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terça-feira, 10 de novembro de 2015

Brics: mais uma ideia que fez chabu? Provavelmente nao, mas as perspectivas sao pessimistas

Agora que o banco do investimento Goldman Sachs acaba de se desfazer de sua carteira Brics, que só apresentou prejuizos nos últimos anos, caberia rever o conceito e a própria utilidade do grupo.
Trata-se, como já afirmei diversas vezes, de uma construção totalmente artificial, provavelmente o primeiro grupo de natureza diplomática formado por indução externa, não por uma análise serena e ponderada de suas possibilidades intrínsecas, mas decidido a partir das sugestões de investimento financeiro de um banco privado.
Em outros termos, os dirigentes políticos do Bric -- seu acrônimo original -- atuaram de forma narcisística, e por impulsos totalmente de marketing político, não a partir de uma decisão ponderada de natureza técnica.
Desde 2008, ainda antes de sua constituição formal como grupo diplomático, eu já me manifestava a esse respeito.
Apesar de que algumas realidades mudaram desde então, creio que minha análise permanece válida em seus contornos essenciais.
Paulo Roberto de Almeida 
Anápolis, 10/11/2015


1884. “Questionário sobre BRIC”, Brasília, 5 maio 2008, 4 p. Respostas a questionário colocado por estudante de RI de Curitiba, sobre os BRICs no contexto internacional. Postado no blog Diplomatizzando (13.07.2010; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/07/questionario-sobre-o-bric-paulo-r.html).
Questionário sobre o BRIC
Nome do entrevistado: Paulo Roberto de Almeida
Data da entrevista: 5 de maio de 2008
Ocupação do entrevistado: Diplomata e professor universitário

1)     O conceito BRIC foi criado pelo Goldman Sachs para designar as potências, que segundo o relatório que eles elaboraram, serão as maiores em 2050. Você concorda que os quatro países que compõe o BRIC serão superpotências?
R: Não! Para ser mais preciso, apenas um dos BRICs, segundo esse estudo, se alçará à condição de primeira economia planetária, enquanto as outras três estarão em patamares diversos: será a China, supostamente à frente dos EUA a partir de 2040 se, por acaso, sua taxa de crescimento se mantiver num patamar razoável e a dos EUA continuar num ritmo moderado. As outras três ficarão atrás do Japão ou até da Alemanha. Supostamente, os quatro BRICs, conjuntamente, terão ultrapassado o G-6 do estudo – G-7 menos Canadá – em torno daquela data, mas isto não quer dizer que todas serão superpotências, uma vez que essa condição supõe uma capacidade de projetar poder externo que nem todas exibirão. Pode-se dizer que a Rússia e a China já são superpotências, detentoras de mísseis nucleares e alguma capacidade naval e aérea, mas não parecem dispor das mesmas condições de empreender grandes operações navais ou aerotransportadas como os EUA e a OTAN. Por outro lado, uma superpotência também dispõe de uma clara liderança tecnológica e certa dominação financeira, o que não parece o caso de nenhum dos BRICs.

2)     Qual o caminho que o Brasil deve trilhar para que o Brasil possa acompanhar o crescimento dos outros países do BRIC?
R: Basicamente crescer a uma taxa sustentável e sustentada, o que significa manter uma taxa de investimento compatível com um nível razoável de crescimento. A atual taxa de investimento parece insuficiente para garantir isso. Por outro lado, a economia precisa ser capaz de desenvolver fontes próprias de inovação tecnológica, o que não depende unicamente da FBKF (formação bruta de capital fixo) e sim de uma cultura da inovação que ainda não está devidamente assentada nas instituições pertinentes, ou seja, empresas e universidades. Em outros termos, o governo precisa ser menos “extrator” de recursos do setor privado e participar dos investimentos produtivos – geralmente em infra-estrutura, educação e C&T --, assim como precisa reverter o processo de crescimento da carga fiscal, nitidamente em contradição com os requerimentos do crescimento. Isso significa uma profunda reforma fiscal – e não apenas tributária – com redução dos gastos correntes e aumento das alocações voltadas para a capacitação da mão-de-obra e educação da população em geral. Nenhum desses problemas tem a ver com o ambiente internacional – que ao contrário tem sido extremamente positivo com o Brasil – e sim com o ambiente interno.

