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domingo, 15 de julho de 2012

Golpe branco no Paraguai, golpe vermelho no Mercosul - Patrícia Nabuco Martuscelli

Com perdão da autora, acho que o jogo das cores nesses episódios é esse mesmo: branco de um lado, vermelho, ou preto, do outro. Até parece um cassino, mas talvez seja esse mesmo o cenário do Mercosul: um cassino, no qual todos golpes acontecem, inclusive aqueles que não se vêem.
Paulo Roberto de Almeida


Golpe “Branco” no Mercosul, por Patrícia Nabuco Martuscelli


“Toda ruptura da ordem democrática em um dos Estados Partes do presente Protocolo implicará a aplicação dos procedimentos previstos nos artigos seguintes”. Foi a partir desse artigo três do Protocolo de Ushuaia de 1998 que os demais membros do Mercado Comum do Sul (Mercosul) decidiram pela suspensão do Paraguai do bloco na reunião de Cúpula do dia 29 de junho em Mendonza, Argentina.  Ainda que o protocolo em questão não defina o que seria ordem democrática, os governos da Argentina, Brasil e Uruguai consideraram o impeachment de Fernando Lugo, no dia 22 do mesmo mês, como atitude passível de sanções previstas no instrumento jurídico. No mesmo encontro presidencial, também foi aprovada a entrada oficial da Venezuela no acordo comercial, sem o apoio do Paraguai que já tinha sido suspenso desta reunião. O modo como ocorreu essa adesão causa dúvidas quanto aos mecanismos institucionais do Mercosul, o que pode levar ao seu declínio.
O impeachment do ex-presidente paraguaio pode ser classificado como um “golpe branco” por seguir o sistema legal.  A Constituição paraguaia permite que a Câmara abra um “processo político” para depor o presidente caso seja vontade de dois terços do Legislativo, contudo não está previsto qual deve ser seu tempo de duração. Como o processo durou cerca de 36 horas, muitos governos sul-americanos consideraram que Lugo não teve seu direito de ampla defesa respeitado. A destituição de Lugo e a posse de Federido Franco impressionaram pela rapidez e por demonstrar a fragilidade política do ex-presidente, visto que sua destituição contou com o apoio de 76 dos 80 deputados e 39 dos 45 senadores. A ideia de “golpe branco” é reforçada pelo documento de 23 de março de 2009 da embaixada americana disponibilizado pelo site Wikileaks segundo o qual haveria uma movimentação para garantir a saída de Lugo por um golpe parlamentar.  Frente a isso, a suspensão do Paraguai do Mercosul até a realização de novas eleições em abril de 2013 parece coerente com o compromisso do bloco com a democracia.
Já a entrada da Venezuela surpreende justamente por violar essa ideia democrática de consenso presente no Tratado de Assunção de 1991 que funda o Mercosul. Por ele, a adesão de novos membros deve ser uma decisão unânime de todos os sócios, ou seja, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. É fato que todos esses países assinaram o Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul em 2006. Contudo, diferentemente dos demais, o Senado paraguaio ainda não tinha ratificado tal tratado, o que impedia a entrada formal do país de Chávez no bloco. Dessa forma, é possível dizer que os outros sócios do Mercosul aproveitaram a suspensão temporária do Paraguai para aprovar uma decisão “unânime”.
A adesão da Venezuela ao bloco agrada principalmente à Argentina e ao Brasil, visto que terão maior integração comercial com o quinto maior produtor de petróleo do mundo e grande consumidor de produtos exportados pelos dois países. Contudo, deve-se entender que a “ordem democrática” na Venezuela é um tanto contraditória, afinal seu presidente dissolveu o Congresso logo ao tomar posse, está há 13 anos no poder e promove censura aos meios de comunicação que se opõem ao seu governo. Considerando que as negociações para que a república bolivariana se tornasse um novo sócio do Mercosul começaram antes de 2006, o movimento realizado em Mendoza que aprovou a entrada formal da Venezuela ao bloco não se justifica por sua pressa.  É fato que um assunto que não foi resolvido em mais de seis anos não seria tão urgente a ponto de esperar alguns meses para que todos os membros do bloco fossem devidamente considerados.
Ao analisar a relação entre Paraguai e Venezuela desde a crise política no primeiro, é possível observar vários descompassos. Com o impeachment de Lugo, o governo venezuelano chamou seu embaixador de volta e suspendeu o envio de petróleo para o Paraguai. Em meio a isso, há evidências da existência de um vídeo no qual o Chanceler venezuelano aparece entrando para uma reunião com comandantes militares do Paraguai no dia do julgamento de Lugo no Congresso. Ainda que já tenha sido provado que tal filmagem era uma fraude, o governo paraguaio a usou como pretexto para alegar que a Venezuela tinha intenção de incitar as forças armadas nacionais a apoiar Lugo, o que poderia resultar em uma guerra civil no país. Assim, o Paraguai retirou seu embaixador de Caracas e declarou o chanceler da Venezuela como persona non grata. Por sua vez, o presidente venezuelano Hugo Chávez acusa senadores paraguaios de pedirem dinheiro em troca da ratificação do protocolo para que a Venezuela se tornasse parte do Mercosul.
O governo paraguaio anunciou que deve entrar com um pedido no Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR) para que seus direitos sejam restabelecidos e a entrada da Venezuela seja revisada. Essa movimentação tem poucas chances práticas de obter êxito, contudo um cenário complicado aparece para o futuro do Mercosul. Ainda que a intenção inicial do Paraguai não seja sair desse, em um horizonte próximo, com a volta do país como membro pleno, a relação entre Paraguai e Venezuela pode estar tão deteriorada que isso prejudicará todo o bloco, principalmente seu processo decisório.
Considerando todas as críticas já existentes ao Mercosul quanto a sua incapacidade de garantir uma verdadeira união aduaneira e maior integração regional, a maneira como ocorreu a aceitação formal da Venezuela revela a extrema fragilidade de seus mecanismos institucionais. A resolução tomada a respeito da Venezuela não foi consensual por ter sido obtida devido à suspensão temporária do Paraguai. Da mesma forma que se aproveitou de uma oportunidade na qual o país discordante com a decisão estava suspenso para que essa fosse aprovada, outras deliberações do bloco poderão ser realizadas do mesmo modo. Isso fere os princípios do Tratado de Constituição do Mercosul, no qual as decisões para adesão de novos membros devem ser unânimes.
Por fim, é uma considerável incoerência suspender temporariamente um país alegando ruptura da ordem democrática e admitir outro com histórico de desrespeito à democracia constitucional. Assim, um golpe parlamentar no Paraguai não deve justificar um “golpe” institucional no Mercosul. Isso prejudica a legitimidade do bloco e pode, em último caso, levar até ao seu fim, caso outras ações venham a ser tomadas sem que os procedimentos acordados conjuntamente sejam cumpridos.
Patrícia Nabuco Martuscelli é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB  e membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – PET-iREL-UnB (patnabuco@gmail.com)

