'Gasto público
deveria ser limitado por uma lei’, diz Armínio Fraga
Na avaliação do ex-presidente do Banco
Central, medida abriria espaço para a reforma tributária
13 de abril de 2014 |
3h 00
Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum - O Estado de S. Paulo
Há poucas semanas, o senador
Aécio Neves, candidato dado como certo para disputar a presidência pelo PSDB,
oficializou a escolha do economista Armínio Fraga para o posto de coordenador
econômico de sua campanha. Nesta série de entrevistas que ouve economistas
integrados ao debate político e, não raro, ligados aos partidos, Fraga é o mais
engajado. Muitos já o consideram ministro da Fazenda, caso o PSDB ganhe a
eleição. Ex-presidente do Banco Central, Fraga diz que ainda não se aprofundou
no estudo das propostas, mas o esboço tem pilares claros: fortalecer a política
fiscal, ajustar a inflação para o centro da meta, desengavetar a reforma
tributária, entre outras medidas que podem exigir ajustes nem sempre populares.
Mas ele acredita que o importante é antecipar o que deve ser feito, sem
"populismo" eleitoral. "O custo de tomar medidas impopulares é
muito menor do que o de não tomar", diz na entrevista que segue.
Como o sr. vê a economia hoje?
Estou vendo um quadro que se quantifica com poucos números. Um crescimento
baixo, já entrando pela quarto ano, e a sinalização de que o ano que vem também
pode ser difícil por causa dos problemas que estão se acumulando. Ao mesmo
tempo, há uma inflação alta, em torno de 6%, já há bastante tempo, mas
reprimida. A inflação real anda mais alta. Talvez entre 7% e 8%. Esse não é um
quadro bom. Há também o fato de que o déficit em conta corrente do Brasil
caminha para 4% do PIB no momento em que os Estados Unidos segue para a
normalização da taxa de juros e, eventualmente, a China deve desacelerar. Isso
também é uma questão, especialmente porque a taxa de investimento do País não
está aumentando. Agora está acontecendo um movimento no mercado - que eu diria
ser técnico, com recursos mais de curto prazo, indo para um lado ou para outro,
mas isso não deve trazer um grande conforto. O quadro geral ainda não é
tranquilo lá fora. Olhando aqui para dentro no Brasil, hoje o governo concede
60% do crédito, que incorpora ainda repasses do BNDES. Há não muitos anos eram
40%. É um modelo testado por nós, testado por vários outros países que tende a
não entregar o resultado que se quer - tanto do ponto de vista de
produtividade, da qualidade das decisões de crédito e financiamento que são
tomadas, quanto do ponto de vista do risco. O exemplo radical são os Estados
Unidos com as grandes do mercado de hipotecas, Fannie Mae e Freddie Mac
(empresas privadas, mas com propósito público, que eram implicitamente
garantidas pelo governo), que tiveram uma participação fundamental na bolha -
uma senhora bolha. Mesmo nos países mais maduros, essas lições permanecem válidas.
Há outros temas, de caráter mais setorial. Energia está no topo da lista.
Estamos correndo um risco muito grande nessa área. Os dados, infelizmente, vêm
piorando. É grave a questão. O setor de petróleo é outro bem conhecido. À
Petrobrás foi designado o papel de grande locomotiva do setor, mas, ao mesmo
tempo, o governo vem asfixiando o fluxo de caixa da empresa. Para não falarmos
de outras intervenções, como o mix de política industrial, política setorial
também. Enfim, que não vem dando resultado. Talvez fosse até previsível. Em
paralelo, estamos vivendo a crise no setor de etanol - o que é uma tristeza. O
setor tem tudo para ser um líder global. Esse é um setor menos antipático ao
meio ambiente do que o do petróleo, que o dos combustíveis fósseis. Estamos na
situação singular de subsidiar o setor de combustíveis fósseis - algo que vai
na contra mão da recomendação técnica. A determinação é taxar e não subsidiar,
porque esse setor produz um efeito negativo para a sociedade. Esse é o típico
caso em que se recomenda fazer o oposto do que estamos fazendo. A
infraestrutura também é uma área que apresenta muitos desafios. Nesse caso, a
visão é que temos uma moeda com dois lados. Por um lado, a infraestrutura virou
um gargalo seriíssimo em praticamente todas as suas dimensões - e, portanto, é
uma barreira ao crescimento. Mas ela deveria ser uma fantástica oportunidade.
