Revista Consultor Jurídico, 16 de outubro de 2011
O ex-secretário de Fiscalização da Receita Federal, Marcus Vinícius
Neder, hoje é advogado e defende as empresas que fiscalizava. Segundo
reportagem da revista Época, o sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe
Advogados se reuniu recentemente com auditores da Receita para discutir
mudanças nas regras tributárias.
De acordo com a reportagem, um ano antes de deixar o comando da
secretaria, Neder editou portaria para centralizar a fiscalização dos grandes
contribuintes. Até dezembro de 2009, esse trabalho era feito pelas delegacias
do Fisco espalhadas pelo país. Com a nova regra, o secretário teve acesso a
detalhes da relação de grandes contribuintes com o Fisco. Sua exoneração foi
publicada na edição do dia 27 de janeiro de 2011 do Diário Oficial.
No dia 13 do mês passado, segundo a revista, Neder participou, na sede
do Fisco em Brasília, de uma reunião na sala da Coordenação-Geral de Tributação
(Cosit), o departamento por onde passam todas as mudanças na legislação
promovidas pela Receita. Convocada pelo secretário da Receita Federal, Carlos
Alberto Barreto, a reunião tinha o objetivo de rever as regras de tributação
sobre o lucro das subsidiárias de empresas brasileiras no exterior, um tema
caro a gigantes da economia nacional.
Neder participou do encontro como advogado de empresas que antes
fiscalizava: Vale, Odebrecht, Petrobras, BR Foods, Banco do Brasil, entre
outras. Também foram à reunião representantes desses clientes. A reportagem da
Época afirma que a intenção dos empresários e do advogado na reunião foi uma
só: pedir alterações das normas tributárias sobre o lucro das subsidiárias.
Sete auditores da Receita que ficam em São Paulo foram convocados pelo
secretário para participar do encontro em Brasília. De acordo com a notícia,
eles desconfiaram da reunião, que foi organizada pela coordenadora de Tributos,
a também auditora da Receita Cláudia Lúcia Pimentel da Silva, a número dois na
hierarquia da Cosit. Cláudia Lúcia é cunhada de Neder. O advogado afirma que
seu escritório foi convidado a participar do encontro pelas empresas
interessadas na mudança da legislação. Em nota, a Vale afirmou que desconhece
qualquer restrição ao trabalho de Neder na iniciativa privada e que há oito
anos tem apoio técnico do Trench, Rossi e Watanabe.
A Receita Federal informou à Época que o grupo de trabalho foi criado
para “desafogar” o gabinete do secretário Barreto e dar transparência no
atendimento dos pleitos da iniciativa privada. Segundo a assessoria da Receita,
um grupo de empresas com atividades no exterior, denominado pela sigla Giex,
solicitou neste ano uma audiência com Barreto para tratar da tributação sobre o
lucro das subsidiárias.
Ele também foi procurado, segundo a assessoria, pela Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI). Ainda de acordo com a assessoria, Barreto criou esse grupo de
trabalho para que especialistas cuidassem do assunto. A Receita afirma que não
sabia que Neder trabalhava para as empresas e que não pode interferir na
escolha dos advogados dos contribuintes. E por que a cunhada de Neder foi
escalada para organizar a reunião? Coincidência, segundo a Receita.
Marcus Vinícius Neder preferiu não cumprir o período de quarentena,
como de hábito procedem os servidores que deixam o Estado. Passou para a
iniciativa privada antes mesmo de deixar o Fisco, como revela o documento
obtido pela revista Época. Sete dias antes de deixar a Receita, assinou
contrato tornando-se sócio da Iguatemi Participações, uma consultoria que
funciona no mesmo endereço da Trench, Rossi e Watanabe – as duas têm sócios em
comum.
O advogado afirma que o contrato só foi registrado na Junta Comercial
de São Paulo em março, dois meses após sua saída da Receita. E diz que pediu
exoneração em 17 de janeiro (três dias antes de assinar o contrato), mas a
publicação demorou dez dias para sair.
O lucro das subsidiárias
A disputa entre as empresas e o Fisco se dá em torno do artigo 74 da
Medida Provisória 2.158, de 2001. Pela norma, os tributos sobre o lucro das
empresas coligadas e controladas no exterior têm de ser recolhidos no Brasil
com os resultados das matrizes apurados no final do ano, respeitando um sistema
de tributação conhecido tecnicamente como “regime de competência”. Tal regra
foi criada para que multinacionais brasileiras não postergassem o recolhimento
dos impostos de suas operações no exterior. Antes, elas só declaravam o lucro
no Brasil quando desejavam.
A Vale é uma das maiores interessadas na mudança da legislação.
Recebeu quatro autos de infração, no valor total de R$ 26,7 bilhões, relativos
ao período de 1996 e 2008. Todas as multas tiveram como base o artigo 74 da MP.
A empresa, que atua em 37 países, sem contar o Brasil, questiona a medida
provisória na Justiça.
A 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro rejeitou seus argumentos em agosto
de 2005, e a mineradora recorreu da sentença. Em março passado, o Tribunal
Regional Federal manteve a decisão. No dia 17 de agosto passado, o STF acenou
na direção de manter a tributação ao julgar ação direta de
inconstitucionalidade contra a MP movida desde 2003 pela CNI.
A votação fechou com quatro votos a favor e quatro contra. O empate
foi desfavorável à CNI porque a então ministra Ellen Gracie, antes de se
aposentar, votara parcialmente pela constitucionalidade da MP. Falta ainda o
voto do ministro Joaquim Barbosa, que não tem participado dos julgamentos no
Plenário da corte. Doze dias após a sessão do STF parcialmente favorável à
manutenção da tributação, Barreto criou o grupo de trabalho que levou Neder de
volta à Receita.
A Odebrecht diz que um grupo de empresários resolveu se unir contra a
regra de tributação e contratou o escritório de Neder. De acordo com a
Odebrecht, a reunião “foi uma iniciativa conjunta” das empresas com a Receita.
A BR Foods limitou-se a dizer que participa de estudos.
O Banco do Brasil disse não ter relações comerciais com Neder e seu
escritório. Afirma que esteve na Cosit como convidado da iniciativa privada. A
Petrobras não respondeu. A Vale afirmou em nota: “A Vale integra um grupo de
trabalho para discutir aspectos da legislação de tributação de lucros no
exterior, bem como propor alterações no sentido de dar mais competitividade às
empresas brasileiras que atuam no mercado global. (...) Este grupo conta com o
apoio técnico do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, com quem a Vale
trabalha há mais de oito anos, em vários assuntos, inclusive tributários.
Desconhecemos qualquer restrição ao trabalho do senhor Marcos Vinicius Neder na
iniciativa privada”.
Questionados sobre a possibilidade de que o vínculo com Neder pudesse
de alguma forma configurar um convite ao tráfico de influência, todos negam. Os
grupos de trabalho da Receita são criados para tratar de assuntos internos. Não
costumam atuar em parceria com a iniciativa privada.
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