O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 6 de abril de 2014

Criar filhos na Europa? Eis uma experiencia de uma mae consciente - Camila Furtado

12 coisas que aprendi sendo mãe fora do Brasil



letreiro.jpg
Muita gente fantasia sobre a vida fora do Brasil. Meus filhos nasceram e estão crescendo na Alemanha, e claro que criar os filhos na Europa tem muitas vantagens, mas não fique pensando que tudo são flores. É necessário fazer muito ajuste mental para rodar a maternidade em um software gringo. Aqui algumas lições dos últimos anos, lembrando que elas são, claro, baseadas na minha experiência pessoal na Alemanha.
1. As crianças precisam de muito menos coisas que você imagina.  Escutei isso no curso de preparação para o parto e nascimento na maternidade. Lá também ganhei uma lista com o que devia ser o enxoval do bebê e para o meu espanto a lista não tinha nem um terço do que as minhas amigas no Brasil compravam para os filhos. Ou seja, estar esperando um bebê não me dava licença para sair comprando de tudo.  Com o tempo fui me dando conta de que eles têm razão: com raras exceções, nada é de verdade imprescindível. O lance da maioria das mulheres por aqui é "keep it simple".
2. Uma consulta médica de 20 minutos não é necessariamente ruim. No Brasil você leva os filhos no pediatra particular, paga uma fortuna pela consulta e, claro, você espera que o médico discuta com você até se a cor do papel de parede que você escolheu para o quarto do seu filho pode estar influenciando no sono dele. Aqui na Alemanha os médicos não tem tempo para isso. A sala de espera está lotada, afinal, eles estão atendendo seu filho, mas também o filho do padeiro, do executivo, da professora, e do lixeiro. Lógico que existem situações que exigem mais atenção, mas se o problema for comum, esqueça. O médico alemão (que vê 30, 40 crianças por dia) não gasta com você o mesmo tempo que aquele sujeito simpático que atende pela bagatela de R$ 500 no Brasil. O segredo aqui é encontrar um médico que, apesar da objetividade, não esteja deixando escapar nada importante.Hoje em dia me preparo para as consultas, tenho minhas perguntas anotadas e tento ser tão objetiva quanto eles. É fundamental entender que aquele profissional pode ser tão sério e bom quanto o médico estrelado no Brasil, mas ele funciona em um sistema de saúde totalmente diferente.
3. Mãe e pai colocam a mão na massa na criação dos filhos. Isso vale principalmente se a mãe também trabalha. Não tem essa de criança ser responsabilidade só da mãe. Mulher acumulando mil funções enquanto o maridão "só" tem que trabalhar? Nem pensar! A maioria dos casais jovens no norte da Europa divide igualmente os cuidados com a casa e a criação dos filhos. Veja o exemplo de um casal de amigos em Berlim, um executivo e uma médica recém-formada. Com um filho de 6 meses em casa, ele aproveitou uma reestruturação na empresa para pegar licença paternidade por um ano enquanto ela, que ainda precisa se estabelecer na profissão, trabalha período integral em um hospital. Lógico que antes de mais nada existe uma lei que faz essa situação possível. Porém muito além do apoio legal, um homem que toma essa decisão, está olhando para a esposa no mesmo pé de igualdade.
4. Dói um pouco ver seu filho crescendo em outra cultura. Amo meu país e tento expor as crianças o máximo a nossa cultura, mas sei que tendo nascido e vivido aqui a vidinha inteira deles, a Alemanha é muito mais forte neles do que o Brasil. É duro admitir, mas meus filhos são gringos. Eles até sabem quem é a Mônica, mas não tem nem idéia do que seja uma festa junina, por exemplo. Culturalmente, as experiências deles são totalmente diferentes das da minha infância. Eu tenho que aprender todas as músicas infantis, tradições, festas populares para acompanhar as crianças. E apesar de ser difícil me conectar com coisas que não vivi, percebi que tenho que mergulhar nessas coisas "estranhas" com todo meu amor. Apesar de elas não significarem nada para mim, significam tudo para eles.
5. Dói muito ver seu filho crescendo sem a sua família. Principalmente se você tem uma família bacana. Eu me dou super bem com os meus pais e meus irmãos são os meus melhores amigos. A gente se vê no máximo duas vezes por ano. Sinto muita pena de não ver meus filhos crescendo perto deles. Dentinho, primeiros passos, gracinhas: minha família perde simplesmente todas as fases dos meus filhos. E as crianças deixam de conviver com avós, tios e primos cheios de amor para dar. E não tem Skype que substitua ler um livrinho no colo do vovô.
6. O que não te mata, te faz mais forte. "Não sei como você aguenta criar seus filhos sem família por perto, sem empregada, nem babá".  Escuto isso direto de familiares e amigos no Brasil. Mas a verdade é que não sou especial: todo mundo vive assim por aqui. Não vou falar que é fácil, mas a gente se adapta e aprende muito a se virar. Algumas pessoas no Brasil falam da minha vida como se elas fossem desmoronar de ter que fazer tudo que eu faço sozinha. Você não sabe o quanto você é forte até precisar ser forte. Sim, houve fases difícieis, principalmente com as crianças ainda bebês, que achei que eu realmente não ia dar conta, noites que eu literalmente chorava de cansaço. Hoje, contudo, depois de alguns perrengues e muitos ajustes, sei mais do que nunca que sou capaz de segurar a minha onda e das crianças. E sozinha, se for o caso.
