O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A posição transparente da esquerda sobre a crise diplomática Brasil-Venezuela - Opera Mundi

Poucas vezes, consegui ler um posicionamento da esquerda brasileira, sobre a política externa de um governo de esquerda, com tal transparência quanto esse artigo não assinado de Opera Mundi, um dos canais tradicionais da esquerda mais fiel ao que pensam os chamados "petistas raiz".

Tudo se explica, segundo o artigo, pela "falência histórica da política de colaboração de classes", que na visão da esquerda falhou e precisa ser substituida por uma política de enfrentamento ao imperialismo, o responsável por todos os nossos problemas, que estariam melhor encaminhados na colaboração com os países do BRICS+, e sobretudo os os países de esquerda da AL, como a própria Venezuela.

Só nos cabe agradececer ao redator pela transparência de opinião. 

Paulo Roberto de Almeida

Política externa em cima do muro é reflexo da esquerda brasileira e pode abreviar Governo Lula

O Brasil não precisava ter vetado a entrada da Venezuela como parceiro do BRICS. É sabido que essa decisão foi tomada para não ficar mal com os Estados Unidos. Mas poderia muito bem ter se abstido e justificado que seria errado ir contra a vontade de todos os outros membros. Não era difícil ter deixado passar a decisão da maioria. Lula demonstrou fraqueza e isso é o pior que um chefe de Estado pode fazer. O inimigo viu que Lula fraquejou e isso vai animá-lo a aumentar as pressões. Essa é uma síndrome da esquerda nacionalista e reformista. Só que a fraqueza que Lula demonstrou foi muita - foi uma capitulação totalmente desnecessária.

Ao lado da Fazenda e Defesa, o Itamaraty é um dos três principais ministérios do governo brasileiro. Como tratam o Brasil como uma colônia, os EUA precisam ter o controle sobre esses três ministérios-chave. É inadmissível que algum deles seja independente do controle imperialista. A composição social do Itamaraty é perfeita para a penetração da influência imperialista: uma casta burocrática e familiar formada pela burguesia e os extratos superiores da pequena burguesia. Sempre foi assim.

Como uma entidade extremamente tradicional e de elite, ela é inerentemente conservadora, mesmo reacionária, que visa manter o status quo e seus privilégios absolutamente inalterados.

O imperialismo americano se aproveita disso e já há mais de 100 anos, quando começou a dominar a política brasileira, cooptou e colocou em sua folha de pagamentos senão toda a estrutura desse ministério, ao menos uma parte importante dos seus integrantes.

Como em tudo, o PT não conseguiu (se é que tentou) mudar o quadro da instituição. Os embaixadores e diplomatas de primeiro escalão colocados por Lula e Dilma foram rifados logo quando Bolsonaro assumiu o governo. Trocou muitos "petistas" por olavistas ou semi-olavistas.

Dividiram o controle com os burocratas tradicionais da corporação, deixando os poucos "esquerdistas" de canto. Agora que Lula voltou, ao invés de fazer a mesma limpeza que Bolsonaro fez e retirar os bolsonaristas e direitistas de cena, praticamente não mexeu no Itamaraty. O Itamaraty não está sob o controle do presidente da República - como deveria estar, sendo um dos principais ministérios e, portanto, devendo obedecer fielmente ao presidente.

Política de conciliação esgotada

A vida política institucional de Lula já está indo para o seu desfecho e ele tem a chance de deixar um legado positivo histórico, conduzindo o Brasil para um caminho soberano em relação ao jugo imperialista. Não há sucessor na esquerda e, se Lula falhar na tarefa (que ele talvez almeje e a qual seus apoiadores acreditam que ele é capaz de realizar) de abrir as portas do Brasil para a nossa soberania, a esquerda pagará um preço enorme. Haverá uma crise histórica de lideranças absolutamente adaptadas à submissão imperial, que só não se abateu com toda a força porque Lula ainda existe.

O veto do Brasil à Venezuela no BRICS é consequência da insistência da esquerda em manter a política não apenas de conciliação, mas de colaboração com a direita tradicional, vendida como a "menos pior" - que se expressa, novamente, no apoio aos candidatos dessa direita contra os "mais piores" bolsonaristas no segundo turno das eleições municipais.

As eleições municipais consolidaram a ressurreição dessa direita (o centrão). Depois da débâcle histórica de 2018, a direita conseguiu se recuperar aos poucos, graças ao resgate proporcionado pela esquerda. As eleições de 2022, com a formação de uma frente ampla desnecessária para eleger Lula, levaram este à presidência, mas ao custo de que essa direita tradicional se apoderasse do governo.

