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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Problemas na politica externa (que nao sao da politica externa) - Guilherme Casaroes

Nota Liminar: fui censurado, provavelmente por um aluno, a pedido do professor, por ter "censurado" a réplica do Professor, aos meus comentários sumários, enfeixados nas primeiras duas linhas do comentário preliminar abaixo, quando não era, e nunca foi, esta a minha intenção. Apenas a falta de tempo, as tribulações de um trabalho intenso, me fizeram descuidar dessa questão importante. Retifico abaixo, com todos os registros de envio.
Portanto, o que os leitores vão ter aqui é: a transcrição do artigo original, encimado pelo meu comentário de fato sumário, quase críptico, pelo que me desculpo, em relação ao artigo do professor em questão, seguindo pela réplica do professor, com novamente um comentário meu, dando as razões de minha discordância em relação ao artigo.
Aceito novos comentários, e até poderei colocá-los em destaque em novo post.
Não tenho nenhum problema, repito NENHUM problema, em debater questões como essas, que são o centro mesmo das preocupações deste blog.
Paulo Roberto de Almeida

O autor tece considerações genéricas sobre a diplomacia brasileira, sem mencionar o fato de que os problemas apontados não se devem ao Itamaraty, e sim a fatores externos, que ele ignora por completo.

Uma política externa à altura do Brasil

09 de setembro de 2013 | 2h 10
Guilherme Casarões * - O Estado de S.Paulo
Entre as análises de primeira hora sobre a diplomacia do governo Dilma Rousseff, não foram raras as menções ao seu aparente desinteresse por questões globais - ressalvado, pela própria biografia da presidente, o tema dos direitos humanos. Esperava-se uma mudança de forma, sem o ativismo dos anos anteriores, mas mantendo as linhas substantivas essenciais. O perfil mais técnico do então chanceler Antonio Patriota, nomeado por Dilma, indicava a preferência por uma política exterior sem voos altos nem o risco de tropeços ou atritos, mantendo-se o lastro institucional do Itamaraty.
Abdicando do exercício da diplomacia presidencial, parcialmente responsável pela (re)construção da imagem do Brasil nos 15 anos anteriores, a presidente mostrou-se muito pouco engajada nos temas internacionais - para além do óbvio protocolar, como reuniões de cúpula e algumas visitas a países amigos. No entanto, ao contrário do que se esperava, deixou pouco espaço para o Itamaraty trabalhar.
Isso parecia relacionar-se com as prioridades governamentais em tempos de crise e desaceleração da economia. O envio de estudantes brasileiros ao exterior, no desejo de qualificá-los nas áreas de ciência e tecnologia, virou bandeira governamental e ativo diplomático. Projetos de infraestrutura, sobretudo no nosso entorno geográfico, ganharam prioridade sobre as grandes estratégias costuradas nas duas décadas anteriores. Aos poucos, foram mudando os parceiros preferenciais e os temas centrais.
A despeito de conquistas maiúsculas, como a eleição do embaixador Roberto Azevêdo na Organização Mundial do Comércio (OMC), ou tentativas de avanços conceituais, como a "responsabilidade ao proteger" diante dos levantes árabes, a generalizada ausência de protagonismo internacional e o desencontro de interesses entre o Ministérios das Relações Exteriores e outros setores do governo reforçaram a avaliação de um importante jornalista: "O mundo de Dilma é o Brasil".
Não haveria problema algum caso se tratasse somente de uma questão de prioridades. Historicamente, em tempos difíceis, a redução do ativismo global é natural e esperada. Mas o estilo de governar de Dilma Rousseff, além de enfraquecer o Itamaraty, revelou um profundo dissenso sobre visões de mundo. A introspecção forçada da diplomacia dilmista entra em choque com duas dimensões essenciais da política externa do Brasil.
A primeira delas é histórica e mais profunda. Somos um país cuja identidade foi parcialmente forjada pela obra diplomática, que também nos logrou respeitável reputação internacional. Se hoje o Brasil é um ator global, isso é graças ao esforço coletivo do serviço exterior na construção permanente de uma sedutora narrativa de "quem somos" e "o que queremos" para o mundo.
