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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Brasil economia: deficit nominal amplia o ajuste fiscal em 2015 (Itau Macroeconomica)

  BRASIL - Déficit primário aumenta o desafio fiscal
Itau Macroeconômica, 29/12/2014
[ver o link para os gráficos e tabelas: http://www.itau.com.br/itaubba-pt/analises-economicas/publicacoes/]

Destaques
• Os resultados fiscais de novembro surpreenderam negativamente, com o setor público consolidado atingindo um déficit primário de R$ 8,1 bilhões (expectativa de mercado: R$ -1,6bi; Itaú: +4,0bi). Além do já esperado pagamento atrasado de precatórios (R$6,1bi), a aceleração nas despesas federais discricionárias foi decisiva para o resultado negativo no mês. A arrecadação do Refis (R$8,1bi) evitou um resultado ainda mais negativo.

• De janeiro a novembro, o setor público acumula déficit primário de R$19,6 bilhões, o que torna improvável um resultado primário positivo em 2014. Acumulado em 12 meses, o primário recuou a -0,2% do PIB, enquanto a nossa estimativa de primário recorrente (que exclui as receitas e despesas atípicas) alcançou -0,7% do PIB.

• Um superávit primário negativo ou zerado em 2014 aumenta o desafio para o ajuste fiscal, que tem como meta alcançar um superávit primário de R$ 66 bilhões (1,2% do PIB) em 2015.

Resultado Primário Torna-se Deficitário em 12 meses
O Setor Público Consolidado registrou um déficit primário de R$8,1 bilhões em novembro. O resultado foi composto por um déficit de R$6,7 bilhões do governo central e R$1,8 bilhão dos governos regionais; enquanto as empresas estatais registraram superávit de R$368 milhões.

As principais surpresas em relação a nossa projeção foram despesas federais discricionárias mais elevadas (ainda que desacelerando frente aos meses anteriores), o pagamento de precatórios um pouco acima do que assumimos para este mês e o déficit primário dos governos regionais.

O crescimento do gasto federal total em termos reais acelerou de -0,3% outubro para 6,5% em novembro. Acumulado no ano, o gasto cresce 4,9%, ritmo acima de estimativas de crescimento potencial da economia, o que evidencia postura fiscal expansionista do lado da despesa. Enquanto isto, a arrecadação segue em leve queda em termos reais, devido a fraqueza da atividade econômica e as desonerações tributárias dos últimos anos.

De janeiro a novembro, o setor público acumula déficit primário de R$19,6 bilhões, o que torna improvável um resultado primário positivo em 2014. Acumulado em 12 meses, o superávit primário convencional recuou de 0,6% para -0,2% do PIB, enquanto a nossa estimativa de primário recorrente (que exclui as receitas e despesas atípicas) caiu de -0,5% para -0,7% do PIB. Além do resultado mensal aquém do esperado, a queda acentuada do superávit primário convencional é resultado de um efeito base desfavorável, devido a um volume elevado de receitas extraordinárias em novembro de 2013 (perto de R$35bi de Refis e concessão do campo de petróleo de Libra).

Dívida bruta segue em alta
Devido à queda no resultado primário, o déficit nominal acumulado em doze meses subiu de 5,0% para 5,8% do PIB - quase o dobro do observado em novembro de 2013. As despesas de juros acumuladas em doze meses ficaram relativamente estáveis em 5,6% do PIB.

A dívida líquida do setor público variou pouco, alcançando 36,2% do PIB. Mas a dívida bruta do governo geral subiu de 62,4% para 63,0% do PIB. A depreciação cambial teve efeito favorável na dívida líquida, porque o setor público possui maior volume de ativos do que passivos em dólares. No entanto, o efeito da depreciação do câmbio é desfavorável para a dívida bruta, em função da dívida externa, da dívida interna indexada ao câmbio e do estoque de swaps cambiais. Para exemplificar, calculamos que uma depreciação de 10% da taxa de câmbio causa uma queda de 1,0 p.p. do PIB na dívida líquida e alta de 0,8 p.p. do PIB na dívida bruta.

Conclusão
Os resultados fiscais de novembro surpreenderam negativamente, com o setor público consolidado atingindo um déficit primário de R$ 8,1 bilhões (expectativa de mercado: R$ -1,6bi; Itaú: +4,0bi). Além do já esperado pagamento atrasado de precatórios (R$6,1bi), a aceleração nas despesas federais discricionárias foi decisiva para o resultado negativo no mês. A arrecadação do Refis (R$8,1bi) evitou um resultado ainda mais negativo. O déficit primário acumulado no ano torna improvável o alcance de um resultado primário positivo em 2014.

Um superávit primário negativo ou zerado em 2014, além dos riscos baixistas para a atividade econômica no ano que vem, aumenta o desafio para o ajuste fiscal, que tem como meta alcançar um superávit primário de R$ 66 bilhões (1,2% do PIB) em 2015.

