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domingo, 1 de julho de 2012

Alca: uma entrevista, antes da implosao - PRA, 2005

A Alca, para os que ainda se lembram, foi um projeto americano de área de livre comércio hemisférica, que foi bombardeada de todos os lados, inclusive por aqueles que, contraditoriamente, iriam se beneficiar dela (mas não se pode impedir as pessoas de serem estúpidas, não é mesmo).
A entrevista abaixo, concedida a um jornalista de uma grande agência de comunicações, foi dada antes que Argentina, Brasil e Venezuela se concertassem para implodir a Alca, o que ocorreu, pouco depois, em novembro de 2005, na cúpula das Américas de Mar del Plata.
Eu nunca morri de amores pela Alca, mas sempre pensei que a "não-Alca" era o que já tinhamos, ou seja, aquele mundinho latino-americano feito de promessas e ilusões, de muita retórica integracionista e poucos avanços reais na liberalização comercial e na abertura econômica.
Apesar de crítico, não me considerava um inimigo da Alca: seria um grande desafio para o Brasil (e os demais países), mas que traria capitais e investimentos diretos americanos, oportunidades de emprego e renda aqui mesmo, e acesso consolidado no maior mercado consumidor do mundo, os EUA. Claro que os EUA não iriam abrir tudo, e havia uma infeliz coincidência entre seu protecionismo setorial mais renitente -- área agrícola e setores industriais labor-intensive -- e os produtos brasileiros de maior competitividade. Ou seja, não iríamos ganhar tudo, e teríamos muitos desafios pela frente, o que sempre é bom, para se modernizar e mudar essa mentalidade introvertida que sempre tivemos.
Os inimigos da Alca eram muitos, e organizados: sindicalistas de todos os lados -- eles adoram que tudo permaneça como está -- e movimentos sociais, irracionalmente contra o livre comércio, que sempre traz novas oportunidades de ganhos.
Enfim, parece que ninguém chorou uma lágrima pela Alca moribunda, mas muitos soltaram rojões de contentamento e confessaram, alegremente, que tinham, sim, implodido a Alca, atribuindo ao feito ares de missão patriótica e salvadora da pátria. 
Não vou dizer o que penso deles, inclusive porque já escrevi muito a respeito. Quem colocar o conceito "Alca" em meu site, vai encontrar muita coisa, e aí explico direitinho o que penso desse assunto agora morto. Só fico pensando como podem ser tão ingênuos, e tão desinformados tantos jovens que se deixam levar na conversa equivocada dos anti-imperialistas de sempre.
Enfim, o mundo está cheio deles.
O que vai abaixo é apenas uma parte do que tenho, ou tinha, a dizer.
Talvez alguns argumentos ainda sirvam de reflexão.
Paulo Roberto de Almeida 


Questionário sobre a Alca
Roteiro de Perguntas

Respostas de Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Brasília, 27 de outubro de 2005 

1) Quais são os principais desafios da Alca?
            Concluir seu mandato negociador, que já está atrasado (deveria ter sido concluído neste começo de 2005, para ser aprovado até o final de 2005, para entrar em vigor ao início de 2006), e manter o mesmo nível de ambição do que aquele concertado em Miami, em dezembro de 2004, que era o de constituir uma vasta zona de livre-comércio do Alasca à Terra do Fogo, cobrindo o essencial dos intercâmbios comerciais, inclusive serviços, e a definição de regras sobre subsídios em certas áreas produtivas (agricultura, obviamente).


2) Como fica a questão das negociações entre federações tão diversas?
            Nem todos os países são federações, mas é evidente que as dimensões, o poderio econômico e a capacidade financeira diferem muito entre os 34 parceiros engajados no processo negociador. Mas isso nunca foi obstáculo fundamental à existência de uma zona de livre-comércio, pois a União Européia, por exemplo, que desde o início se definiu como mercado comum, mobilizou países com níveis muito dispares de desenvolvimento e dimensões igualmente contrastantes. O que é importante é a decisão de integração, pois mesmo com diferenças tão importantes de peso econômico, as vantagens comparativas de tipo Ricardiano sempre exercerão seu papel na definição de ganhos relativos para os países menores e menos poderosos (que ostentam algum tipo de vantagem em alguma área por vezes não percebida como tal).