Centrão, sempre no poder

Na verdade, o centrão nunca saiu do poder. É a grande chaga que mantém o Brasil como uma semicolônia do imperialismo desde a proclamação da república. Nenhuma revolução ou contrarrevolução o tirou do poder - no máximo reduziu ou fortaleceu o seu domínio, mas nunca o erradicou. A maior parte do tempo do governo Bolsonaro já havia sido, de fato, de um governo do centrão.

A direita tradicional conseguiu neutralizar a força avassaladora da extrema-direita ao longo da primeira metade do governo Bolsonaro, e foi ainda mais rápida em neutralizar o governo Lula. Há mais de um ano o presidente não passa de um refém do centrão, da direita oligárquica e dependente do imperialismo americano.

O último bastião da resistência de Lula dentro do governo - a política externa - já está sendo conquistado pela direita. O imperialismo não pode tolerar uma política brasileira na cena mundial que apoie a resistência palestina e tampouco o fortalecimento de Rússia, China e do enfrentamento ao seu domínio, representado pelo BRICS. As engrenagens pró-imperialistas do Itamaraty já foram ativadas a fim de completar o cerco do próprio aparelho do Estado brasileiro ao presidente Lula e àquilo que ele representa.

Há, ainda, um problema crucial: a extrema-direita, apesar de suas contradições internas, está com sua força e popularidade praticamente intactas já há uma década. E, como sempre, é favorecida pela sabotagem e propaganda da direita tradicional (centrão, imprensa, bancos e grandes capitalistas) contra Lula. Além do mais, a forte presença da extrema-direita influenciou a política da própria direita tradicional, agora ainda mais reacionária.

Política de não-alinhamento

O presidente, assim, vive uma situação muito delicada. Há quem acredite que ele está certo em buscar uma suposta equidistância tanto dos Estados Unidos quanto da China. Mas um país como o Brasil, uma semicolônia do imperialismo americano submetida atualmente a uma crescente pressão de Washington, não pode se dar ao luxo de buscar uma pretensa neutralidade, ao contrário de outros, como Índia ou Turquia, que são geograficamente distantes dos EUA e vizinhas de China e Rússia e cuja dependência política e econômica do imperialismo americano (embora ainda seja grande) não é tanta quanto a nossa.

Mesmo países fronteiriços com a Rússia não suportaram as pressões contra a aplicação de uma política não-alinhada e tiveram seus governos derrubados por golpes de Estado promovidos pelo imperialismo. Foi o caso da Ucrânia, em 2014, e é o que tende a ocorrer na Geórgia novamente. Essa também é a tendência do Brasil, se Lula continuar cedendo e não tomar um rumo verdadeiramente soberano, o que significa se aliar com China e Rússia e deixar de depender dos Estados Unidos.

O imperialismo americano tem o controle do Brasil. Tanto o centrão quanto a extrema-direita são seus aliados contra Lula. Ainda que tenham desavenças (às vezes encarniçadas), na hora H eles deixarão essas discordâncias de lado e lutarão juntos contra o inimigo comum, como a história já demonstrou em incontáveis ocasiões. E os aparelhos burocráticos do Estado, como o Judiciário - principal ferramenta do imperialismo no Brasil, junto com a grande imprensa burguesa -, marcharão ao seu lado.

Falência histórica

Aparece com crescente saliência, novamente, a falência histórica da política de colaboração de classes. Sua estabilização já não é mais viável desde que foi rompida com o golpe de 2016 e a ascensão da extrema-direita por obra da burguesia e do imperialismo. O que temos hoje é um monstrengo: a ala pretensamente nacionalista da burguesia, a quem Lula e o PT insistem em se apegar, sente-se ainda mais pressionada pelo imperialismo do que Lula - e cede muito mais facilmente e com muito menos hesitação do que o presidente.

Quaisquer coincidências de interesses com a classe operária e as demais classes populares que ainda possam existir se esvaem em uma situação de polarização política continuada e que volta a crescer, elevando particularmente as contradições das camadas populares com o imperialismo americano.

A burguesia "nacional", os aliados civilizados, democráticos e progressistas de Lula vão pular fora do barco (mesmo que não o façam abertamente) porque sabem que não há futuro nenhum dentro dessa aliança anti-histórica, na expressão usada por Mário Pedrosa ao analisar um cenário parecido, a crise do PTB de Jango com o PSD poucos anos antes do golpe de 1964.

Lula também vai ter de abandonar essa ambivalência na política externa e escolher um lado. Se não fizer, não vai durar. E se capitular definitivamente para o imperialismo, tampouco terá algum sucesso. O problema é que não dá para adotar uma política externa e uma política interna antagônicas. Para adotar uma política externa independente e, portanto, oposta ao controle do imperialismo, ele vai ter de se voltar contra os agentes do imperialismo dentro do próprio país, começando por aqueles que infestam o governo mesmo.

