De vez em quando, como já disse anteriormente, acabo "caindo" em postagens sobre mim, ou em torno de textos ou palestras minhas, em fontes de terceiros, como esta aqui, por exemplo:
Aula-debate com Paulo Roberto de Almeida
O professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida respondendo perguntas dos estudantes.
"É um fato que o Brasil melhorou bastante nos últimos anos, mas menos do que se pensa, ou se apregoa, e menos do que o necessário;
É minha opinião que o Brasil continua a padecer de graves disfunções estruturais e sistêmicas , em especial no terreno educacional, no âmbito institucional e até no plano psicológico (ou mental), o que o impede de reconhecer essas deficiências e de estabelecer um consenso em favor de um penoso, mas necessário processo de reformas estruturais e institucionais;"
O texto que serviu de base a minha palestra é este aqui:
2116. “O Direito, a
Política e a Economia das Relações Internacionais do Brasil: Uma abordagem
não-convencional”, Brasília, 19 fevereiro 2010, 8 p.; revisto 20.03.2-10. Texto
suporte para palestra-debate na abertura dos cursos de Direito, Ciência
Política, Economia e Relações Internacionais da UnB, a convite, no
dia 22.03.2010 (Auditório Joaquim Nabuco). Postado no site pessoal (www.pralmeida.org/05DocsPRA/2116PalestraDebateAcadem.pdf).
Revisto em 25/03/2010 em Lisboa, para publicação, sob o título de “A coruja de
Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desmantelamento institucional do Brasil
contemporâneo”, em Espaço Acadêmico (ano
9, n. 107, abril 2010, p. 143-148; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9800/5484).
Relação de Publicados n. 958.
Reproduzido integralmente abaixo:
O
Direito, a Política e a Economia das Relações Internacionais do Brasil: uma
abordagem não-convencional
Paulo
Roberto de Almeida
Texto
suporte para palestra-debate
para
alunos dos cursos de Ciência Política,
Direito,
Economia e Relações Internacionais
Brasília, 22 de março de 2010.
Pretendo
apresentar, muito rapidamente, e com intuitos assumidamente provocadores, fatos
e opiniões de um espectador engajado nas coisas do Brasil e do cenário mundial.
Estas afirmações e impressões podem, talvez devam ser consideradas como teses
para discussão aberta na sequência imediata desta palestra de abertura.
Permito-me
remeter, previamente, a um texto meu que, aparentemente, serviu como gatilho
responsável pela decisão de se formular o convite para que eu proferisse esta
aula magna, cujos diagnósticos e sugestões tentativas foram apresentadas por
ninguém menos do que Tocqueville, vocês sabem, aquele francês meio ancien régime, oportunamente retirado
pelo Banco Mundial de uma aposentadoria tranqüila para realizar uma missão
prospectiva no Brasil. Ei-lo:
A) DIREITO
1)
É um fato que o direito vem sofrendo uma violenta erosão no Brasil, inclusive
no plano internacional;
É
minha opinião que esse processo se prolongará por pelo menos uma geração mais,
e só começará a reverter com a gradual elevação da educação política no Brasil.
2)
É um fato que o chamado rule of Law é
um conceito vazio de significado no Brasil;
É
minha opinião que essa inobservância redunda em diminuição das possibilidades
de crescimento e, portanto, da prosperidade do povo brasileiro.
3)
É um fato que o Estado é o principal fora-da-lei, o maior infrator da
legalidade jurídica no país (para constatar isto basta analisar quantitativa e
qualitativamente os casos levados ao STF e ao STJ).
É
minha opinião que quanto mais ilegalidades o Estado, ou melhor, o governo
comete, maiores são a propensão e as chances de reincidência na transgressão.
4)
É um fato que as piores arbitrariedades e barbaridades contra os direitos
individuais dos cidadãos brasileiros são cometidos pelas maiores autoridades,
algumas com status ministerial ou mesmo acima;
É
minha opinião que assistimos ao maior desmantelamento das instituições públicas
como nunca se viu antes neste país, desde a constituição do Estado nacional.