Eu acho que se os futuros governos acertarem a mão nas questões regulatórias e
em outras que influenciam esse setor, eu penso que ele pode virar ao nosso
favor. Mas, nesse momento, é um problema. O resumo é o seguinte, pensando de
uma maneira mais esquemática: a minha leitura é que hoje nós temos uma
macroeconomia que está perdendo as âncoras. A área fiscal perde credibilidade,
o chamado tripé certamente está bem fragilizado. A microeconomia, que deveria
funcionar mais livre, apostando na concorrência, sofre por estar muito amarrada
- e amarrada na parte que cabe ao governo. Portanto, temos dificuldades em
buscar mais produtividade. Subindo ainda mais um nível nesse esquema, penso que
isso tudo espelha uma grande crise no Estado - um Estado que vem continuamente
crescendo, mas não tem sucesso em entregar aquilo que se espera dele. A
qualidade da educação avança lentamente. A população se queixa muito dos
serviços de saúde. Hoje um tema absolutamente vivo e importante é o da
segurança. No geral, seria preciso atacar essas questões. Claro que ninguém
ainda inventou uma fórmula para fazer transplante de Estado - essa é uma
questão de prática. São os governos que vão, aos poucos, melhorando ou piorando
as instituições de um país - e o governo precisa cuidar disso melhor. Não há
exemplo de país que tenha se desenvolvido sem um Estado bom. Pode ser pequeno
ou médio. Eu sou cético em relação a ideia de que um País como nosso pode e se
desenvolver com um Estado grande demais. Um país precisa crescer, precisa
distribuir também, com certeza, mas eu não vejo o mundo social como um jogo de
soma zero. É preciso balancear as coisas. Mas eu vejo o nosso modelo falhando,
tanto pelo lado da distribuição, que ainda é muito ruim, como pelo lado do
crescimento. Diga-se de passagem, não acho que os dois sejam incompatíveis. Ao
contrário. Mas é preciso estruturar o funcionamento do Estado para que ele
atinja esses objetivos - e nesse momento, eles não estão sendo atingidos.
O que, na sua avaliação, pode
acontecer por causa dos problemas que descreveu?
Eu vejo várias dimensões, como já mencionei. Algumas delas mais dramáticas,
outras menos. Eu colocaria no topo da lista hoje a questão da energia. Na
medida que a água atingir um certo nível - e já estamos quase lá -
provavelmente será preciso organizar um pouco as regras do setor. A política de
subsidiar ou reduzir de maneira artificial o custo da energia aponta na direção
de mais escassez lá na frente. Não ajuda. Há que se tomar muito cuidado. Se nós
tivermos o azar de as chuvas continuarem fracas, será preciso tomar
providências o quanto antes. Isso é delicado porque o tema é facilmente
misturado com a política - mas é inevitável que seja assim. Faltou
planejamento. Esse setor deveria trabalhar com flexibilidade para aguentar não
um ano de seca, mas três. Essa era a regra dos especialistas. A energia é o
caso em que poderia haver um problema maior - os outros casos não são tão
dramáticos, mas são igualmente sérios. O governo vem esticando a corda em
várias áreas da chamada macroeconomia. Chega um ponto em que o cobertor fica
curto. Eu penso que chegamos a esse ponto. O caso da Petrobrás é um exemplo.
Descapitalizaram a empresa. O governo precisa arrumar recursos de outra
maneira. Isso gera subsídios. No setor elétrico, por exemplo, os custos
elevados de sustentar esse modelo, as estimativas variam, mas os consumidores
já estão sentindo o custo das termoelétricas. É grave. O custo é grande. Então:
de um lado a inflação preocupa, do outro lado, o impacto fiscal preocupa.
Assim, há uma sensação geral de perda de confiança que vem paralisando bastante
o investimento. Esse é um caminho mais lento em direção ao futuro - e lento
numa direção ruim. Estamos em um ano de eleição. Tipicamente, em anos de
eleição, os governos são mais flexíveis na condução das políticas. Aconteceu em
2010. Só que, neste ano, o governo já entra com dificuldades. O saldo do
primário já vem sendo atingido com receitas não recorrentes e alguns artifícios
de natureza contábil, mas é preciso dar uma resposta mais clara, até para que,
mais adiante, seja possível retomar a trajetória de queda da taxa de juros, que
voltou a níveis muito elevados. Essa, ao meu ver, é uma boa forma de se pensar
o que precisamos num regime macroeconômico. Eu venho dizendo, já há algum
tempo, que o Brasil tinha que ter como objetivo juros de BNDES para todo mundo.