Pressões

Mas, se na política externa Lula sofre a pressão positiva do BRICS ampliado em contraposição à pressão negativa dos Estados Unidos, no cenário interno, a pressão popular - a única que poderia contrapor a pressão da direita - quase não existe, ao menos de forma organizada.

Daí também a parcela de culpa da esquerda, dos partidos (a começar pelo próprio PT), dos sindicatos e da imprensa progressista na política capituladora de Lula com relação ao BRICS e à América Latina. Na realidade, as posições de Lula, em geral, ainda são mais acertadas do que as da maioria da esquerda.

Não é Lula, somente, quem está na corda bamba. É toda a direção da esquerda brasileira. Sua política medíocre e rebaixada é a grande responsável pelos erros cometidos por Lula e pelo governo. Os movimentos populares precisam dar um giro de 180 graus em sua política e começar a combater de fato os inimigos de Lula, ou seja, os agentes do imperialismo no Brasil, pressionando o presidente e as suas próprias direções. Porque as pressões do outro lado da corda são cada vez mais fortes e Lula não vai conseguir se equilibrar por muito tempo.

 

Siete tesis equivocadas sobre el desarrollo de América Latina” - Rodolfo Stavenhagen

 

El 25 y 26 de junio de 1965 aparecieron en el periódico El Día las “Siete tesis equivocadas sobre el desarrollo de América Latina”, del gran intelectual Rodolfo Stavenhagen. Con una visión continental y comparativa, proponía hacer un balance crítico y forjar una interpretación genuina de los procesos de cambio ocurridos en América Latina. El libro que hoy publica El Colegio de México retoma, entre otros temas, un aspecto fundamental del trabajo académico de Rodolfo Stavenhagen: la vigencia de sus interpretaciones y la persistencia de ciertas problemáticas que señaló a lo largo de su trayectoria intelectual.

Intelectuais na diplomacia brasileira: a cultura a serviço da nação - Paulo Roberto de Almeida (organizador) Indice

 Livro pronto para entrar na linha de montagem:

 

Intelectuais na diplomacia brasileira:

a cultura a serviço da nação

 Paulo Roberto de Almeida

(organizador)

Índice

Prefácio , 13

            Celso Lafer

Apresentação: intelectuais brasileiros a serviço da diplomacia , 23

            Paulo Roberto de Almeida

     Nas origens da feliz interação entre o Itamaraty e a cultura brasileira , 23

     Por que uma nova iniciativa aliando diplomatas e cultura, muitos anos depois?,27

     Um novo projeto cobrindo outros intelectuais associados à diplomacia brasileira, 32

 

Bertha Lutz: feminista, educadora, cientista   , 35

            Sarah Venites

     Não tão breve nota introdutória  ,    35

     Uma formação cosmopolita    ,     38

     A ciência, a educação e o Museu Nacional   ,     40

     Política feminista, no Brasil e no mundo  ,       47

     O legado de Bertha e considerações finais  ,    54         

 

Afonso Arinos de Melo Franco e a política externa independente  , 57

            Paulo Roberto de Almeida

     Um membro do patriciado mineiro, de uma família de estadistas e intelectuais , 57

     Vida intelectual de Afonso Arinos, de uma família de escritores , 58

     Um diplomata natural, chanceler num período atribulado , 63

     A solução parlamentarista, sempre no horizonte...  , 74

     A crise brasileira e seu caráter permanente  ,   75

     De volta ao planalto, como senador e constituinte   ,,    79

 

San Tiago Dantas e a oxigenação da política externa   ,    83

            Marcílio Marques Moreira

     Marcos de uma vida intensa  ,  83

     San Tiago Dantas e os apelos do autoritarismo ,    85

     A trajetória na luta democrática   ,    88

     Uma fina sensibilidade cultural ,      89

     O ingresso na vida política  ,   90

     San Tiago e a reforma do Itamaraty ,   92

     San Tiago, diplomata  ,   93

     Uma visão original da política externa e da política internacional  , 97

     San Tiago, o pacifista  ,   100

     Em busca de uma esquerda “positiva”: San Tiago e Merquior  ,    102

 

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia , 105

            Paulo Roberto de Almeida

     Uma vida relativamente bem documentada, senão totalmente devassada , 105

     O diplomata enquanto economista e, ocasionalmente, homem de Estado , 110

     Além da economia: um observador sofisticado do subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano  ,  115