3) O senhor escreveu em um dos seus textos os problemas de uma proposta essencialmente econômica que tentam ser implementadas de forma política. Fale um pouco sobre essa perspectiva.
            A Alca é uma proposta econômica, mas que requer a vontade política para ser implementada, pois parece evidente que a aproximação comercial não se faria de maneira puramente espontânea (como podem ocorrer com alguns projetos de integração entre países próximos na América do Sul.). Nesse sentido, a Alca tem muitos obstáculos pela frente, pois as resistências a aberturas setoriais serão ponderáveis em várias áreas, em todos os países, independentemente do tamanho. Não é seguro que exista vontade política suficiente para implementá-la no curto ou mesmo médio prazo, sobretudo no Brasil e nos próprios Estados Unidos.

4) Quais são as principais falhas dos oposicionistas da Alca?
            Manter uma oposição principista, puramente ideológica, ao projeto da Alca -- atacado de maneira impiedosa, já que ele vem sendo proposto por um “país hegemônico” na região, os EUA – sem qualquer análise racional, de tipo técnico (isto é, medindo custos e oportunidades econômicas) que permita sustentar essa recusa. Há uma percepção, mas que é só percepção, de que a Alca pode ser prejudicial aos países latino-americanos, mas não existe nenhuma comprovação de que tal postura tenha embasamento na realidade.
            O mesmo tipo de oposição já se tinha manifestado, dez anos atrás, em relação ao Nafta, com ameaças absolutas agitadas em desfavor do México, quando esses temores se revelavam, como de fato se revelaram, infundados. Na verdade, o Nafta trouxe benefícios ao México, mas também trouxe problemas, o que é absolutamente normal, não sendo certo que os segundos tenham superado os primeiros. O Nafta não era exatamente uma proposta de desenvolvimento (como apregoado por seus defensores), mas tampouco era uma promessa de desastre econômico e social, como alertado por seus opositores. Ele combina aspectos negativos e positivos, que devem ser avaliados de maneira ponderada.

5) O que pode ser destacado como a hegemonia norte-americana neste cenário?
            Uma evidente primazia econômica, tecnológica e financeira, que é real, mas que não necessariamente precisar ser traduzida como sinônimo de dominação absoluta dos demais países da região pela economia dominante, uma vez que as regras da nova relação serão definidas basicamente pelos mercados, que são por definição abertos e mutáveis, e não determinados de maneira estática por apenas um dos parceiros do jogo. As regras podem ser ditadas pelos Estados membros, mas seus principais atores são as empresas: estas costumam atuar de acordo com seus interesses econômicos individuais, não em função de determinações políticas dos governos. Estratégias de dominação política não funcionam nas novas condições da globalização econômica, que tem pouco a ver, em termos de resultados finais, com os velhos imperialismos politicamente determinados do século XIX e início do XX. Os Estados Unidos desejam, basicamente, conquistar mercados para suas empresas, o que é um objetivo legítimo do ponto de vista político, mas que nem por isso se opõe absolutamente aos interesses econômicos, políticos e sociais dos países pretensamente candidatos a serem “vítimas” dessa dominação. Trata-se de uma “dominação de mercados”, não de uma colonização política. Mercados, por definição, são abertos e atomizados, e não costumam obedecer a ordens políticas.
            Em outros termos, a “hegemonia americana” é aquela que visa lucro e prosperidade, em primeiro lugar para seus próprios cidadãos, é evidente, mas nesse jogo não está dito que todas as vantagens ficarão apenas para os supostos ganhadores de novos mercados. Os países mobilizados pelo empreendimento também passam a desfrutar de novas condições de competitividade internacional, ao serem mobilizados no quadro dos novos mercados ampliados.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de outubro de 2005 

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