O Pérsio Arida (um dos economistas que idealizou o Plano Real), numa palestra
recente, sugeriu que o conjunto das políticas macroeconômicas se voltasse para
atingir esses objetivos também. Ou seja: ter juros mais normais no Brasil. Esse
é um quadro que sugere o esgotamento de um modelo. Já vivemos isso na nossa
história. Modelos se esgotam. Isso é percebido por analistas, mas, normalmente,
se encontra muita dificuldade na hora de mudar. Os modelos, por piores que
sejam, têm sempre ganhadores - e os ganhadores se agarram aos modelos e
procuram evitar as mudanças. É uma questão de economia política. Isso aconteceu
conosco na década de 70, quando o Brasil procurou esticar o modelo que já não
era capaz de entregar resultados. Deu no que deu. Naquela época foram crises de
balanço de pagamento, inflação e tudo mais. Não quero dizer que a situação é
igual. Mas é fato que o Brasil hoje está vulnerável e precisa mudar. Essa
segunda dimensão de crise é mais difusa porque são vários fatores agindo ao
mesmo tempo. E ainda temos a possibilidade de 2015 ser ainda um ano com baixo
crescimento. Há tensões políticas e sociais. São quadros complexos, mas que tem
no fundo essa linha - é preciso mudar.
Levando em conta essas questões de curto prazo, o que o governo precisa
fazer na largada em 2015 para resolver os problemas?
Cabe uma resposta bem ampla - talvez mais ampla do que possamos detalhar aqui.
Eu começaria com o lado macroeconômico. Começaria com um reforço muito
transparente das bases do tripé. Deveríamos ter metas claras e transparentes
para a contabilidade do saldo primário. As metas deveriam ser plurianuais.
Haveria também um comprometimento com a normalização dessa situação de inflação
reprimida e, ao mesmo tempo, a busca de convergência para a meta. Se as duas
ações são coerentes, elas se reforçam. Nos últimos anos, o Brasil viveu
momentos difíceis em que a política fiscal era expansionista, a política de
crédito público - que é muito relevante aqui no Brasil - era também
expansionista e o Banco Central tentava, do seu lado, enxugar a demanda e
segurar a inflação. Eu penso que esse reforço traria um grau de coerência.
Racionalizar a atuação dos bancos públicos faria parte dessa equação. Do lado
macro, isso ajudaria a reduzir o prêmio de risco que o Brasil paga. Quando o
Brasil paga mais, todas as empresas que estão aqui pagam mais, todas as pessoas
que vivem aqui pagam mais também. É algo muito direto. No lado que nós podemos
chamar de micro, eu penso que há necessidade de abrir mais frentes. Na
infraestrutura, ao meu ver, seria necessário um trabalho detalhado em cada
área, repensando o que vem sendo feito, procurando estimular o debate e o
entendimento sobre porque as coisas não estão acontecendo. Penso que há
dimensões que são de arquitetura - do desenho mesmo. Mas tem também o lado da
execução. É preciso repensar o modelo com o setor privado em diferentes áreas.
Em vários casos, pode caber privatização. A agenda da infraestrutura é muito
ampla - inclui portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, energia,
telecomunicações, saneamento. Inclui praticamente tudo da nossa infraestrutura.
Mas existem vários outros temas. O Brasil precisa, urgentemente, pensar numa
reforma tributária que simplifique o sistema. Isso envolveria, essencialmente
num primeiro momento, todo o aparato de tributação indireta. ICMS. IPI.
Organizar e simplificar seria muito bom. Cabe mencionar que, ao meu ver, o
crescimento da carga tributária precisa ser limitado. Para isso, volto um
pouquinho ao lado macro - o Brasil precisa também adotar um limite para relação
gasto público e PIB.
Por lei?