     Além da economia: o humanismo na sua versão irônica e política  , 123

     A premonição das catástrofes evitáveis, um fruto de sua racionalidade127

     Um longo embate contra sua própria instituição   ,    130

     A Weltanschauung evolutiva de Roberto Campos: do Estado ao indivíduo , 134

 

Meira Penna: um liberal crítico do Estado patrimonial brasileiro ,   143

            Ricardo Vélez-Rodríguez

     Breve síntese biográfica  ,   143

     A crítica de Meira Penna ao Estado patrimonial  ,        144

     O Brasil e o liberalismo    ,  146

     Patrimonialismo, o mal latino  ,    147

     Patrimonialismo e familismo clientelista     ,       151

     Patrimonialismo e formalismo cartorial    ,    155

     Patrimonialismo e estatismo burocrático  , 158

     Patrimonialismo e mercantilismo   ,    159

     Patrimonialismo e corrupção   ,    162

     Alternativas ao patrimonialismo    ,     163

     Um Tocqueville brasileiro   ,    165

 

Lauro Escorel: um crítico engajado ,       169

            Rogério de Souza Farias

     Esperançosa inteligência   , 169

     Retórica militante   ,   172

     Escolástico inútil   ,        175

     Cultura da política  ,    180

 

Sergio Corrêa da Costa: diplomata, historiador e ensaísta  ,191

            Antonio de Moraes Mesplé

       Os anos 40   ,     191

       D. Pedro I e a exceção brasileira    ,   196

       Floriano Peixoto e a história diplomática da Revolta da Armada , 204

       Juan Perón, o hipernacionalismo argentino e a conexão nazista  , 215

       A globalização lexical e a Francofonia   ,    228

       Um diplomata de escol  ,     232

 

Wladimir Murtinho: Brasília e a diplomacia da cultura brasileira , 235

            Rubens Ricupero

       Colocar o Estado a serviço da cultura  ,    235

       As origens e os episódios latino-americanos  ,   236

       A história de Wladimir é um romance de aventuras   ,  239

       As marcas de Murtinho na cultura do Brasil ,      240

       Brasília como nova capital da cultura brasileira  ,      242

       O legado de Wladimir Murtinho em Brasília e para o Brasil                                244

 

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível  ,    249

            Mary Del Priore

       Uma infância carioca  ,   249

       Como se fabrica um escritor e musicólogo?   ,    250

       Itinerários na diplomacia: Porto e Belgrado  ,     252

       De volta à América Latina e novos desafios diplomáticos    ,    254

       A obsessão pela música    ,    256

       Um longevo diplomata-escritor    ,      260

       Vasco: demasiadamente humano   ,    269

 

José Guilherme Merquior, o diplomata e as relações internacionais , 277

            Gelson Fonseca Jr.

       O intelectual e o diplomata278

       Encontros com Merquior  ,   282

       Os textos sobre questões diplomáticas   ,   287

       O intelectual antes do diplomata  ,      304

 

A coruja e o sambódromo: sobre o pensamento de Sergio Paulo Rouanet , 307

            João Almino

       Diplomacia    ,  307

       Literatura  ,   309

       Filosofia ,      311

       Iluminismo e universalismo   ,   312

       Universalismo e etnocentrismo  ,    314

       Relativismo e particularismos ,    316

       Civilização ou barbárie    ,  317

       A permanência da obra  ,  321

 

Apêndices:

1. O Itamaraty na cultura brasileira (2001), sumário da obra , 323

2. Introdução de Alberto da Costa e Silva à edição de 2001 ,   325

3. Alberto da Costa e Silva – 1931-2023, Celso Lafer  ,   341


Sobre os intelectuais na diplomacia   ,       347

Sobre os autores   ,    351

 

 

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Gastos públicos nas tentativas de reeleição de 2014 e 2022 rumo a uma crise econômica com forte ajuste fiscal em 2027? - Samuel Pessoa et alii (IBRE-FGV)

 CENÁRIOS

Gastos públicos nas tentativas de reeleição de 2014 e 2022 rumo a uma crise econômica com forte ajuste fiscal em 2027? 

O texto documenta o aumento dos gastos de Dilma 1 e Bolsonaro na tentativa de reeleição. Avalia também a herança fiscal de Dilma 1 até Bolsonaro, bem como documenta a piora fiscal dos últimos dois anos. Finalmente, mostra que houve intervenção no câmbio em 2014 fato que não ocorreu em 2022, após a instituição da independência do Banco Central.

Este texto sistematiza a expansão dos gastos públicos durante as tentativas de reeleição nos governos Dilma 1 (2011-2014) e Bolsonaro (2019-2022).

