Essa sensação está disseminada, sobretudo, em meio àqueles que produzem e ajudam a construir a economia paraguaia, entre eles os agricultores brasileiros chamados de brasiguaios. Eles não queriam mais o esquerdista Lugo no poder e ficaram irritados com a decisão de Brasília de ameaçar o Paraguai com sanções por causa da posse do novo presidente, o liberal Federico Franco. Que tal atitude viesse da Argentina, da Bolívia e do Equador, cujos governos se alinham com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, já era esperado. A adesão do Brasil não caiu bem. O país também avalizou a resolução tomada, na semana passada, na reunião do Mercosul: o Paraguai foi suspenso do bloco econômico até as próximas eleições, previstas para 2013. Na mesma reunião, definiu-se a aprovação da Venezuela como membro pleno em 31 de julho deste ano – posição que contraria frontalmente os interesses paraguaios.
O princípio da neutralidade brasileira, exercido nas relações com regimes autoritários, como Irã e Guiné-Equatorial, fora questionado em outra deposição de um governante de esquerda latino-americano. Em 2009, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, voltou escondido ao país e refugiou-se na Embaixada do Brasil. Lá ficou por quatro longos meses, até se exilar na República Dominicana. Era o auge da seletiva “diplomacia presidencial” de Luiz Inácio Lula da Silva, que favorecia os aliados Chávez, Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia). A ordem democrática fora rompida em Honduras, fato que merecia condenação. Mas a acolhida brasileira a Zelaya e a prorrogação do confronto diplomático entre o Brasil e o novo governo hondurenho, após a realização de eleições, foram fruto da ideologia que contamina as ações externas de Brasília. Esse pensamento impediu, até hoje, que o Brasil fizesse qualquer crítica ao autoritarismo do eterno presidente Chávez. Pior ainda quando essa ideologia fere os próprios interesses do Brasil. O boliviano Evo apropriou-se de refinarias brasileiras em 2006, ação que recebeu do governo Lula apenas protestos comedidos e a mão estendida ao diálogo.
Numa nota acertada entre Dilma e o chanceler Antonio Patriota, o Itamaraty evitou falar em “golpe” contra Fernando Lugo como fizeram Argentina e Venezuela. Chamou de “rito sumário” a decisão do Congresso paraguaio, pois Lugo teve apenas duas horas para se defender das acusações que motivaram o pedido de impeachment (o próprio Federico Franco reconheceu que o processo foi “um pouco rápido”). O que irritou mesmo os paraguaios foi a suspensão do país das reuniões do Mercosul e da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Argentina, Venezuela e Equador retiraram seus embaixadores de Assunção. O Brasil convocou Eduardo dos Santos para consulta, uma reprimenda mais leve, e não adotará sanções econômicas, enquanto Chávez interrompeu o envio de petróleo ao Paraguai. Segundo um assessor de Franco, ainda assim o Brasil deveria “calibrar” melhor suas posições diplomáticas na América do Sul devido a seu tamanho, sob o risco de sufocar os parceiros menores.
O diplomata Sérgio Amaral, ex-porta-voz do governo de Fernando Henrique Cardoso, concorda com a avaliação de que a democracia foi desrespeitada no Paraguai. O problema, diz ele, é o uso de diferentes critérios por Brasília com diferentes nações. “Se você rejeita o simulacro do impeachment, você tem de rejeitar também o simulacro de democracia, que é o caso da Venezuela. Os dois casos têm um ponto em comum”, afirma. “O que vale mais: a forma e a aparência ou o conteúdo? Nós teremos eleições na Venezuela neste ano, e temos boas razões para acreditar que as aparências democráticas podem ser respeitadas, mas o conteúdo não.”
Mantida sua posição atual, o governo brasileiro poderá deixar Franco na geladeira até o fim de seu mandato, em agosto de 2013, e só retomar o pleno diálogo com um novo presidente. Dado que os paraguaios não queriam mais Lugo – sua saída seguiu os ritos legais e a reação foi mais externa que interna –, é provável que o próximo presidente tenha feições liberais. Se assim for, demonstrar boa vontade com um governante cercado de regimes de orientação política contrária será um bom sinal de maturidade brasileira.
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