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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016
Brasil tem ensino ruim, estagnado e desigual - OESP
Ligia Guimarães e Lucas Marchesini |
De São Paulo e Brasília/OESP, 7/12/2016
Os números do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2015, considerado um dos principais termômetros da educação básica, reforçam a percepção de que o Brasil ainda não conseguiu atingir objetivos básicos em educação.
Os dados da prova, que avalia trienalmente alunos na faixa dos 15 anos de idade em matemática, ciências e leitura, evidenciam que desempenho dos alunos brasileiros segue estagnado em níveis muito abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mostra também que o país ainda gasta pouco em educação na comparação com países desenvolvidos, mas, mesmo quando investe mais, ainda não aprendeu a fazê-lo de forma eficiente, que leve a avanços no aprendizado.
Entre os 70 países comparados na pesquisa, o Brasil aparece entre as piores posições nas três disciplinas - o que, para a OCDE, representa estagnação em relação a 2012, edição mais recente da avaliação. Além de ruim, o desempenho do Brasil em ciências, leitura e matemática no Pisa é altamente concentrado; um grupo muito restrito de alunos tem as notas mais altas, enquanto a maioria segue em patamares de conhecimento abaixo do que é considerado mínimo para formar cidadãos plenos.
Em uma amostra de mais de 23 mil estudantes de 841 escolas públicas e privadas de todo o Brasil, o Pisa indica que 51% dos alunos brasileiros não conseguem atingir o nível 2 em leitura, que a OCDE considera o mínimo necessário para que os jovens possam exercer sua cidadania. Significa, na prática, que quem está abaixo do nível 2 é incapaz de interpretar um texto ou relacioná-lo a conhecimento que já detém. Por outro lado, só 1,4% dos brasileiros estão entre as melhores notas em leitura, bem abaixo da média de 8,3% da OCDE.
Em matemática, o resultado é ainda pior: 70% dos alunos brasileiros ficaram abaixo do nível 2, que os capacitaria a interpretar e reconhecer situações em contextos que não exigem mais do que inferência direta. Ou empregar fórmulas básicas para resolver problemas com números inteiros.
"Nenhum outro país da OCDE tem proporção tão grande de desempenho baixo em matemática", informa o relatório da OCDE, que acrescenta que apenas três países da América Latina chegam perto do Brasil: Colômbia e Peru (ambos próximos a 66%) e a República Dominicana, onde mais de 90% dos alunos não conseguem atingir o mínimo em matemática".
Na média dos países da OCDE, um em cada dez alunos tem os melhores desempenhos possíveis na matemática do Pisa. Em contraste, no Brasil, só um em cada cem alunos consegue as melhores notas. "Essa proporção brasileira, dez vezes pior que a média da OCDE, está estagnada desde 2003".
Em ciências, foco da edição 2015 do Pisa e área com maior número de perguntas na avaliação, menos de 1% dos estudantes brasileiros atingiu os dois níveis mais elevados da escala de notas de ciências do Pisa, percentual estagnado desde 2006. A nota média dos alunos brasileiros em ciências foi de 401 pontos, levemente melhor em relação a 2006 (390 pontos), última vez em que as provas do Pisa tiveram foco em ciências.
Em leitura, a pontuação média brasileira ficou em 407 pontos, ante 493 pontos da OCDE. Em matemática, o desempenho dos alunos brasileiros caiu 11 pontos entre 2012 e 2015, de 389 para 377. Apesar da queda, a OCDE destaca que o Brasil acumula em matemática um avanço de 21 pontos entre 2003 e 2015, o que equivale a um avanço de 6,2 pontos a cada três anos.
A piora recente das notas em matemática, de acordo com a OCDE, se deu por um aprofundamento da desigualdade de resultados: enquanto os 10% dos alunos brasileiros com notas mais altas continuaram a ter desempenho próximo à média da OCDE, os 10% com as piores notas ficaram ainda mais para trás nos últimos anos. "O aprofundamento da desigualdade serve para ressaltar os desafios significantes que o Brasil enfrenta para integrar os alunos mais fracos", afirma o relatório.
Uma boa notícia nos dados do Pisa é que o Brasil conseguiu, desde 2003, incluir mais alunos de 15 anos de idade na escola sem perder qualidade, como seria esperado. O relatório destaca que, em 2015, 71% dos jovens de 15 anos estavam matriculados na escola - na sétima série ou nível superior -- parcela 15% maior do que era em 2003, proeza que a OCDE classifica como "melhoria notável". Em comparação com 2003, no Pisa 2015 verifica-se aumento de cinco pontos percentuais de jovens brasileiros no nível 2 ou acima, apesar da expansão do número de matrículas.
A análise por unidades da federação também revela desigualdades regionais. Enquanto 59,1% dos estudantes do Espírito Santo estão abaixo do nível 2, em Alagoas esse percentual é de 83,2%.
O Pisa compara ainda o desempenho das redes de ensino municipal, estadual, federal e privada no Brasil. Os melhores desempenhos estão na rede federal que, no caso dos alunos de 15 anos de idade, contempla os institutos técnicos federais, que oferecem cursos para quem já concluiu o ensino fundamental. Nessas instituições, há provas de entrada que selecionam os melhores alunos.