Em ambos os casos, a expansão do gasto ao final do mandato resultou em desequilíbrios nas contas públicas a serem enfrentados pelos governos seguintes. Parte importante desse desequilíbrio decorreu da utilização de mecanismos criativos para evitar que a expansão fiscal aparecesse nas estatísticas de resultado primário.

Nosso principal objetivo é apresentar uma medida da expansão de gastos em final de mandato, incluindo aqueles que não aparecem no resultado primário.

Esse texto analisa, igualmente, um segundo instrumento de intervenção da política econômica: a manipulação da taxa de câmbio.

A pesquisa acadêmica documenta a frequência, na América Latina, da utilização da política fiscal ou da cambial com o objetivo de gerar a percepção de maior bem-estar social no período eleitoral, ainda que resulte em problemas econômicos nos anos seguintes.

Por essa razão, é usual em muitos países no mundo, sobretudo nos desenvolvidos e em vários emergentes, a adoção de mecanismos institucionais que procurem garantir a robustez da política econômica no médio prazo, consistente com objetivos transparentes.

Um exemplo desses mecanismos é a autonomia do Banco Central, em que o poder eleito define as metas de política monetária, cabendo à autoridade monetária fazer a gestão da política para atingir os objetivos. A eleição da diretoria do Banco Central, com mandatos descasados inclusive do Executivo, é parte do desenho institucional adotado.

No Brasil, a autonomia do Banco Central apenas foi aprovada em 2021, bem depois do observado em outros países.

No campo fiscal, as melhores práticas relacionam-se ao chamado “marco fiscal de médio prazo”, que estabelece projeções e limites fiscais para um horizonte de 3 a 4 anos e utiliza diversas regras para contrabalançar o viés de curto prazo dos ciclos políticos.

O Brasil tem adotado diversas regras e mecanismos de controle para tentar garantir a gestão equilibrada das contas públicas. Entretanto, ainda está longe de ter um marco fiscal de médio prazo crível e robusto.

Com frequência são adotados mecanismos criativos para driblar as regras. Esses mecanismos, por vezes, são pouco transparentes e não transitam pelos gastos primários. As instituições de controle não têm sido capazes de prevenir o descontrole em diversos momentos. O resultado é o crescimento da dívida pública.

O fenômeno ocorre em todas as esferas de governo, como revelam as frequentes crises em Estados da federação, por vezes com rompimento de contratos e descumprimento das normas que, por vezes, são estabelecidas pelos órgãos de controle.

A consolidação das contas públicas nos governos Dilma 1 e Bolsonaro revela um resultado talvez inesperado. Os dados indicam que os gastos eleitorais de Bolsonaro estimados em 0,2% do PIB, segundo a configuração básica do estudo, foram menores do que os de Dilma 1, que calculamos em 3,1% do PIB.

A situação fiscal deixada por Bolsonaro para o Governo Lula 3, ao assumir em janeiro de 2023, era de superávit estrutural de 0,2% do PIB, porém com gastos encobertos de 0,9% do PIB, implicando a necessidade de ajuste fiscal estrutural de 0,7% do PIB.

Essa situação era melhor que a repassada por Temer a Bolsonaro: déficit fical estrutural de 1,8% do PIB, mas com redução de gastos encobertos de 0,6% do PIB, implicando a necessidade de ajuste de 1,2% do PIB.

Esta já foi uma melhoria significativa em relação à situação ao final de Dilma 1, em 2014: déficit estrutural de 1,8% do PIB mais gastos encobertos de 1,7% do PIB, totalizando a necessidade de ajuste de 3,5% do PIB.

Além disso, documentamos a expressiva intervenção promovida pelo Banco Central no mercado de câmbio no fim do primeiro governo Dilma, fenômeno não observado no governo Bolsonaro.

 Em 2023, no primeiro ano do governo Lula 3, contudo, em vez de novos avanços na lenta melhoria fiscal estrutural observada desde o primeiro ano do segundo mandato de Dilma, houve um significativo aumento do gasto público primário real (deflacionado pelo IPCA) de quase R$345 bilhões.

É possível argumentar que parte deste aumento se devem a medidas tomadas no governo Bolsonaro. Trataremos dessa questão à frente. Argumentaremos que foram feitas escolhas que permitiram, ao menos parcialmente, criar espaço fiscal para esses gastos. O mesmo não ocorre no atual governo.

O texto termina documentando a piora fiscal dos últimos anos. Houve claramente uma opção da gestão Lula por não fazer escolhas para acomodar as políticas públicas de seu governo.

Essa piora fiscal foi motivada por dois fatores principais: 1) as propostas de expansão das despesas parafiscais; 2) um aumento efetivo na despesa primária, que subiu 1 ponto percentual do PIB, passando de 18% para 19%, em relação ao patamar deixado pelo governo anterior.