Luka Barbosa
Economista
Pesquisa macroeconômica - Itaú
Ilan Goldfajn - Economista-Chefe
Para acessar nossas publicações e projeções visite nosso site:
http://www.itau.com.br/itaubba-pt/analises-economicas/publicacoes/

sábado, 28 de setembro de 2013

Brasil dos companheiros: um pais avestruz - Edmar Bacha

Abrir ou abrir, eis a questão

Instituto Millenium, 28 de setembro de 2013
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2013
Edmar Bacha
A economia brasileira está enferma. É isso que nos dizem os pibinhos, a inflação alta e a desindustrialização. São sintomas da baixa produtividade do país, que tem a ver com o atraso tecnológico, a escala reduzida e a falta de especialização que caracterizam nossas empresas de modo geral. É o resultado do isolamento econômico que o país se impôs em relação ao comércio internacional com exportações de apenas 12,5% do PIB, que representam menos que 1,3% do total mundial em 2012. Medido pelo PIB, o Brasil responde por 3,3% do total do mundo – número 2,5 vezes maior que sua participação nas exportações mundiais. Enquanto acordos de preferência comercial proliferam mundo afora, o Brasil permanece atado à letargia do Mercosul. Agora que um brasileiro está dirigindo a Organização Mundial do Comércio, é boa hora de reavaliar essa política de isolamento e promover maior integração do país ao comércio internacional.
Os diagnósticos correntes sobre a doença brasileira de elevada inflação combinada com reduzido crescimento corretamente enfatizam o baixo investimento e a alta carga tributária, além da educação precária. Menor presença no debate tem tido um fator de igual ou maior importância do que os anteriores, a saber, a reduzidíssima participação do comércio exterior na atividade econômica do país. Trata-se de uma questão de natureza quantitativa, pois nesse quesito o Brasil é um ponto fora da curva em relação aos demais países, tanto quanto ou mais que na taxa de investimento, na carga tributária ou na qualificação da mão de obra.
Mas trata-se também de uma questão de natureza qualitativa, da estratégia de desenvolvimento. Tentar atacar simultaneamente todas as mazelas que emperram o crescimento do país é uma receita certa para o fracasso, pois não há governo que terá forças para tanto. Melhor concentrar esforços em nós górdios críticos que, uma vez desatados, tenham o condão de forçar o alinhamento dos demais requisitos para o crescimento. Trata-se de uma aplicação do princípio do desenvolvimento desequilibrado sugerido por Albert Hirschman: em lugar de buscar um impossível crescimento simultâneo de todos setores, a melhor estratégia para o desenvolvimento é provocar um desequilíbrio regenerador, forçando os demais requisitos para o desenvolvimento a se alinharem com uma nova realidade. Nesse contexto, Hirschman cunhou o termo exportabilidade para caracterizar como um processo de industrialização poderia levar um país subdesenvolvido para um estágio mais alto de crescimento. Nada de errado com substituir importações, propôs ele, desde que através dessa substituição o país consiga desenvolver novas fontes de exportação. O Brasil deu o primeiro passo, e constituiu uma forte indústria de transformação a partir da substituição de importações. Mas não deu o segundo passo, pois a indústria brasileira produz apenas para o mercado interno e não se integrou às cadeias internacionais de valor.
De acordo com o World Factbook da Central Intelligence Agency dos Estados Unidos, em termos do valor das exportações de mercadorias em 2012 o Brasil ocupou apenas a 25ª posição no mundo, apesar de o PIB brasileiro ter sido o 7º maior do mundo. Trata-se de uma anomalia, pois a Comunidade Europeia ocupou o 1º lugar no mundo, tanto em termos de PIB como de exportações. Os Estados Unidos ocuparam o 2º lugar em termos de PIB e o 3º em exportações. A China ocupou o 3º lugar em termos de PIB e o 2º em exportações. O Japão obteve o 5º lugar, tanto em termos de PIB como em exportações. A Alemanha se posicionou como a 6ª maior economia do mundo e a 4ª maior exportadora em 2012.
O 7º maior exportador do mundo foi a Coreia do Sul, cujo PIB ocupou a 13ª posição no ranking mundial. Ou seja, países ricos ou bem-sucedidos na transição para o Primeiro Mundo são simultaneamente grandes exportadores. O que não acontece com o Brasil. Semelhante ao Brasil, com um PIB grande, mas exportações pequenas, somente está a Índia (11º maior PIB do mundo e 21º maior exportador) – um país pobre que está a duras penas tentando transitar para a classe média. Caberia fazer a objeção de que, apesar de os Estados Unidos serem grandes exportadores, suas exportações de bens e serviços respondem por apenas 13,6% do PIB americano, número pouco maior que o do Brasil. Mas o PIB dos Estados Unidos representa praticamente ¼ do PIB mundial e é quase sete vezes maior que o do Brasil. Além disso, os Estados Unidos operam na fronteira da tecnologia mundial, o que está longe de acontecer com o Brasil.
Quadro igualmente desalentador, do ponto de vista da integração brasileira no comércio mundial, revela-se quando olhamos os valores das importações. Nas estatísticas do Banco Mundial para 2012, a parcela das importações de bens e serviços no PIB do Brasil é de apenas 13%, o menor valor entre todos os 176 países para os quais o banco tem dados. Na Coreia do Sul, a parcela das importações no PIB é 54%. Na Alemanha, 45%. Na China, 27%. Mesmo os Estados Unidos, com sua economia gigantesca, importam 18% do PIB, quase 40% mais que o Brasil.
A conclusão é que vivemos num dos países mais fechados ao comércio exterior. É algo paradoxal, pois, ao mesmo tempo, somos um mercado muito atraente para o investimento direto das multinacionais. Conforme o World Investment Report de 2013 da UNCTAD, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking de destinos preferenciais do investimento estrangeiro direto, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Hong Kong. A explicação é que as multinacionais vêm aqui para explorar o mercado interno protegido e não para integrar o país às suas cadeias produtivas mundiais, como ocorre com suas subsidiárias nos países asiáticos. O paradoxo ocorre porque temos uma conta de capital aberta ao fluxo de investimento, mas uma conta corrente fechada ao fluxo de comércio. Trata-se de uma receita certa para o que a literatura econômica denomina de crescimento empobrecedor . As multinacionais lucram ao investir no país, mas o resto da economia definha, ao deslocar para a substituição protegida de importações recursos locais que poderiam ser empregados com maior eficiência em atividades exportadoras.
O isolamento do país em relação ao comércio internacional é preocupante porque a evidência do pós-guerra sugere não haver caminho para o pleno desenvolvimento fora da integração com o resto da comunidade internacional. São poucos os países que conseguiram superar a chamada armadilha da renda média e chegar ao Primeiro Mundo nos últimos 60 anos anos. Alguns, como Israel e os países do Sudeste Asiático – Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Taiwan – o fizeram apoiados nas exportações industriais. Outros, como os da periferia europeia – Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal – nas exportações de serviços, inclusive de mão de obra. Outros ainda, com abundantes recursos naturais e escassa população, como Austrália, Nova Zelândia e Noruega, nas exportações de commodities. Cada país à sua maneira, explorando suas respectivas dotações de recursos, mas todos eles com uma característica em comum: a crescente integração com o comércio internacional.
A explicação para essa associação entre comércio e riqueza está em que, através da substituição de importações, é possível atrair do campo para a cidade a população predominantemente subempregada na agropecuária. O crescimento da produtividade agregada que esse deslocamento populacional propicia é suficiente para elevar a renda nos estágios iniciais do desenvolvimento. A partir do esgotamento desse manancial de mão de obra, entretanto, ganhos adicionais de produtividade, que levem da renda média para a renda elevada, dependem de empresas com escala, especialização e tecnologia que somente podem ser obtidas através da integração do país ao comércio internacional. Embora o Brasil seja um país relativamente grande, representa apenas 3,3% do PIB mundial e está longe da fronteira tecnológica mundial.
Na década de 1960, a renda per capita da Coreia do Sul era inferior à do Brasil. Sua estratégia de industrialização, entretanto, baseou-se na promoção de exportações, enquanto que o Brasil persistiu na substituição de importações. Em 1970, as exportações de bens e serviços da Coreia do Sul representavam 15% do PIB, enquanto no Brasil essa relação era pouco menos da metade disso, ou 7% do PIB. Cinquenta anos depois, em 2012, o coeficiente de exportações da Coreia do Sul havia se tornado 3,9 vezes maior do que em 1970, situando-se em 58,5% do PIB. Enquanto isso, o coeficiente de exportações do Brasil foi de 12,5% do PIB em 2012, apenas 1,8 vez maior do que em 1970. Visto de outro modo, a Coreia do Sul é hoje um país desenvolvido, com um PIB per capita de US$ 32.800 e uma corrente de comércio (exportações mais importações de bens e serviços) superior ao valor de seu PIB, enquanto o Brasil continua sendo um país de renda média, com um PIB per capita de US$ 12.100 e corrente de comércio inferior a ¼ de seu PIB. Não há dúvida de que o extraordinário potencial exportador da Coreia do Sul está associado à sua excelente infraestrutura, ao avanço tecnológico de suas empresas líderes e à qualidade de sua educação. Mas tudo isso teria sido difícil, se não impossível, de colocar em pé não fora a decisão do governo coreano, já na década de 1960, mas especialmente após o primeiro choque do petróleo, em 1973, de dar exportabilidade a seu processo de industrialização.
Esse é o desafio que o Brasil enfrenta. Para ultrapassar a armadilha da renda média, é imperativo que deixe de ser um dos países mais fechados do mundo ao comércio internacional. Somente aumentando significativamente a participação das exportações no PIB é que deixaremos de ser apenas um exportador de commodities e conseguiremos desenvolver uma indústria e um setor de serviços internacionalmente competitivos. O exemplo da Embraer, que importa 70% do que exporta, indica o caminho para o futuro. O fato de praticamente todas as multinacionais relevantes já terem instalações no país facilita essa transição. Embora as multinacionais tenham vindo para aqui para explorar o mercado interno, não vão abandonar o país, desde que lhes sejam oferecidas alternativas atraentes para, a partir de sua posição privilegiada no mercado interno, desenvolverem uma atividade exportadora complementar às de suas associadas nos demais países do mundo. A presença maciça das multinacionais é um ativo importante para o país poder integrar-se às cadeias mundiais de valor.
Multinacionais vêm aqui para explorar o mercado interno protegido e não para integrar o país às suas cadeias produtivas mundiais


A sugestão para a alternativa integradora é um programa pré-anunciado a ser implantado gradualmente, ao longo de um número de anos. Por ser um programa gradualista, e não um tratamento de choque, haverá que se construir previamente um consenso político e social para sua sustentação. Esse consenso poderá possivelmente ser alcançado a partir de duas constatações.
A primeira é que, se seguirmos no atual curso de isolamento econômico, continuaremos a gerar pibinho atrás de pibinho , sem conseguirmos sair da renda média. A evidência do letárgico comportamento econômico do país nos últimos 30 anos, reiterada no atual mandato presidencial, nos sugere isso fortemente.
A segunda constatação é que os acordos de preferência comercial tornaram-se, nos últimos anos, importante mecanismo de política comercial dos países e, hoje, podem ser considerados característica irreversível da regulação do comércio internacional. Mais recentemente, comunidades com mercados internos muito maiores do que o nosso e na fronteira da tecnologia mundial, como os EUA e a União Europeia, reconhecendo que, no mundo globalizado em que vivemos, precisam unir forças para acelerar seu crescimento, propuseram negociar uma profunda área de livre comércio entre si, a chamada Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento. A impertinência da postura comercial do Brasil fica assim mais flagrante do que nunca, clamando por um programa de integração que nos libere da atual posição de isolamento.
O programa de integração aqui sugerido tem três pilares: reforma fiscal, substituição de tarifas por câmbio e acordos comerciais, a serem implantados de forma progressiva ao longo de alguns anos.
O objetivo da reforma fiscal, o primeiro pilar do programa, seria permitir uma simplificação e redução da carga tributária sobre as empresas, sem que isso implique um aumento da dívida pública. Parece atrativa uma fórmula adotada por Israel em 2010: fixar um limite superior para o crescimento dos gastos públicos igual à metade do crescimento potencial do PIB, estimado como sendo aquele observado nos últimos dez anos. No caso brasileiro, isso quer dizer um crescimento dos gastos públicos, em termos reais, de 1,5% ao ano. Para reduzir o espaço de manobra para contabilidades criativas que subestimem os aumentos dos gastos (através de orçamentos paralelos, por exemplo), essa meta seria suplementada por limites também para o crescimento da dívida pública bruta. O detalhamento desse pilar seria feito a partir de um estudo sobre os diversos componentes do gasto público e sobre as reformas necessárias para manter sua expansão sob controle.
O primeiro pilar contribuiria para diminuir o custo Brasil , que é o principal problema com que se defrontam as empresas brasileiras para enfrentar a concorrência internacional. O segundo maior problema é o câmbio.
Esse é o tema do segundo pilar da proposta, a saber, a substituição da proteção tarifária contra as importações por uma proteção cambial . Trata-se de anunciar uma redução substancial, a ser implantada de forma progressiva, das tarifas às importações, dos requisitos de conteúdo nacional, das preferências para compras governamentais, das amarras aduaneiras e portuárias, e das especificações técnicas de produtos distintas daquelas adotadas internacionalmente.
Entre as medidas facilitadoras do comércio, está a autorização para que todos os interessados possam utilizar o Despacho Aduaneiro Expresso/Linha Azul, adotado pela Receita Federal para agilizar os trâmites relacionados às operações de comércio exterior. Trata-se de um procedimento especial que atualmente beneficia apenas algumas grandes empresas.
Ainda na categoria das medidas facilitadoras do comércio, deve incluir-se substancial melhoria da infraestrutura portuária e de transportes, através de concessões e parcerias público-privadas. Como demonstram estudos recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento, reduções plausíveis nos custos dos transportes podem trazer aumentos expressivos da exportação do país.
A continuar o atual curso de isolamento econômico, o país só conseguirá gerar pibinho atrás de pibinho , sem sair da renda média