Por lei ou por decisão de governo, num primeiro momento. Mas é preciso
trabalhar para isso. Hoje, para um País de renda média, nos temos uma carga
tributária muito elevada. Isso é contraproducente. Isso está dentro daquela
ideia de que a economia precisa continuar trabalhando para melhorar a
distribuição de renda desse País - que é terrível ainda - mas, ao mesmo tempo,
precisa também criar condições para que a taxa de investimento também aumente,
para que o País seja mais produtivo. São muitos os assuntos nesse mundo que
chamo de micro. É muito trabalhoso. Mas não creio que seja um bicho de sete
cabeças. Dá para fazer se tivermos uma agenda e também pessoas capazes ocupando
posições chaves. É um desafio enorme de RH também.
Qual seria o teto de crescimento do gasto público?
Os gastos teriam que crescer igual ou abaixo do PIB. E na trajetória que está
os gastos crescem mais que o PIB...
Há muito tempo - e isso é natural. A sociedade tem demandas. Por mais que tenha
crescido e melhorado muito nos últimos 20 anos, o Brasil ainda é um País
carente. Mas é fato que se você fizer uma pesquisa vai identificar que a
sociedade quer tudo. Mas isso é uma grande ilusão. É preciso pensar a coisa de
uma forma dinâmica. Instantaneamente, você pode até tentar alocar mais. Mas
olhando a trajetória para frente, esse não é o melhor modelo. É um trabalho
difícil, mas politicamente importante. Precisa ser feito com transparência. É
típico em momentos de eleição a gente ouvir propostas em que a conta não fecha.
Dizem: eu quero 10% para cá, outros 10% lá, mais 10% aqui. Você vai fazer a
conta e não fecha. E vem: vou ter de aumentar a carga tributária em tantos
pontos do PIB. Sinceramente, para um País como o nosso, é difícil imaginar como
isso possa acontecer. É um tema difícil. Eu não sou político. Vejo apenas a
necessidade de um debate honesto. Não populista.
Qual seria o tamanho do esforço fiscal?
Acho que será preciso fazer um levantamento da situação. Não dá para arriscar
um número agora. Mas acho que o Brasil precisa de uma meta positiva para o
saldo primário, talvez maior um pouco do que ela é hoje, nem que seja um tempo.
E essa meta deve ser plurianual. Essa parte é menos difícil. O tema do
crescimento do gasto é complexo. Não podemos nos iludir. Mas esse tem que ser
um objetivo a perseguir com rigor e, se for necessário, com a proposição de
reformas também. Não tenho um programa pronto aqui para discutir.
Em que campos as reformas?
Eu penso que em todas as dimensões do gasto. Antes de tudo, é preciso mapear
para, depois, tomar as decisões. Hoje eu presto uma assessoria ao senador.
Estudo e acompanho o que acontece no Brasil, mas continuo dedicando uma parte
do meu tempo à minha empresa. Mais adiante, se ocorrer uma mudança, e eu
participar, com a eleição do senador Aécio, seria o caso de eu e muitos outros
refinarmos essas questões. Mas elas estão na categoria de questões polêmicas
que se prestam ao populismo que, ao meu ver, não agregam nada à qualidade da
discussão e ao próprio eleitor. Eu estou sendo um pouco cuidadoso porque acho
que é impossível negar a importância disso. Mas ir além é perigoso.
O próprio Aécio falou que está disposto a tomar medidas impopulares...
Sim, falou. Mas o que ele não falou - e eu não tenho procuração para falar por
ele - é que o custo de tomar as medidas por ventura impopulares é muito menor
do que o de não tomar. As pessoas têm de cair na real.
Na prática, como é possível reduzir o gasto público com tanta demanda
reprimida?
É questão de dar ao orçamento a importância que ele merece num ambiente
democrático. É preciso incluir tudo no orçamento - todos os subsídios - e
discutir o que dá para fazer e o que não dá para fazer. A sociedade quer ou não
aumentar a carga tributária? Que custos e benefícios isso traria? A questão é
decidir. Não é possível transformar o Brasil instantaneamente numa Suíça ou num
Estados Unidos. Dá para chegar lá, mas demora um pouco e de trabalho.
A como fica a distribuição de renda? Uma das críticas é que isso implicaria
cortes em programas sociais...