No Brasil, em matemática, o desempenho médio dos meninos supera o das meninas em 15 pontos; na média da OCDE, a diferença é de 8 pontos. Embora a discrepância entre os gêneros esteja bem próxima ao que era em 2003 (ano em que o foco das provas era matemática e, por isso, considerada a comparação mais adequada para essa disciplina pela OCDE), a média dos meninos e meninas melhorou bastante desde então. Desde 2003, a média dos meninos em matemática subiu 20 pontos e, das meninas, 21 pontos.
O Pisa mostra também que o gasto com educação no Brasil cresceu desde 2012, mas não se traduziu em avanços de aprendizado. O investimento por aluno acumulado entre as idades de 6 e 15 anos (US$ 38.190) corresponde a menos da metade, 42%, da média por aluno dos países da OCDE (US$ 90.294); em 2012, o montante brasileiro representava 32% na comparação com o bloco.
Em comparação à média da OCDE, o PIB per capita do Brasil também representa menos da metade. O que o relatório destaca, no entanto, é que outros países que não gastam tanto quanto as economias mais ricas, como Colômbia, México e Uruguai, investem menos que o Brasil por aluno, mas tem desempenho melhor, embora longe de ser considerada a ideal, em ciências, por exemplo. O Chile, que tem gasto similar ao do Brasil (US$ 40.607), tem desempenho bem melhor em ciências (447 pontos, contra 401 do Brasil e 493 da média da OCDE).
Baixa avaliação em programa global é resultado da ausência de reformas
Ligia Guimarães | De São Paulo
A estagnação do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), divulgado ontem, reflete a ausência de reformas na educação no Brasil desde 2012, ano da última edição do teste, na opinião do professor e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fernando Abrucio.
"Esse retrato já é conhecido há algum tempo, não é novidade. Infelizmente, nos últimos três ou quatro anos, nós não avançamos em reformas na educação", afirma Abrucio. Para ele, as evidências de que o país tem um sério gargalo na educação do ensino fundamental (1º ao 9º anos) já eram conhecidas por meio das avaliações nacionais, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
"Sempre que sai o Pisa, que compara realidades socioeconômicas diferentes, o Brasil entra em um chororô enorme. Precisamos fazer um chororô também quando nos comparamos a nós mesmos", diz o pesquisador. Para ele, o diagnóstico é claro: o Brasil tem melhorado nos primeiros anos do fundamental (1º ao 3º), estagnado nos últimos (7º ao 9º) e piorado no ensino médio.
O retrato ruim mostrado no Pisa de 2015, diz Abrucio, não será resolvido com a reforma do ensino médio proposta pelo governo federal. Embora aos 15 anos os estudantes devessem estar iniciando o ensino médio, no Brasil eles estão em grande parte atrasados e repetentes, ainda terminando o fundamental. "Temos no Brasil grande distorção idade/série, coisa que outros países não têm. Esse resultado não está avaliando o ensino médio do Brasil, mas o fundamental", diz o pesquisador da FGV.
Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) e professora visitante na Faculdade de Educação da Universidade de Harvard, diz que apenas uma mudança estrutural na formação de professores no Brasil reverteria o péssimo desempenho do Brasil em avaliações como o Pisa. Exigiria uma reforma, diz ela, no currículo dos professores e no modo de ensiná-los. Cláudia diz que países bem-sucedidos em educação, como a Finlândia, tiveram no investimento nos professores a chave para o sucesso. "O que a escola privada e a pública têm em comum? Os professores, que aprenderam a mesma coisa na faculdade", diz.
Para a especialista, o Brasil também precisa aprender a gastar com mais eficiência, já que o aumento de investimento não se traduziu em melhora do resultado nos últimos anos. Há áreas, no entanto, como a valorização salarial dos professores, que exigirão aumento de recursos - e nesse ponto, a PEC 55, que cria um teto para os gastos públicos, preocupa.
"A PEC cortou possibilidades de incremento de recursos para a educação", diz. "A educação tem muita coisa em que não se precisa gastar muito, mas se você quer tornar a profissão de professor mais atrativa, tem que pagar mais.", afirma Cláudia, que defende que a PEC seja revista.
Abrucio diz que a PEC 55 só não será "desastrosa" para a educação se vier acompanhada de outras medidas, como uma bem-sucedida e expressiva reforma da Previdência, ou do aumento de impostos. O especialista da FGV destaca que, além do ajuste fiscal, o governo precisa atuar em medidas pró-crescimento, como elevar a produtividade da economia brasileira por meio da educação.
"O Brasil tem que investir mais em melhor em educação se quiser sair dessa ´barafunda´ econômica. Se aqui a dez anos o Brasil não tiver capital humano qualificado, não vai elevar a produtividade e nem aumento de receita. E daí não vai ter onde cortar mais", diz.
Na visão de Abrucio, o Brasil vivenciou um período de crescimento econômico antes de educar toda a população, fenômeno que resultou na baixa qualificação e produtividade da mão de obra brasileira e só poderá ser revertido com educação.
"Na hora em que acaba esse crescimento, que tinha muito a ver com ciclos externos e demanda reprimida de consumo, veio a conta e descobrimos que, para crescermos nos próximos anos, precisaremos elevar a produtividade", diz. "E o governo tem que fazer o ajuste fiscal, mas investir em estratégias que produzam crescimento
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