O anúncio dessas medidas antiprotecionistas presumivelmente será feito por um/a presidente convicto/a de sua necessidade e com apoio no Congresso para sua implantação, ou seja, será um anúncio crível. Nesse caso, sob um regime de câmbio flutuante, esse anúncio terá o efeito de desvalorizar o câmbio, pois os agentes financeiros passarão a comprar dólares e a vender reais, para lucrar com o aumento da demanda de dólares que ocorrerá para efetuar as importações adicionais que serão facilitadas.
Esse é o pilar central do plano, pois é ele que, dando acesso a insumos modernos, possibilitará a integração da indústria brasileira ao comércio internacional, à semelhança do que hoje ocorre com a Embraer. Haverá ganhos tecnológicos, de escala e de especialização. Certamente, haverá perdedores, assim como ganhadores. O Brasil (como os Estados Unidos ainda hoje) continuará a ser um grande exportador de commodities, mas dificilmente macros setores inteiros se beneficiarão ou se verão prejudicados pela abertura. É certo que os instrumentos de proteção que serão diminuídos ou eliminados parecem ser hoje mais importantes para a indústria de transformação do que para a agricultura ou a mineração. Entretanto, a indústria será a principal beneficiada da redução de impostos, já que a atividade primária é relativamente menos taxada. Além disso, na margem da expansão do comércio, a indústria de transformação se beneficiará de economias de escala e de especialização que não estão presentes na agricultura, pois esta opera sob um regime de custos crescentes, ao ocupar terras menos produtivas ou mais distantes. Também, embora de forma seletiva, a indústria será a maior beneficiada do acesso a insumos importados mais baratos e de melhor qualidade.
Não é simples o desenho de um mecanismo para a troca proposta das tarifas por câmbio, especialmente por causa da volatilidade da conta de capital e sua importância na determinação da taxa de câmbio. É possível imaginar soluções para esse dilema, através de taxas de câmbio de referência, controles macro prudenciais e outros mecanismos, mas por hora cabe apenas ressaltar a importância da troca das tarifas pelo câmbio. Quando o programa for implantado, se fará a escolha entre as alternativas possíveis, pois ela dependerá de uma série de fatores conjunturais, tais como a situação da conta corrente, o ponto de partida da taxa de câmbio, a distância entre a taxa de inflação e o centro da meta e as perspectivas sobre os fluxos de capital.
O terceiro pilar do programa são os acordos comerciais internacionais. Dado o amplo mercado interno que abrirá às exportações dos demais países, o Brasil estará em condições de fazer negociações vantajosas para a abertura compensatória dos mercados de seus parceiros comerciais. O leque de possibilidades é amplo, envolvendo acordos multilaterais, regionais e bilaterais. O certo é que o país necessitará de liberdade de movimentos e, portanto, deverá flexibilizar as regras de lista comum para a negociação com terceiros países que têm sido observadas no Mercosul.
É importante ter em conta que o programa de integração aqui sugerido é unilateral. Portanto, não está condicionado à realização de acordos comerciais. Entretanto, na definição do sequenciamento da abertura, certamente haverá espaço para fazê-la em primeiro lugar em relação aos países que se proponham assinar acordos comerciais com o Brasil. A abertura em relação aos demais países ficaria mais para o fim do processo. Isso deverá ser estímulo suficiente para induzir nossos parceiros comerciais a logo firmarem esses acordos, para terem acesso mais rápido ao mercado interno brasileiro. Não se pode perder de vista que a troca das tarifas pelo câmbio é uma vantagem em si para o Brasil. Os ganhos comerciais que vierem dos acordos serão adicionais àqueles propiciados por essa política de dinamização do crescimento econômico brasileiro.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Brasil: a economia do mundo da fantasia - Celso Ming