4 comentários:

Anônimo disse...

O embaixador e não o o chnaceler da venezuela fora declarado "persona non grata"(!).

Vale!

Fernando Araújo, vulgo "Equiano Santos" disse...

Como graduanda foi um bom texto... deveria, no entanto, aprofundar mais seus estudos sobre Venezuela, ao invés de repetir conclusões que ainda não possui condições de tirar... Não houve dissolução do Congresso Venezuelano nestes termos que coloca, mas sim a convocação de uma Assembléia Constituinte, acompanhada por um reverendo que aprovou a mesma. Este processo foi legal e ratificado pela Suprema Corte Venezuelana. Sugiro, dentre as muitas referências, que leia os trabalhos do professor George Ciccariello-Maher, sociólogo americano especialista em Venezuela (http://georgeciccariello.com/), pois trata de uma visão que, discordando ou não, terá que dialogar, antes de escrever qualquer coisa a respeito deste tema. Como é estudante de Relações Internacionais acredito que leia em inglês, caso contrário, Leia também o artigo de Octavio Amorim Neto, “De João Goulart a Hugo Chávez: A política venezuelana à luz da experiência brasileira”.

Qualquer estudante do primeiro semestre de Direito sabe que a hermenêutica das normas deve atender a técnicas especiais, dentre estas, a interpretação sistemática. Esta visa o sentido da norma contextualizada com o seu ordenamento jurídico.

O que foi utilizado no Paraguai foi uma interpretação literal absurda, pois não levou em consideração o devido processo legal visto em uma perspectiva sistêmica. Existe uma gama de leituras a esse respeito. De início, sugiro que leia o capítulo dedicado à hermenêutica jurídica no “Compêndio de Introdução à Ciência do Direito”, de Maria Helena Diniz.