Como estamos falando de um país cuja trajetória é marcada pela escassez de recursos tradicionais de poder - como dinheiro ou armas -, a projeção brasileira deu-se, de maneira geral, pela empatia global. Esse fato trouxe efeitos tangíveis, que vão desde a profusão de acordos bilaterais de cooperação com numerosas nações até o vertiginoso aumento do comércio internacional brasileiro na última década; e também intangíveis, que se traduzem em aspectos da liderança do Brasil em certos temas multilaterais, ou, se quisermos, na superação de um antigo complexo de vira-latas que por muito tempo nos definiu.
A segunda dimensão diz respeito ao chamado "insulamento burocrático" do Itamaraty. Ao longo do século 20, a Casa de Rio Branco foi-se profissionalizando e ganhando autonomia, seja com relação ao presidente da República, ao Congresso Nacional ou às forças sociais. Isso permitiu que se consolidasse uma espécie de repertório permanente da política externa, corporificado no serviço diplomático e, em geral, identificado com a bem-sucedida inserção internacional do Brasil.
Se, por um lado, as decisões diplomáticas permaneceram relativamente fechadas mesmo num contexto democrático, a ênfase na "tradição" foi capaz de blindar a política exterior de críticas profundas nas últimas décadas - limitando-se, desconsiderados os excessos retóricos, a contestações pontuais. Não à toa, no último meio século a enorme maioria de nossos chanceleres veio da própria carreira diplomática - ou, quando não era o caso, eles estavam afinados com as tradições e o legado do barão do Rio Branco.
Os eventos dos últimos dias jogaram, numa só tacada, toda essa narrativa por terra. As inesperadas tensões com a Bolívia fugiam de um script diplomático que prezava pela amizade - e pela cautela - com os vizinhos. A inédita quebra de hierarquia enfraquece, por sua vez, a reconhecida condição de infalibilidade do Itamaraty, sobre a qual assenta boa parte da reputação brasileira.
A pronta demissão do ministro Antonio Patriota, um dos melhores quadros de sua geração, revela, por fim, as dificuldades que a nossa tradicional diplomacia vem sofrendo no contexto de um governo para o qual o imediatismo dos resultados tangíveis e quantitativos precede o planejamento de longo prazo e a razão de Estado. Como se a política externa pudesse ser traduzida em planilhas ou balancetes.
E enquanto Antonio Patriota se prepara para retornar a Nova York (para assumir a chefia da representação brasileira nas Nações Unidas), onde suas habilidades certamente serão valorizadas, devemos desejar bons augúrios ao seu sucessor, Luiz Alberto Figueiredo Machado - um grande negociador, que terá diante de si o maior dos desafios: superar as amarras governamentais para fazer uma política externa que esteja à altura do Brasil.
*Guilherme Casarões é professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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O professor me enviou o seguinte comentário, devidamente absorvido na seção de comentários (embora com um atraso involuntário), a que eu respondi, distraidamente, sem ver que não estava respondendo a ele. Mas deixo registro mais abaixo do que escrevi.

On Sep 10, 2013, at 11:23 AM, Guilherme Casarões <noreply-comment@blogger.com> wrote:

Caro Prof. Paulo Roberto de Almeida,

Fico honrado que tenha reproduzido meu texto em seu blog; ao mesmo tempo, preocupa-me seu comentário introdutório ao artigo, falando em "considerações genéricas" ou fazendo menção a "fatores externos", que "ignoro por completo".

Talvez tenha me expressado mal, mas a linha argumentativa do texto é exatamente a de que a política externa (ou a ausência de política externa do governo Dilma) está sendo corroída por questões exógenas - leia-se, uma profunda divergência entre as visões de mundo da presidente e a leitura que o Itamaraty faz (e sempre fez) do interesse nacional.

Repito essa ideia ao fim do segundo parágrafo, no quinto, e nos três últimos. Reforço que nossa diplomacia - com a qual não há nada de errado, note-se - "vem sofrendo no contexto de um governo para o qual o imediatismo dos resultados tangíveis e quantitativos precede o planejamento de longo prazo e a razão de Estado". Em momento algum imputo à nossa diplomacia as mazelas atuais da política externa, pelo contrário.