5)
É um fato que o Legislativo alcançou os piores registros de imoralidades e
ilegalidades, jamais vistas no país;
É
minha opinião que esse processo ainda não terminou e que, ao contrário, ele
deve se agravar consideravelmente nos próximos anos;
6)
É um fato que o Executivo contribui poderosamente para essa degradação de um
poder supostamente independente, comprando, supostamente, supostos
parlamentares;
É
minha opinião que os supostos em questão se deixam adquirir, ou pedem para
serem comprados, no Bazar Persa que faz as vezes de Congresso;
7)
É um fato que a Suprema Corte julga muito mais politicamente, e subjetivamente,
do que juridicamente, a despeito mesmo da linguagem supostamente legalista e
bacharelesca de suas decisões;
É
minha opinião que os juízes ali presentes ostentam muito mais um comportamento
de pavão do que de corujas;
8)
É um fato que o princípio da não ingerência nos assuntos internos de outros
Estados vem conhecendo uma interpretação sui
generis nos últimos tempos;
É
minha opinião que isso se deve a uma interpretação político-partidária das
relações internacionais do Brasil.
B) POLITICA:
9)
É um fato que o Brasil, a despeito da proliferação indevida de legendas de
aluguel e de partidecos que atuam como balcão de negócios, consolidou um
espectro partidário que se estende do centro esquerda à esquerda radical (ou o
que passa por isso), sem jamais passar pelo conservadorismo de direita ou pelo
liberalismo moderno;
É
minha opinião que os partidos que pretendem se situar mais à esquerda desse
espectro são os mais objetivamente conservadores e mesmo reacionários no jogo
político (não apenas brasileiro), alguns deles chegando a ter afinidades
eletivas com o fascismo, como são os de tendência chavista ou bolivariana.
10)
É um fato que a política partidária converteu-se num exercício constante de
comportamentos rentistas, extratores e fisiológicos como nunca antes visto
neste país;
É
minha opinião que a lógica do sistema partidário estimula, acolhe e defende
esses comportamentos depravados da política brasileira, e isso deve continuar
por algum tempo mais, talvez uma geração inteira;
11)
É um fato a mediocrização intelectual do elemento político no Brasil, que de
político só apresenta os defeitos e muito poucas virtudes, if any;
É
minha opinião que a mediocrização acompanha o processo de ampliação das
franquias democráticas, posto que não acompanhada da correspondente e
necessária elevação dos padrões educacionais no Brasil;
12)
É um fato que os piores ismos da política brasileira, historicamente –
clientelismo, fisiologismo, patrimonialismo, prebendalismo, coronelismo, e
outros – foram incorporados pelos partidos que supostamente pretendiam acabar
com essas chagas; eles adquiriram novas roupagens e uma novilíngua, com a
escusa de se apresentar travestidos de políticas sociais;
É
minha opinião que isso reforçará o corporativismo da política brasileira; de
fato, o Brasil já constitui uma República sindical – não só de trabalhadores,
mas de patrões também – e esse tipo de pacto perverso, o mesmo que está na
origem da decadência da Argentina e da Inglaterra pré-Tatcher, deve se
aprofundar no futuro previsível;
13)
É um fato que a Argentina, outrora o país mais rico da América Latina, decaiu
irremediavelmente nos últimos 80 anos em consequência da desestruturação de seu
sistema político por um personagem de características fascisto-populistas que
sequestrou a inteligência do país platino e desmantelou suas instituições ao
promover o desrespeito da legalidade constitucional, criando uma espiral
infernal que perdura desde então;
É
minha opinião que o Brasil corre risco semelhante ao projetar virtudes
carismáticas num personagem semelhante, que também promove a erosão da
institucionalidade racional-legal;
14)
É um fato que o Império do Meio, a China milenar, a maior economia planetária e
a potência científica mais avançada até o século 17, começou a decair quando
uma conjunção de imperadores idiotas e um mandarinato centrado em seus próprios
ganhos corporativos paralisou os processos de inovação e de empreendedorismo,
ao congelar um Estado confuciano conservador, excessivamente focado apenas nos
interesses do próprio Estado e da corte de servidores;
É
minha opinião que o Brasil pode estar construindo seu Estado extrator, ao
também manter extenso mandarinato, organizado em diversos corpos exclusivamente
interessados em promover seus interesses prebendalistas;
15)
É um fato que a França atual ainda é excessivamente colbertista, dominada por
um Estado centralizador, cuja sociedade não admite empreender reformas
modernizadoras em função do poder sindical e do congelamento de interesses
setoriais e corporativos que tomam de assalto o Estado e impedem os partidos
políticos de promover essas reformas, servindo, ao contrário de canal condutor
desses interesses consolidados;
É
minha opinião que o Brasil caminha na mesma direção, o que significa que as
únicas reformas a serem aprovadas no Congresso serão aquelas que defendem,
promovem, ampliam e reforçam os interesses dos corpos mobilizados para assaltar
o Estado, extrair recursos dos cidadãos e do sistema produtivo. Como na França,
um perfeito modelo de Estado bloqueado, as reformas se tornam impossíveis...