Acredite se quiser

30 de agosto de 2013 | 2h 23
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
O governo federal divulgou ontem a peça de ficção que tem-se repetido: o Orçamento-Geral da União. É ficção não porque contenha erros de avaliação, tanto de arrecadação quanto de despesa, mas porque trabalha propositalmente com variáveis destituídas de senso de realismo.
Lá estão previstos para 2014 um avanço do PIB de 4,0%; uma inflação de 5,0%; e uma cotação do dólar (taxa de câmbio) de R$ 2,19. Qualquer administrador de patrimônio que precisa trabalhar com parâmetros macroeconômicos confiáveis sabe que esses números não têm consistência.
Não muda as coisas quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, adverte, como ontem fez, que "esses números não devem ser tomados como previsões porque o governo não pode adivinhar" e, por isso, começa de alguma base para depois ir ajustando. Mas, se eles são inconsistentes, que valor podem ter? O governo não quer apontar suas verdadeiras estimativas provavelmente porque ainda imagina que é melhor esbanjar otimismo, para talvez com isso influenciar o estado de espírito dos formadores de opinião. Infelizmente, o resultado vai na direção oposta.
As projeções com que lidam cerca de 100 consultorias, departamentos econômicos de empresas e bancos auscultados semanalmente pelo Banco Central para a Pesquisa Focus, são bem diferentes: crescimento econômico de 2,9%, inflação de 5,8% e cotação do dólar (em fim de 2014) de R$ 2,35.
Desde 2011 é a mesma coisa: o ministro Mantega começa projetando o avanço do PIB em 4,0% ou 4,5% e termina entregando uma fração disso. Foi de 0,9% em 2012 e o próprio Mantega já não espera mais de 2,5% em 2013.
Como de tantas outras vezes, também agora o ministro condiciona o bom desempenho da atividade econômica brasileira à melhora do cenário mundial. No entanto, as principais limitações estão aqui dentro: distorções na economia, rombo progressivo nas contas externas, inflação alta, investimento baixo, mercado de trabalho aquecido demais, altos custos de produção e um desânimo crônico, que é, ao mesmo tempo, resultado e causa de tudo isso.
Para dar alguma racionalidade a uma inflação em 2014 de apenas 5,0% (acima da meta de 4,5%, mas, ainda assim, abaixo de todas as projeções que estão por aí), o governo se compromete a deixar uma sobra de arrecadação para pagamento da dívida (superávit primário) equivalente a 2,1% do PIB. Mas 2014 é um ano de eleições. Se a administração das contas públicas não passa confiança em anos comuns, como acreditar que em 2014 seja tudo diferente?
Mais uma vez, vai sobrar para o Banco Central a tarefa de segurar a inflação hoje pressionada pela esticada do câmbio e pelo represamento dos preços administrados, especialmente o das tarifas dos combustíveis.
Se repetir nas duas próximas reuniões do Copom (outubro e novembro) a mesma dose de alta dos juros básicos (Selic) definida quarta-feira, ainda neste ano poderemos ter de volta os dois dígitos (de 10% para cima), até agora tabu no governo Dilma. E, mesmo se a opção for por um último ajuste na Selic (no ano) de apenas 0,25 ponto porcentual, os dois dígitos podem perfeitamente acontecer de janeiro em diante, principalmente se o Banco Central continuar perseguindo a convergência da inflação à meta.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Governo enxugando gelo, tratando dos efeitos, nao das causas - Celso Ming

E as questões de fundo?

25 de junho de 2013 | 2h 10
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Tanto o governo federal como os estaduais apressam-se a atender a algumas das reivindicações apresentadas nas manifestações que acontecem há três semanas pelo Brasil. O risco é de que se limitem a resolver apenas os problemas imediatos e não os de fundo, que são as distorções da economia, como os gastos públicos desordenados e a inflação.
Na semana passada, em ação coordenada pelo governo federal, governadores e prefeitos trataram de cancelar os reajustes da condução. Em São Paulo, por exemplo, o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus e metrô foi sumariamente cancelado e não apenas adiado, como já tinha sido. E, ontem, o governador Geraldo Alckmin antecipou-se às manifestações e tratou de cancelar novo reajuste do pedágio.
Além disso, a presidente Dilma, governadores e prefeitos se dispuseram a dialogar com as lideranças dos movimentos para terem melhores condições de atender às reivindicações. Paralelamente a essas iniciativas, aumenta a pressão para resolver as principais questões políticas mostradas pela rua, como a falta de representação dos jovens e das novas classes médias nos fóruns de decisão política e econômica. Daí as inúmeras declarações de que deva ser necessário apressar a reforma política, pleito com que ainda no período Lula o governo já se havia comprometido, mas ao qual não deu seguimento.
São providências necessárias e, até certo ponto, inadiáveis. Portanto, têm de ser levadas adiante. No entanto, infelizmente, não se vê a mesma disposição das autoridades em atender às mais importantes questões econômicas de fundo, que são as causas do descontentamento.
No discurso de sexta-feira em cadeia de rádio e TV, a presidente Dilma não se referiu a nenhuma das questões econômicas que permeiam a falta de confiança e a insatisfação da sociedade.
É óbvio que os reajustes das tarifas de condução não são o problema principal. Ele está na inflação que impôs os reajustes. A inflação, por sua vez, voltou a disparar em consequência de outros desajustes, sobre os quais até mesmo o Banco Central tem se manifestado reiteradamente e que permanecem sem resposta.
No pronunciamento de sexta-feira, a presidente Dilma não fez nenhuma referência, nem explícita nem implícita, às causas econômicas dos atuais distúrbios políticos e sociais. Isso não significa que as ignore. Mas, à falta desse foco, a sociedade corre o risco de que as doenças subjacentes permaneçam sem tratamento.
A simples eliminação dos reajustes da condução e do pedágio, por exemplo, tende a aprofundar os atuais desequilíbrios orçamentários. As receitas serão mais baixas e as subvenções tendem a aumentar. Como o impacto sobre a atividade econômica tende a ser ainda mais acentuado pelo crescimento mais baixo, as receitas públicas sofrerão ainda mais. E, se a tudo isso se juntar a crescente deterioração da confiança no governo, então estamos diante de um quadro que exige bem mais atenção das autoridades do que a que vem sendo dispensada. Ontem, a presidente Dilma anunciou a amarração de um Pacto de Estabilidade Fiscal. Pode ser um bom recomeço, embora não se saiba ainda o que isso significa.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Da' pra' trocar de governo? Por enquanto não... - Carlos Alberto Sardenberg

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 20/06/2013

A gerente de uma pequena farmácia do bairro de Pinheiros, em São Paulo, me conta, animada, que fechara a loja na última terça, às 21 horas, e fora direto para a manifestação na Avenida Paulista. Protestar contra o quê? — pergunto, sabendo que ela tem carro. E ela: “Bom, contra tudo, né? A gente trabalha tanto e não tem dinheiro para passear, aproveitar a vida”.
Uma reclamação rara, valia a pena especular. A moça elaborou mais um pouco. “A gente paga IPTU, tanto imposto, e o governo fica dando dinheiro para quem não trabalha. Dar emprego, tudo bem, mas dar bolsa não é justo, o senhor não acha?”
Resumindo a bronca: muito trabalho, salário suficiente para viver, mas não para aproveitar a vida; o governo toma muito imposto e não devolve serviços justos para quem trabalha tanto.
Tarifas de ônibus, trens e metrô cabem aí. O passageiro paga caro por um serviço ineficiente e desconfortável.
Generalizando, o governo é caro, mas não presta. Pelo e-mail da CBN, um ouvinte de Petrópolis conta que foi ontem à Secretaria municipal de Saúde tirar a carteira para atendimento no SUS. Não deu, o sistema estava fora do ar. Na fila, comentaram que estava assim havia quatro dias. Cidadão zeloso, nosso ouvinte ligou para o 136, ouvidoria do SUS, onde obteve a informação de que... o sistema estava fora do ar.
Na pesquisa CNI-Ibope divulgada ontem, a área de saúde apareceu, junto com segurança, como a de pior avaliação: 66% dos entrevistados desaprovam os serviços. Esse resultado negativo tem se repetido e vale para os três níveis de governo (municipal, estadual e federal) já que todos têm alguma coisa a fazer nesse setor.
Entende-se por que os protestos parecem, digamos, genéricos. É difícil mesmo para o cidadão saber que o posto é municipal ou estadual, mas o remédio é federal.
Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, um intelectual sempre interessado em entender a cena brasileira, costuma perguntar a todo mundo que encontra: “Me diga o que você acha que funciona no Brasil.”
As três respostas mais citadas, amplamente dominantes: o sistema de apuração de eleição, as campanhas de vacinação e a Receita Federal. Elaborando aqui e ali, o pessoal aprecia a rapidez da apuração, mas não os políticos eleitos. Com as vacinações, tudo bem. Já quanto à Receita, seria uma admiração ao revés — como os caras sabem cobrar!
E assim voltamos ao ponto de partida: o governo cobra caro, sabe cobrar, e não entrega. Trata-se de um sentimento, um mal-estar que, entretanto, não resulta em propostas políticas determinadas.
É curioso. Bronca generalizada com o governo e com os impostos — bem, isso parece uma atitude liberal. Lembram-se? Governo não é a solução, é o problema, repetia Ronald Reagan.
Mas, por aqui, muita gente que reclama do governo pede mais governo. Por exemplo: as reivindicações para a estatização completa dos transportes públicos, de modo a eliminar o “lucro predatório” das empresas privadas que operam o setor.
Não faz sentido. Se as prefeituras e os governos estaduais não conseguem gerenciar nem fiscalizar, como conseguiriam fazer isso e ainda operar todo o sistema? Tanto é assim que governadores e prefeitos das maiores cidades têm deixado o tema de lado. Eles sabem que não teriam dinheiro nem capacidade de assumir todo o transporte público.
O governo Dilma, ainda que constrangido, também admite essas dificuldades do setor público. Tanto que está aplicando um programa de privatização de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.
Mas é uma espécie de privatização envergonhada, com muitas restrições à atuação das empresas privadas. Isso resulta de uma ideologia de esquerda bastante disseminada no país, mas também de uma prática velha, fisiológica, dos políticos que vivem de ocupar espaço nos governos para atender não o povo, mas a seus interesses e aos de seus correligionários.
Caímos, assim, nesse impasse: o pessoal tem bronca do governo e, por falta de outra proposta, acaba achando que a solução está no governo.
Fica difícil. Como pedir menos impostos — e todo mundo pede isso — e mais serviços oferecidos pelo governo?
Já os governantes, pressionados pelas manifestações, dizem que não têm dinheiro para fazer o que pedem. De certo modo, é verdade: as demandas são infinitas. Mas a principal política do governante é exatamente escolher as prioridades, decidir onde e com quem vai gastar o dinheiro público.
É nisso que falha nosso sistema político. Não aparecem as diferenças de orientação programática. Por isso os governos ficam parecidos, e tão parecidos que as pessoas reclamam “contra tudo”.
A questão política nacional é: como sair da bronca para uma doutrina e respectiva ação que consertem as coisas?


Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

domingo, 25 de setembro de 2011

O Fim do Mundo? Dolar cai nas reservas internacionais...

Seria o fim do mundo, as we know it?
Talvez. 
Ou pelo menos o fim da supremacia do dólar nas transações financeiras internacionais.
Todo mundo -- pelo menos os ingênuos -- reclama da supremacia inaceitável de uma "moeda nacional", da hegemonia intolerável do dólar nos assuntos financeiros internacionais, do "privilégio exorbitante" que tinha essa moeda para obrigar a todos a aceitá-la, mesmo estando submetida ao arbítrio financeiro e monetário, às "manipulações cambiais" da hiperpotência, que isso tinha de acabar, etc e tal.
Pois bem, acho que já chegamos nessa fase, e o mundo diversifica seus ativos e reservas para menos dólares e mais euros, ienes, libras, yuans, etc...
Será isso bom?
Talvez.
Eu tenho a impressão de que ainda vamos sentir saudades dos tempos em que o dólar reinava absoluto.
Anotem, recordem, escrevam-me, dentro de alguns poucos anos...
Paulo Roberto de Almeida 



Participação do dólar nas reservas dos países em desenvolvimento caiu de 43% para 23% nos últimos 10 anos

Estudo é divulgado pelo WOC – World Organization of Creditors

Falando em junho de 2011 no Fórum Econômico Internacional em São Petersburgo, o Presidente Dmitri Medvedev sublinhou que “o uso mais ativo do rublo, do iuan e de outras moedas emergentes nos mercados globais tornará, evidentemente, o sistema monetário internacional mais flexível e confortável para o trabalho dos investidores”.
Mas, para que a comunidade global use mais ativamente as moedas dos países em desenvolvimento, é necessário um número de pré-condições. Em particular, os participantes do mercado global devem estar seguros quanto à estabilidade da situação econômica de um determinado país, quanto à estabilidade do valor de sua moeda nacional e se o país está em dia com seus débitos internacionais. E, por sua vez, a sua moeda depende do nível das reservas internacionais do país. A WOC – World Organization of Creditors estudou os acúmulos de reservas dos países em desenvolvimento para definir se o rublo, o iuan e outras moedas de países com economias em desenvolvimento podem ocupar um lugar competitivo ao lado do dólar, do euro e do franco suíço. Os resultados da pesquisa mostram que, em volume de reservas e nos índices relativos, os maiores países em desenvolvimento estão agora numa situação mais vantajosa em comparação com os países desenvolvidos. Isso pode acarretar o crescimento gradual de importância das moedas nacionais da China, da Rússia e de outros países em desenvolvimento na realização de acordos internacionais e como moedas de reserva.
Apesar da renúncia do sistema monetário estabelecido em Bretton Woods e da diminuição do papel do dólar americano como “dinheiro mundial” (que ele compartilhava com o ouro), o dólar ainda permanece a principal moeda de reserva e pagamento no mundo.
Segundo o sistema monetário vigente no mundo de hoje, que foi chamado de jamaicano, nenhuma moeda nacional tem o status de moeda de reserva. Os Direitos de Saque Especiais (DSE) foram fixados como o principal meio internacional de reserva e pagamento. Trata-se de uma moeda artificial, criada pelo Fundo Monetário Internacional em 1969 e consistindo de uma cesta de moedas dos principais países do mundo.
Ainda assim, o dólar americano ainda supera consideravelmente todas as outras moedas nos volumes de seu uso no sistema global como meio de reserva e pagamentos.
Isso é justo? Quais são as atuais tendências das reservas monetárias no mundo?
Moedas de reserva
As reservas internacionais em valor-ouro de cada país são ativos externos que estão sob o controle dos organismos que regulam a política monetária e de crédito do país. Podem ser usadas para apoiar o valor da moeda nacional, para financiar o déficit da balança de pagamentos e outros objetivos de natureza semelhante.
Durante o período de 1995 até 2010 os volumes das reservas mundiais cresceram 6,7 vezes, para 9,257 bilhões de dólares. Para comparação: o Produto Interno Bruto mundial segundo os preços correntes do mesmo período, pelos dados do FMI, cresceu 2,1 vezes. Durante os últimos 15 anos os países desenvolvidos aumentaram seus capitais 3,3 vezes, e o países em desenvolvimento, 13,5 vezes.
Em 1995 as reservas monetárias dos países em desenvolvimento equivaliam a menos da metade (49%) do índice correspondente dos países desenvolvidos. Em 2005, as reservas agregadas dos países em desenvolvimento pela primeira vez ultrapassaram as reservas dos desenvolvidos, e em 2010 elas já eram duas vezes maiores.
Participação monetária
A participação monetária, não definida pelo conteúdo das moedas, cresceu suficientemente – de 26% para 45%. E esse índice é um tanto baixo para os países desenvolvidos: em 2010 ele representou apenas 13%. Já nos países em desenvolvimento a participação em reservas monetárias com estrutura oculta é ao contrário muito elevada – cerca de 61% de suas reservas agregadas (em 1995 – 42%).
É difícil afirmar, mas é possível supor que os países em desenvolvimento escondem a informação devido ao fato de que suas reservas contêm os tradicionais dólar americano, euro, iene japonês, DSE ou franco suíço, mais outras moedas, menos tradicionais.
A participação do dólar americano em reservas monetárias internacionais em 1995 representava 44%, em 2000 ela alcançava o índice recorde de 56% nas reservas monetárias globais. Mas desde então a participação do dólar vem caindo consideravelmente, e em 2010 ela representava apenas 34%. E sua participação nas reservas dos países desenvolvidos era em média os mesmos 56%, mas nas reservas dos países em desenvolvimento chegava a apenas 23%.
