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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 23 de agosto de 2014

Eleicoes 2014: a natureza do escorpiao e o partido totalitario

Partido Totalitário quer pautar a imprensa

O PT convive mal com o Estado de Direito, com a democracia e com as liberdades em geral, particularmente a liberdade de imprensa, que Lula considera "uma sacanagem". Editorial do Estadão, 23/08/2014


A direção do Partido dos Trabalhadores (PT) entrou na Justiça Eleitoral para obrigar a Rede Globo a ampliar a cobertura das atividades de campanha de Alexandre Padilha, candidato do partido ao governo do Estado de São Paulo. Ao pretender determinar o que uma emissora de TV deve mostrar a seus telespectadores, os petistas reafirmam sua visão autoritária a respeito do trabalho da imprensa e seu desprezo pelo jornalismo independente.

A tarefa de informar bem seus leitores, ouvintes e telespectadores obriga as empresas jornalísticas a estabelecer critérios de seleção de informações, para entregar a seu público as notícias que terão relevância em sua vida, deixando de lado as que, a seu juízo, têm menor importância. Assim, cada redação define quais acontecimentos serão dignos de cobertura extensiva e quais merecerão espaço menor. Tais parâmetros, que integram o bê-á-bá do jornalismo, podem mudar de veículo para veículo, mas há algo que, em democracias, não mudará nunca: o princípio de que as empresas jornalísticas devem ter ampla liberdade para adotar os padrões de seleção de informações que melhor atendam seu público.

É justamente nessa liberdade, central para o exercício do jornalismo independente, que o PT pretende interferir, em defesa de uma suposta "isonomia" de tratamento para todos os candidatos ao governo paulista. Tal exigência de igualdade, da maneira como está sendo enunciada pelos petistas, serve apenas para ferir a autonomia que um veículo deve ter para determinar o que é digno de ser publicado e o que não é.

A Rede Globo entendeu que deveria dar mais espaço em seus telejornais aos candidatos ao governo paulista com mais de 6% de intenções de voto. Com isso, recebem destaque diário apenas os dois primeiros colocados, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e Paulo Skaf (PMDB). Na última pesquisa do Ibope, Padilha, o candidato petista, surge em terceiro lugar, com 5% das menções. É o mais bem colocado entre os "nanicos" - está à frente de outros três candidatos que dispõem de 1% cada - e por isso aparece com frequência menor no noticiário da emissora.

No entender dos petistas, porém, a Globo estabeleceu parâmetros sob medida para, deliberadamente, sonegar de seus telespectadores o noticiário sobre a campanha de Padilha. Em carta à emissora, o presidente estadual do PT e coordenador da campanha petista, Emidio de Souza, disse que "não cabe a um veículo de comunicação definir critérios" para a veiculação de informações sobre a eleição. Para questionar as escolhas da Globo, Emidio diz que, pela margem de erro da pesquisa, de três pontos porcentuais, Padilha pode estar com 8% - acima, portanto, do piso estabelecido pela emissora. Por essa lógica, porém, o petista pode estar com 2%, em empate técnico com os outros "nanicos".

O aspecto relevante nessa polêmica, no entanto, não são alguns pontos porcentuais para mais ou para menos, e sim a reafirmação da vocação autoritária do PT e de sua hostilidade contra a imprensa livre. Em nota sobre sua petição à Justiça Eleitoral, o partido chega a exigir que a Globo "abra espaço diariamente em sua programação normal para todos os candidatos" ou então "que se abstenha de cobrir a agenda de qualquer um deles". Trata-se de uma tentativa grosseira de pautar uma emissora de TV.

Ainda que arrogante, no entanto, a manifestação petista não se compara às grosserias do ex-presidente Lula, que qualificou como "sacanagem" os critérios da Globo para a cobertura eleitoral em São Paulo. "Já fui vítima de todas as sacanagens que vocês possam imaginar, mas tem coisa que vai ficando insuportável", disse Lula num evento de campanha no início de agosto. "Em São Paulo, a sacanagem é tamanha que eles decidiram que só vão colocar os candidatos acima de 10% (sic) para tirar o Padilha da televisão. Cada jogo, em cada eleição, é uma sacanagem."

Como aquele que jamais se constrangeu ao fazer propaganda eleitoral fora de hora nem a colocar a máquina do Estado a serviço de seus candidatos, Lula deveria saber o que, de fato, é "sacanagem".

PT corrupto: a mafia em acao

Por Andreza Matais e Fabio Fabrini, no Estadão, 22/08/2014

Num depoimento prestado à Polícia Federal, um dos integrantes do esquema investigado na Operação Lava Jato afirmou que o secretário nacional de finanças do PT, João Vaccari Neto, ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, era um dos contatos de fundos de pensão com a CSA Project Finance Consultoria e Intermediação de Negócios Empresariais, empresa que o doleiro Alberto Youssef usou para lavar R$ 1,16 milhão do Mensalão, segundo a PF.

“João Vaccari esteve várias vezes na sede da CSA, possivelmente a fim de tratar de operações com fundos de pensão com Cláudio Mente”, relatou o advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, apontado como laranja de Youssef e do ex-deputado José Janene (moto em 2010).
Preso desde março pela Lava Jato, ex-sócio da CSA Project, situada em São Paulo, decidiu colaborar espontaneamente com as investigações em troca de eventual benefício judicial. Ele é réu em duas ações penais, uma sobre supostas remessas fraudulentas do laboratório Labogen para o exterior, outra de lavagem de dinheiro de Janene por investimentos em uma empresa paranaense.
Carlos Alberto foi ouvido no dia 15 na Superintendência Regional da PF no Paraná. A PF, em outro documento, diz haver indício de que Vaccari estaria intermediando negócios de fundos de pensão com a CSA e uma outra empresa ligada ao doleiro, a GFD Investimentos.
Vaccari é réu em ação criminal sobre suposto desvio de R$ 70 milhões da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop). O Ministério Público o denunciou por formação de quadrilha, estelionato e lavagem de dinheiro. O colaborador disse que dirigentes da Petros, fundo de pensão da Petrobrás, receberam propina para que o fundo fizesse um investimento de interesse do grupo de Youssef, acusado de chefiar esquema bilionário de lavagem de dinheiro.
Segundo ele, o ex-gerente de Novos Negócios do Petros Humberto Pires Grault foi um dos beneficiários de R$ 500 mil, que teriam sido pagos como “comissão” para que o fundo de pensão adquirisse, entre 2005 e 2006, uma cédula de crédito bancário de R$ 13 milhões. Grault é ligado ao PT, partido que o teria indicado ao cargo.
A CSA Project, segundo disse, foi responsável pelo contrato com a Petros. A cédula adquirida pelo fundo de pensão referia-se a créditos que a Indústria Metais do Vale (IMV) teria a receber de outra empresa, a Siderúrgica de Barra Mansa (SBM), por um projeto de ferro-gusa. Carlos Alberto disse que um saque de R$ 500 mil da IMV foi usado para fazer pagamentos em espécie aos que participaram do negócio. Além de Grault, teriam recebido parte desse dinheiro Cláudio Mente, da CSA, além de funcionários da Petros.
Ele contou ter sido informado por Mente que, no fundo de pensão, “seriam beneficiados Humberto Grault e o diretor que estaria acima dele na estrutura da empresa”. Disse que não se recorda do nome do outro suposto beneficiário.

Escandalo Petrobras: acumulacao primitiva de capital pelos companheiros

As doações de Graça 

Editorial O Estado de S.Paulo, 22/08/2014


Em 20 de março passado, um dia depois de  o Estado divulgar a nota de próprio punho que lhe encaminhou a presidente Dilma Rousseff, sobre o seu papel na compra da primeira metade da Refinaria de Pasadena em 2006, a atual presidente da Petrobrás, Graça Foster, à época diretora de Gás e Energia, doou aos filhos Flávia e Colin, com cláusula de usufruto, uma casa na Ilha do Governador e um apartamento no centro do Rio de Janeiro. Dilma alegou que, na chefia do Conselho de Administração da empresa, aprovara o fechamento do negócio com base, apenas, em um resumo executivo "técnica e juridicamente falho".