Os mecanismos parafiscais, que não transitam pelo resultado primário, ilustram a retomada da criatividade para conceder gastos públicos que aumentam a dívida pública, porém sem a transparência esperada nos indicadores usuais da contabilidade do setor público.

Em seguida a esta introdução, este documento está estruturado em cinco partes. A primeira seção aborda a metodologia e os dados relacionados aos processos eleitorais de 2014 e 2022.

A segunda seção apresenta a política de forte intervenção no câmbio no período pré-eleitoral ocorrida em Dilma 1, que contrasta com a não intervenção sistemática no governo Bolsonaro, já com independência do Banco Central.

Uma breve terceira seção sumariza a importância de regras e políticas criveis na gestão da política econômica e oferece alguns exemplos.

A quarta apresenta uma metodologia para a avaliação da herança fiscal de um governo e aplica a metodologia para os últimos governos. Ficará claro que houve, desde Dilma2/ Temer, melhora fiscal que foi revertida nos últimos anos.

A última seção analisa os dados da piora fiscal no atual mandato presidencial.

O texto contém dois anexos: o Apêndice 1 documenta os dados e as duas fontes de gastos ocultos ou encobertos deixados por um governo para o próximo, que são: i) precatórios inscritos durante o mandato que não foram pagos; e ii) o aumento do total de restos a pagar. O Apêndice 2 faz uma revisão da pesquisa acadêmica sobre o ciclo eleitoral e suas implicações no câmbio na América Latina.

Para ler o artigo completo clique aqui


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Os autores agradecem aos comentários de Adolfo Sachsida, Ana Paula Vescovi, Bráulio Borges, Fabio Giambiagi, Helio Gurovitz, Iana Ferrão, Manoel Pires, Mansueto Almeida e Thomas Traumann. Erros e omissões são de inteira responsabilidade dos autores.

O STF desmoraliza o Brasil em face do mundo - Editorial Estadão

 O STF desmoraliza o Brasil em face do mundo.

“A vez de Dirceu no festim da impunidade

Editorial

O Estado de S. Paulo, 30/10/2024

O STF continua a reescrever a história do Brasil. Agora, Gilmar Mendes livra o ‘guerreiro do povo brasileiro’ que havia sido condenado com provas robustas no escândalo do petrolão

Os “editores de um país inteiro”, como disse o ministro Dias Toffoli a propósito do Supremo Tribunal Federal (STF), não descansam em seu propósito de reescrever a história do Brasil. Na segunda-feira, o ministro Gilmar Mendes anulou todas as condenações do veteraníssimo petista José Dirceu no âmbito da Operação Lava Jato. Segundo ele, os efeitos da decisão que considerou o então juiz Sérgio Moro suspeito em processos que envolvem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se estendem a Dirceu.

Dirceu, talvez a face mais notória da era de corrupção lulopetista que começou no mensalão e terminou no petrolão, estrelou os dois escândalos. No mensalão, pegou 10 anos de prisão; no petrolão, foi condenado a 23 anos de prisão, em condenações confirmadas por duas instâncias, que reconheceram as robustas provas documentais dos crimes. Tudo isso foi desconsiderado pela canetada revisionista de Gilmar Mendes.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o pedido de extensão das decisões que beneficiaram o presidente Lula: “Decerto que não se repete decisão para casos que não sejam iguais. Quando os pedidos são diferentes, não cabe repetir ou estender a decisão anterior”, diz o parecer da PGR. “As partes e os fundamentos fáticos são visivelmente distintos quando se contrasta a petição que deu origem ao Habeas Corpus n. 164.493 (que beneficiou Lula) com o pedido de extensão em exame”. Para usar a linguagem popular, cada caso é um caso. Como enfatizou a PGR, o próprio STF já decidira sobre a impossibilidade de extensão de benefício em habeas corpus distintos.

Mas nada disso importa. Os ministros responsáveis por casos relativos à Lava Jato firmaram a tese, baseada em provas obtidas por meios ilegais, de que tudo o que diz respeito à Operação, inclusive as evidências materiais dos crimes, está irremediavelmente contaminado. Nas palavras superlativas de Toffoli, tudo não passou de “uma armação fruto de um projeto de poder”, “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições”.

Esse “tudo” não é pouca coisa. As confissões, delações e provas, os ativos bilionários recuperados em contas no exterior, as investigações conduzidas por promotores estrangeiros sem qualquer relação com a política nacional, todas as evidências reconhecidas em todas as instâncias judiciais do maior esquema de corrupção de quem se notícia no Brasil, tudo isso não seria mais que um delírio coletivo vivido pela população brasileira, orquestrado por Moro e a força-tarefa da Lava Jato.