Quero crer que sua crítica ao texto tenha sido fruto de um equívoco de interpretação, já que não consigo enxergar, como autor, a lógica que você mesmo ergueu para derrubar meus argumentos.

Atenciosamente,

Guilherme Casarões 
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Meu comentário inicial (em suposta resposta minha ao professor, que não lhe chegou, apenas por total distração minha no reply) foi o seguinte:

Desculpo-me pela leitura rápida, que parece não ter detectado todas essas nuances que você menciona agora. Vou retificar.
Mas você sabe perfeitamente bem a origem de todos esses problemas.
Creio que é preciso apontá-los e talvez denunciá-los. 
Paulo Roberto de Almeida 

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Meu comentário subsequente, feito depois que dois bravos alunos se mobilizaram na demanda de explicações, e até na censura (devidamente registrada), foi feito na resposta abaixo, que não é final, pois o assunto continua em aberto. 
Mais uma vez, não pude escrever diretamente ao professor, por não dispor de seu e-mail, e creio que certos assuntos são melhor tratados em particular. Mas, como nunca tenho nada a esconder sobre o que penso, sobre determinados assuntos, aqui vai o meu comentário principal: 

O artigo consegue acusar o Itamaraty de vários pequenos pecados e em NENHUM momento toca em duas coisas fundamentais: partido e partidarização da política externa, e a existência de um conselheiro partidário no Planalto, usualmente chamado de “chanceler para a América do Sul” (mas vai muito além disso). Como explicar esse amor desmedido do Brasil por várias pequenas e grandes ditaduras, como explicar essas alianças estratégicas com regimes de duvidosa reputação na área da democracia e dos direitos humanos, como explicar a brutal diferença de tratamento entre o caso do “golpe” em Honduras e o abrigo de um palanqueiro ba Embaixada do Brasil naquela capital, e o tratamento da questão boliviana, como explicar a rispidez no caso do Paraguai e a leniência, a conivência e a tolerância demonstradas em casos bem mais graves de ataques à democracia e à liberdade de expressão? Como explicar tudo isso pela ação do Itamaraty?
Gostaria de ver o professor se explicando em todos esses casos.
Paulo Roberto de Almeida
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O tem continua em aberto, para o professor e para todos os seus alunos, voluntariamente de preferência...
Paulo Roberto de Almeida 

12 comentários:

Guilherme Casarões disse...

Caro Prof. Paulo Roberto de Almeida,

Fico honrado que tenha reproduzido meu texto em seu blog; ao mesmo tempo, preocupa-me seu comentário introdutório ao artigo, falando em "considerações genéricas" ou fazendo menção a "fatores externos", que "ignoro por completo".

Talvez tenha me expressado mal, mas a linha argumentativa do texto é exatamente a de que a política externa (ou a ausência de política externa do governo Dilma) está sendo corroída por questões exógenas - leia-se, uma profunda divergência entre as visões de mundo da presidente e a leitura que o Itamaraty faz (e sempre fez) do interesse nacional.

Repito essa ideia ao fim do segundo parágrafo, no quinto, e nos três últimos. Reforço que nossa diplomacia - com a qual não há nada de errado, note-se - "vem sofrendo no contexto de um governo para o qual o imediatismo dos resultados tangíveis e quantitativos precede o planejamento de longo prazo e a razão de Estado". Em momento algum imputo à nossa diplomacia as mazelas atuais da política externa, pelo contrário.

Quero crer que sua crítica ao texto tenha sido fruto de um equívoco de interpretação, já que não consigo enxergar, como autor, a lógica que você mesmo ergueu para derrubar meus argumentos.

Atenciosamente,

Guilherme Casarões

Raquel disse...

Olá Paulo Roberto, quais são os fatores ignorados pelo texto do Estado?
Eu achei o texto muito bem elaborado, evidenciando lacunas existentes na nossa cultura diplomática que espelham diretamente em nossa formulação de política externa, principalmente acentuando questões de abordagem cognitiva dos estadistas dos últimos anos brasileiros que tiveram (tem) grande influência em nossa política externa.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Raquel,
Meu comentário, que vai ser postado, para esclarecimento geral e sem censura.