Três semanas depois, em 9 de abril, Graça pôs no nome do filho um terceiro imóvel, em Búzios. Em 10 de junho, por sua vez, o ex-diretor da estatal Nestor Cerveró - o autor do parecer verberado por Dilma - cedeu aos herdeiros três propriedades no bairro de Ipanema. Ele tinha sido demitido de uma diretoria da BR Distribuidora dois dias depois da divulgação da nota da presidente da República. A revelação das transferências no site do jornal O Globo, na tarde de terça-feira, produziu um efeito imediato: travou mais uma vez a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que então estava para ser tomada sobre a eventual inclusão de ambos entre os 11 executivos e ex-diretores da Petrobrás cujos bens foram bloqueados em julho último por iniciativa do relator da matéria, ministro José Jorge.

A intenção foi assegurar à empresa a recuperação de pelo menos parte do rombo de US$ 792 milhões que sofreu em Pasadena, caso se comprove a responsabilidade dos envolvidos. Graça é citada por ter prejudicado a Petrobrás, ao retardar o cumprimento da decisão arbitral nos Estados Unidos favorável ao grupo belga a que se associara. O adiamento custou à petroleira US$ 92,3 milhões. Estranho participante das sessões do TCU - como se entre as suas atribuições estivesse a de defender funcionários de uma companhia controlada pelo governo -, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, parecia seguro de que a maioria do colegiado rejeitaria o pedido do relator no caso de Graça. Tanto que insistiu no prosseguimento dos trabalhos mesmo depois do impacto provocado pela notícia das doações, que levou o relator a suspender a votação de seu parecer até a averiguação dos fatos.

Segundo Jorge, confirmadas as transferências, terá ocorrido uma "burla gravíssima do processo de apuração de irregularidade". A rigor, o que há a averiguar, em relação a Graça, não são as doações - que ela reconhece -, mas quando e por que tomou a decisão de fazê-las. Ou imediatamente em seguida à confissão de Dilma, em março último, ou ainda em junho do ano passado, conforme nota da Petrobrás. Na primeira hipótese, pode-se supor que ela tenha pressentido que a manifestação da presidente aceleraria as investigações do TCU, iniciadas em março de 2013, com riscos até então não vislumbrados para si e, quem sabe, para o seu patrimônio.

Na segunda hipótese, a motivação de Graça poderia ser atribuída à abertura do processo no TCU - cerca de três meses antes que ela começasse a providenciar, de acordo com a empresa, "a documentação necessária", por sinal descrita na nota, para formalizar em cartório as doações. O texto nega "veementemente" que Graça "tenha feito qualquer movimentação patrimonial com intuito de burlar a decisão do TCU" do bloqueio de bens e assinala que "doações de bens são atos legítimos, previstos em lei e objetivam evitar futuros conflitos entre herdeiros". De todo modo, o fato é que a sua revelação devolve o escândalo de Pasadena ao centro das atenções - desta vez com a campanha eleitoral em andamento.

Ecoando o ministro José Jorge, o senador petebista Gim Argello, que preside a CPI mista da Petrobrás, considerou o caso "gravíssimo". A oposição quer verificar se as doações foram aquelas mesmas e se configuram fraude. Já para o advogado-geral Adams, não houve "fuga patrimonial" porque Graça não pôs os seus bens em nome de laranjas, para impedir que venham a ser recuperados. Mas não deixou de admitir que, se ficasse provado que a presidente da Petrobrás tentou se desfazer de bens por motivos escusos, as doações poderiam ser revertidas.

Ruptura de padroes e deterioracao institucional na era do Nunca Antes - Paulo Roberto de Almeida


As roupas novas da diplomacia brasileira (depende dos costureiros)

Paulo Roberto de Almeida

            Concluo aqui meus comentários adicionais a propósito da publicação do meu livro mais recente Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), tratando da ruptura de padrões de trabalho e de procedimento que eram tradicionalmente seguidos pelo Itamaraty, o que aliás reflete uma deterioração geral das instituições brasileiras sob o lulo-petismo.

Infelizmente há que se reconhecer que o governo do PT, não apenas em relação ao Itamaraty, mas com respeito a várias outras instituições do Estado igualmente, contribuiu para deteriorar gravemente a qualidade e o funcionamento dessas instituições. Existem vários exemplos de como isso se fez, alguns aliás até desconhecidos, pois não se sabe exatamente como foram tomadas determinadas decisões, e como elas foram conduzidas por meios não registrados, com respeito a determinados episódios envolvendo nossas relações externas. Menciono apenas dois, mas eles são muitos, e deverão um dia ser objeto de uma avaliação ponderada. Refiro-me, por exemplo, a dois obscuros episódios envolvendo embaixadas em países latino-americanos: a hospedagem política do presidente derrocado de Honduras na nossa embaixada em Tegucigalpa, e o envolvimento direto do Brasil com a política interna naquele país – o que é não apenas inconstitucional, como anti-diplomático – e a hospedagem, sob a forma de asilo diplomático, do Senador boliviano Roger Pinto Molina, em nossa embaixada em La Paz. 
Os dois casos violaram profundamente nossas tradições diplomáticas e representaram, precisamente, exemplos totalmente negativos de tratamento não diplomático a duas questões de política externa, no primeiro caso, aliás, nem era um problema bilateral, e acabou sendo devido ao envolvimento de militantes brasileiros com seus amigos bolivarianos de outros países. Um dia esses episódios mereceriam um esclarecimento completo, se, por acaso, existirem documentos a respeito. Pode ser que os arquivos do Itamaraty estejam incompletos nos dois casos, tendo em vista comunicações que provavelmente foram feitas por outros canais, não oficiais, ou seja pela partidarização indevida da política externa.
Existe também o caso, já mencionado dos obscuros acordos concluídos com a ditadura cubana no quadro do programa Mais Médicos, o que tem permitido, ao que parece sem todo o exame congressual, a remessa de vários milhões de dólares para aquela ilha, em condições certamente bizarras para os padrões de nossas relações financeiras externas. Este é mais um exemplo no qual a boa diplomacia, e as boas práticas em matéria de políticas públicas nunca prevaleceram, mas foram submetidas a injunções partidárias de péssimas consequências para a nossa diplomacia.
O Itamaraty vem sendo submetido, desde 2003, a esse tipo de constrangimento, que deve marcar profundamente as mentalidades dos jovens que ingressaram nesses anos do nunca antes. Eles podem estar considerando como normais procedimentos que violam e contrariam profundamente os métodos de trabalho do Itamaraty, assim como muitos já foram constrangidos, desde o ingresso na carreira, a uma série de leituras especialmente escolhidas e que combinam com a mentalidade dominante no partido atualmente hegemônico, caracterizada por um esquerdismo anacrônico, um anti-imperialismo démodé, e todas essas viseiras mentais que consideram o reducionismo geográfico do Sul-Sul como válido e positivo para a nossa diplomacia. Atitudes como essas devem marcar por algum tempo o trabalho diplomático, em detrimento das boas práticas, do exame isento das questões da agenda internacional, de um tratamento não partidário de importantes questões de nossas relações exteriores. Infelizmente, esses são os tempos, talvez dominantes, mas é sempre útil ter consciência do que se passa, e ter plena consciência do que a diplomacia brasileira, e o próprio Brasil, estão perdendo com isso: credibilidade, seriedade, legitimidade na ação externa.

            Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Os estragos da diplomacia amadora sobre a politica externa - Paulo Roberto de Almeida


Resultados negativos de uma diplomacia amadora para a política externa

Paulo Roberto de Almeida

            Os exemplos abaixo figuram apenas perfunctoriamente em meu livro Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), por isso me permito comentar mais livremente sobre os efeitos que uma diplomacia amadora, improvisada, mal instruída podem fazer de mal a uma política externa ponderada, como sempre foi a brasileira, até o advento da era do nunca antes...

Dou dois exemplos concretos sobre esse tipo de situação, embora um deles não envolva diretamente a diplomacia profissional: a nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia, com expropriação violenta e arbitrária dos ativos da Petrobras naquele país, e a não deportação do terrorista, condenado pela justiça italiana, Cesare Batista. O primeiro constituiu obviamente uma surpresa completa, e por mais incrível que pareça vinda justamente do grande aliado do presidente Lula, que o tinha apoiado durante sua campanha eleitoral à presidência da Bolívia, em total desrespeito, diga-se de passagem, ao nosso preceito constitucional, e princípio diplomático, de não interferência nos assuntos internos de qualquer outro país.
O Brasil estava vinculado à Bolívia por meio de um tratado bilateral relativo à exploração e aproveitamento desses recursos, que deveriam vir ao Brasil sob a forma de gás. O Estado boliviano formalmente estava vinculado, por acordos de governo a empresa, à Petrobras, que entrou legitimamente naquele mercado, como executora desse tratado, fez investimentos, de várias dezenas de milhões de dólares, e estava explorando esses recursos de forma totalmente legal e responsável. Pois bem, o que fez o governo do Sr. Evo Morales? Para ser mais preciso, no plano diplomático, ele rasgou um tratado internacional, no caso bilateral, ignorou completamente as cláusulas finais, que comportavam a possibilidade de denúncia dos compromissos e sua finalização, o que existe em todo e qualquer tratado, e também fez letra morta de acordos de governo, que regulavam as relações do Estado boliviano com uma empresa estrangeira estabelecida legalmente na Bolívia. Ele fez tudo isso de forma unilateral, sorrateira, em total desrespeito não só ao Brasil mas também aos grandes princípios do direito international, à convenção sobre o direito dos tratados, por exemplo, ou a simples regras de boa-fé, que se presumem devem regular as relações entre Estados e governos também.
E o que fez o governo Lula, orientado por uma diplomacia não profissional, ou na falta de qualquer tino diplomático, e na falta de qualquer sentido de defesa dos interesses nacionais? Esse governo aceitou passivamente as ações unilaterais e ilegais do governo brasileiro, sem sequer respeitar a sua própria diplomacia, que tinha o dever por velar pela observância dos tratados firmados pelo Brasil, não só quanto ao que o Brasil deve fazer, mas também os compromissos que os Estados parceiros devem respeitar nas suas relações com o Brasil. Se o governo argentino, por exemplo, adota medidas protecionistas contra produtos brasileiros, em total desrespeito às normas do Mercosul, o que deve fazer o governo brasileiro? Ora, deve denunciar o governo argentino junto ao mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul, ou na falta desse, ao sistema da OMC. Essa é a obrigação de todo governo comprometido com os interesses nacionais.
E o que fez o governo brasileiro ante os gestos arbitrários do governo boliviano. Não só eximiu-se de condená-los, e de exigir cumprimento das obrigações – ou seja, pacta sunt servanda – mas emitiu um nota, felizmente não do Itamaraty, mas da Presidência em que tinha a inacreditável atitude de apoiar as medidas do governo boliviano. Nunca antes na história do país tínhamos assistido a tamanha renúncia de soberania. O Barão do Rio Branco jamais assinaria uma nota vergonhosa como a que foi expedida pelo governo Lula no dia seguinte à nacionalização com expropriação não negociada dos ativos do Petrobras, apoiando essas medidas ilegais e contrárias ao direito internacional e aos acordos bilaterais.
Vejam bem: o governo boliviano tinha todo o direito, como tem todo governo, de decretar soberania sobre os seus recursos naturais, e de expropriar particulares, nacionais ou estrangeiros, de quaisquer ativos que ele julgue necessários aos objetivos nacionais, desde que ele atue legalmente, no marco de sua própria Constituição e dos tratados internacionais. O Brasil não procede de outra maneira, quando expropria terras para fins de reforma agrária, por exemplo, tudo dentro dos marcos da lei e do direito; essas terras podem pertencer a nacionais ou a residentes estrangeiros, mas tudo será feito sempre de acordo com o que a lei e a Constituição determinam.
O que o governo boliviano deveria fazer era muito simples: enviar uma nota diplomática ao governo brasileiro declarando sua intenção de denunciar o acordo do gás, de expropriar os ativos da Petrobras, e assim teria início um processo, não exatamente de negociação quanto ao tratado, pois é direito soberano da Bolívia de denunciá-lo, obedecidas as cláusulas a respeito, notadamente quanto a prazos e outras obrigações assumidas por cada uma das partes. Essa denúncia procederia exatamente como diz o tratado, que foi rasgado unilateralmente pela Bolívia. Da mesma forma, a Bolívia não tinha o direito, pois nem o governo brasileiro nem a Petrobras eram agressores da soberania da Bolívia, de mandar tropas ocupar militarmente as instalações da Petrobras naquele país: se tratou de uma agressão gratuita, totalmente indevida, e que deveria ter sido rechaçada pelo governo brasileiro, mais não fosse que por simples respeito aos ativos de uma empresa brasileira naquele país.
O que fez o governo Lula? Nada, ou pior do que nada, apoiou o governo do Sr. Morales. A Petrobras estava na Bolívia ao abrigo de sua holding holandesa, uma vez que a Holanda possuiu um tratado bilateral de proteção dos investimentos estrangeiros, coisa que o Brasil não possui, com nenhum país, e isso também por oposição do PT, o partido que pretende defender a soberania do país e só a maltrata em casos como esse. Pois bem, nesse caso, também, a despeito da intenção inicial da Petrobras, que pretendia lutar pelas cláusulas indenizatórias, como previstas nos acordos de governo a empresa, o governo de Lula simplesmente impediu a Petrobras de adotar esse procedimento, que teria obviamente dado ganho de causa à Petrobras, pois ela estava do lado do direito, ao passo que o governo da Bolívia estada do lado do esbulho, da invasão, do rompimento ilegal de contratos e de compromissos. O governo boliviano teria sido certamente condenado no sistema do ICSID, o centro de solução de controvérsias do Banco Mundial, do qual o Brasil não é parte, mas eram partes a Bolívia e a Holanda.
Esse é um caso exemplar, histórico, a merecer estudo por todas as gerações de diplomatas, de condução totalmente errônea de um caso de política externa pelo governo Lula, por sua conduta não diplomática, alias totalmente partidária, ideológica, num caso que nunca foi examinado exaustivamente pelos diplomatas ou pelos estudiosos da academia, sobretudos os especialistas em direito internacional. Considero essa renúncia da academia brasileira em examinar esse caso mais um exemplo vergonhoso da renúncia, não à soberana, mas da simples renúncia a pensar.
O outro caso, sobre o qual ainda persistem as brumas do desentendimento entre especialistas, mas que é suficientemente claro, é o da não repatriação à Itália do criminoso Cesare Batista, cujo ingresso no Brasil foi irregular, a quem foi negado o asilo pelo Conselho Nacional de Refugiados, de quem foi decretada a expatriação pelo Supremo Tribunal Federal, mas que permanece no Brasil, leve, livre e solto, como se fosse um residente qualquer, não um terrorista condenado por crimes comuns pela Justiça de um país com o qual o Brasil tem um tratado de extradição. Houve um claro desrespeito à diplomacia e ao direito internacional pelo governo Lula, e esse é o resultado do que pode fazer uma diplomacia não profissional, na verdade o contrário de qualquer diplomacia, por parte de um governo totalmente dominado por um partido.


Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Existiria uma diplomacia liberal e outra menos liberal? - Paulo Roberto de Almeida


Existe alguma relação entre a diplomacia e o liberalismo?

Paulo Roberto de Almeida

            Ainda algumas reflexões a propósito de meu livro recentemente publicado Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), desta vez a respeito das relações que a política externa, ou o seu corpo profissional, possam ter com orientações mais ou menos liberais no mundo econômico.

Não creio, sinceramente, que a diplomacia brasileira, no seu sentido estrito, ou seja, enquanto corpo profissional dedicado a procedimentos de política externa, tenha de se guiar por ideias liberais, uma vez que estas são expressões do pensamento, ou posturas relativas aos temas de organização política e econômica que pertencem ao terreno das definições de políticas públicas. Sendo assim, a diplomacia executará aquelas opções de política que forem determinadas pelo governo de turno, tendo em vista as grandes definições constitucionais e os compromissos internacionais. Acredito que cabe ao diplomata avisar ao seu superior, cabe ao chanceler avisar ao presidente, quando determinada iniciativa política possuindo impacto externo venha a contrariar compromissos assumidos externamente pelo Brasil enquanto Estado, não enquanto governo (mas o governo deve se submeter ao Estado).
Dou um exemplo prático, que aliás deve ter ocorrido em outras instâncias (ou com os nosso vizinhos argentinos, por exemplo): por mais que sejam as dificuldades das nossas empresas industriais, com a falta de competitividade trazida pelo chamado custo Brasil e todo o horrível ambiente de negócios que prevalece entre nós, o governo brasileiro não pode, simplesmente, adotar medidas ultra-protecionistas, ou totalmente contrárias aos compromissos que assumimos sob o Gatt, a OMC e todos os demais acordos internacionais ou regionais contraídos pelo Estado brasileiro anteriormente, inclusive no âmbito do Mercosul. Se isto ocorresse, nossos parceiros no Mercosul, ou as partes contratantes ao Gatt teriam o direito, e não hesitariam em fazê-lo, de levar o Brasil ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul ou da OMC para obrigá-lo, sob ameaça de retaliações, a revogar as medidas contrárias aos compromissos existentes. Seria impensável que o Brasil o fizesse, e seria impensável que o Brasil se eximisse de cumprir suas obrigações externas.
Nesse caso, as ideias por trás das obrigações podem até ser liberais, mas elas não têm nada a ver com isso. Pacta sunt servanda, isto é, os tratados devem ser cumpridos, por mais que nos desagradem. Temos, é verdade, o direto de denunciar um tratado, nos retirarmos de um organismo internacional, mas acredito que seja dever de qualquer diplomata, em primeiro lugar do chanceler, avisar ao presidente, e aos seus conselheiros mal avisados, das consequências práticas de tais gestos, que sempre virão em detrimento do país e de seus interesses práticos. O Gatt poderia ser até uma organização mercantilista e dedicada não ao livre comércio – o que aliás ele não, estando bem mais voltado para a liberalização do comércio, de modo geral – mas dedicada, por exemplo, ao comércio administrado, e totalmente equilibrado, como se pretendia fazer em outras épocas, mas caberia ao Brasil respeitar os compromissos assinados sob a sua égide.
Obviamente, para alguém que defende ideias liberais, para um governo que defende o livre comércio, seria muito mais interessante ter a sua diplomacia a serviço dessas ideias, pois a experiência histórica, e um modesto consenso econômico, ensinam que a liberalização mais ampla de todos os fluxos comerciais, financeiros e de serviços trazem uma melhor situação de bem estar, para todos, indistintamente, do que a situação prevalecente atualmente, quando você tem, basicamente, um mundo de fluxos regulados, não uma perfeita liberalização, mas um espaço mundial dividido em esquemas de liberalização mais amplos – como a OCDE, por exemplo – e outros países, ou grupos de países, ainda dominados pelas ideias mercantilistas do passado, como pode ser o próprio Brasil e muitos outros na região e fora dela. O socialismo já acabou, com duas ou três exceções, mas as ideias socialistas, e mercantilistas, ainda perduram.
Mas repare que isso não tem nada a ver com o fato de a diplomacia ser mais ou menos liberal, ou mais protecionista e introvertida. A diplomacia sempre fará o que os seus decisores assim o decidirem, o chanceler ou o próprio presidente. São as políticas formuladas nesse nível que determinam o conteúdo da diplomacia, não o seu envelope corporativo que é a diplomacia estrito senso.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

A diplomacia profissional e a engajada - Paulo Roberto de Almeida


A diplomacia profissional e a engajada: minha experiência pessoal

Paulo Roberto de Almeida

            Sempre refletindo alguns dos temas do meu livro recentemente publicado Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), trato aqui de um dos maiores problemas "existenciais" que possam existir na carreira de um diplomata, ou seja, a de ser obrigado a cumprir instruções com as quais ele possa estar em profundo desacordo, tanto por razões políticas quanto de ordem moral. Sei o que é isso, por ter enfrentado o mesmo dilema durante meus primeiros anos de carreira, quando era servidor do Estado, sob o governo militar, contra o qual eu estava em profundo desacordo, tanto que o combati, e por isso enfrentei um exílio de sete anos e meio.

Trata-se de uma das questões mais complicadas que possam existir em instituições de Estado, mas que respondem a ordens de governo, e uma das mais difíceis para o profissional isento, que costuma ter uma visão suprapartidária dos negócios do Estado, o que pode ocorrer com muita frequência na área econômica, em geral, mas também na diplomacia, como parece ser o meu caso.
Eu ingressei no Itamaraty em plena ditadura militar, em 1977. Aliás, estava prestando um dos exames de ingresso no próprio dia, 12 de outubro, quando o ministro do Exército, general Sílvio Frota, parecia estar empreendendo um golpe interno contra o presidente de então, general Ernesto Geisel, por julgar que este tinha sido muito ousado, justamente, na sua política externa, considerada muito terceiro-mundista e de apoio aos comunistas, tendo antes reconhecido os regimes e estabelecido relações diplomáticas com a China então comunista, com o governo pró soviético de Angola, e coisas do gênero. O general Sílvio Frota considerava o Itamaraty muito esquerdista, no que talvez ele tivesse razão. Mas a política externa era a do presidente Geisel, não a do Itamaraty, que podia até concordar, ou não, com essa política, mas não tomaria essas iniciativas se não tivesse sido autorizado, instruído e ordenado fazê-las, o que de certo modo causou comoção em certos meios militares de direita (em alguns grande jornais conservadores também). Em algum momento, Brasil e Cuba estavam na prática juntos em apoio ao governo de Luanda, que lutava contra dois grupos guerrilheiros, um deles apoiado, contraditoriamente, pelos chineses e pelos americanos, ao mesmo tempo. São as surpresas e as contradições da vida, ou das relações internacionais.
Pois bem, eu entrei num Itamaraty que aparentemente estava sob a tutela do regime militar – e de fato havia vários assuntos tabu, como a própria Cuba, a União Soviética, e os países socialistas em geral – mas nunca me senti tão livre na profissão como naqueles tempos de aparente tutela militar sobre a nossa corporação. Salvo esses poucos assuntos, o Itamaraty tinha total autonomia para conduzir seus assuntos diplomáticos, com perfeita observância dos preceitos constitucionais e liberdade operacional. Tínhamos, por exemplo, de consultar a secretaria do Conselho de Segurança Nacional para conceder vistos para cidadãos e funcionários dos governos socialistas, mas no resto tínhamos muita autonomia de ação. E estou falando de um tempo em que eu ainda assinava artigos políticos com pseudônimo, justamente porque vivíamos sob um regime autoritário de direita. Mas esse é um aspecto que jamais interferiu na minha atividade propriamente diplomática, que se desenvolvia em consonância com o que se imagina serem os interesses nacionais. Dou exemplos.
Qualquer decisão, no relacionamento externo do país, era objeto de extensas consultas internas – lembro de memorandos com mais de 30 páginas, com pareceres de todas as áreas, política, econômica, jurídica, etc. – e depois ainda se convocavam reuniões de coordenação com outros órgãos – Fazenda, Banco Central, Planejamento, Agricultura, etc. – para extrair os elementos do processo decisório que contemplassem um amplo espectro de opiniões e fundamentos no próprio governo. Não raro se consultavam as associações de classe – em negociações comerciais externas, por exemplo – para saber o impacto de tais e tais acordos em nossa economia ou sistema jurídico. Também me lembro de exposições de motivos ao presidente da República, algumas vezes assinadas por dois ministros de Estado, que levavam a decisão última ao máximo responsável. Também era muito frequentes as “Informações ao Presidente”, que o ministro levava ao presidente em seus despachos, para que este apusesse sua assinatura na, ou numa das opções de ação apresentadas pelo Itamaraty. Vi muito desses papéis com a rubrica ou a assinatura do Geisel, do Figueiredo, depois do Sarney, do Collor, do Itamar e de FHC. Os arquivos do Itamaraty abundam nesse tipo de registro objetivo, factual, preciso, sobre como certas decisões foram tomadas, e se aprofundarmos a pesquisa ao nível dos memorandos ou das notas técnicas que fundamentaram cada uma dessas informações ou exposições de motivos, saberemos exatamente como cada decisão foi tomada, por quem e sob quais argumentos.
Esta é a diplomacia profissional à qual eu me refiro. Posso estar enganado, mas muitas das decisões tomadas nos anos do lulo-petismo carecem do mesmo grau de formalização quanto ao processo decisório, e muitas podem até carecer de registros apropriados, sem mencionar o aspecto deletério já referido da interferência partidária em assuntos que deveria merecer um exame técnico, isento, por parte dos diversos setores do Estado brasileiro e até de representantes da chamada sociedade civil. O diplomata, ou o funcionário de qualquer outra área do Estado, que tem inevitavelmente de servir ao governo de turno, percebe imediatamente quando os parâmetros, os métodos e os procedimentos profissionais estão sendo seguidos, ou quando existe uma clara ruptura nesses padrões de funcionamento do Estado. Creio que esse é o principal motivo de angústia para muitos dos meus colegas diplomatas, como para mim mesmo.


Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Nunca Antes na Diplomacia...: ideias boas e menos boas na politica externa - Paulo Roberto de Almeida


Nunca Antes na Diplomacia...: quais foram as boas e as más ideias na diplomacia brasileira dos últimos tempos?

Paulo Roberto de Almeida

            Ainda a propósito da publicação de meu livro Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais (link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), permito-me argumentar sobre a questão das boas e das más ideias que afetaram a política externa nos últimos tempos. 
As ideias boas podem ser identificadas nas iniciativas para projetar de modo mais amplo ou mais ousado o nome do Brasil no cenário internacional, com uma intensificação extraordinária da chamada diplomacia presidencial. Nunca antes na história da diplomacia, ou na história do Brasil, um presidente tinha viajado tanto, e recebido tantos líderes estrangeiros quanto sob a presidência Lula: foi realmente exaustivo, em todos os sentidos que se possa dar a essa expressão. Foram tomadas iniciativas no âmbito regional, especificamente sul-americano, ou latino-americano, já que havia uma nítida prevenção contra o império – e a prova disso foi a constituição de organismos que afastassem os Estados Unidos de assuntos regionais – e foram tomadas várias outras iniciativas no âmbito da chamada diplomacia Sul-Sul, como o grupo Ibas, com a Índia e a África do Sul. No mesmo sentido, o Brasil promoveu a formalização go Brics, que está mais ou menos identificado com países anti-hegemônicos, ou seja, nenhum que tenha estado identificado com o velho colonialismo ou com a preeminência imperial americana nas últimas décadas, ou século.
Aqui já se revela um pouco do espírito da diplomacia lulista, bastante refletida e consubstanciada na chamada diplomacia Sul-Sul, que me parece um reducionismo absurdo e indevido de qualquer diplomacia digna desse nome. Entendo que é do interesse de qualquer país usar e aproveitar de todos os recursos do sistema internacional para impulsionar seu processo de desenvolvimento e para o aproveitamento de todas as oportunidades existentes nos mais amplos horizontes disponíveis. Limitar essa diplomacia, ou o escopo da sua política externa, a uma determinada região, ou a um tipo de cooperação impulsionada bilateralmente, é uma subtração de fato, que não me parece positiva sob qualquer aspecto ou critério.
O problema maior, porém, me parece ser a confusão entre partido e Estado, como muitas vezes referido nos meios de comunicação. Esse tipo de confusão foi feita pelo próprio chefe de Estado e eu fui testemunha disso: numa das ocasiões em que se comemorava no Itamaraty o dia do diplomata, Lula disse, clara e inequivocamente, com aquele estilo que sempre lhe foi peculiar, que ao lado da diplomacia profissional, entre Estados, conduzida pelo Itamaraty, estava ali o assessor presidencial, o companheiro do partido encarregado de manter relações com os partidos de esquerda da região, para também impulsionar ações diplomáticas. Deve existir gravação desse pronunciamento e posso buscar em meus arquivos a prova do que estou dizendo. Essa é uma típica má ideia de quem pretende conduzir um país com as viseiras de seu partido, que como o próprio nome diz, representa a parte não o todo. Essa má ideia perdurou na diplomacia brasileira, e na sua política externa durante todos os anos do lulo-petismo, e talvez ainda dure até hoje. Existem muitas outras más ideias, obviamente, mas a maior parte delas não tem nada a ver com o Itamaraty, e sim com os fantasmas ideológicos do partido no poder, como a leniência com ditaduras – mas que se reflete em votações diplomáticas a favor desses regimes, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, por exemplo – ou iniciativas financeiras que implicam custos ao Brasil sem benefícios aparentes.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Diplomacia e Política Externa: quão diferentes? - Paulo Roberto de Almeida


Quais as relações entre a diplomacia e a política externa?

Paulo Roberto de Almeida

            Aproveito a publicação de meu livro Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais (link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), para comentar sobre alguns dos temas ali presentes.

 Comento, em primeiro lugar, sobre a superposição que se faz frequentemente entre diplomacia e política exerna, e, adicionalmente, sobre as orientações mais liberais ou menos liberais, de uma política econômica interna e externa. 
Duas distinções são necessárias aqui: a primeira, entre a diplomacia estrito senso, por um lado, e a política externa, em seu sentido mais lato, por outro lado; a segunda distinção importante a ser feita, seria entre uma diplomacia que seria mais liberal, de uma parte, e uma outra que seria menos liberal, de outra, cada caso a depender do governo ou de alguma necessidade circunstancial. Existem aqui dois pequenos problemas, que são muitas vezes do público em geral, sobre o que se entende que seja a diplomacia, e sobre o que é política externa de um país.
Em meu livro, cujo título completo é, Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais, eu não faço tanto uma análise crítica da atuação do Itamaraty enquanto tal, ou seja, de nossa diplomacia, quanto sim, eu faço uma avaliação muito realista da política externa brasileira, tal como efetivamente conduzida na era do lulo-petismo. Talvez a junção dos dois conceitos no título do livro possa se prestar a essa confusão, que eu pretendo agora esclarecer.
A diplomacia, no sentido estrito da palavra, é uma mera técnica, ou seja, um dos instrumentos, ou ferramentas, usados por qualquer Estado organizado, para conduzir seus assuntos externos, suas relações com os demais países, sua presença nas organizações internacionais. Todos os Estados modernos possuem esse tipo de ferramenta, independentemente da natureza desse Estado – se democracias, se regimes autoritários, até mesmo se perfeitas tiranias – e independentemente do conteúdo de sua política externa. Esta pode ser mais tradicional, pautando-se pelas regras do direito internacional, ou talvez um pouco mais agressiva, mobilizando outros fatores de poder ou de projeção externa, como podem ser as forças armadas, ou até mesmo as empresas de maior capacidade de penetração internacional. Filmes de Hollywood podem ser uma forma de fazer política externa, utilizando, digamos assim, uma forma não muito usual de diplomacia. Projetar bases militares ao redor do mundo, também pode ser uma forma, embora heterodoxa, de fazer diplomacia, que seria, digamos, a ameaça velada como forma de persuasão.
Mas a diplomacia é uma técnica que tem suas regras e rituais, independentemente do seu conteúdo intrínseco. Na sua forma moderna, a de embaixadas permanentes e de organismos especializados, ela começou a tomar forma no Congresso de Viena, em 1815, e foi sendo aperfeiçoada, institucionalizada e organizada em função de alguns grandes acordos internacionais, que surgiram ao cabo de guerras globais – como a Liga das Nações, no final da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, ou a ONU, na conferência de São Francisco, ao final da guerra de 1939-1945 – ou que foram o resultado de conferências diplomáticas que codificaram algumas regras das relações diplomáticas. Temos, a esse respeito, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, que institucionaliza a forma pela qual os estados se reconhecem, se relacionam, trocam representantes, protegem esses representantes por meio de imunidades diplomáticas, e até regulam o rompimento dessas relações ou a denúncia de tratados bilaterais ou multilaterais e a retirada de Estados desses acordos ou organizações. Ou seja, tudo isso é pura técnica, e nada diz sobre o conteúdo da diplomacia, ou mais exatamente, sobre a natureza da política externa que é conduzida por cada Estado.
A política externa, esta sim, depende de cada Estado especificamente, e pode ser tão diferente entre dois Estados como é a conduta de um governo na frente interna, segundo ele seja plenamente democrático, ou uma perfeita tirania. Cada um deles usará a diplomacia de que dispõe para impulsionar seus interesses nacionais na frente interna e na frente externa. A política externa é a que dá substância ou conteúdo à diplomacia, que de outra forma permaneceria uma mera troca burocrática de expedientes – notas, comunicados, projetos de acordos – ou de representantes oficiais. É a política externa que determina como um governo, ou um Estado vai se relacionar no plano internacional, sendo mais ou menos cooperativo, ou mais agressivo, digamos, como também ocorre algumas vezes. Já vimos Estados invadindo outros, ou provocando uma guerra, por razões de fronteiras, ou qualquer outro motivo de conflito militar. Nesses casos, a diplomacia entra em campo para fazer o que sempre faz: tentar resolver disputas por meios pacíficos e apelando para tratados e organizações internacionais.
Em meu livro, portanto, eu não critico o Itamaraty, enquanto diplomacia, embora ele possa ter tido um maior ou menor engajamento com a política externa do governo, mas faço uma avaliação da política externa conduzida nos últimos anos, que pode não ter sido elaborada no Itamaraty, nem pelo Itamaraty, ou sequer conduzida por ele. Como sabemos, grande parte das iniciativas da era lulo-petista na frente externa foram concebidas e aplicadas a partir da própria presidência da República, o que pode até ser legítimo, uma vez que, num regime presidencial como o nosso, a política externa é a determinada pelo presidente da República, que pode, ou não, utilizar a diplomacia para suas finalidades pessoais. Como sabemos, muitas decisões ou iniciativas foram tomadas no próprio Palácio do Planalto, que possui um assessor presidencial para assuntos internacionais que é militante do partido, não integrante dos quadros diplomáticos como costumava ser anteriormente.
Indo agora para a segunda distinção, não se pode exatamente dizer que uma diplomacia seja mais liberal do que outra, uma vez que a mesma ferramenta pode ser utilizada para fins muito distintos, dependendo da natureza e das orientações de um governo, de um regime, de um Estado. O que as diferencia são os métodos empregados e o conteúdo das políticas impulsionadas. Democracias liberais de mercado tenderão naturalmente a promover acordos consensuais para alcançar seus objetivos típicos: abertura do maior número de países ao comércio e aos investimentos diretos, cooperação em bases voluntárias, respeitando a soberania de cada Estado, abstenção de recurso a meios militares ou a ameaças diretas para dirimir disputas ou resolver conflitos. Tiranias podem ser imprevisíveis, pois tanto podem conduzir uma diplomacia “pacífica”, digamos assim, reservando a repressão para o seu próprio povo, como impulsionar ações unilaterais, agressivas, no plano externo, desprezando tratados firmados ou a existência de organizações dedicadas à paz e à cooperação.
Democracias liberais são relativamente transparentes ao escrutínio público sobre suas políticas, inclusive a externa, com amplos debates no parlamento, na imprensa, entre a opinião pública, com os encarregados da diplomacia serem frequentemente convidados a se explicar, perante os legisladores, ou na imprensa, sobre o sentido e a direção que eles estão imprimindo à diplomacia e à política externa. Regimes autoritários são bem mais fechados, e esse tipo de debate raramente ocorre, e não porque a diplomacia seja mais liberal ou menos liberal, mas porque o próprio regime atua de forma antiliberal, ou seja, de modo autoritário, sem os famosos contrapesos dos regimes democráticos, sem a transparência existente nesse regimes.
Concluindo sua pergunta, eu diria: a diplomacia profissional brasileira sempre atuou do mesmo modo, em situações democráticas, ou sob o regime autoritário, digamos o período militar dos anos 1960 ou 1970, quando a preocupação dos dirigentes estava voltada para os cenários típicos da Guerra Fria: a luta contra o comunismo e contra os regimes esquerdistas na América Latina. O conteúdo da política externa é que mudou, e as orientações eram no sentido de impulsionar aqueles objetivos dos militares. Provavelmente, naquele período, a diplomacia brasileira tenha protagonizado episódios pouco gloriosos de sua história, no sentido de conduzir ações incompatíveis com os seus princípios tradicionais, que são os da absoluta neutralidade política e o da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Podem ser identificados esses episódios nos casos de ameaças esquerdistas, ou vistas como tal pelos militares, em governos vizinhos, de países como Uruguai, Bolívia ou Chile (sob Allende, por exemplo).
Mais recentemente podem ter ocorrido episódios semelhantes, mas em favor de regimes ditos progressistas na América Latina, como são os chamados bolivarianos, na mesma Bolívia, na Venezuela, ou no caso do regime comunista de Cuba. Digo podem ter ocorrido porque não há um registro perfeito de determinados episódios, uma vez que alguns deles, justamente, não foram conduzidos pela diplomacia profissional, e podem não ter deixado um registro sobre foram conduzidas determinadas ações. Imagino, por exemplo, que até hoje o Congresso brasileiro não tenha uma ideia precisa de como foi conduzido o programa Mais Médicos, com seu número extraordinariamente elevado de pessoal cubano – muitos deles de qualificação duvidosa – uma vez que faltam informações adequadas sobre a negociação e sobretudo sobre os compromissos financeiros contraídos ao abrigo desse programa; o Itamaraty, provavelmente, não foi o responsável pela sua tramitação. Trata-se ai de um nítido exemplo de política externa que pode ter sido subtraído aos canais habituais da diplomacia.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Decreto bolivariano dos sovietes petistas - Hermes Rodrigues Nery

Golpe contra a democracia 
Hermes Rodrigues Nery


Exmo. Senador Anibal Diniz, que preside estes trabalhos, Ministro Gilberto Carvalho, Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Prof. Leonardo Avritzer, professor de Ciência Política da UFMG, Prof. Dalmo Dallari, professor da USP, Prof. José Matias Pereira, professor de Administração Pública da UnB, senadores e demais aqui presentes. Cumprimento a mesa e pelo vejo serei a única voz dissonante, o que é salutar para o debate democrático, que nos leva à reflexão, que é justamente o objetivo desta audiência pública. 

Gostaria de começar lembrando aqui aos senhores a perplexidade de Aristide Lobo, quando descreve o que aconteceu no golpe de 15 de novembro de 1889, dizendo que o povo assistiu tudo aquilo bestializado, isto é, alheio ao que aconteceu, sem ter tido nenhuma participação efetiva naquela quartelada; mas sofreu depois as consequências do novo regime, com a própria crise econômica decorrente do encilhamento, e os excessos do florianismo, por exemplo, "com desprezo pelas regras jurídicas"1. Naquela que foi "a primeira grande mudança de regime político após a Independência"2, quiseram os golpistas justificar o que fizeram dizendo que "se tratava da implantação de um sistema de governo que se propunha, exatamente, trazer o povo para o proscênio da atividade política"3. E os fatos mostraram depois, de que se tratou mesmo de uma falácia. "Havia algo mais na política do que simplesmente um povo bestializado"4, mas forças oligárquicas se voltaram contra o Brasil, gerando as aberrações da República Velha. E que perduram aqui hoje, com novas formas (mais sutis, mais danosas) na Nova República; na mesma práxis do Executivo asfixiar o Legislativo, no pior exercício do mandonismo, no afã de um grupo de poder que sufoca as liberdades individuais, e as demais expressões [este que se torna uma facção, favorecida por um presidencialismo que tende a um absolutismo, e que recorre à retórica da democracia, como discurso apenas para justificar que esse determinado grupo imponha a sua ideologia totalitária, usando categorias sociais artificiais, [ou mesmo estratos sociais vulneráveis como curral eleitoral, com base no populismo e no clientelismo] para legitimar seus interesses de poder, que nada são democráticos. Isso já é conhecido na história, desde a Antiguidade.

"E quando, em lugar do povo - dizia Sócrates, na ágora ateniense - é, como numa oligarquia, uma reunião de algumas pessoas que decreta o que se deva fazer, como se chama isso?"5 E responde: Violência e ilegalidade, mesmo revestida de artifícios e sofismas, da retórica, estratégia essa bem conhecida. "- Que são então Péricles, a violência e a ilegalidade? Não são atos pelos quais o mais forte, em vez de convencer o mais fraco, obriga-o a fazer o que lhe convém?"6 Onde um determinado grupo político quer se impor e asfixiar todos os demais. Com o Estado Novo, prevaleceu isso também: o poder do caudilho, como o de hoje, com Lula e seu grupo de poder, declaradamente socialista.

Afonso Arinos de Mello Franco, que foi senador desta casa, constituinte, que ajudou a fazer a atual Carta Magna, destaca "as deturpações sofridas pela expressão democracia"7, lembrando Lênin, quando dizia que que "a República dos Sovietes, dos representantes dos operários, soldados e camponeses é o tipo mais elevado de instituição democrática"8. E observa que "a franqueza de Lênin é cruel e completa, mas também são patentes os seus erros [os erros da Rússia espalhados pelo mundo], fundados em ilusões da crença ideológica marxista"9, que o PT, de modo especial, carrega com obsessão e obstinação, em por em prática tais erros já condenados pela História, de triste memória, nos países aonde tais erros foram adotados. E ensina Afonso Arinos que "a democracia direta (como querem agora o governo do PT com o Decreto 8243/20140 de fato nunca foi praticada e dela hoje restam somente alguns resquícios históricos"10. Isso porque a democracia, sr. Presidente, "conta com indiscutíveis bases morais"11, e aonde faltam essas bases, não há como existir democracia, mas a corrosão da democracia, que leva à demagogia, à anarquia, à dissolução das instituições [desde a primeira e a principal de todas elas, a família], à barbárie e à toda espécie de violência. 

O decreto 8243/2014 mostrou uma face sombria do projeto de poder do PT, e isso não é de hoje, mas desde seu nascedouro, quando ainda se gestava, nos anos 70, no CEBRAP (com recursos da Fundação Ford), já prevendo isso: usar as OnGs para o aparelhamento de setores estratégicos  da sociedade, com metodologia gramsciana, para, aos poucos, irem ocupando postos (nas Universidades, na imprensa, nos partidos, até chegar hoje, quando praticamente quase todos os partidos são títeres de forças internacionais, articuladas para impor na América Latina a agenda socialista, a agenda controlista, uma agenda globalista.

O que se quer com o Decreto 8243/2014 não é o aprimoramento da democracia, alargando as suas possibilidades de expressão, como vem dizendo o Sr. Ministro Gilberto Carvalho, em seus pronunciamentos. Mas o Decreto visa inviabilizá-la, com "um conjunto de barbaridades jurídicas"12, que tornam os movimentos sociais - como diz Erick Vizollli - "controlados por partidos de esquerda"13, em especial pelo próprio PT. Estrangulamento da democracia no Brasil, que quer significar este Decreto, e não a sua promoção, como propagandeia na mídia os falazes do PT. E elucida Vizolli: "Sociedade Civil para o Decreto significa movimentos sociais"14. E acrescenta: "Não se enganem: a intenção do Decreto 8243/2014 é justamente abrir espaço para a participação política de tais movimentos e 'coletivos'. O 'cidadão' em nada é beneficiado"15.

O Decreto altera profundamente a ordem constitucional e o equilíbrio entre os três poderes, pois cria conselhos em toda a parte, com poder deliberativo. Tal alteração não poderia ser proposta por decreto [já aí está a sua inconstitucionalidade]. O Decreto instaura a democracia direta, que jamais foi pretendida pela Constituição de 1988. O Decreto esvazia e desmoraliza o Congresso. E isso esta Casa não pode permitir. Esta Casa tem o dever constitucional de defender o Legislativo, robustecê-lo, pois assim estará protegendo a sociedade brasileira da gula de poder, dos que querem se favorecer dos ardis do referido Decreto e dar assim esse golpe contra a democracia brasileira.

E acrescenta Vizolli: "A institucionalização de conselhos pelo Decreto 8243/2014 leva à ascensão política instantânea de 'revolucionários profissionais', pessoas que dedicam suas vidas inteiras à atividade partidária, em uma tática já antecipada por Lênin em seu panfleto "Que Fazer", de 1902 (capítulo 4c). Vamos supor por um momento que o Decreto seja um texto bem intencionado, que de fato pretenda 'inserir a sociedade civil' dentro de decisões políticas (como, aliás, afirma o diretor de Participação Social da Presidência da República em artigo d'O Globo). Ora, quem exatamente teria tempo para participar de 'conselhos', 'comissões', 'conferências' e 'audiências'? Obviamente, não o cidadão comum, que gasta seu dia trabalhando, levando seus filhos para a escola e saindo com os amigos. Tempo é um fator escasso, e a maioria das pessoas simplesmente não possui horas de sobra para participar ativamente de decisões políticas - é exatamente por isso que representantes são eleitos para essas situações. Quem são as exceções? Não é difícil saber. Basta passar em qualquer sindicato ou diretório acadêmico: ele estará cheio de 'revolucionários profissionais', cuja atividade política extraoficial acabou de ser legitimada por decreto presencial"16. Por isso, me referi aqui no início à perplexidade de Aristides Lobo, quando disse que o povo assistiu tudo bestializado, alheio a tudo, como hoje, quando o governo do PT, com o Decreto 8243/2014 quer alijar das instâncias decisórias o povo, para garantir apaniguados no partido do governo, o acesso às instâncias decisórias; apaniguados estes que formarão os "coletivos", a sociedade civil. O Decreto, como afirmou o jornalista Reinaldo Azevedo, cria assim "duas categorias de brasileiros: os que tem direito de participar da vida pública e os que não tem. Alguém dirá: Ora, basta integrar um movimento social, mas isso implicará , necessariamente, ter de se vincular a um partido político"17.

"Exatamente por estes motivos, Sr. Presidente, tal forma de organização, confere a extremistas de esquerda possibilidades de participação política muito mais amplas do que eles teriam em uma lógica democrática 'verdadeira', na qual ela seria reduzida a praticamente zero"18. Mas com a institucionalização da participação popular, que o Decreto quer garantir, estará o povo alijado do poder decisório, e Estado e Nação ficarão reféns dos tais "coletivos". Como bem lembra o Dr. Ives Gandra da Silva Martins, que me indicou para aqui representá-lo, nesta audiência pública. "As comissões e os conselhos, segundo o texto oficial, deverão ser formados pela sociedade civil. Entende-se sociedade civil [está lá no texto do Decreto], "por cidadãos, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e organizações"18, como os tentáculos do polvo de Lautréamont. "Dizem que qualquer pessoa do povo pode participar, mas sabemos que o povo não é articulado. Articulados são eles, que entrarão nessas comissões"19. E mais: "Quando eles falam de participação da sociedade, todos nós sabemos  que essas comissões serão de grupos articulados, com os movimentos dos Sem Terra e dos Sem Teto e outros, que tem mentalidade favorável à Cuba, à Venezuela"20. Por isso, o povo continuará alijado e, mais uma vez, bestializado, assistindo a tudo isso [esse golpe que é o Decreto 8243/2014], sem entender de nada do que está acontecendo.

O que ocorre com o Decreto? A corrosão da democracia, que favorece o populismo, o clientelismo, a subserviência e a acomodação, a tibieza de iniciativas pessoas, a dependência do Estado para tudo, este paternalismo estatal que se aproveita da vulnerabilidade social, para manipular pessoas e instituições, tornando desprezíveis as liberdades públicas e privadas. Como afirma o Prof. Olavo de Carvalho, em seu livro "Tudo o que você precisa saber para não ser um idiota", "a possibilidade mesma de iniciativas sociais independentes foi praticamente eliminada, na medida em que a regulamentação das OnGs as transformou em extensões da administração estatal (exatamente o que quer o Decreto 8243/2014) e em instrumentos de manipulação de massas"21. Os coletivos são isso: "construtores revolucionários de uma sociedade socialista"22. E o que querem? Não o bem comum, conforme o Direito Natural; não a estabilidade [estamos aí já vendo os sinais apreensivos da crise econômica], não a coesão social, a garantia  e a promoção das liberdades individuais, da valorização cultural, que civiliza, mas a banalização da vida, em todos os sentidos, o triunfo do homem-massa, o barateamento e nivelamento por baixo, de tudo e de todos, porque "a ação do poder revolucionário, é precisamente , a ruptura do direito"23 [e especialistas já demonstraram a inconstitucionalidade do Decreto] "e, portanto, da legalidade, que é o domínio da lei"24.

