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terça-feira, 25 de novembro de 2008
947) Relato de uma reuniao cientifica no Brasil
Muito interessante o relato, e o apelo em favor de maior cooperação entre todos os cientistas do mundo, como condição para o desenvolvimento de todos os povos. A única observação que eu faria, a este tipo de colocação, seria a seguinte: os cientistas parecer ter a impressão de que a cooperação se faz num vácuo material e que bastaria ter vontade política para que ela se realizasse. Não cuidam de seu financiamento e quando o fazem parecem assumir o pressuposto de que o Estado, os estados em geral, deveriam simplesmente financiar, a fundo perdido, todo e qualquer projeto de cooperação científica, sem dizer exatamente de onde vai sair o dinheiro. Eles parecem acreditar que os governos produzem dinheiro incessantemente e impunemente, ou então de que ele dá em arvores.
A julgar, por outro lado, pelo posicionamento em relação à questão da propriedade intelectual, esses "cooperadores voluntários" parecem acreditar que as tecnologias proprietárias são um impedimento à cooperação no mundo, quando elas são, na verdade, uma forma de financiamento necessário ao principal vetor de inovação tecnológica (mas não necessariamente científica, que permanece nas universidades, financiadas com verbas públicas), sem a qual não teríamos tantos produtos inovadores nas áreas médicas, biológicas e técnicas, em geral. A propriedade intelectual é a pior forma de financiamento da pesquisa aplicada, à exceção de todas as demais, já que pesquisa fundamental, como ocorre na maior parte dos países, é feita em caráter público. Ora, essa parte da produção de conhecimento já não sofre qualquer restrição de divulgação, e quando sofre, é justamente para poder remunerar pesquisas que de outra forma não seriam feitas por insuficiência de fundos públicos.
Refiro-me, em especial, a esta passagem do texto transcrito mais abaixo:
"Há que verificar em profundidade o quanto de perdas, prejuízos e bloqueios certos regimes de propriedade intelectual causam à cooperação internacional relativa ao acesso a conhecimentos científicos essenciais, bem como aqueles com especial implicação no desenvolvimento tecnológico. Eis uma imensa pedra no caminho de cooperação internacional na era do conhecimento, quando é preciso abrir novas oportunidades de larga participação no avanço universal e multilateral da C&T."
Justamente, aqueles conhecimentos científicos essenciais ao desenvolvimento tecnológico precisam, de alguma maneira, ser remunerados pelo risco e pelo seu custo. Se o Assessor de Assuntos Internacionais do MCT julga que o Estado é uma cornucópia infinita de recursos, ou se ele pensa que os cientistas, eles mesmos, são abnegados servidores da ciência universal, buscando tão somente prestígio e reconhecimento científico, e que eles estão dispostos a passar noites em laboratórios fazendo pesquisas apenas para a glória da ciência e da cooperação universais, então estaria na hora de trazê-lo de volta à realidade deste nosso mundo, tal como ele é, não como ele gostaria que fosse.
A matéria, em todo caso, é importante pelo fato em si da articulação de órgãos brasileiros em favor da cooperação científica. Apenas se deve descontar o idealismo ingênuo de alguns servidores públicos...
O desafio da cooperação na Era do Conhecimento
José Monserrat Filho
Jornal da Ciência (JC E-Mail)
Edição 3647 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
"Os habitantes deste planeta começam a perceber que têm direitos e interesses comuns vitais a transformar em realidade concreta, e que simplesmente fora da cooperação não há salvação".=
José Monserrat Filho é chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério de Ciência e Tecnologia. Artigo enviado pelo autor ao JC e-mail:
Urge promover novos e amplos debates sobre as complexas questões que envolvem o tema da "Cooperação Internacional na Era do Conhecimento", pois muitos conceitos e práticas que têm orientado o relacionamento entre países e povos nesta área (mais estratégica do que nunca) já não atendem às necessidades e demandas de hoje e amanhã, e precisam ser atualizados.
Esta pode ter sido uma das principais conclusões do Seminário Internacional sobre o palpitante assunto, promovido e organizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) por proposta do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), em 17, 18 e 19 de novembro, no Hotel Rio Othon Palace. Suas exposições e intervenções serão publicadas em livro em 2009.
A abertura do evento não poderia ter sido mais estimulante. A conferência inaugural foi proferida por Mohamed Hassan, diretor executivo da Academia de Ciência dos Países em Desenvolvimento (conhecida por sua antiga sigla TWAS, de Third World Academy of Sciences). Hassan mostrou com dados recentes e alguns até chocantes, baseados sobretudo na realidade africana, o quanto a cooperação tornou-se indispensável para superar os problemas globais que afetam e ameaçam a vida de bilhões de pessoas em nosso planeta.
Vale a pena conhecer detalhes dos cinco painéis que muito bem moldaram o workshop. O 1º Painel enfocou a "Cooperação International em C&T no Novo Quadro da Geopolítica Global" e teve como expositores: Rasigan Maharajh, da Universidade de Tecnologia de Tshwane, África do Sul; Jorge Grandi, diretor da Unesco para o Mercosul; e José Eduardo Cassiolato, do Instituto de Economia da UFRJ. Tive a honra de presidir essa sessão, relatada por Léa Velho, pesquisadora da área de políticas de C&T da Unicamp.