A participação do euro nas reservas monetárias agregadas dos países em questão caiu nos últimos 15 anos de 20% para 15%. Em 1995 as reservas nessa moeda foram, por questão de conveniência, consideradas no nível da soma das reservas, indicadas em marcos alemães, francos franceses e florins holandeses. O FMI possui dados sobre o euro a partir de 1999. O número dos países da zona do euro cresceu suficientemente, e, naturalmente, suas reservas em euro agora não são incluídas nas estatísticas do FMI. Mais provavelmente, esse é o fato que explicaria a diminuição na participação do euro nas reservas dos países desenvolvidos. Além do mais, sua participação nas reservas dos países em desenvolvimento permanece bastante estável – entre 9 e 13%.
A participação do iene japonês nas reservas internacionais diminuiu de 5% em 1995 para 2% em 2010.
E as participações da libra britânica e do franco suíço permanecem estavelmente baixas.
Direitos Especiais de Saque (DES) e outras reservas
Os DES são um ativo de reserva internacional, criado pelo FMI em 1969 a fim de sustentar a estabilidade do sistema Bretton Woods então existente para converter as moedas segundo uma taxa fixa. Hoje o DES é uma cesta de quatro moedas – o dólar americano, o euro, o iene japonês e o franco suíço. O peso de cada uma dessas moedas na cesta é revisto a cada cinco anos a fim de que os DES reflitam melhor o estado da exportação mundial de bens e serviços e as reservas monetárias internacionais.
Segundo os resultados de todos os investimentos de DES, o volume emitido dessa “moeda” no mundo chega a 204 bilhões de DES, que equivalem a 324,3 bilhões de dólares. Ele representa apenas 3,5% do volume total de reservas monetárias no mundo. As posições dos países do FMI em volumes de reservas também são relativamente baixas.
Líderes de acumulação
Os três principais países em volumes de reservas hoje são a China, o Japão e a Rússia. A República Popular da China é um líder de acumulação de reservas em valor-ouro, das quais excedeu em março de 2011 o volume de 3 trilhões de dólares americanos. Os dados para o início de 2011 indicavam que o Japão estava atrás da China no índice quase três vezes, e a Rússia, seis vezes. O grupo de países da zona do euro também possui um total impressionante de reservas – 790 bilhões de dólares no início do ano. Os Estados Unidos ocupavam apenas o 15.º lugar, com a soma de reservas em valor-ouro de 133 bilhões de dólares, e o microestado europeu de Malta, com reservas de meio bilhão de dólares, é o último na lista dos 72 países do FMI.
Segundo o índice de suficiência de reservas em proporção ao volume mensal médio de importações, a China está de novo em primeiro lugar: suas reservas são teoricamente suficientes para dois anos de importações. A Rússia e o Japão estão em segundo e terceiro lugares (18 e 17 meses de “reservas para importações”, respectivamente). A Alemanha e a Grã-Bretanha, por exemplo, têm pequenas reservas: elas seriam suficientes para pagar apenas dois meses de importações (o mínimo suficiente é o volume dos ativos de reserva que garantam o custo da importação de bens e serviços durante três meses). E nos Estados Unidos esse índice só chega a um mês.
Conclusões principais
1) Entre os países em desenvolvimento, a participação nas reservas, cujo conteúdo não é revelado, está em constante crescimento. No final de 2010 esse índice era de 61%. É provável que os países em desenvolvimento ocultem a informação devido ao fato de que suas reservas não contêm os tradicionais dólares americanos, euros, ienes japoneses, DSE ou francos suíços, mas outras moedas, menos tradicionais.
2) A participação do dólar americano como moeda de reserva decresce constantemente (só podemos analisar os dados a partir do portfólio das reservas reveladas pelo FMI). Uma queda especialmente acentuada é observada nas reservas dos países em desenvolvimento, e é nesses países que o crescimento mais significativo das reservas ocorre. A participação do euro nas reservas dos países permanece bastante estável.
3) Os Direitos de Saque Especiais no mundo não receberam grande atenção. O volume dos DSE emitidos só chega a 3,5% das reservas totais.
4) As moedas de países como China, Rússia e Índia não estão representadas nos dados do FMI.
Desconhece-se, mas é possível, que parte das reservas monetárias, cujo conteúdo não é definido, sejam parte dessas moedas também. De qualquer modo, esses países ocupam o primeiro, o terceiro e o quarto lugares nos volumes de suas próprias reservas. Suas posições entre os países com maiores reservas são muito acentuadas e testemunham a sua capacidade de apoiar o valor de sua própria moeda em casos de choques econômico-financeiros, déficit da balança de pagamentos, etc., em contraste com os países mais desenvolvidos, cujas reservas são muito pequenas.
Dados sobre as reserves confirmam que os maiores países em desenvolvimento se encontram agora numa posição mais vantajosa em relação aos países desenvolvidos. Em nossa opinião, o que vai ocorrer é que as moedas nacionais da China, da Rússia e de outros países em desenvolvimento virão a ocupar gradualmente espaços mais importantes ao lado do dólar e do euro.
Para ver os quadros e tabelas desta pesquisa, acesse
e entre no link:
"Share of dollar in reserves of developed countries reduced from 43 to 23 percent for the last 10 years"
Para os dados de informação analítica do WOC, pode ser consultado o Serviço de Imprensa da Organização:
press.secretary@woc-org.com
Tel.: +7 (495) 225-25-39