VOTANDO E APRENDENDO A VOTAR
FERNANDO GABEIRA
O Estado de S.Paulo, 07/10/2016
Não tenho o hábito de comemorar
derrota de adversários, porque me lembro de que também já tive as minhas,
aritmeticamente, humilhantes. No entanto, o resultado das eleições é uma
espécie de confirmação eleitoral do fim de uma época.
Na verdade, o marco inaugural foi o
impeachment, que muitos insistem em dizer que foi produto de uma articulação
conservadora e dos meios de comunicação. Os defensores dessa tese têm uma nova
dificuldade. Se tudo foi mesmo manobra de uma elite reacionária, se estavam
sendo punidos pelo bem que fizeram, por que o povo não saiu em sua defesa nas
urnas?
Sei que a resposta imediata é esta:
a Operação Lava Jato, o bombardeio da imprensa, tudo isso produz uma falsa
consciência. Esse argumento é uma armadilha. Nas cartilhas, exaltamos a sabedoria
popular. Vitoriosos nas urnas, é para ela que apontamos, a sabedoria popular.
De repente, foram todos hipnotizados pela propaganda?
Considero que estas eleições
mostraram também uma grande distância entre campanhas e eleitores. No entanto,
o declínio geral do sistema político não pode servir de refúgio para esconder a
própria derrota.
Em certos momentos da História é
difícil delimitar a fronteira entre um movimento político e uma seita
religiosa. Mesmo antes do período eleitoral, tive uma intuição do que isso
representa. Estava pedalando pela Lagoa, no Rio de Janeiro, e uma jovem com
fone no ouvido gritou: “Golpista!”. Saía da natação, era uma bela manhã de
setembro, sorri para ela.
Na verdade, estava a caminho de casa
para ler o relatório da Polícia Federal sobre as atividades de Antônio Palocci
que envolvem os governos do PT. Imaginava o que iria encontrar. Ao chegar em
casa pensei nela, na moça com dois fios saindo do ouvido. Se pudesse ler isso
que li e tudo o que tenho lido, talvez compreendesse o que é ser dirigido por
uma quadrilha de políticos e empreiteiros.
Num raciocínio de rua, pensei ao cruzar com operários da Odebrecht que
trabalham nas obras do metrô na Lagoa: esses são gentis, dizem bom-dia.
Bobagem de manhã de setembro, mas
uma intuição: enquanto se encarar a queda de um governo que assaltou e arruinou
o Brasil como um golpe de Estado, será muito difícil deixar os limites da seita
religiosa e voltar à dimensão da vida política.
Há derrotas e derrotas. A mais
desagradável é quando não existe uma única voz sensata, dizendo a frase
consoladora: o pior já passou.
Quem lê o que se escreve em
Curitiba, não só os contos de Dalton Trevisan, mas os relatórios da Lava Jato,
percebe que muita água vai rolar.
As eleições não mostraram apenas uma
derrota do PT, mas revelaram a agonia do sistema político. Certamente, as de
2018 serão ainda mais decisivas para precipitar a mudança.
Esse é um dos debates que já correm
por fora. Às vezes, tocando em aspectos do problema, como o foro privilegiado,
o número de partidos; às vezes, discutindo uma opção mais ampla, como a mudança
do próprio regime.
Certamente, um novo eixo mais
importante de debate se vai travar entre as forças que apoiaram o impeachment.
Não são homogêneas, têm diferentes concepções.
A derrocada do populismo de esquerda
não significa que não possa surgir algo desse tipo no outro lado do espectro
político. Os eleitos de agora têm uma grande responsabilidade não somente com a
aspereza do momento econômico, mas também com sua própria trajetória.
Se o sistema político está em
agonia, isso não significa que será renovado a partir do zero. A História não
começa nunca do zero. Um novo sistema político carregará ainda muitos feridos
das batalhas anteriores. E talvez alguns mortos, por curto espaço de tempo.
Creio que o alto nível de abstenção
e votos nulos possa fortalecer esse debate. Embora a abstenção elevada seja um
fenômeno internacional.
No mesmo dias das eleições
municipais no Brasil, a Colômbia votou o referendo sobre o acordo de paz.
Abstenção: 62%. Na Hungria, votou-se o projeto europeu de cotas para receber
imigrantes. O número de eleitores foi inferior a 50%, invalidando a votação.
Cada lugar tem também suas causas
específicas para que tanta gente não se importe com algo que nos parece.
As eleições confirmaram que a
qualidade dos políticos representa muito no aumento do descrédito. Mesmo em
países com voto facultativo e, relativamente, altos níveis de abstenção, isso
parece confirmar-se. Uma campanha como a de Obama atraiu mais gente para as
urnas nos EUA.
Depois das eleições começa a etapa
em que a superação da crise econômica entra para valer na agenda. Sempre haverá
quem se coloque contra todas as reformas e projete nelas todas as maldades do
mundo.
Mas entre os que consideram as
mudanças necessárias é preciso haver a preocupação de que os mais vulneráveis
não sejam atingidos. O instrumento para atenuar o caminho é um nível de
informação mais alto sobre cada movimento.
Tenho a impressão de que o
Ministério da Educação compreendeu isso na reforma do ensino médio. Outros
fatores contribuem para que a discussão seja adequada ao momento. Várias vozes
na sociedade já se manifestam a respeito da reforma.
E, além disso, é um tema bastante
debatido. Lembro-me de que em 2008 Simon Schwartzman me alertou para o absurdo
do ensino médio brasileiro. Defendi a reforma e não me recordo de ninguém que
defendesse o ensino médio tal como existe hoje. Por que conter o avanço?
É o tipo do momento em que é preciso
esquecer diferenças partidárias. Os índices negativos estão aí para comprovar.
O Congresso pode discutir amplamente
o tema, apesar da forma, por medida provisória. Mesmo as críticas sobre a
retirada da obrigatoriedade da educação física devem ser consideradas – embora
eu ache a educação física facultativa mais eficaz que a obrigatória. E mais
agradável para o corpo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário