apenas dois compromissos e nenhum administrativo: às 15h, recebeu o presidente do PCdoB, “o partido do socialismo”, Renato Rabelo, e uma hora depois, mostrando o amplo arco de apoio do governo ─ e haja arco! ─, o megaempresário Jorge Gerdau. E mais nada.

No dia seguinte compareceu à posse de um ministro e ao lançamento de um programa de incentivo do esporte de alto rendimento. Na sexta-feira (14), anotou na agenda às 10h um despacho interno e rumou, no início da tarde, para Porto Alegre, onde permaneceu o fim de semana e a segunda-feira ─ neste dia visitando dois estaleiros.

Nada mudou em outubro. Despachou com 19 ministros. Fez uma breve viagem ao Peru, visitou São Luís e São Paulo (duas vezes: uma delas novamente ao escritório da Presidência da República e para mais um encontro com Lula).

Se muitos ministros, em três meses, não foram recebidos pela presidente, o mesmo não ocorreu com Renato Rabelo. O presidente do PCdoB teve mais uma audiência, a segunda em dois meses. Dilma teve tempo para ouvir Fernando Haddad, prefeito eleito de São Paulo, no dia 29, e, dois dias depois, o de Goiânia. Ambos do PT. Curiosamente a agenda não registrou ─ caso único ─ onde a presidente esteve nos dias 27 e 28, fim de semana.

Dilma manteve em novembro sua estranha rotina de trabalho. Recebeu 15 ministros. Dois pela primeira vez, nos últimos 4 meses: Paulo Bernardo e Antonio Patriota.

Concedeu duas audiências a prefeitos eleitos: de Niterói, Rodrigo Neves, do PT; e Curitiba, Gustavo Fruet, do PDT e apoiado pelo PT. Fez uma longa viagem à Espanha e uma breve à Argentina. Mas três dias se destacam pelas curiosas prioridades: 21, 22 e 23. Na quarta-feira (21), a presidente não recebeu nenhum ministro e não efetuou qualquer despacho administrativo. Dedicou o dia a José Sarney, Gim Argello, Eduardo Braga e ao seu vice-presidente, Michel Temer.

Como ninguém é de ferro, à noite assistiu o filme “O palhaço”. No dia seguinte, a agenda registrou três compromissos, um só com ministro (o dos Portos), a posse do presidente e vice-presidente do STF e um encontro com a apresentadora Regina Casé. E na sexta-feira? Somente duas audiências e no período da tarde.

Dilma incorporou o péssimo hábito de que o mês de dezembro é “de festas”. Fez duas viagens ao exterior (França e Rússia) e despachou com apenas 9 ministros. Antecipou o réveillon para o dia 28, suspendendo as atividades por 13 dias, até 9 de janeiro.

Iniciou o novo ano com a mesma disposição do anterior: pouquíssimos despachos, audiências ou reuniões de trabalho. Em janeiro, despachou com 11 ministros. Lobão foi o recordista: quatro vezes. E, por incrível que pareça, e sempre de acordo com a agenda oficial, concedeu pela primeira vez em um semestre uma audiência para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Melhor sorte teve o ex-jornalista Franklin Martins: esteve duas vezes, em apenas quatro meses, com Dilma.

Nesse semestre (agosto de 2012/janeiro de 2013), nove ministros ─ cerca de um quarto do ministério ─ nunca foram recebidos pela presidente: Marcelo Crivella, Aguinaldo Ribeiro, Garibaldi Alves Filho, Brizola Neto, Gastão Vieira, Maria do Rosário, Eleonora Menicucci, José Elito e Alexandre Tombini (presidente do Banco Central, mas com status de ministro).

Outros não mais que uma vez. Uma reunião entre a presidente e alguns ministros de áreas correlatas nunca foi realizada. Em alguns dias (como a 16 de janeiro), não concedeu nenhuma audiência e nem efetuou despachos internos. Pior ocorreu duas semanas depois, a 30 de janeiro, uma quarta-feira: está sem nenhum compromisso. É uma agenda de uma workaholic?

Quem disse que os grandes bancos nunca perdem?

Aquela coisa do too big to pay the costs já não funciona mais ao que parece.
Da coluna diária do American Banker, o boletim dos banqueiros americanos:


Citi Settles: In a story that will sound familiar, Citigroup has agreed to pay $730 million to settle claims that it misled its bond and preferred stock investors about possible exposure to losses on securities backed by subprime mortgages. The settlement is now the second-largest class action settlement related to the financial crisis. Bank of America's $2.4 billion payout to shareholders over the health of Merrill Lynch still takes the top spot. Citi, which maintains it did nothing wrong and merely settled "to eliminate the uncertainties, burden and expense of further protracted litigation," plans to cover the costs with "existing litigation reserves," the FT reports. One analyst told the Journal he thinks "we're starting to see the light at the end of the tunnel" in terms of the litigation, "which is one reason why these stocks have been trading better." New York Times, American Banker