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sábado, 7 de julho de 2012

Diplomacia da Conveniencia - Revista Epoca


A diplomacia da conveniência
A posição brasileira diante do impeachment do presidente paraguaio traz mais contaminação ideológica do que defesa dos nossos interesses
JULIANO MACHADO, COM VINICIUS GORCZESKI E LEANDRO LOYOLA, ASSUNÇÃO
Revista Época, 07/07/2012

Os paraguaios gostam de fazer piadas com seus vizinhos de Cone Sul. Dizem ser “mais fácil entender um brasileiro em português que um argentino em espanhol”. A brincadeira expõe a histórica rivalidade entre Paraguai e Argentina e também é uma prova da relação de boa vontade com os brasileiros, apesar da mágoa histórica deixada pela Guerra do Paraguai, no século XIX. Na semana passada, pelo menos na elite do país, pouco restou da boa vontade. Ela foi abandonada assim que o governo de Dilma Rousseff protestou contra a deposição do presidente Fernando Lugo. O português do Brasil deixou de ser compreendido.
Essa sensação está disseminada, sobretudo, em meio àqueles que produzem e ajudam a construir a economia paraguaia, entre eles os agricultores brasileiros chamados de brasiguaios. Eles não queriam mais o esquerdista Lugo no poder e ficaram irritados com a decisão de Brasília de ameaçar o Paraguai com sanções por causa da posse do novo presidente, o liberal Federico Franco. Que tal atitude viesse da Argentina, da Bolívia e do Equador, cujos governos se alinham com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, já era esperado. A adesão do Brasil não caiu bem. O país também avalizou a resolução tomada, na semana passada, na reunião do Mercosul: o Paraguai foi suspenso do bloco econômico até as próximas eleições, previstas para 2013. Na mesma reunião, definiu-se a aprovação da Venezuela como membro pleno em 31 de julho deste ano – posição que contraria frontalmente os interesses paraguaios.
O argumento do respeito à soberania de cada país era usado pelo Itamaraty para não tomar parte no debate em torno da reforma agrária do Paraguai, uma queda de braço entre sem-terra e agricultores que se agravou durante o governo Lugo. Desde o ano passado, o embaixador brasileiro em Assunção, Eduardo dos Santos, era cobrado por brasiguaios devido às constantes invasões de suas propriedades. “A resposta era que se tratava de um problema interno do país, que o governo brasileiro não poderia interferir”, afirma o paraguaio José Costas, advogado e porta-voz de Tranquilo Favero, um catarinense que cruzou a fronteira nos anos 1970.
As elites paraguaias esperavam protestos de Chávez e seus aliados. A adesão do Brasil não caiu bem 
Favero fez fortuna e se tornou o maior proprietário de terra do país, com pelo menos 18.000 hectares só na região leste do Paraguai. Suas terras são constantemente ocupadas por camponeses sem terra. Costas diz o que pensa a maioria dos paraguaios contrários a Lugo: “Agora que temos um presidente que não responde a um bloco socialista no continente, Dilma e o PT tratam de interferir em nossa vida política. Se não se importaram com a gente antes, que continuem da mesma maneira”.
O princípio da neutralidade brasileira, exercido nas relações com regimes autoritários, como Irã e Guiné-Equatorial, fora questionado em outra deposição de um governante de esquerda latino-americano. Em 2009, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, voltou escondido ao país e refugiou-se na Embaixada do Brasil. Lá ficou por quatro longos meses, até se exilar na República Dominicana. Era o auge da seletiva “diplomacia presidencial” de Luiz Inácio Lula da Silva, que favorecia os aliados Chávez, Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia). A ordem democrática fora rompida em Honduras, fato que merecia condenação. Mas a acolhida brasileira a Zelaya e a prorrogação do confronto diplomático entre o Brasil e o novo governo hondurenho, após a realização de eleições, foram fruto da ideologia que contamina as ações externas de Brasília. Esse pensamento impediu, até hoje, que o Brasil fizesse qualquer crítica ao autoritarismo do eterno presidente Chávez. Pior ainda quando essa ideologia fere os próprios interesses do Brasil. O boliviano Evo apropriou-se de refinarias brasileiras em 2006, ação que recebeu do governo Lula apenas protestos comedidos e a mão estendida ao diálogo.
Numa nota acertada entre Dilma e o chanceler Antonio Patriota, o Itamaraty evitou falar em “golpe” contra Fernando Lugo como fizeram Argentina e Venezuela. Chamou de “rito sumário” a decisão do Congresso paraguaio, pois Lugo teve apenas duas horas para se defender das acusações que motivaram o pedido de impeachment (o próprio Federico Franco reconheceu que o processo foi “um pouco rápido”). O que irritou mesmo os paraguaios foi a suspensão do país das reuniões do Mercosul e da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Argentina, Venezuela e Equador retiraram seus embaixadores de Assunção. O Brasil convocou Eduardo dos Santos para consulta, uma reprimenda mais leve, e não adotará sanções econômicas, enquanto Chávez interrompeu o envio de petróleo ao Paraguai. Segundo um assessor de Franco, ainda assim o Brasil deveria “calibrar” melhor suas posições diplomáticas na América do Sul devido a seu tamanho, sob o risco de sufocar os parceiros menores.
O diplomata Sérgio Amaral, ex-porta-voz do governo de Fernando Henrique Cardoso, concorda com a avaliação de que a democracia foi desrespeitada no Paraguai. O problema, diz ele, é o uso de diferentes critérios por Brasília com diferentes nações. “Se você rejeita o simulacro do impeachment, você tem de rejeitar também o simulacro de democracia, que é o caso da Venezuela. Os dois casos têm um ponto em comum”, afirma. “O que vale mais: a forma e a aparência ou o conteúdo? Nós teremos eleições na Venezuela neste ano, e temos boas razões para acreditar que as aparências democráticas podem ser respeitadas, mas o conteúdo não.”
Mantida sua posição atual, o governo brasileiro poderá deixar Franco na geladeira até o fim de seu mandato, em agosto de 2013, e só retomar o pleno diálogo com um novo presidente. Dado que os paraguaios não queriam mais Lugo – sua saída seguiu os ritos legais e a reação foi mais externa que interna –, é provável que o próximo presidente tenha feições liberais. Se assim for, demonstrar boa vontade com um governante cercado de regimes de orientação política contrária será um bom sinal de maturidade brasileira.

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