O milagre argentino
Alexandre Schwartsman
Folha de S. Paulo, 18/07/2012
Antes, o governo argentino tentava impedir a entrada de dólares; agora, tenta impedir a fuga de capitais
A ARGENTINA, para quem não se lembra, é um país ao sul do Brasil, em cuja seleção joga (e muito) o Messi. Bons vinhos, carne de primeira, Astor Piazzola, Quino e (acima de tudo) Jorge Luis Borges são outros motivos para não nos esquecermos dos vizinhos, já que, economicamente falando, poucas sociedades foram mais cuidadosas no sentido de engendrar sua própria irrelevância.
Para quem não se lembra, a Argentina foi também apontada como uma alternativa à política econômica brasileira (não a de hoje, é bom que se diga, mas a adotada até uns anos atrás), em particular suas tentativas de manipulação da taxa de câmbio.
Certas correntes de pensamento local, para quem tudo se resume ao câmbio (não, não é um exagero meu), apontavam para o Sul como o modelo a ser seguido. Hoje, o silêncio acerca da Argentina ribomba.
Ao contrário do que fazia há tempos, quando tomava medidas para impedir o ingresso de dólares, o governo argentino agora tenta impedir a fuga de capitais, que, pelos números oficiais (sempre um risco), já drenaram US$ 5,5 bilhões das reservas nos últimos 12 meses, uma queda pouco superior a 10%.
No contexto brasileiro isso seria equivalente a uma perda da ordem de US$ 35 bilhões, o que, não tenho dúvida, já teria colocado boa parte dos nossos keynesianos de quermesse em pé de guerra.
Já a inflação, pouco inferior a 9,5% nos 12 meses até junho, segundo os dados oficiais, é estimada pelo sítio Inflación Verdadera na casa de 40%. Apesar disso, nossos agora emudecidos desenvolvimentistas, quando lembrados dos problemas inflacionários platinos, não hesitavam em apontar o forte crescimento argentino como prova definitiva da superioridade da abordagem heterodoxa.
Afinal, a valerem os números do Indec (o IBGE portenho), de 2002 para cá, quando a Argentina superou sua crise, o crescimento médio ficou em 7,7% ao ano, apesar da crise internacional de 2009, um desempenho que, se não é chinês, não seria páreo para a maioria dos países no mundo.
Parece, portanto, que um "poucão" a mais de inflação conseguiria, ao final das contas, comprar um "tantão" a mais de crescimento... Ou não?
Para me certificar sobre a robustez dos números do crescimento argentino, resolvi cruzar os dados relativos ao PIB com os associados à geração de energia. Tenho de confessar certo prazer mórbido nessa investigação, mas os resultados foram mais do que interessantes.
Tomados literalmente, os dados mostram que, em 2004, cada GWh na Argentina correspondia a pouco mais de 12,6 milhões de pesos (a preços de 1993), valor não muito diferente do observado em 2002 e em 2003. Ao final de 2011, porém, cada GWh correspondia a 14,9 milhões de pesos, uma melhora de eficiência energética da ordem de 18%!
Nesse mesmo período, estima-se que a eficiência energética global (PIB/GWh) teria melhorado em torno de 9,5%, pouco mais da metade da evolução argentina.
Obviamente, nada impede que o país tenha conseguido uma evolução superior à global; só cá rumino por qual motivo se preocupariam com isso, dado que as tarifas por lá, por conta de controles de preços, não constituem exatamente em incentivo à economia de energia.
De qualquer forma, meu respeito por crenças e crendices não me permite a palavra final sobre o crescimento argentino. Pode resultar da eficiência platina, mas pode também ser apenas mais em efeito colateral da subestimação persistente da inflação. A decisão final é, como sempre, do leitor.
Só noto (resisto a tudo, exceto à tentação) que o silêncio heterodoxo sobre a Argentina é o veredito derradeiro sobre a tal alternativa de política econômica.
Caso o desempenho argentino pudesse, ainda que remotamente, ser qualificado como um sucesso, pais não faltariam. A orfandade diz muito sobre o que nossos desenvolvimentistas de fato pensam sobre o que por lá ocorreu nos últimos anos.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper.
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Valor do dólar paralelo dispara na Argentina
O Globo, 18/07/2012
Limitação do governo à venda da moeda faz seu valor saltar 10,23% no mercado informal este mês
Do La Nación*
BUENOS AIRES . A política do governo de Cristina Kirchner de limitar a venda de dólares no mercado oficial está fazendo com que o dólar paralelo seja comercializado a valores que equivalem a quase o dobro do oficial. A moeda paralela subiu ontem 3,8% em um dia, para 6,55 pesos na venda. O valor atual é 43% mais alto do que o oferecido em bancos ou casas de câmbio da capital do país, 4,58 pesos.
A velocidade da depreciação do peso no mercado informal contrasta com a trajetória da divisa nos segmentos oficiais: na venda para empresas, o dólar subiu ontem cinco milésimos, a 4,552 pesos, enquanto o valor aplicado para negociações com pessoas físicas teve correção de apenas um centavo, a 4,58 pesos na venda.
O dólar paralelo, que ontem tocou o máximo de 6,6 pesos durante o dia e já avançou 10,23% no mês de julho em relação ao oferecido em entidades financeiras e casas de câmbio, por sua vez, valorizou-se 0,88%, ou quatro centavos, no mesmo período.
Em novembro de 2011, o governo criou uma série de restrições à compra de dólares, que se aprofundaram até o último dia 5 de julho, quando o Banco Central argentino proibiu a aquisição de moeda estrangeira para fins de poupança, o que resultou em uma escalada do preço do dólar no mercado informal.
A avidez pela moeda americana também causou uma fuga de dólares, com investidores realizando operações em bolsas de valores para acumular divisa no exterior. Para conseguir a moeda fora do país, grandes investidores compraram títulos a 6,80 pesos.
Os títulos em dólares continuam sendo uma das alternativas dos investidores para acumular divisas. Depois de passar por vários processos de hiperinflação, os argentinos perderam a confiança no peso.
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