3)     Quais os empecilhos para o crescimento brasileiro?
R: Numa palavra: o Estado, ou seja, seu caráter predatório, extrator, obstrutor do direcionamento da poupança privada para o setor produtivo. Em detalhe, temos obstáculos sistêmicos ao crescimento – que são a elevada carga fiscal e o baixo volume de investimentos para as necessidades de crescimento – e elementos estruturais – que são o baixo nível de educação da população e a péssima infra-estrutura disponível. Temos ainda a visão introvertida das elites, que fazem com que o Brasil seja um país especialmente renitente a maior abertura externa, condição importante para modernizar a sua indústria e serviços e assim oferecer novas oportunidades de crescimento no contexto da economia global, onde estão hoje as maiores possibilidades de captação de recursos – capitais, know-how – para fins de desenvolvimento produtivo.

4)     Por que é tão difícil para uma empresa brasileira se colocar como grande multinacional? O que deve ser feito para que isso mude?
R: Baixo grau de vinculação da economia brasileira à economia mundial e mentalidade introvertida dos próprios empresários. Ausência de mecanismos financeiros para a projeção externa dessas empresas, o que é válido no plano interno também, a despeito do apoio de uma agência pública como o BNDES. Poucos executivos possuem realmente os requisitos da internacionalização, sobretudo porque as universidades e outras escolas estão pouco conectadas com congêneres nos países desenvolvidos. Essas empresas foram, durante muito tempo, protegidas “contra” a competição externa, em vista de políticas públicas protecionistas e nacionalistas, ou basicamente introvertidas.

5)     A Rússia tem realmente capacidade de se tornar tão grande quanto as projeções do Goldman Sachs mostram? O que a Rússia tem atualmente de superpotência e o que falta para ela?
R: Trata-se de uma potência nuclear, ou militar, e a esse título incorporada ao G-7, mas que carece de outras condições econômicas e tecnológicas para realmente liderar o mundo no sentido da interdependência ativa, em conformidade com a globalização. Ela tem muitos recursos naturais, alguns deles estratégicos, como petróleo e gás, mas tem uma população em declínio e condições de governança ainda deficientes.

6)     A Índia tem uma população gigantesca e é a casa de grandes milionários, o que mais esse país tem a favor e o que ele tem contra seu crescimento?
R: A favor, uma inserção quase natural na globalização, graças à herança inglesa deixada pela antiga metrópole colonial, o que se manifesta no regime político democrático, no sistema jurídico “inglês” e em certas instituições universitárias. Uma diáspora indiana nos EUA permitiu fazer um link de negócios e de serviços com as empresas inovadoras desse país e associar mais estreitamente os indianos à economia global. De negativo, uma infra-estrutura pavorosa, uma população miserável, taxas de analfabetismo ainda enormes – o que a rigor não impede sua inserção na globalização – e um ambiente regulatório ainda negativo para os negócios de forma geral.

7)     A China é hoje a fábrica mundial devido aos seus baixos custos? Essa posição é favorável para o país? E para o cenário mundial?
R: Certamente, para ambos. A principal vantagem comparativa, absoluta e relativa, da China, é sua grande população, daí a condição imbatível na produção de manufaturas de massa, especialmente eletrônicos, mas produtos industriais em geral. Isso é excelente para a China, elevando a qualificação profissional de sua população, trazendo renda e prosperidade para o país, e ainda melhor para o mundo, pois isso tem um efeito deflacionário, do contrário o custo de vida teria se elevado no plano mundial. Por outro lado, ela está fazendo um “favor” aos países avançados, ao obrigá-los a constantemente se elevar na escala tecnológica, ao dominar de modo quase absoluto as tecnologias disponíveis. Tudo isso é extremamente positivo para a economia mundial, ainda que possa “destruir” empregos nos países desenvolvidos (e em alguns intermediários, como o Brasil).

