A entrevista abaixo, concedida a um jornalista de uma grande agência de comunicações, foi dada antes que Argentina, Brasil e Venezuela se concertassem para implodir a Alca, o que ocorreu, pouco depois, em novembro de 2005, na cúpula das Américas de Mar del Plata.
Eu nunca morri de amores pela Alca, mas sempre pensei que a "não-Alca" era o que já tinhamos, ou seja, aquele mundinho latino-americano feito de promessas e ilusões, de muita retórica integracionista e poucos avanços reais na liberalização comercial e na abertura econômica.
Apesar de crítico, não me considerava um inimigo da Alca: seria um grande desafio para o Brasil (e os demais países), mas que traria capitais e investimentos diretos americanos, oportunidades de emprego e renda aqui mesmo, e acesso consolidado no maior mercado consumidor do mundo, os EUA. Claro que os EUA não iriam abrir tudo, e havia uma infeliz coincidência entre seu protecionismo setorial mais renitente -- área agrícola e setores industriais labor-intensive -- e os produtos brasileiros de maior competitividade. Ou seja, não iríamos ganhar tudo, e teríamos muitos desafios pela frente, o que sempre é bom, para se modernizar e mudar essa mentalidade introvertida que sempre tivemos.
Os inimigos da Alca eram muitos, e organizados: sindicalistas de todos os lados -- eles adoram que tudo permaneça como está -- e movimentos sociais, irracionalmente contra o livre comércio, que sempre traz novas oportunidades de ganhos.
Enfim, parece que ninguém chorou uma lágrima pela Alca moribunda, mas muitos soltaram rojões de contentamento e confessaram, alegremente, que tinham, sim, implodido a Alca, atribuindo ao feito ares de missão patriótica e salvadora da pátria.
Não vou dizer o que penso deles, inclusive porque já escrevi muito a respeito. Quem colocar o conceito "Alca" em meu site, vai encontrar muita coisa, e aí explico direitinho o que penso desse assunto agora morto. Só fico pensando como podem ser tão ingênuos, e tão desinformados tantos jovens que se deixam levar na conversa equivocada dos anti-imperialistas de sempre.
Enfim, o mundo está cheio deles.
O que vai abaixo é apenas uma parte do que tenho, ou tinha, a dizer.
Talvez alguns argumentos ainda sirvam de reflexão.
Paulo Roberto de Almeida
Questionário sobre a Alca
Roteiro de Perguntas
Respostas de Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Brasília, 27 de outubro de 2005
1) Quais são os principais desafios da Alca?
Concluir seu
mandato negociador, que já está atrasado (deveria ter sido concluído neste
começo de 2005, para ser aprovado até o final de 2005, para entrar em vigor ao
início de 2006), e manter o mesmo nível de ambição do que aquele concertado em
Miami, em dezembro de 2004, que era o de constituir uma vasta zona de
livre-comércio do Alasca à Terra do Fogo, cobrindo o essencial dos intercâmbios
comerciais, inclusive serviços, e a definição de regras sobre subsídios em
certas áreas produtivas (agricultura, obviamente).
2) Como fica a questão das negociações entre federações tão
diversas?
Nem todos os países
são federações, mas é evidente que as dimensões, o poderio econômico e a
capacidade financeira diferem muito entre os 34 parceiros engajados no processo
negociador. Mas isso nunca foi obstáculo fundamental à existência de uma zona
de livre-comércio, pois a União Européia, por exemplo, que desde o início se
definiu como mercado comum, mobilizou países com níveis muito dispares de
desenvolvimento e dimensões igualmente contrastantes. O que é importante é a
decisão de integração, pois mesmo com diferenças tão importantes de peso
econômico, as vantagens comparativas de tipo Ricardiano sempre exercerão seu
papel na definição de ganhos relativos para os países menores e menos poderosos
(que ostentam algum tipo de vantagem em alguma área por vezes não percebida
como tal).
3) O senhor escreveu em um dos seus textos os problemas de uma
proposta essencialmente econômica que tentam ser implementadas de forma
política. Fale um pouco sobre essa perspectiva.
A Alca é uma
proposta econômica, mas que requer a vontade política para ser implementada,
pois parece evidente que a aproximação comercial não se faria de maneira
puramente espontânea (como podem ocorrer com alguns projetos de integração
entre países próximos na América do Sul.). Nesse sentido, a Alca tem muitos
obstáculos pela frente, pois as resistências a aberturas setoriais serão
ponderáveis em várias áreas, em todos os países, independentemente do tamanho.
Não é seguro que exista vontade política suficiente para implementá-la no curto
ou mesmo médio prazo, sobretudo no Brasil e nos próprios Estados Unidos.
4) Quais são as principais falhas dos oposicionistas da Alca?
Manter uma oposição
principista, puramente ideológica, ao projeto da Alca -- atacado de maneira
impiedosa, já que ele vem sendo proposto por um “país hegemônico” na região, os
EUA – sem qualquer análise racional, de tipo técnico (isto é, medindo custos e
oportunidades econômicas) que permita sustentar essa recusa. Há uma percepção,
mas que é só percepção, de que a Alca pode ser prejudicial aos países
latino-americanos, mas não existe nenhuma comprovação de que tal postura tenha
embasamento na realidade.
O mesmo tipo de
oposição já se tinha manifestado, dez anos atrás, em relação ao Nafta, com
ameaças absolutas agitadas em desfavor do México, quando esses temores se
revelavam, como de fato se revelaram, infundados. Na verdade, o Nafta trouxe
benefícios ao México, mas também trouxe problemas, o que é absolutamente normal,
não sendo certo que os segundos tenham superado os primeiros. O Nafta não era
exatamente uma proposta de desenvolvimento (como apregoado por seus
defensores), mas tampouco era uma promessa de desastre econômico e social, como
alertado por seus opositores. Ele combina aspectos negativos e positivos, que
devem ser avaliados de maneira ponderada.
5) O que pode ser destacado como a hegemonia norte-americana neste
cenário?
Uma evidente
primazia econômica, tecnológica e financeira, que é real, mas que não
necessariamente precisar ser traduzida como sinônimo de dominação absoluta dos
demais países da região pela economia dominante, uma vez que as regras da nova
relação serão definidas basicamente pelos mercados, que são por definição
abertos e mutáveis, e não determinados de maneira estática por apenas um dos
parceiros do jogo. As regras podem ser ditadas pelos Estados membros, mas seus
principais atores são as empresas: estas costumam atuar de acordo com seus
interesses econômicos individuais, não em função de determinações políticas dos
governos. Estratégias de dominação política não funcionam nas novas condições
da globalização econômica, que tem pouco a ver, em termos de resultados finais,
com os velhos imperialismos politicamente determinados do século XIX e início
do XX. Os Estados Unidos desejam, basicamente, conquistar mercados para suas
empresas, o que é um objetivo legítimo do ponto de vista político, mas que nem
por isso se opõe absolutamente aos interesses econômicos, políticos e sociais
dos países pretensamente candidatos a serem “vítimas” dessa dominação. Trata-se
de uma “dominação de mercados”, não de uma colonização política. Mercados, por
definição, são abertos e atomizados, e não costumam obedecer a ordens
políticas.
Em outros termos, a
“hegemonia americana” é aquela que visa lucro e prosperidade, em primeiro lugar
para seus próprios cidadãos, é evidente, mas nesse jogo não está dito que todas
as vantagens ficarão apenas para os supostos ganhadores de novos mercados. Os
países mobilizados pelo empreendimento também passam a desfrutar de novas
condições de competitividade internacional, ao serem mobilizados no quadro dos
novos mercados ampliados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de outubro de 2005
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