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sábado, 5 de janeiro de 2013

A decadencia moral do Brasil - Ferreira Gullar, Nelson Motta e os companheiros

O Brasil atravessa uma fase de decadência moral inacreditável. As explicações para isso são fáceis: tivemos a ascensão de uma nova classe, de uma nova elite, segundo as teorias da circulação das eleites de Gaetano Mosca e de Vilfredo Pareto. A que ascendou é essa que estamos vendo: a nova nomenklatura, pouco educada, mas extremamente ávida de benesses, privilégios, consumo conspícuo. A ela segue-se uma legião de mercenários a soldo e de voluntários da causa que contribui para degradar a níveis extremamente baixos o debate político no país, convertido numa vingança dos ratos magros contra os ratos gordos que nos governavam. Apenas que os ratos gordos já se uniram aos ratos magros na tarefa de degradar ainda mais o ambiente intelectual no Brasil (mas creio que o adjetivo não se aplica).
Tendo constatado, tanto quanto Nelson Motta, na coluna abaixo que discorre sobre os comentários ao artigo de Ferreira Gullar, que a fúria da malta se torna irracional e extremamente agressiva nesses casos de crítica ao supremo guia genial dos povos, só posso concluir quanto à erosão completa dos valores da civilidade e do debate cortês no Brasil.
Estamos recuando, cada vez mais, infelizmente.
Paulo Roberto de Almeida

Artigo de Ferreira Gullar:

Me engana que eu gosto

Folha de S.Paulo, 30/12/2012 

 Muitos de vocês, como eu também, hão de se perguntar por que, depois de tantos escândalos envolvendo os dois governos petistas, a popularidade de Dilma e Lula se mantém alta e o PT cresceu nas últimas eleições municipais. Seria muita pretensão dizer que sei a resposta a essa pergunta. Não sei, mas, porque me pergunto, tento respondê-la ou, pelo menos, examinar os diversos fatores que influem nela.
Assim, a primeira coisa a fazer é levar em conta as particularidades do eleitorado do país e o momento histórico em que vivemos. Sem pretender aprofundar-me na matéria, diria que um dos traços marcantes do nosso eleitorado é ser constituído, em grande parte, por pessoas de poucas posses e trabalhadores de baixos salários, sem falar nos que passam fome.
Isso o distingue, por exemplo, do eleitorado europeu, e se reflete consequentemente no conteúdo das campanhas eleitorais e no resultado das urnas. Lá, o neopopulismo latino-americano não tem vez. Hugo Chávez e Lula nem pensar.
Historicamente, o neopopulismo é resultante da deterioração do esquerdismo revolucionário que teve seu auge na primeira metade do século 20 e, na América Latina, culminaria com a Revolução Cubana. A queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética deixaram, como herança residual, a exploração da desigualdade social, já não como conflito entre o operariado e a burguesia, mas, sim, entre pobres e ricos. O PT é exemplo disso: nasceu prometendo fazer no Brasil uma revolução equivalente à de Fidel em Cuba e terminou como partido da Bolsa Família e da aliança com Maluf e com os evangélicos.
Esses são fatos indiscutíveis, que tampouco Lula tentou ocultar: sua aliança com os evangélicos é pública e notória, pois chegou a nomear um integrante da seita do bispo Macedo para um de seus ministérios. A aliança com Paulo Maluf foi difundida pela televisão para todo o país. Mas nada disso alterou o prestígio eleitoral de Lula, tanto que Haddad foi eleito prefeito da cidade de São Paulo folgadamente.
E o julgamento do mensalão? Nenhum escândalo político foi tão difundido e comprovado quanto esse, que resultou na condenação de figuras do primeiro escalão do PT e do governo Lula. Não obstante, o número de vereadores petistas aumentou em quase todo o país.
E tem mais. Mal o STF decidiu pela condenação de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, estourava um novo escândalo, envolvendo, entre outros, altos funcionários do governo, Rose Noronha, chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo e pessoa da confiança e da intimidade de Lula.
Em seguida, as revelações feitas por Marcos Valério vieram demonstrar a participação direta de Lula no mensalão. Apesar de tudo isso, a última pesquisa de opinião da Datafolha mostrou que Dilma e Lula continuam na preferência de mais de 50 % da opinião pública.
Como explicá-lo? É que essa gente que os apoia aprova a corrupção? Não creio. Afora os que apoiam Lula por gratidão, já que ele lhes concedeu tantas benesses, há aqueles que o apoiam, digamos, ideologicamente, ainda que essa ideologia quase nada signifique.
Esse é um ponto que mereceria a análise dos psicólogos sociais. O cara acha que Lula encarna a luta contra a desigualdade, identifica-se com ele e, por isso, não pode acreditar que ele seja corrupto. Consequentemente, a única opção é admitir que o Supremo Tribunal Federal não julgou os mensaleiros com isenção e que a imprensa mente quando divulga os escândalos.
O que ele não pode é aceitar que errou todos esses anos, confiando no líder. Quando no governo Fernando Henrique surgiu o medicamento genérico, os lulistas propalaram que aquilo era falso remédio, que os compridos continham farinha. E não os compravam, ainda que fossem muito mais baratos. Esse tipo de eleitor mente até para si mesmo.
Não obstante, uma coisa é inegável: os dirigentes petistas sabem que tudo é verdade. O próprio Lula admitiu que houve o mensalão ao pedir desculpas publicamente em discurso à nação.
Por isso, só lhes resta, agora, fingirem-se de indignados, apresentarem-se como vítimas inocentes, prometendo ir às ruas para denunciar os caluniadores. Mas quem são os caluniadores, o Supremo Tribunal e a Polícia Federal? Essa é uma comédia que nem graça tem.
Ferreira Gullar Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".