Não creio. Se você olhar os números vai ver que o bolsa família não consome
tanto dinheiro assim para o tamanho do resultado que gera. Acho que precisamos
discutir o que fazer além do bolsa família. O próprio senador Aécio Neves tem
feito propostas nessas direção - inclusive pensa em transformar em lei. Seria
ótimo para deixar claro à população que esse é um tema importante. Mas
precisamos ir além. As pessoas querem ter qualidade vida, mesmo quando têm uma
vida difícil. Mais do que isso - querem trabalhar, querem que seus filhos se
qualifiquem para ter uma vida digna. Temos que usar o bolsa família como uma
base. Todos os candidatos sabem disso. Às vezes fazem ameaças: dizem que vão acabar
com o bolsa família. Isso é um absurdo. É uma mentira. É preciso analisar
melhor para onde o dinheiro público está indo. O Gustavo Franco fala com
frequência que há no Brasil o bolsa empresário. Ele coloca isso de uma maneira
muito gráfica, muito boa. Isso precisa ser discutido. Sempre. Agora, antes da
eleição, e depois também. É uma carência no debate: para onde vai o dinheiro?
Qual o impacto distributivo de tudo isso? É um ótimo tema para encarar de
frente.
E de onde o sr. acredita que viria o crescimento econômico?
Esse é outro ponto bom. É uma bela pergunta: de onde vem o crescimento? É como
aquela pergunta das criancinhas: de onde vem os bebês? Certamente, o
crescimento não vem com as cegonhas. O crescimento vem de mais investimento em
capital, em educação e de mais produtividade em geral. Ou seja: vem de uma
economia que funcione melhor. E quem é o grande participante da economia? O
Estado. Então é preciso que o Estado também faça a sua parte. Mas isso não
querer dizer que seja preciso aumentar o gasto público. Aumentar o gasto pode
gerar demanda no curto prazo. Mas demanda não basta. É preciso resposta da
oferta: mais produção, mas emprego, mais investimento. O crescimento depende do
casamento entre demanda e oferta. Hoje fica claro que o governo fez uma aposta
hiper keynesiana na demanda. De novo, eu insisto: claro que deve haver demanda.
Nenhum empresário vai investir se não acreditar que vão comprar os produtos
deles. Mas precisa haver oferta - e é isso que está falando no Brasil. Não
falta demanda. A demanda continua lá.
Estabilizando o Brasil, quando o crescimento poderia ser mais robusto?
Rápido. Um ano. Dizer em quanto é chutar um pouco, mas um País que tem uma
renda per capita inferior em 20% a renda per capita dos mais ricos deveria poder
crescer durante vários anos a 4%, 5% ao ano, mesmo com a demografia piorando.
Temos que nos lembrar que a taxa de crescimento da força de trabalho caminho
para zero ao longo de relativamente pouco tempo. No passado, só daí vinham uns
3 pontos porcentuais de crescimento. Essa nova realidade sugere que um
crescimento sustentável de 4 a 5% seria excepcional. E acho também que a China
vai cair para algo assim. Havia um certo sonho aqui de que o Brasil poderia
crescer 10% ao ano - mas é bem mais difícil. Nem sei se é viável numa sociedade
como a nossa, que tem uma preocupação muito grande e correta com o social. A
China tem uma preocupação com o emprego, mas só um regime autoritário poderia
fazer o que eles fizeram: reproduzir um modelo de desenvolvimento sem rede de
proteção social - algo altamente indesejável do meu ponto de vista. Mas aqui no
Brasil há uma certa inveja do que eles fizeram. Eu não teria inveja, não. Acho
que estamos bem. É só arrumar a casa.
O sr. mencionou privatizações. Há setores em mente?
Nenhum especificamente. Mas penso que todos os da infraestrutura se oferecem
bem para esse caminho - o que o governo chama de concessões. É a mesma coisa.
Eu não tenho medo de usar a palavra que acho correta. Mas praticamente todos da
infraestrutura cabem em regimes de concessão, em parcerias público privadas,
sem perda de controle do regramento que cabe ao Estado em vários desse setores.
Não creio que isso seja incompatível com esse desenho. Como esse desenho é do
presidente Fernando Henrique, ficou hibernando um tempo, e agora voltou. É
ótimo que tenha voltado.
No evento de aniversário do Real, o ex-presidente Fernando Henrique disse
que o Plano Real é o início de um processo que foi interrompido. O espírito é
retomar àquele processo?