O STF, que por anos validou a Operação, agora se empenha em fazer terra arrasada de seus resultados. Uma a uma são anuladas provas de acordos de leniência, multas e condenações. Até criminosos confessos são inocentados sob o argumento estapafúrdio de que teriam sofrido coação – “tortura psicológica” no “pau de arara do século 21″, segundo Toffoli. Quando o ministro André Mendonça, colega de Toffoli e Mendes, perguntou a 12 empresas com acordos de leniência se tinham sido vítimas de coação, nenhuma bancou a tese. Para piorar, as consequências desse suposto constrangimento ilegal são seletivas: os ônus dos acordos de leniência são sustados, mas os bônus – entre eles o de não sofrer persecução penal – são mantidos. A tese do “conluio” contra “guerreiros do povo brasileiro” como Dirceu e seus amigos empreiteiros é tão abstrata que atinge até processos que nada têm a ver com 13.ª Vara Federal de Curitiba, como os acordos de leniência firmados entre a J&F e o Ministério Público Federal.

Não se corrige um erro como outro. A pretexto de reparar os excessos punitivistas da Lava Jato, a orgia garantista do STF está promovendo a impunidade e desmoralizando a Corte. O silêncio de meses do colegiado sobre essas decisões monocráticas só agrava a situação.

Certa vez, num dos muitos convescotes promovidos por lobistas mundo afora, uma mulher perguntou a Gilmar Mendes se “o crime no Brasil compensa”. Visivelmente constrangido, o ministro respondeu: “Não sei”. A resposta que está sendo exarada pela Corte agora é bem mais assertiva.”

Para que serve o BRICS na “estratégia” diplomática brasileira? - Guilherme Casarões, Paulo Roberto de Almeida

Para que serve o BRICS na “estratégia” diplomática brasileira? (se é verdade que existe alguma estratégia, ou se tudo não responde apenas a instintos personalistas do chefe de Estado, suposto condutor da nação brasileira)

Transcrevo abaixo teor de meu comentário a uma postagem do colega acadêmico e amigo pessoal Guilherme Casarões no Linkedin, transcrevendo parte de sua entrevista ao Jornal Nacional a propósito do mais recente encontro de cúpula do BRICS, em Kazan, na Rússia, na qual ele se referia a um suposto “espaço propositivo” da atual diplomacia lulopetista no tocante a um agrupamento que pode ter sido mais promissor em outras épocas, mas que atualmente representa um escolho em nossas relações e tradições diplomáticas.

Paulo Roberto de Almeida


“Espaço propositivo de reforma ainda precisa ser provado, pois o que apareceu até aqui foram contra-propostas, contra a ordem global que trouxe prosperidade ao mundo, por exemplo. O que trouxeram os Brics até aqui? Guerras e ameaças de guerras, e promessa de desmantelamento do que foi criado ao cabo da maior guerra da humanidade até aqui. Por acaso seus dois membros mais importantes querem trazer mais alguma? Para destruir e matar? Foi o que fez a maior potência bélica da Eurasia, chantageando o mundo com uma guerra nuclear. 

O maior desafio ao Brasil vinda da equivocada diplomacia lulopetista não é o de demonstrar a relevância do Brics ao mundo, mas sim o de superar a irrelevância do Brics para o desenvolvimento democrático do Brasil e do mundo.

Sorry, mas o culto do estatismo e do autoritarismo não combina com padrões tradicionais da diplomacia brasileira. Os propósitos do Brics russo-chinês NÃO TÊM NADA A VER com o espirito e os objetivos do BRIC original de Jim O’Neill, que deve estar horrorizado com a sua configuração atual e seus objetivos contra-natureza. Apenas amigos de ditaduras podem apreciar a composição atual dessa força maligna para o progresso democrático da humanidade.

Paulo Roberto de Almeida”

Da Moral no Plano Internacional - Paulo Roberto de Almeida

 Da Moral no Plano Internacional 

Paulo Roberto de Almeida


Que o Brics seja pró ou antiamericano não tem nenhuma importância, uma vez que ninguém, ou nenhum país, é obrigado a gostar ou se relacionar com todo mundo. 

Como se diz, gosto não se discute. Preferências politicas, ou diplomáticas, tampouco. Cada país, ou governo, pode ter suas amizades ou parcerias estratégicas com quem quiser, bastando respeitar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), assim como, mais importante, a Carta da ONU (1945).

O mais preocupante, ou propriamente escandaloso, é que países ou governos, teoricamente aderentes a esses instrumentos, considerem ser normal, e até observem comportamento simpático, e mesmo cooperativo, com paises ou governos que violam concretamente, abertamente, desavergonhadamente, a Carta da ONU e outros instrumentos da convivência cooperativa no plano internacional (bilateral ou plurilateral).