Por fim, não existem justificativas objetivas para se aplicar a cláusula democrática do MERCOSUL à Venezuela (reporto novamente à sua necessidade de maior leitura acerca da realidade política e jurídica da Venezuela). De modo contrário, os acontecimentos ocorridos no Paraguai são objetivos, uma vez que a destituição de Lugo é um claro desrespeito à democracia, por ser este um presidente eleito por voto popular, impedido sem acusações objetivas, sem provas contundentes e sem direito real de defesa. Faça uma simples comparação com o impedimento de Collor aqui no Brasil e verá o quão absurdo foi o caso paraguaio.

As ações dos membros do MERCOSUL são respaldadas pelo Protocolo de Ushuaia, leia-o e verá que todas as medidas, constantes nos artigos 2, 3, 4, 5, 6 e 7, foram implementadas.

Mesmo considerando a hipótese de ilegitimidade das ações dos membros do MERCOSUL com relação ao Paraguai, estas não justificam as atitudes golpistas da oposição paraguaia. Ai vai o recado para o querido professor PRA (que admiro bastante!), cuja defesa da ordem democrática não passa de uma conveniência, atacando os governos de Chávez, Morales e Correa, mas saudando os golpes tristemente ainda existentes em nosso subcontinente (1).

(1) Refiro-me aos golpes ou tentativas destes ocorridos na Venezuela (2002), Honduras (2009), Equador (2010) e Paraguai (2012).

Equiano Santos

Licienciado e Bacharel em História pela Universidade Federal da Bahia
Mestre em História Social pela Universidade Federal da Bahia

Paulo Roberto de Almeida disse...

Equiano,
Cabe-me, de forma veemente e explicita, denunciar uma mentira, condenar uma ofensa e corrigir seus erros grosseiros, indignos de figurar num blog que se destina a pessoas inteligentes e bem informadas.
Quero que você me prove, ou comprove, transcrevendo qualquer trecho meu que confirme isto aqui, de sua lavra:
"Ai vai o recado para o querido professor PRA (que admiro bastante!), cuja defesa da ordem democrática não passa de uma conveniência, atacando os governos de Chávez, Morales e Correa, mas saudando os golpes tristemente ainda existentes em nosso subcontinente (1).
(1) Refiro-me aos golpes ou tentativas destes ocorridos na Venezuela (2002), Honduras (2009), Equador (2010) e Paraguai (2012). "

Onde e quando eu saudei golpes como esses citados?
Denuncio, sim, atentados à democracia, desses mesmos regimes que voce pretende defender de forma canhestra, ignorando todas as violações das normas constitucionais desses mesmos países.

Existe um princípio, na CF-1988, que se chama não ingerência nos assuntos internos dos outros países. O governo do presidente Lula o violou diversas vezes, em vários países.
Existe uma outra cláusula democratica, que não a muito superficial do Mercosul, a da OEA, que se fosse aplicada de maneira consequente, impugnaria todos os esses regimes que você defende, em nome de não sei quais princípios democráticos ou constitucionais.
Ainda que a cláusula democrática do Mercosul fosse robusta, ela foi simplesmente ignorada neste caso do Paraguai, e o que os três países fizeram em Mendoza é claramente ilegal, qualquer que seja a cláusula do Protocolo de Ushuaia que se examine. Leia e verá.

Quanto a Venezuela, já nem discuto o fato de que seu "ingresso", improvisado de forma envergonhada e vergonhosa, seja também ilegal, pelo simples fato de que é, se atentarmos para o TA e o POP.
Não é que ela não possa entrar, legalmente, para o Mercosul, ainda que não seja uma democracia plena: o Protocolo de Ushuaia a habilita para tanto.
Ela não pode entrar no Mercosul pois não ratificou nenhum dos instrumentos necessários a tal efeito, e não internalizou as regras básicas de política comercial do Mercosul.
Apenas por isso.
Paulo Roberto de Almeida
PS.: Não precisa usar títulos para reforçar seus argumentosl; ou eles se sustentam, ou não, e neste caso, nenhum deles se sustenta.

Anônimo disse...

Para "referendar" a "democracia" de Chavez só com um "reverendo"(..in extremis unctionem infirmorum...!)

Vale!