O 2º Painel, sobre "As Redes de Conhecimento e as Novas Configurações da Cooperação Internacional em Ciência e Tecnologia", contou com a participação de Hernan Chaimovich, diretor do Instituto de Químico da USP e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), e de Manuel Heitor, secretário de Ciência, Tecnologia e Educação Superior de Portugal.
Presidiu a sessão Fabio Celso de Macedo Soares Guimarães, coordenador de Cooperação Internacional da Finep. Como relator atuou Alberto Passos Guimarães Filho, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e diretor do Instituto Ciência Hoje.
O 3º Painel examinou os "Obstáculos e oportunidades na Circulação do Conhecimento nos Programas de Cooperação Internacional", com apresentações de Carlos Correa, pesquisador da Universidade de Buenos Aires, e Ronaldo Fiani, pesquisador da UFRJ dois grandes especialistas em questões de propriedade intelectual.
A sessão, presidida por Otávio Velho, antropólogo aposentado do Museu Nacional/UFRJ e vice-presidente da SBPC, teve como relatora Ingrid Sarti, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ.
O 4º Painel discutiu "A Cooperação Internacional em Ciência e Tecnologia e o Desafio do Desenvolvimento Sustentado", com exposições de Gilberto Gallopín, argentino, doutor em Ecologia pela Universidade de Cornell, EUA, e membro da entidade "Iniciativa em Ciência e Tecnologia para a Sustentabilidade" (ISTS), e de Roberto Smeraldi, da organização "Amigos da Terra - Amazônia Brasileira".
O matemático Jacob Palis Júnior, presidente da ABC e da TWAS, conduziu a sessão, e Pedro Leitão, da Fundação Brasileira para a Biodiversidade, foi seu relator.
O 5º Painel abordou as "Políticas e Estratégias da Cooperação em C&T: Panorama Atual e Perspectivas Futuras", com base nas apresentações de Annalisa Primi, da CEPAL, e de Stephen Michalowski, secretário executivo do Global Science Forum, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Maria Lúcia Maciel, socióloga da UFRJ, presidiu a sessão, relatada por Paulo de Góes, chefe da Assessoria Internacional da ABC.
O 6º Painel reuniu os relatores dos cinco painéis temáticos para a exposição do "Sumário, Conclusões e Recomendações" do evento. As exposições foram sucintas, mas os relatórios deverão ser elaborados de modo mais detalhado e divulgados em breve. Presidiu essa sessão final o diplomata Hadil da Rocha Vianna, diretor geral do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Ministério das Relações Exteriores.
Na sessão de abertura, Lúcia Melo, presidente do CGEE, entusiasta do seminário, observou que seus resultados certamente serão de grande utilidade para os formuladores de políticas, tanto nos vários níveis de governo, quanto nas universidades e centros de pesquisa, bem como no setor empresarial, que deve intensificar sua atuação internacional. Ela acertou em cheio.
Como frisei no ato de encerramento, este seminário talvez tenha aberto a garrafa e livrado o mago que lá estava preso e pouco discutido: o mago da cooperação internacional neste desafiador século 21. Ficou claro que as exposições e debates despiram e desconstruíram conceitos arraigados que precisam ser revistos, para se utilizarem melhor e de modo mais eqüitativo os meios de cooperação internacional.
A meta geral não pode ser outra: apressar o desenvolvimento sustentável de todos os países e povos, elevando sua qualidade de vida e seus níveis de progresso econômico, social e cultural, bem como de ativa participação no convívio mundial construtivo e democrático.
Há que verificar em profundidade o quanto de perdas, prejuízos e bloqueios certos regimes de propriedade intelectual causam à cooperação internacional relativa ao acesso a conhecimentos científicos essenciais, bem como aqueles com especial implicação no desenvolvimento tecnológico. Eis uma imensa pedra no caminho de cooperação internacional na era do conhecimento, quando é preciso abrir novas oportunidades de larga participação no avanço universal e multilateral da C&T.
Maria Lúcia Maciel e Sarita Albagli, pesquisadoras de alto bordo em inovação produtiva, souberam organizar um encontro eficiente e emblemático, com o apoio sempre atento de Antonio Carlos Figueiredo Galvão, do CGEE.
Parafraseando um dos trechos mais interessantes da memorável exposição de Gilberto Gallopín, os países precisam ser ainda mais sábios, mais hábeis e empenhados (cheios de vontade, sobretudo política), para desenvolver e desimpedir os caminhos das idéias, discussões, revelações e propostas criativas que levem a um novo e mais adequado patamar de cooperação internacional.
O momento é extremamente propício. Os habitantes deste planeta, cidadãos e súditos de mais de 200 países, começam a perceber que (1) têm direitos e interesses comuns vitais a transformar em realidade concreta, e que simplesmente (2) fora da cooperação não há salvação.
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