Estão neste caso, atualmente, Rússia e Israel (ademais de muitos outros, mas num plano puramente interno, como, por exemplo, Sudão ou Venezuela).

A Rússia, particularmente, conduz, desde quase três anos, uma guerra criminosa, destruidora e mortifera, contra um país soberano, ademais de já ter violado diversos outros princípios do Direito Internacional, assim com das leis de guerra e convenções humanitárias, sem mencionar suas contravenções às rrgras da não interferência nos assuntos internos de outros Estados.

Que o Brasil, ademais de muitos outros paises, considere normal, admissível ou moralmente aceitável, se relacionar normalmente, e até cooperativamente, com  um país notoriamente contraventor do Direito Internacional me parece degradante nos planos político, diplomático, mas, sobretudo, moral.

Certas coisas ofendem o sentido de justiça, de ética no campo dos comportamentos, ou simplesmente o senso comum.

Certas atitudes, na verdade, se afiguram repugnantes, quando se considere a simples postura no que concerne a vida humana, o respeito à dignidade de cada ser humano, ou, no plano diplomático, as regras mais elementares do Direito Internacional. 

Não, existem coisas que não são admissíveis num relacionamento normal bo contexto da comunidade internacional.

Sinto dizer, como diplomata, ou como simples cidadão brasileiro, que o atual governo brasileiro, ao lado de muitos outros — como por exemplo o governo dos Estados Unidos no tocante a Israel — não faz juz a princípios do Direito Internacional ou a simples regras morais admissíveis no comportamento humano.

Ninguém tem o direito de tirar a vida, impor sofrimentos, violar a dignidade de outrem.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 30/10/2024

Maduro pede que Lula comente veto da Venezuela no Brics - Elianah Jorge, do RFI (Brasil 247)

 Uma “história diplomática” pelo método confuso (com os venezuelanos é sempre assim):

“Maduro pede que Lula comente veto da Venezuela no Brics ao acusar Itamaraty de ‘conspirar contra’.

O presidente venezuelano afirmou que o “Itamaraty tem sido um poder dentro do poder no Brasil".

Por Elianah Jorge, do RFI 

Brasil 247,  29 de outubro de 2024


Maduro fez as polêmicas declarações ao explicar o que teria motivado o Brasil a vetar a entrada da Venezuela no bloco econômico do Brics, cuja cúpula aconteceu semana passada na cidade russa de Kazan.

O presidente garantiu que a vice-presidente Delcy Rodríguez e o chanceler venezuelano Yvan Gil teriam conversado com “o Itamaraty. Nestas conversas em privado, eles (a diplomacia brasileira) diziam que não vetavam a Venezuela. Mantiveram (a afirmação) uma, duas, três, quatro vezes. O chanceler do Brasil, Mauro Vieira, me disse: presidente Maduro, o Brasil não veta a Venezuela”.

Segundo Maduro, então “apareceu um funcionário brasileiro chamado Eduardo Saboya, de obscuro e triste passado bolsonarista, muito questionado no Brasil, que afirmou de maneira direta que o Brasil veta a Venezuela e exerceu um poder de veto imoral, inexplicável e negado aos princípios da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) e da Unasul (União de Nações Sul-americanas)”.         

Após criticar a diplomacia brasileira, Nicolás Maduro afirmou que prefere “esperar que (o presidente) Lula observe e ele, como chefe de Estado, em seu momento, diga o tenha que dizer”.

Perda de confiança

Semana passada, o assessor especial para a presidência do Brasil, Celso Amorim, em entrevista ao jornal O Globo, afirmou que a entrada da Venezuela no Brics “não é uma questão de regime político. É uma questão de perda de confiança”, em referência à falta de transparência na eleição presidencial de julho passado, quando o Conselho Nacional Eleitoral anunciou a reeleição de Nicolás Maduro sem ter apresentado as atas que comprovem a vitória do atual presidente, que está no poder desde 2013.

Pouco tempo após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Embaixada do Brasil em Caracas foi reaberta. Em fevereiro deste ano, a diplomata Glivânia Oliveira tomou posse como embaixadora do Brasil na Venezuela, restituindo as relações entre Caracas e Brasília.

A representação diplomática do Brasil na Venezuela havia sido fechada, em 2020, por ordem do então presidente Jair Bolsonaro, motivada por divergências políticas. Já em 2018, o então embaixador brasileiro Ruy Pereira precisou deixar a Venezuela após ter sido considerado persona non grata pelo governo de Nicolás Maduro.”