Discutindo pela internet com meu amigo Stanley Hilton, brasilianista e professor de história da América Latina na Universidade da Louisiana, em Baton Rouge, sobre as diferenças entre o respeito à lei no mundo ibérico e no mundo inglês e americano, ele me forneceu toda uma explicação, na verdade uma aula completa, que me permito transcrever aqui para deleite dos leitores deste blog:
In my Latin American
history courses, I used to tell students that the difference between law in
Anglo-Saxon and Hispanic countries was that, in the Latin tradition dating back
to the Romans, law was normative, i.e., it posited an ideal
situation, whereas in A-S countries it reflected custom or social practice. So
the US Constitution, for example, reflected deeply-rooted “democratic”
traditions and, therefore, it endured; in Latin American countries, the
constitutions drawn up during the era of independence from Spain/Portugal
reflected an ideal—and, hence, they proved unworkable in most cases. The symbol of this phenomenon, in the
colonial period, was the Consejo de las Indias –a body that sat in Spain,
thousands of miles away from the New World, and hence thousands of miles away
from the geographic and social reality of the colonies, and drew up detailed
laws governing all aspects of colonial life.
The laws were unworkable, so people disobeyed the law on a daily
basis. In Luso-Brazilian terms, they
found a “jeito” of circumventing laws and regulations. As you know, there was the vice-regal
mechanism, in Spanish America, of obedezco-pero-no-cumplo. If a law reaching, say, New Spain, was so
impractical, a viceroy could proclaim his loyalty and obedience (“obedezco”),
but suspend implementation of the new law (“pero no cumplo”) until the Consejo
could consider the reasons (which he would put in petition form) why he thought
the law was not a good one. It was used
rarely because thousands of laws were
churned out by the Consejo. Down through
the generations, Latin Americans were socialized to think that disobeying laws
was not necessarily immoral because they were so out of harmony with local
conditions. I remember a Mexican acquaintance humorously saying to me in a car
fifty years ago, as he ran traffic light after traffic light and noticed how
nervous I had become, “Las leyes, como
las mujeres, fueron hechas para ser violadas”—this itself shows how, in popular
custom, the attitude toward law was not “Anglo-Saxon.” And, of course, an extensively corrupt public
bureaucracy was one outgrowth of that (Hispanic) attitude toward law. It is no coincidence that the most corrupt
state in the U.S. is Louisiana, whose legal tradition in rooted in Spanish and
Naopoleonic concepts of law.
Eu mesmo costumo dizer que a diferença básica entre um mundo e outro se situa no seguinte plano:
No mundo anglo-saxão, tudo o que não estiver expressamente proibido por leis, ou por alguma disposição qualquer do sistema legal, está ipso-facto permitido aos espíritos empreendedores, que podem formar rapidamente uma empresa para explorar alguma atividade econômica qualquer.
No mundo português -- e era assim também no mundo ibérico e hispano-americano, e suponho que continue sendo assim -- tudo o que não fosse especialmente concedido pelo poder real, por meio de um alvará régio, um ordenamento qualquer do soberano, estava literalmente proibido a todo e qualquer súdito da Coroa.
Creio que não deixamos de ser súditos do Estado, e estamos proibidos de fazer qualquer coisa, antes de conseguir uma permissão qualquer.
Segundo o último Doing Business Brazil, leva mais ou menos 120 dias (talvez mais) para conseguir constituir uma empresa e o empresário começa pagando antes de ganhar qualquer coisa (e depois ainda costuma entregar quase a metade do que ganha para o Estado, sob diversas formas de impostos, tributos, taxas, contribuições, propinas, etc.).
Como é que vocês querem o Brasil crescendo dessa forma?
Paulo Roberto de Almeida
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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2 comentários:
Muito bom, prof. PRA.
O argumento do Stanley Hilton tem alguma correspondência com a tese defendida no primeiro volume do "direito legislação e liberdade", de Hayek, quando ele opõe duas maneiras de considerar a estrutura das atividades humanas: o racionalismo cartesiano e o construtivismo. O primeiro entende que a moral, religião, direito, linguagem e mercado são deliberadamente construídas por alguém. Tudo é feito conscientemente e a história não passa um museu de usos e costumes. Já o construtivismo concebe que a formação de estruturas regulares não eram o objetivo consciente de ações humanas, abraçando uma concepção de ordem social claramente burkeana. É verdade que os ordenamentos jurídicos que povoaram a América Latina se enquadram dentro do racionalismo. A tradição jurídica anglo-saxã, por outro lado, seria o exemplo mais bem acabado do entendimento construtivista.
No entanto, confesso que sinto alguma dificuldade de enquadrar a constituição brasileira de 1824 no mesmo molde que a dos nossos vizinhos no período pós-independência. Talvez o exemplo sirva mais para a constituição republicana de 1891, quando os jacobinos brasileiros resolveram macaquear a sintaxe federalista dos EUA. Não seria o ordenamento jurídico do Império mais construtivista em sua concepção do que racionalista? Quando as reformas liberais de 1834 replicaram no Brasil toda anarquia caudilhesca dos nossos vizinhos, a mensagem de Bernardo Pereira de Vasconcelos não foi a mesma de Hilton: O ato adicional de 1834 "reflected an ideal—and, hence, they proved unworkable in most cases"? Ou, como afirmou Joaquim Nabuco: o período regencial foi a experiência republicana no Império.
Me despeço agradecendo-lhe por compartilhar textos e opiniões que fogem do bolor terceiro-mundista que domina o claustro diplomático brasileiro. Como professor de Política Externa, tenho utilizado alguns dos seus artigos e livros com os meus alunos. É o único antídoto nas publicações disponíveis sobre política externa que escapam ao rotineiro "caminho da Cerv(o)idão".
Abraço,
David Magalhães
Caro professor David,
Seu comentário é uma espécie de ilha de racionalidade no mar de conformismos deliberadamente obscurantistas que hoje preenchem quase todos os espaços na academia brasileira. Por isso mesmo mais precioso e agradeço a distinção.
Tento ater-me à simpkes verdade dos fatos e à lógica dos processos, mas em sempre é fácil.
Recebo também muitas agressões dos companheiros.
Paulo Roberto de Almeida
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