É preciso ter na cabeça a sequência do que aconteceu. O Plano Real tirou o País
do caos. Não havia chance para nós na bagunça da hiperinflação. Depois veio a
reforma do Estado. O Estado no Brasil fazia coisas demais. Estava envolvido em
siderurgia, fertilizantes, tinha presença maciça no setor financeiro, com
bancos estaduais. Nada daquilo vinha dando certo. Houve essa guinada e, na
época, a decisão de Fernando Henrique foi focar em saúde e educação
especificamente. Nas outras, ter uma presença indireta - sempre que possível,
acreditando na concorrência. Eu penso que não há nada mais saudável do que a
concorrência. Os empresários não querem moleza. Querem um ambiente previsível,
limpo, para concorrer, inovar, investir e assim por diante. Hoje eles são meio
reféns da situação e isso não é o ideal. Depois da guinada, as coisas foram
evoluindo. Houve a chegada do PT ao poder - num primeiro momento, uma excelente
surpresa. Agora, de uma certa maneira, estamos retrocedendo. O presidente
Fernando Henrique, naquela comemoração, fez menção a um ponto claro, como aliás
é do feitio dele, sobre a atuação do governo. Usando minhas palavras, mas
colocando mais o ou menos o que ele disse: a fase de uma presença e de atuação
do governo em vários desses pontos, saúde e educação, por exemplo, já alcançou
quantitativamente um tamanho bom. Mas agora chegou a fase da qualidade. O
Estado precisa melhorar a qualidade dos serviços que entrega para a população.
Além desses dois, o tema da segurança é um dos mais importantes e o tema da
regulação, idem. Tem muita coisa a ser feita do ponto de vista qualitativo. Foi
o que ele colocou lá e eu penso que é uma boa maneira de definir o que é
preciso fazer.
O que fazer com a política do salário mínimo, que começa a ser revista no
início de 2015?
É outro tema que precisa ser discutido. O salário mínimo cresceu muito ao longo
dos anos. É uma questão de fazer conta. Mesmo as grandes lideranças sindicais
reconhecem que, não apenas o salário mínimo, mas o salário em geral, precisa
guardar alguma proporção com a produtividade, sob pena de, em algum momento,
engessar o mercado de trabalho. A política do salário mínimo tem tido impactos
relevantes. É um tema muito complexo e polêmico. Não tenho uma receita pronta.
Estou prestando uma assessoria ao senador Aécio Neves, mas não estou entrando
neste nível de detalhe. Outras perguntas que chegam com frequência é sobre como
fazer a reforma tributária, o que fazer com as desonerações, o que fazer com os
preços congelados - vão liberar de uma vez, vão fazer gradualmente? São
questões da maior importância. Quem assumir o governo vai ter de pensar em tudo
isso. Mas o tema é polêmico. Eu gosto muito de analisar as coisas antes de
emitir uma opinião. É opinião antiga, de gente que faz conta, que o vínculo do
salário mínimo com a previdência tem um custo. Como ocorre em todos os outros
temas, é preciso pensar em custos e benefícios. Nesse ponto, entramos no
terreno da política, onde não me sinto à vontade para entrar, especialmente
neste momento. É fácil ser mal interpretado.
O sr. mencionou que o importante é ter um ambiente favorável aos negócios.
Estão pensando também na reforma trabalhista?
É outro tema. Não tenho dedicado muito tempo a essa área. Todo economista que
fala de reforma no Brasil cita as reformas tributária, trabalhista,
previdenciária. São temas antigos. Eu não teria uma proposta. O Brasil, bem ou
mal, está com o desemprego baixo. Talvez não seja um tema tão urgente quanto o
da reforma tributária.
E além da reforma tributária, há outra reforma prioritária?
Sim. Toda a política externa do Brasil precisa ser repensada. Essa estranha
predileção por parcerias e aproximações com regimes autoritários, como Cuba e
outros exóticos, não tem trazido nenhum benefício ao Brasil. Não quero dizer
que o Brasil não precisa ter um diálogo com todo mundo, com a Venezuela, por
exemplo. Mas o Brasil precisa se engatar nas grandes locomotivas mundiais. Esse
é um ponto muito importante. Já não é de hoje que vejo com muita preocupação a
posição do Brasil no ranking do Banco Mundial chamado Doing Business. É um
ranking de ambiente de negócios e o Brasil está lá embaixo na classificação.
Não me lembro exatamente a posição, mas sei que ele está lá atrás. Eu penso que
o Brasil poderia tratar de todas essas dimensões.
Em termos de política externa, o que deveria ser feito?
Como a maioria dos economistas, tenho muita simpatia por acordos multilaterais.