16)
É um fato que o Brasil, e seu sistema partidário, são majoritariamente presidencialistas,
com um ou dois partidos parlamentaristas que tem vergonha de sê-lo ou não vêem
nenhum futuro para o parlamentarismo no Brasil; é também um fato que o
parlamentarismo contribuiria para exacerbar, num primeiro momento, os piores
“ismos” da política partidária brasileira, mas isso talvez já seja a minha
opinião;
É
minha opinião que esse hegemonismo presidencialista acentua os traços mais
regressivos e populistas dos sistema político-partidário no Brasil, com
prejuízos irremediáveis para nossa evolução política; o sistema americano, a
despeito de suas características presidencialistas, é, de fato, o de um governo
congressual, como aliás já tinha detectado, desde 1886, o então presidente de
Princeton, Woodrow Wilson, futuro presidente dos EUA;
C) ECONOMIA
17)
É um fato que o Brasil constitui uma economia totalmente industrializada, sendo
risível esse empenho de sua diplomacia em pretender classificá-lo como país em
desenvolvimento;
É
minha opinião que essa obsessão com o subdesenvolvimento mental, quase
fatalista, contribui poderosamente para manter o Brasil no subdesenvolvimento
material; é também minha opinião, mas isso talvez seja um fato, que o Itamaraty
é o principal defensor e disseminador desse equívoco conceitual, que se reflete
em certa esquizofrenia negociadora, em prejuízo do Brasil real;
18)
É um fato que o Brasil cresce pouco, em face de suas potencialidades materiais
e de seus recursos, e vis-à-vis de suas necessidades sociais, de emprego e de
criação de riqueza;
É
minha opinião, mas aqui eu diria que é um fato também, que o Brasil padece de
excesso de extração fiscal por parte do Estado, o que conforma o fenômeno que
os economistas chamam de “crowding-out”,
ou seja, a canalização das riquezas da sociedade para as mãos (e as pernas,
braços, whatever) do Estado, coibindo
o investimento privado e, portanto, uma taxa de crescimento sustentável;
19)
É um fato que o Brasil possui uma capacidade de poupança compulsória
relativamente elevada, senão em níveis chineses, pelo menos na altura de 30% do
PIB (com todos os recolhimentos obrigatórios); mas é também um fato que esses
recursos são canalizados para fins exclusivamente estatais e não produtivos,
incluindo-se aí todos os recolhimentos laborais e previdenciários, o sistema S
e uma parafernália de outros impostos e contribuições que constituem o chamado
custo Brasil, na verdade, a loucura do Brasil;
É
minha opinião, mas deve ser o contrário, que essas poupanças forçadas
convertem-se em despoupança estatal – serviço ou amortização do principal da
dívida, quando não em gastos correntes – o que é absolutamente deletério do
ponto de vista do sistema produtivo e das contas públicas;
20)
É um fato que a posição externa do Brasil é, hoje, relativamente confortável,
do que jamais foi no passado (nunca antes neste país), o que é devido,
inclusive e principalmente, aos ajustes econômicos e fiscais efetuados nos anos
1990, que prepararam o Brasil para crescer em bases sólidas, aproveitando as
oportunidades oferecidas pela economia mundial;
É
minha opinião que a posição competitiva das exportações brasileiras de
manufaturados se deteriorou em grande medida devido ao crescimento do custo
Brasil (impostos, em grande medida, mas não só), que oneram os industriais
brasileiros, e os agricultores também (menos os do MST, que estão ao abrigo
dessas coisas);
21)
É um fato que o Brasil exibe hoje reservas descomunais, divisas internacionais
em excesso de seu endividamento e de suas obrigações correntes, tornando-se,
portanto, credor internacional;
É
minha opinião que essas reservas são de fato em excesso ao que seria necessário
e razoável, carregando um custo fiscal inaceitável, tendo em vista o
diferencial de juros nos planos externo e interno (posto que o Tesouro tem de
emitir títulos da dívida interna, para adquirir os dólares), sem falar do
custo-oportunidade da aplicação dessas reservas (a juros baixos ou negativos);
22)
É um fato que o Governo tem sido bastante ativo em matéria de políticas setoriais
(a maior parte natimorta, aliás), bem mais, em todo caso, do que no plano