O artigo consegue acusar o Itamaraty de vários pequenos pecados e em NENHUM momento toca em duas coisas fundamentais: partido e partidarização da política externa, e a existência de um conselheiro partidário no Planalto, usualmente chamado de “chanceler para a América do Sul” (mas vai muito além disso). Como explicar esse amor desmedido do Brasil por várias pequenas e grandes ditaduras, como explicar essas alianças estratégicas com regimes de duvidosa reputação na área da democracia e dos direitos humanos, como explicar a brutal diferença de tratamento entre o caso do “golpe” em Honduras e o abrigo de um palanqueiro ba Embaixada do Brasil naquela capital, e o tratamento da questão boliviana, como explicar a rispidez no caso do Paraguai e a leniência, a conivência e a tolerância demonstradas em casos bem mais graves de ataques à democracia e à liberdade de expressão? Como explicar tudo isso pela ação do Itamaraty?
Gostaria de ver o professor se explicando em todos esses casos.
Paulo Roberto de Almeida

O Jovem disse...

Que vergonha, censurar a réplica do professor...

Guilherme Casarões disse...

Caro Prof. Paulo Roberto de Almeida,

Em função das dificuldades tecnológicas, interpretei o silêncio sobre meu comentário (e a subsequente publicação de outros comentários, inclusive de réplicas) como uma espécie de desestímulo ao debate. Fui criticado e, naturalmente, respondi.

Sem a devida divulgação no seu blog, postei e contextualizei a crítica e a resposta na minha página pessoal. Novamente: parti do entendimento de que não haveria espaço, no seu site, para minha própria réplica.

Jamais instei qualquer aluno a censurá-lo. Não nos conhecemos (embora seja seu leitor e reprodutor de certas ideias suas), mas posso garantir-lhe que não faz o meu feito.

Feitos os devidos esclarecimentos, mais uma vez agradeço pelas críticas e indagações, às quais responderei muito em breve.

Atenciosamente,

Guilherme Casarões
casaroes@gmail.com

Paulo Roberto de Almeida disse...

Caro Professor,
No Itamaraty, ou fora dele, exatamente da mesma forma, sou conhecido por jamais esconder o que eu penso, e costumo dizer o que penso, o que provavelmente não é um hábito muito cultivado na (Santa) Casa.
Por isso, longe de mim pretender qualquer censura a quem quer que seja, sobretudo em se tratando de matéria substantiva.
A razão do atraso, como já expliquei, foi uma carga imensa de trabalho, o que me faz escrever nos breves insterstícios que os despachos me permitem, e uma distração proverbial da minha parte, que me faz clicar em Reply sem mesmo olhar se o endereço está correto (no seu caso, se tratava de um "non-reply", o que me passou totalmente da vista).
Em todo caso, creio que este debate é importante, e não tenho nenhuma objeção, antes pelo contrário, a postar seus artigos, comentários, réplicas e tréplicas, e acho até que este espaço é indevido para esse tipo de assunto.
Podemos elevar o debate e por isso o convido a tratar do tema da partidarização da política externa.
Sinta-se livre para escrever sobe isso, o que eu já fiz, mesmo sendo diplomata. Acredito que um professor não teria dificuldade em fazer isso.
Paulo Roberto de Almeida

Guilherme Casarões disse...

(1) Caro Prof. Paulo Roberto de Almeida,

Agradeço o comentário e a possibilidade de esclarecer os pontos levantados. Em primeiro lugar, não acuso o Itamaraty de nenhum pecado, pequeno ou grande. A crítica à natureza da diplomacia pode até ser uma via argumentativa para jogar luz sobre a suposta “crise” que se instaurou, mas não é a minha linha de raciocínio. O que sustento – inequivocamente – é que o Itamaraty foi jogado às margens da formulação das prioridades externas do Brasil no governo Dilma, muito em parte pela incompatibilidade de visões de mundo entre a presidente e o corpo diplomático. Não creio que o Itamaraty seja o origem da paralisia que se observou nos últimos dois anos e meio, embora o debate a respeito disso esteja em aberto.

