Os dois últimos governos brasileiros escolheram não apenas deixar de responder, como também ser complacente com as medidas ilegais, arbitrárias, unilaterais, totalmente contrárias ao espírito e a letra do Tratado de Assunção e dos protocolos que regem as salvaguardas no sistema multilateral de comércio. Pior do que isso: o governo brasileiro, orientado por um conselheiro que colocava o projeto de integração sul-americana acima dos interesses nacionais, escolheu colaborar com os argentinos na contenção voluntária das exportações brasileiras, mesmo quando isso significava prejuízo para os empresários nacionais. De vez em quando, para não parecer conivente, se contentava de alguns arreganhos de machismo comercial, logo suspendidos, em favor de um diálogo que nunca resolveu nada.
Paulo Roberto de Almeida
A nova regra aumenta o controle sobre os bens importados e, diferentemente das medidas anteriores – como as licenças não automáticas que alcançavam quase 1.000 linhas tarifárias, concentradas em bens intensivos em mão de obra e máquinas agrícolas – a Declaração Jurada Antecipada de Importação (DJAI), atinge potencialmente todas as compras de produtos do exterior. Nos primeiros meses de 2012, por exemplo, a nova barreira tem impedido ou reduzido a entrada de bens intermediários, como produtos químicos e petroquímicos, autopeças e outros bens de consumo, como eletrônicos e até carne suína.Para o caso da carne suína especificamente, o fluxo de comércio entre Brasil e Argentina está completamente interrompido desde meados de fevereiro e as notícias circuladas nos últimos dias apontavam para uma reabertura parcial das importações, fato não concretizado até o presente momento. Mesmo um acordo para uma cota específica de aproximadamente três mil toneladas de suínos, que por si só já viola as obrigações do acordo do Mercosul, e que tem sido alardeado como uma solução para o impasse, é prejudicial aos exportadores brasileiros por dois motivos centrais (i) limitariam as exportações gerais destes bens; (ii) contemplaria supostamente apenas produtos de baixo valor agregado (matéria-prima, recortes, etc.), excluindo definitivamente da pauta produtos de alto valor agregado nas exportações de carne suína para a Argentina, como é o caso de presuntos e salames.É preciso ter em conta que a razão nuclear por detrás do controle das importações é impedir a saída de dólares da economia. Este fator se agrava com o canal mais importante de entrada de dólares no país, as vendas de commodities, dando sinais de desaceleração do aumento de preços nos próximos anos. Ademais, o país tem atraído volume mais reduzido de Investimentos Estrangeiros Diretos – IEDs e a tendência é que este afluxo diminua ainda mais. Vale ressaltar, ainda, estimativas de consultorias privadas¹ que atentam para o fato de que o déficit na balança energética argentina em 2012 poderia atingir US$ 7 bilhões, tornando o cenário de perda de reservas ainda mais grave.As barreiras às importações impostas pela Argentina não constituem um fato novo. Nem mesmo os impactos negativos sobre os planos de produção e investimento para as empresas do Brasil podem ser encarados, no geral, com surpresa.Mesmo assim, é interessante pensarmos em dois cenários acerca destas medidas e das relações comerciais entre os dois vizinhos.O primeiro cenário é de enfraquecimento da política de restrições no segundo semestre de 2012, fruto de superávit comercial próximo da meta informal pretendida pelo Ministério da Economia da Argentina (US$ 10 bilhões) e de tensões internas crescentes entre governo e setor privado. Contribuiria ainda para a redução das barreiras, as pressões em nível regional e mundial, como, por exemplo, a iniciativa europeia na OMC. A maior entrada de produtos brasileiros, neste caso, reduziria também a pressão interna dos industriais brasileiros sobre seu governo. Este alívio aconteceria pelo menos até a próxima onda cambial-protecionista argentina, que ocorrerá provavelmente no ano próximo, em especial no caso de a recuperação da demanda mundial não se efetivar.Já o cenário de manutenção, ou mesmo recrudescimento dos impedimentos ao comércio, ampliaria a insatisfação mundial com a Argentina ao mesmo tempo em que aprofundaria os já manifestos desequilíbrios em sua economia doméstica. Em relação à primeira variável, a insatisfação pública de europeus e norte-americanos se cristalizaria em um painel na OMC, de difícil defesa e argumentação por parte dos argentinos. Resta saber se o constrangimento seria suficiente para provocar alguma alteração nos rumos da política comercial do país, fato não visto nos últimos cinco anos de intenso uso de barreiras. Em adição, o desabastecimento interno se intensificaria, em função de um descasamento entre maturação dos investimentos, produção e demanda interna que deixaria de ser satisfeita por importações, cenário muito crítico para a indústria que consome insumos importados e que destes depende grande parte de sua produção. Os custos de produção, em especial de mão de obra, continuariam a trajetória ascendente atualmente verificada e empurraria o problema inflacionário para o centro da política econômica argentina e seu combate reduziria o crescimento da riqueza gerada internamente.Este segundo cenário afastaria muitas iniciativas da agenda positiva em andamento entre Brasil e Argentina e demandaria do governo brasileiro atitude mais enérgica.¹ ABECEB.com* Luis Renato Rua – Pós-Graduado em Agronegócio ESALQ-USP e Fabrizio Sardelli Panzini – Mestre em Economia Política PUC-SP.
Um comentário:
Professor, olha a notícia publicada hoje no Valor:
Hhttp://www.valor.com.br/brasil/2697822/ue-critica-mercosul-e-quer-ligacao-direta-com-brasil
Vinícius
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