7. Dizer não à maternidade é uma opção que deve ser respeitada. As mulheres fora do Brasil vêem a maternidade de uma maneira muito mais realista. É difícil ser mãe. É necessário abrir mão de outros sonhos para ser mãe. Inclusive profissionais. Não, não existe ter tudo. A carreira de uma mulher que quer ser uma mãe presente irá desacelerar com a maternidade. As viagens e momentos a dois serão bem mais escassos. A mulher européia sabe que ter um filho vai modificar seu estilo de vida radicalmente e na maioria dos casos essa é uma decisão bem pensada. Hoje em dia quando me deparo com um mulher que optou por qualquer outra coisa em vez de ter filhos, digo ok.  Nao é a minha, sempre sonhei ser mãe, e e a vida com eles é a mais sincera fonte de alegria mas hoje entendo muito bem. É uma opção, e para muita gente é uma opção sensata - em qualquer parte do mundo.
8. Festa de aniversário infantil não tem adulto, não é desfile de escola de samba e pode ser muito legal com 6 crianças. Sei que isso é difícil para a gente entender. Minha mãe mesmo arrasava nas festinhas infantis e tenho memórias incríveis dos meus aniversários. Mas tenho certeza que meus filhos também terão boas lembranças, mesmo que a proporção nao seja tão carnavalesca. Festinha aqui é para poucos amiguinhos, no parque ou em casa mesmo. E você faz praticamente tudo: bolo, brigadeiro, convite, animação, decoração, surpresinha, comida... Para mim um dos momentos mais lindos que já existiram foi quando no final da sua festa de 5 anos, minha filha, que ajudou e acompanhou todo o trabalho e o empenho meu e do pai dela, nos viu exaustos, com os pés para cima do sofá e disse: "Mamãe, papai, queria dizer obrigada pois esse foi o aniversário mais maravilhoso que já existiu..." E o aniversário mais maravilhoso que já existiu custou 200 euros e uma semana de trabalho noite a dentro.
9. Disciplina é tudo de bom. E eu digo isso sob o ponto de vista de uma pessoa que tem um certo bloqueio neste quesito. Contudo, tenho que admitir que a mulherada por aqui tem muito menos dificuldade em controlar a prole do que eu. Se estamos eu e mãe do pequeno Fritz no parquinho, sabe qual é a mãe que vai ter que chamar os filhos mil vezes na hora de embora? Eu. Sabe quem é a mãe que até hoje acorda a noite porque o filho não quer dormir na própria cama? Eu. Pois é, não quero me tornar uma sargenta alemã, mas com um pouco de disciplina a vida de todo mundo fica mais fácil. Minha filha foi entrevistada no jardim de infância e teve que responder qual a coisa que ela mais gostava de lá. A resposta chocante: as regras. Juro.
10. Casa arrumada é casa vazia. Estou obcecada por essa idéia e nada tem me dado mais prazer ultimamente do que jogar coisas fora. Antes de eu chegar a esta conclusão passei por mil fases no quesito arumação de casa. Já paguei fortunas por ajuda doméstica, já vivi fases escrava Isaura em que eu passava o dia inteiro com um paninho na mão. Hoje estou convencida que casa arrumada tem a ver com praticidade, simplicidade e pouco consumismo. Depois, esqueça aquele banheiro cheirando a flores todos os dias e o piso sem um fio de cabelo no chão. Aquela limpeza impecável, que só existe na casa de quem tem empregada, não existe aqui.
11. Viver em paz é libertador. Quando eu morava no Brasil, eu não ficava todo o tempo pensando em violência. Eu era como todo mundo, de alguma maneira você adapta a sua vida a todos aqueles absurdos e segue vivendo (e rezando). Mas é bem mais fácil ter paz interna vivendo em um lugar onde as pessoas desaceleram o carro ao verem alguém de bicicleta na rua, onde o policial do bairro cumprimenta meus filhos pelo nome na porta da escola (cena surreal todas as manhãs), onde posso levar todo o tempo do mundo para descer do carro que ninguém vai me assaltar. Crime e violência contra as pessoas são coisas verdadeiramente isoladas. Claro que perigo existe em qualquer lugar e quando as crianças forem adolescentes e começarem a sair a noite e tal, vou ter medo. Mas se eu estivesse no Brasil eu ia ter muito mais medo.
12. É bacana ter o pé no chão. Uma amiga acabou de tirar os filhos de um jardim de infância particular - uma minoria por aqui - para colocar em um público. Vários pontos contaram na decisão dela mas teve uma coisa que ela disse que foi muito interessante: "Lá eles conviviam só com a elite, não sei se isso é muito bom para a formação deles". É admirável ver como muitas famílias com alto poder aquisitivo fazem questão de criar seus filhos com o pé no chão. Sem luxo exagerado, sem muitas regalias. No Brasil, muita gente cria os filhos como eles se fossem uns verdadeiros reizinhos, pessoas especiais por pertencerem a uma determinada classe social na qual a realidade do Brasil passa longe. Eu não sei se estes pais se dão conta que estão colocando gente muito despreparada no mundo.
E vocês, queridas leitoras? O que vocês podem compartilhar sobre a experiência de ser mãe fora do Brasil?
Camila Furtado mora em Colônia com o marido alemão e seus filhos Maria, de 5 anos e Gael, de quase 3 anos. Ao escrever esse texto ela deixou de fora muitas outras lições como por exemplo: "Só existe um jeito de comer comida saudável: cozinhando", "Criança que volta suja do parque é criança felize "20 graus é verão na Alemanha" 
Você está entrando pela primeira vez no blog? Então comece por aqui para ver o que temos de melhor!

Um comentário:

Unknown disse...

Olá, Camila! Tudo bem? Adorei o seu texto.
Uma curiosidade: adoro o nome Gael e quero colocá-lo no meu filho que vai nascer aqui em
Frankfurt. Como tem sido sua experiência com o nome Gael, sendo que infelizmente se parece com a palavra “Geil” em alemão???Tem tido problemas? O seu filho gosta do nome aqui na Alemanha??? Muito obrigada, Juliana :)