fiscal, tendo elaborado todo tipo de programa para facilitar a vida de
empresários se setores ditos estratégicos (ou seja, dando dinheiro para quem já
é rico, mas isso parece ser uma constante no Brasil);
É
minha opinião que essa seleção de “vencedores” é especialmente nefasta do ponto
de vista de um ambiente de negócios caracterizado por regras do jogo estáveis,
homogêneas e uniformes, para todos os
agentes econômicos, que de toda forma recolhem uma carga bruta de impostos
apenas porque o Governo premia alguns felizardos amigos do poder; os
“perdedores” buscam compensar o tratamento desigual criando expedientes
imaginativos – preços de transferência, por exemplo – para contornar os
acidentes de terreno;
23)
É um fato que o Governo começou impulsionando energias alternativas (etanol e
biocombustível, este último de forma completamente esquizofrênica), mas depois
passou a promover, de forma contraditória, os combustíveis fosseis, com uma
volúpia digna de xeiques do petróleo;
É
minha opinião que o estatismo e o dirigismo exibidos no caso da exploração dos
recursos petrolíferos do pré-sal são, no longo prazo, prejudiciais aos
interesses da própria industria nacional do petróleo, porque colocando mais
recursos à disposição de uma classe política que não se caracteriza,
particularmente, por hábitos frugais, ou sequer racionais, de dispêndio de
recursos;
24)
É um fato que o Brasil, não por obra e graça do Governo, mas de sua classe
capitalista, existe um setor empresarial moderno e dinâmico, os capitalistas
rurais em especial, que são os grandes garantidores de saldos positivos na
balança comercial, contribuindo também para a competitividade de certos
produtos e incorporação de know-how; parece também um fato que esses
empresários se tornaram assim tão espertos em função da esquizofrenia econômica
das últimas décadas e da capacidade extrativa do Governo, o que os obriga a
serem espertos;
É
minha opinião, mas isso também é um fato, que os agentes econômicos são
excessivamente penalizados por disfunções institucionais, pela precária
infra-estrutura (transportes lamentáveis e altos custos de comunicações, devido
à cartelização oficial do setor), por comportamentos monopolistas dos setores
protegidos e por custos de transação – e aqui entra a ineficiência do
Judiciário – excessivamente elevados.
D) RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO
BRASIL
25)
É um fato que o Brasil adquiriu uma nova estatura no cenário mundial,
tornando-se um interlocutor incontornável em diversos temas da agenda
internacional e em áreas inclusive de interesse geral, não especialmente
brasileiro;
É
minha opinião que o excesso de ativismo pode obscurecer um debate racional
sobre o que é efetivamente relevante ou acessório do ponto de vista dos
interesses nacionais, ou que é construído para enaltecer a figura do PR, que de
resto alinha o Brasil com certas figuras bizarras do cenário internacional ou
regional;
Minhas conclusões gerais para
debate:
26)
É um fato que o Brasil melhorou bastante nos últimos anos, mas menos do que se
pensa, ou se apregoa, e menos do que o necessário;
É
minha opinião que o Brasil continua a padecer de graves disfunções estruturais
e sistêmicas , em especial no terreno educacional, no âmbito institucional e
até no plano psicológico (ou mental), o que o impede de reconhecer essas
deficiências e de estabelecer um consenso em favor de um penoso, mas necessário
processo de reformas estruturais e institucionais;
Finalmente,
Para
aqueles que se filiam a partidecos do tipo PSOL ou PCdoB – pois imagino que os
filiados ao PT aprovem a política econômica neoliberal do Governo – e que
pretendem acusar-me de ser neoliberal, posso desarmá-los desde já, pois como todo
sociólogo, considero-me marxista – inclusive um do tipo que LEU Marx, o que
obviamente não é o caso de todos os que pretendem ser – e talvez até mesmo
anarco-capitalista e um reformista radical, mais bem pelo lado do racionalismo
instrumental, do que do utopismo ingênuo, do tipo desses masturbadores
surrealistas do FSM.
Enfim,
Ser
realista não é uma escolha, e sim uma necessidade, mas isso vocês vão descobrir
mais tarde...
Brasília,
18 de fevereiro de 2010.
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