Segundo: não sou adepto da tese de que o Itamaraty transformou-se em quartel-general do Partido dos Trabalhadores nos últimos dez anos. Partidarização, há; em todo governo, aliás. Didaticamente, acredito que seja necessária uma distinção entre o que pertence ao governo e o que pertence ao Estado. O chamado “interesse nacional”, a despeito de toda mutação que possa ter sofrido ao longo das décadas, é atribuído aos homens de Estado e suas práticas. No plano conceitual, alguns autores que se debruçaram sobre isso acabaram chegando à conclusão de que a busca pela autonomia (a partir de um corte realista, que nos foi legado pelo Barão do Rio Branco) é, por excelência, nosso maior objetivo nacional.

Guilherme Casarões disse...

(2) Estratégias variam de governo a governo. São dinâmicas e, por isso mesmo, adaptam-se mais facilmente aos tempos. Não vejo o governo Lula, por exemplo, abrindo mão dos objetivos nacionais (como quer que os definam) em prol de uma política externa “partidária” ou “ideológica”, que satisfaça a caciques políticos, sindicalistas pelegos ou líderes bolivaristas. Se as estratégias envolveram uma aproximação com certos regimes, independentemente de inclinação ideológica ou gosto por valores democráticos, devemos, como analistas, nos perguntar por quê. Acredito que, por uma tendência de expansão econômica e crescente importância estratégica, a decisão de diversificar parcerias no chamado “Sul global” foi, em geral, absolutamente pragmática. Trouxe benefícios econômicos, ainda que moderados, e logrou ao Brasil uma projeção política inédita, e muitas vezes positiva. Geisel fez coisa parecida, em outros tempos, e até hoje seu “pragmatismo responsável” é paradigmático de uma condução bem-sucedida de política exterior.

Quando o governo Fernando Henrique decidiu levar adiante as negociações da ALCA, várias vozes na sociedade acusaram-no, muitas vezes de forma agressiva, de estar subordinando o “interesse nacional” às vontades da superpotência. Quando Collor aproximou o Brasil dos Estados Unidos, pressionado pela dívida crescente e pelos entraves impostos pelo nosso próprio protecionismo, muitos – dentro e fora do Itamaraty – chamaram-no, pejorativamente, de neoliberal. Por que o governo Lula detém, nessa leitura bastante maniqueísta que predomina no debate público, o monopólio da partidarização da política externa?

Veja que não estou julgando o mérito do que foi feito. Como analista de Relações Internacionais, fui treinado a pensar os fenômenos a partir de critérios minimamente objetivos, sem me render a bandeiras ideológicas. Partindo-se do pressuposto de que a leitura diplomática brasileira sobre os conceitos de soberania e não-intervenção, por exemplo, manteve-se constante ao longo do último século, relacionar-se com ditaduras não me parece ser um problema intransponível, na medida em que o Brasil não se vê na posição de julgar o que ocorre dentro de tais países. Isso não significa, por um lado, que o Estado brasileiro (ou o governo do momento) não preze pelos direitos humanos – afinal de contas, trata-se de campo que evoluiu, a olhos vistos, nos últimos vinte anos. Por outro lado, não quer dizer que o Brasil subscreva às violações de direitos humanos cometidas por certos regimes. Sabemos muito bem que política pragmática do “business is business” muitas vezes gera contradições no discurso democrático, inclusive na maior potência do mundo – que, no aprofundamento da crise síria, vê na Arábia Saudita um de seus melhores aliados.

Não quero defender o governo Lula, nem é minha intenção justificar erros ou enaltecer acertos. Só ofereço uma interpretação (a meu entender, plausível) que matiza esse suposto “amor por ditaduras” atribuído ao presidente, ou a seu partido.

Guilherme Casarões disse...