8)     Como um país comunista chegou onde a China está hoje?
R: O comunismo foi um parênteses “passageiro” na história milenar da China, uma sociedade de grandes tradições culturais e científicas, uma grande economia, “temporariamente” diminuída por dois ou três séculos de decadência tecnológica e de dominação ocidental, atrasada ainda mais por um regime disfuncional como o socialismo centralizado, e agora operando uma volta em força para o centro da economia mundial, ainda que não totalmente de forma autônoma, na atual conjuntura. O comunismo foi um enorme atraso, embora um a mais, em dois ou três séculos de decadência contínua. A China está apenas recuperando o tempo perdido agora, da mesma forma que sempre fez nos períodos anteriores, isto é, de maneira autoritária, centralizada, imperial e despótica. O comunismo combina com a história secular da China, de governos centralizados e autoritários, sem respeito aos direitos humanos ou ao meio ambiente. Ou seja, a China continua fundamentalmente igual, mas agora incorporando tecnologia estrangeira, o que não era o caso anteriormente.

9)     Não existe um acordo envolvendo os quatro países, um acordo assim pode vir a existir? Pode-se criar um bloco econômico BRIC?
R: Existem tentativas de criação de um grupo “diplomático” dos BRIC, out of this intellectual exercise made by Goldman Sachs. Ocorreram contatos diplomáticos, reuniões informais e até uma reunião formal de vice-ministros, preparando uma reunião formal de ministros do que pode ser o “lançamento” formal de um novo G-4, ou “the BRIC”. Trata-se provavelmente mais de impulso “narcisista” do que propriamente um grupo unido em torno de uma agenda comum, não fosse, talvez, o desejo inconfessado de contestar o “velho” G-7, do qual a Rússia faz parte, no G-8, mas numa posição que sempre foi “bizarra”, para dizer o mínimo. Cada um deles pode ter suas motivações peculiares para “opor-se” ao G-7, que pode ser o motivo mais evidente da constituição desse grupo, uma vez que não está visível, de imediato, que agenda comum “a favor” possa uni-los. Seria, de todo modo, um bloco bem mais político, ou diplomático, do que econômico, ainda que fundamentado no fato de que os quatro foram os “designados” – pela divina providência do Goldman Sachs – para “superar” o atual G-6.

10)  Comparando-se os BRIC’s, qual a maior semelhança e qual a maior diferença entre os países?
R: São todos “emergentes”, ou seja, países de grande crescimento e de grandes possibilidades na economia mundial, mas como diferentes modos de inserção nessa economia. Dois grandes fornecedores de commodities, mas diferentes, como Brasil e Rússia – com commodities agrícolas e energéticos, respectivamente – e dois países voltados para as tecnologias inovadoras, como China e India, mas com diferentes capacitações nesses terrenos manufatureiros ou de serviços. De todos, o Brasil é inquestionavelmente o mais “capitalista” de todos, a despeito de suas deficiências regulatórias. Tambem, com a India, tem estruturas políticas formalmente democráticas, ainda que de baixa qualidade, tendo em vista o constante desrespeito à lei por parte das próprias autoridades. Sua taxa de corrupção pode não ser mais alta ou mais baixa do que os outros três, mas é certamente entranhada na máquina pública, como qualquer registro jornalístico poderia comprovar, mas essa característica parece ser igualmente partilhada pelos demais. Os outros três são potências nucleares reconhecidas, embora apenas Rússia e China sejam formalmente aceitas e “legitimadas” nessa categoria.

11)  O que você tem a dizer sobre o BRIC?
R: Existem enormes diferenças estruturais, de dotação de fatores, de políticas públicas – macroeconômicas e setoriais – entre cada um deles, assim como eles ostentam agendas internacionais bastante dessemelhantes entre si, não sendo possível visualizar, prima facie, interesses comuns, a não ser, talvez, o já alegado “interesse” – mais presumido do que real, talvez – em contestar o poder das velhas potências (do G-7) para melhor assentar o seu próprio poder.
                  Mas esse tipo de “disputa” é irrelevante do ponto de vista de uma agenda positiva para o resto do planeta, ocupado em problemas de insegurança, de desenvolvimento deficiente em vários continentes – com pobreza disseminada em várias regiões – e as ameaças ambientais e de epidemias globais ainda remanescentes ou até crescentes.
                  Os BRICs dariam uma enorme contribuição ao mundo se pudessem apresentar agendas minimamente coincidentes sobre como resolver, ou pelo menos encaminhar, alguns desses problemas mais urgentes.
 Paulo Roberto de Almeida

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