Artigo de Nelson Motta:

Coices e relinchos


Nelson Motta
O Estado de S.Paulo, 04 de janeiro de 2013
A maneira mais estúpida, autoritária e desonesta de responder a alguma crítica é tentar desqualificar quem critica, porque revela a incapacidade de rebatê-la com argumentos e fatos, ideias e inteligência. A prática dos coices e relinchos verbais serve para esconder sentimentos de inferioridade e mascarar erros e intenções, mas é uma das mais populares e nefastas na atual discussão política no Brasil.
A outra é responder acusando o adversário de já ter feito o mesmo, ou pior, e ter ficado impune. São formas primitivas e grosseiras de expressão na luta pelo poder, nivelando pela baixaria, e vai perder tempo quem tentar impor alguma racionalidade e educação ao debate digital.
Nem nos mais passionais bate-bocas sobre futebol alguém apela para a desqualificação pessoal, por inutilidade. Ser conservador ou liberal, gay ou hétero, honesto ou ladrão, preto ou branco, petista ou tucano, não vai fazer o gol não ser em impedimento, ser ou não ser pênalti. Numa metáfora de sabor lulístico, a política é que está virando um Fla-Flu movido pelos instintos mais primitivos.
Na semana passada, Ferreira Gullar, considerado quase unanimemente o maior poeta vivo do Brasil, publicou na Folha de S. Paulo uma crônica criticando o mito Lula com dureza e argumentos, mas sem ofensas nem mentiras. Reproduzida em um "site progressista", com o habitual patrocínio estatal, a crônica foi escoiceada pela militância digital.
Ler os cento e poucos comentários, a maioria das mesmas pessoas, escondidas sob nomes diferentes, exigiria uma máscara contra gases e adicional de insalubridade, mas uma pequena parte basta para revelar o todo. Acusavam Gullar, ex-comunista, de ter se vendido, porque alguém só pode mudar de ideia se levar dinheiro, relinchavam sobre a sua idade, sua saúde, sua virilidade, sua aparência, sua inteligência, e até a sua poesia. E ninguém respondia a um só de seus argumentos.
Mas quem os lê? Só eles mesmos e seus companheiros de seita. E eu, em missão de pesquisa antropológica. Coitados, esses pobres diabos vão morrer sem ter lido um só verso de Gullar, sem saber o que perderam.

2 comentários:

Rodrigo disse...

Caro Paulo,

A decadência do debate cortês não é coisa nova, nem coisa nossa - a não ser na medida em que somos parte de um mundo que funciona, já há algum tempo, em torno das "muchedumbres" que Ortega y Gasset denunciou, com espanto, em "La Rebelión de las Masas".

Acompanho os seus posts com curiosidade, ainda que eu discorde teoricamente de muitos dos seus fundamentos. Surpreende-me, por exemplo, que você ainda se considere (ironicamente) "marxista" sem levar em conta, hoje, as contribuições nada irônicas de um Luc Boltanski para a crítica da ideologia. Enquanto o seu lado marxista contenta-se em repudiar as más leituras disseminadas por um Emir Sader ou um Eduardo Galeano, há coisas bem melhores para serem lidas e comentadas! Eu diria ainda: coisas que não impedem a crítica do Estado intervencionista que tanto o motiva.

Numa relação indireta com essa minha observação sobre o seu marxismo, devo dizer que, na leitura do post, perguntei-me sobre como é possível posicionar-se contra projetos como o da obrigatoriedade da filosofia no ensino médio (perdoe-me se eu me engano, mas há um texto seu sobre isso) e ao mesmo tempo achar tão ruim que o melhor debate desfaleça na sociedade atual!

Saudações,

Anônimo disse...

Cada povo tem o governo que merece. Os governantes são apenas um reflexo do próprio povo. Brasileiro é falso e cara de pau.