(3) Terceiro: a política externa para a América do Sul/América Latina é, de fato, uma fonte inesgotável de controvérsias. Acho importante fazer uma distinção de saída. Lula e Dilma comportaram-se de maneiras bastante distintas, o que creio reforçar o próprio argumento do meu artigo. Entendo a política exterior brasileira para a América do Sul um tema delicadíssimo, em que o Brasil vive um dilema permanente: se cresce demais, desperta suspeitas e reações negativas dos vizinhos; se cede em excesso, cria uma imagem de fraqueza – para o público doméstico e entre seus pares. Tudo que o Brasil menos deseja é instabilidade política ou tensões em suas próprias fronteiras – até para poder levar adiante o seu projeto de inserção global. Creio que Lula tenha tentado equacionar essas dificuldades, fazendo concessões pontuais (devidamente amplificadas pela oposição ao governo) para evitar perdas maiores. Num contexto de crescente polarização, para usar um termo de Jorge Castañeda, entre a “má esquerda” (representada por Venezuela e os amigos da ALBA) e a “boa esquerda”, a política brasileira da boa vizinhança foi uma resposta sábia a provocações, como os casos de Bolívia e Equador, que tinham o potencial para escalar rapidamente.

Isso, aliás, me parece uma reação completamente compatível com o que se formula no seio do Itamaraty.

Com relação a Honduras, tenho a impressão de que se tratou de uma interpretação brasileira (também amparada pela tradição da Casa) sobre como reagir a um golpe – que poderia se desdobrar em intervenção. Claro que, nesse caso, parece ter havido a motivação adicional da possibilidade de se marcar presença num espaço geopolítico que tradicionalmente não nos interessou, ferindo os brios dos Estados Unidos e afirmando certos pontos de vista brasileiros (que, novamente, estão ligados à ideia de “interesse nacional”).

Guilherme Casarões disse...

(4) Quarto, e finalmente: acredito que a política externa dos anos Lula, para usar um jargão consagrado, “acertou no atacado e errou no varejo”. O desdobramento dos eventos em Honduras foi realmente problemático; assim como certos cortejos a Cuba foram, pra dizer o mínimo, dispensáveis. Aí entra a figura do Marco Aurélio Garcia, que certamente causou ruídos na condução de certos episódios da política externa para a região, contrariando, ou sobrepondo-se pura e simplesmente, à maneira como o Itamaraty conduzia suas relações com os vizinhos. Acredito, contudo, que o papel deletério que frequentemente se atribui ao “Chanceler do B” é superestimado; sua interferência direta reduz-se a relações bilaterais pontuais (que, confesso, ganharam uma centralidade enorme com os últimos episódios) e circunscritas geograficamente, além do fato de que, ao contrário do que muito se diz, essa figura do Assessor para Assuntos Internacionais encontra correspondência histórica. Não teria sido Augusto Schmidt, poeta e amigo pessoal de Kubitschek, a criar projetos grandiosos (e não menos fugazes) como a Operação Pan-Americana?

Em todo caso, o que vejo, hoje, é a total perda de controle sobre os episódios recentes envolvendo nossos vizinhos. Isso, a meu ver – e é um dos pontos centrais do artigo –, está relacionado ao progressivo esvaziamento a que o Itamaraty vem sendo submetido nos últimos tempos. É possível que os interesses partidários, corporificados por Garcia, tenham perdido seu contrapeso natural – a tradição diplomática – em casos como o da Bolívia. Com relação à questão paraguaia, quando do episódio da suspensão do Paraguai e concomitante entrada venezuelana, todo mundo saiu na foto, menos o Patriota! Foi o Advogado-Geral da União, aliás, que fez as vezes de chanceler na defesa pública (estampada na Folha de São Paulo) do ingresso da Venezuela no Mercosul. Estou seguro de que não foi por indisposição do então chanceler, mas, talvez, pelos constrangimentos impostos pela própria lógica governamental do momento.

Enfim: o meu texto é uma defesa, bastante conservadora, do Itamaraty e da política externa praticada por seus homens de Estado. Não entro – e nem haveria motivos para entrar – em discussões sobre partidarização ou ideologização, por mais importantes que sejam, porque este não era o objetivo do debate que propus. Atribuo às recentes reviravoltas de nossa diplomacia um (pesado) dedo governamental, que nada ou pouco tem a ver com partido ou ideologia, mas sim com visões de mundo, muito mais profundas.

Perdão pela longa resposta, mas que julguei necessária diante dos questionamentos.

Um abraço,

Guilherme Casarões

Guilherme Casarões disse...

Guilherme Casarões disse...
Este comentário foi removido pelo autor.