E é por isso que o golpe que se quer com o Decreto 8243/2014 lembra a quartelada de 89. Golpe este altamente sofisticado, porque travestido de roupagem sedutora: em nome da democracia, querem instaurar a ditadura petista, querer se implantar o socialismo e o comunismo neste País, com apoio internacional. E esta Casa de Leis precisa se posicionar para sustar o Decreto, para salvaguardar a democracia, para salvaguardar a liberdade neste País, para evitar a sovietização em curso, com as conhecidas conseqüências desse processo.  

O debate da questão que motivou esta audiência pública, relevantíssimo para a reflexão sobre o que está pondo em xeque a democracia neste País, nos leva a dizer alto e em bom tom: não permita esta Casa de Leis este atentado á democracia brasileira. É hora dos homens e mulheres deste País, que tem amor ao Brasil, dos que sabem do sentido e do valor do patriotismo, para se posicionar em defesa da democracia, da liberdade, do respeito às instituições, também desta Casa Legislativa, sempre em vista a dignidade da pessoa, de cada pessoa humana. Muito obrigado.

Notas:

1. Afonso Arinos de Mello Franco, Problemas Político Brasileiros, p. 150, Livraria José Olympio Editora, 1975, Rio de Janeiro. 
2. José Mutilo de Carvalho, Os Bestializados - O Rio de Janeiro e a República que não foi .p. 11, Companhia das Letras, 2204, São Paulo. 
3. Ibidem.
4. Ib. p. 13.
5. Sócrates, Os Pensadores, p. 93, Editora Nova Cultural Ltda, 1999, São Paulo. 
6. Ibidem.
7.  Afonso Arinos de Mello Franco, Problemas Político Brasileiros, p. 25, Livraria José Olympio Editora, 1975, Rio de Janeiro. 
8. Ibidem.
9. Ib. p. 17.
10. Ib. p. 26.
11. Ib. p. 26.
12. Editorial do jornal O Estado de São Paulo, Mudança de Regime por Decreto, 30.05.2014 (http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,mudanca-de-regime-por-decreto-imp-,1173217)
13. Erick Vizolli, "Afinal, o que é esse tal decreto 8.243?" (http://erickvizolli.jusbrasil.com.br/artigos/121548022/afinal-o-que-e-esse-tal-decreto-8243)
14. Ibidem.
15. Ibidem.
16. Ibidem.
17. Reinaldo de Azevedo, "Dilma decidiu extinguir a democracia por decreto. É golpe". Veja on line, 29.05.2014 (http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/dilma-decidiu-extinguir-a-democracia-por-decreto-e-golpe/)
18. Erick Vizolli, "Afinal, o que é esse tal decreto 8.243?" (http://erickvizolli.jusbrasil.com.br/artigos/121548022/afinal-o-que-e-esse-tal-decreto-8243)
19. Victória Broto, "Ives Gandra alerta: decreto 8.243 é ditatorial", Diário do Comércio, 03.06.2014 (http://www.dcomercio.com.br/2014/06/03/ives-gandra-alerta-decreto-8243-e-ditatorial).
20. Ibidem.
21. Olavo de Carvalho, "Tudo o que você precisa saber para não ser um idiota" (Org. Felipe Moura Brasil), p. 173, Editora Record, Rio de Janeiro.
22. Mark Mazower, "Continente Sombrio - A Europa no século XX", p. 271, Companhia das Letras, 2001, São Paulo.
23.  Afonso Arinos de Mello Franco, Problemas Político Brasileiros, p. 31, Livraria José Olympio Editora, 1975, Rio de Janeiro.
24. Ibidem.

O Estado (ou califado) Islamico, um problema maior do que a Al Qaeda - Gordon Lubold (Foreign Policy)

FP's Situation Report: Sharpening rhetoric about the IS, but no war plan yet;
By Gordon Lubold with Nathaniel Sobel

The killing of American journalist Jim Foley has created a new momentum for tackling the Islamic State in Iraq - and Syria - in a more effective and comprehensive way, even if the White House is still grappling with what form that effort would take.  Gen. Marty Dempsey, Chairman of the Joint Chiefs of Staff, along with Defense Secretary Chuck Hagel, seemed to agree yesterday that the Islamic State represents a far more dangerous threat than al-Qaeda ever did - a sentiment long held by analysts and military experts, and an argument made by a number of prominent people recently. But even as President the administration's rhetoric seems to be setting the stage for a long haul in Iraq, it's not yet clear what President Barack Obama will agree to do to meet the threat. And now that Obama has said repeatedly that he won't put American "combat boots on the ground," he and his advisers will have to determine how to deepen a U.S. and coalition effort in Iraq and Syria that will mean doing just that without reversing himself on that point.

Many believe a focused effort doesn't have to mean putting several thousands of troops onto the battlefield, but it does mean inserting more specialized forces to ensure an expanded airstrike campaign is effective. But while that is happening in limited form now, the call to expand the effort is awaiting a presidential nod.

Also yesterday, Dempsey made clear that only attacks inside Syria - the origin of the Islamic State - can defeat the militants. "Can they be defeated without addressing that part of their organization which resides in Syria? The answer is no. That will have to be addressed on both sides of what is essentially at this point a nonexistent border," Dempsey said yesterday.

FP's Kate Brannen: "U.S. military operations in Iraq may be limited for now, but the rhetoric in Washington is heating up. On Thursday, it boiled over at the Pentagon, where Defense Secretary Chuck Hagel painted a new and more dangerous picture of the threat that the Islamic State poses to Americans and U.S. interests.

"The group 'is as sophisticated and well-funded as any group that we have seen. They're beyond just a terrorist group,' Hagel said in response to a question about whether the Islamic State posed a similar threat to the United States as al Qaeda did before Sept. 11, 2001.

"'They marry ideology, a sophistication of strategic and tactical military prowess. They're tremendously well-funded. This is beyond anything that we've seen,' Hagel said, adding that 'the sophistication of terrorism and ideology married with resources now poses a whole new dynamic and a new paradigm of threats to this country.'

"Hagel's comments added to the mismatch between the Obama administration's increasingly aggressive rhetoric and its current game plan for how to take on the group in Iraq and Syria, which so far involves limited airstrikes and some military assistance to the Kurdish and Iraqi forces fighting the militants. It has also requested from Congress $500 million to arm moderate rebel factions in Syria. But for now, the United States is not interested in an Iraqi offer to let U.S. fighter jets operate out of Iraqi air bases."

ICYMI: John Allen backs Obama's airstrikes against ISIS but calls for an urgent American and international response and uses capital letters to do it.  Allen for Defense One, his BLUF: "...The president deserves great credit in attacking IS. It was the gravest of decisions for him. But a comprehensive American and international response now - NOW - is vital to the destruction of this threat. The execution of James Foley is an act we should not forgive nor should we forget, it embodies and brings home to us all what this group represents. The Islamic State is an entity beyond the pale of humanity and it must be eradicated. If we delay now, we will pay later."

The Islamic State has conquered much of Iraq with the help of Saddam's cronies. Now the men America once discarded could help win the country back. FP's Shane Harris: "The Islamic State has conquered broad swaths of Iraq thanks to a surprising alliance with secular veterans of Saddam Hussein's military. But now that partnership is fraying -- giving Washington its first real opportunity to blunt the terrorist group's advance without relying solely on American airstrikes or ground troops.

"The group of ex-Hussein loyalists, known alternatively as the Naqshbandi Army or by the acronym JRTN -- the initials of its Arabic name -- helped the Islamic State, formerly known as ISIS, win some of its most important military victories, including its conquest of Mosul, Iraq's second-largest city. It has also given the terrorist army, which is composed largely of foreign fighters, a valuable dose of local political credibility in Iraq. JRTN, which was formed as a resistance group in 2006, is made up of former Baathist officials and retired military generals, and is led by the former vice president of Hussein's revolutionary council, Izzat Ibrahim al-Douri, who was once one of the most-wanted men in the country during the U.S. occupation."