Mas esse front não tem avançado. Quem sabe agora, com o embaixador Roberto
Azevêdo (diplomata brasileiro, diretor-geral da Organização Mundial do
Comércio, a OMC), as coisas comecem a andar. Ele começou muito bem. Mas é uma
tarefa muito difícil. O Brasil precisa estar preparado para entrar nela e ter,
claro, do outro lado, uma costura igualmente aberta. A própria postura dos
Estados Unidos tem sido difícil em temas como o setor agrícola e o antidumping.
Esse é um caminho. Mas, na prática, em paralelo à OMC, a maioria dos países tem
feito acordos bilaterais e regionais. O Brasil precisa avançar nesse direção.
Primeiro, imagino, com a Europa, que já está pipeline (expressão em inglês que
significa roteiro) há algum tempo. Eventualmente, poderíamos pensar algo com
Estados Unidos e China. Talvez seja necessário repensar o Mercosul também.
Especialistas acreditam que o Brasil, a essa altura, poderia transformar a
união aduaneira num tratado de livre comércio. Tenho simpatia pela ideia.
O sr. é a favor da autonomia do Banco Central?
Sou. E sou porque, na prática, é o que os governos tendem a fazer na maior
parte do mundo. Eu gosto de usar a nomenclatura "autonomia
operacional". Ou seja: a definição das metas ficaria com o governo e,
claro, deveriam ser metas de longo prazo para não ficarem expostas aos ventos
do círculo político. Mas o governo preservaria esse direito. Isso significa ter
mandatos para os dirigentes do Banco Central. Claro que se houvesse problemas
na atuação, se não estiverem cumprindo os seus objetivos, o governo, no limite,
poderia pedir ao Senado a remoção de quem for, inclusive do presidente. Esse é
um sistema bem testado e requer um Banco Central transparente. Mas, hoje,
ninguém questiona isso. Eu passei pelo Banco Central e posso garantir: uma das
grandes vantagens do modelo de metas da inflação é justamente a interação com
os analistas, os economistas, os consultores que trabalham, no fundo, de graça
para o Banco Central. O Banco Central apresenta suas ideias, explica o porque
de suas ações e recebe as críticas, que são extremamente úteis. Funciona bem.
Claro que precisa ser um sistema flexível, no sentido de o Banco Central poder e
dever trabalhar para suavizar o ciclo econômico - é uma função clássica - e ser
o guardião da estabilidade financeira. Esse seria o desenho. Eu creio que isso
deva ser transformado em lei.
Na sua passagem pelo Banco Central, em 1999, o sistema de metas de inflação
serviu como uma âncora. Nesse momento de transição, que o sr. descreve como
difícil, o sistema de metas pode ser um âncora ou será preciso outra política?
O sistema de metas de inflação é muito bom, mas sozinho não chega lá - é
preciso uma âncora fiscal. Foi o que aconteceu naquela época. Lembro muito bem
do esforço fiscal, naquele momento muito maior e, em paralelo ao esforço de
aumentar o saldo primário, houve também todo um trabalho que desembocou na Lei
de Responsabilidade Fiscal. Nós que estávamos no governo na época já
procurávamos cumprir. O projeto já havia sido apresentado e aquilo era uma
bússola para o nosso trabalho. Sem o fiscal, o sistema de metas teria
fracassado. Eu penso que a situação hoje é idêntica nesse sentido. O momento naquela
época era mais turbulento, porque havia medo que a inflação voltasse a níveis
elevados. Primeiro, as expectativas no início de 1999 eram muito dispersas,
depois, muito elevadas, entre 20% e 50%. Nós tínhamos saídos de um ambiente
hiperinflacionário, a duras penas. Antes do Plano Real, vários planos foram
testados e deram errado. Havia um receito naquele momento: será que vai ser
mais um caso como os outros? Felizmente, não foi. Mas foi preciso um esforço
fiscal que, aliás, foi anunciado pelo presidente antes da eleição - isso é
muito importante. Ele teve a coragem e o bom senso de pactuar isso com a
sociedade e, depois, pôde fazer as coisas com toda a tranquilidade. De novo, eu
repito o que disse para a situação de hoje: o custo para o ajuste é muito menor
que o custo do não ajuste. Naquela época, as projeções para o crescimento do
PIB eram menos 4% em janeiro de 1999. Depois, acabou sendo ligeiramente
positivo - uma diferença de 4%. Eu sou a favor que as providências sejam
tomadas.
Nessa reorganização, como ficam os repasses dos bancos públicos, como BNDES?
Esse é um daqueles temas. Eu penso que o trabalho dos bancos públicos carece de
mais análise e transparência. Não existem estudos sobre o que o BNDES vem
fazendo há décadas. Eu até conheço o trabalho do BNDES e creio que um estudo
seria bastante interessante. Mas o BNDES vem se agigantando, fazendo
empréstimos a taxas muito baixas, sem, ao meu ver, uma análise do impacto
social desses programas, até para que se possa decidir se vale a pena continuar
ou não. Carece de transparência. Minha impressão é que vai ser preciso fazer
essa análise - e o papel do BNDES, a médio prazo, será menor. Não há muita
dúvida. É preciso dizer que a maioria das atividades não precisa de subsídio.
Eu já disse isso. Os empresários precisam ter um ambiente bom para trabalhar,
mas não há necessidade de subsidiar. Até acho que os subsídios põem pressão na
taxa de juros para o não favorecidos.
Qual seria o papel da indústria?
O papel da indústria é muito importante. É inegável que a nossa indústria vive
um momento difícil. O ataque nessa questão precisa ser feito em várias frentes.
Toda essa questão do Custo Brasil, da infraestrutura, da questão tributária faz
parte da resposta, bem como a integração do País às cadeias globais. Eu penso
que as lideranças empresariais - hoje muito bem representadas por pessoas como
Pedro Passos (sócio da Natura e Presidente do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial), que vêm revolucionando a maneira de pensar o setor
- têm uma visão mais holística da coisa. Mas é inegável, também, que a evolução
natural do desenvolvimento leva o setor de serviços a ficar maior do que o da
indústria. Não há problema nisso. Às vezes, as pessoas pensam que só é bom o
que elas podem pegar, mas não é assim. Só para citar um exemplo: há os serviços
de saúde. Tem coisa mais importante do que a saúde? Vai ser natural: com o
tempo, o setor de serviços vai ganhar mais espaço. O turismo, o entretenimento,
a saúde, a educação. Mas está claro que a indústria precisa de uma atenção. Tem
cura. O Brasil é grande. Não tenho medo nessa área, mas vejo muitas
dificuldades.
O sr. viveu duas transições na prática - a de 1998 para 1999 e depois o
final do governo de Fernando Henrique para o de Lula. Agora está no meio do debate
de uma eventual transição. Há comparações entre os diferentes momentos?
Eu vivi outra transição. Fui diretor do Banco Central em 1991 e 1992. Fiz parte
da segunda equipe econômica do governo Collor (ex-presidente Fernando Collor de
Mello) para criar as condições de estabilização. Foi uma tremenda encrenca
aquela época. Eu acho que faz parte do processo de amadurecimento. Se eu puder
colaborar, estou disposto. Desde que haja - e no caso do meu relacionamento com
o senador Aécio há - um alinhamento muito grande de visões de sociedade, de
governo. É uma visão genuinamente progressista e eficiente, que tem capacidade
de entregar resultado. Eu fiquei muito contente quando ele me procurou.
E faz quanto tempo?
Eu o conheço há mais de 20 anos. Não foi uma coisa da noite para o dia. Mas a
conversa começou em janeiro de 2013 e se aprofundou nos últimos meses. De novo:
eu estou mais na estratégia do que na prática. Não faço parte da campanha. No
momento, eu não posso e não é isso que ele espera de mim. Mas, eventualmente,
se ele tiver sucesso - e eu acredito que terá - eu estou a disposição.
Como sr. está vendo o cenário eleitoral?
Muita água ainda vai correr. Há um clara insatisfação com o que se tem hoje. Há
espaço para a mudança. Eu espero que isso aconteça - não vou esconder as minhas
preferências que são óbvias a essa altura -, mas penso que seria bom, de
qualquer maneira, que aconteça. Eu acredito no debate que acontece pela
imprensa, mais no caderno econômico do que no de política, aqui no Brasil. O debate
econômico é muito bom. Eu leio os jornais de outros países. O Brasil tem
densidade nessa discussão. É preciso que essa densidade seja de alguma
utilidade também para o debate político. Isso tudo pode ser muito bom, mesmo
que seja o ano em que os governos costumam esticar um pouco a corda para se
reelegerem.